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Document 62003CJ0462

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 16 de Junho de 2005.
Strabag AG (C-462/03) e Kostmann GmbH (C-463/03) contra Österreichische Bundesbahnen.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesvergabeamt - Áustria.
Contratos públicos - Directiva 93/38/CEE - Sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações - Conceitos de "exploração" e de "colocação à disposição" de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho-de-ferro - Obras de infra-estrutura ferroviária.
Processos apensos C-462/03 e C-463/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-05397

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:389

Processos apensos C‑462/03 e C‑463/03

Strabag AG e Kostmann GmbH

contra

Österreichische Bundesbahnen

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesvergabeamt)

«Contratos públicos – Directiva 93/38/CEE – Sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações – Conceitos de ‘exploração’ e de ‘colocação à disposição’ de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro – Obras de infra‑estrutura ferroviária»

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de Junho de 2005 

Sumário do acórdão

Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações – Directiva 93/38 – Âmbito de aplicação – Entidades adjudicantes que exercem uma das actividades a que se refere a directiva e que celebram um contrato ou organizam um concurso para a prossecução dessa actividade

(Directiva 93/38 do Conselho, artigos 2.°, n.° 2, 4.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1)

A aplicabilidade da Directiva 93/38, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, depende da actividade exercida pela entidade adjudicante em questão e das relações existentes entre esta mesma actividade e o contrato projectado pela referida entidade. Se esta última exercer uma das actividades a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, da mesma directiva e projectar, no exercício dessa actividade, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar, a celebração de um contrato de prestação de serviços, de empreitada ou de fornecimento, ou a abertura de um concurso, aplicam‑se a esse contrato ou a esse concurso as disposições desta directiva. Caso contrário, o referido contrato ou concurso será regido pelas normas previstas pelas directivas relativas, consoante o caso, à celebração de contratos de prestação de serviços, de empreitadas ou de fornecimentos.

Efectivamente, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/38, esta não é aplicável, nomeadamente, aos contratos ou aos concursos que as entidades adjudicantes celebrem ou organizem para fins diferentes do da prossecução das suas actividades referidas no n.° 2 do artigo 2.°, desta directiva. Além disso, a mesma não deve ser aplicada às actividades destas entidades que não digam respeito aos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, ou que, ainda que façam parte deles, se encontrem directamente sujeitas ao jogo da concorrência em mercados cujo acesso não seja limitado.

(cf. n.os 37‑39, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de Junho de 2005 (*)

«Contratos públicos – Directiva 93/38/CEE – Sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações – Conceitos de ‘exploração’ e de ‘colocação à disposição’ de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro – Obras de infra‑estrutura ferroviária»

Nos processos apensos C‑462/03 e C‑463/03,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Bundesvergabeamt (Áustria), por decisões de 27 de Outubro de 2003, entrados no Tribunal de Justiça em 4 de Novembro de 2003, nos processos

Strabag AG (C‑462/03),

Kostmann GmbH (C‑463/03)

contra

Österreichische Bundesbahnen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, R. Schintgen, G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogado‑geral: P. Léger,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações escritas apresentadas:

–       em representação da Strabag AG, por W. Mecenovic, Rechtsanwalt,

–       em representação da Kostmann GmbH, por R. Kurbos, Rechtsanwalt,

–       em representação dos Österreichische Bundesbahnen, por J. Schramm, Rechtsanwalt,

–       em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo francês, por G. de Bergues e D. Petrausch, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo neerlandês, por S. Terstal e N. A. J. Bel, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Wiedner, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84).

2       Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, respectivamente, a Strabag AG (a seguir «Strabag») e a Kostmann GmbH (a seguir «Kostmann») aos Österreichische Bundesbahnen (sociedade nacional dos caminhos‑de‑ferro austríacos, a seguir «ÖBB»), a propósito da adjudicação, a empresas concorrentes daquelas, de empreitadas referentes à construção e ao desdobramento de vias férreas e respeitantes, designadamente, à realização de obras de terraplanagem, de nivelamento e em betão armado, bem como à construção de pontes e obras ferroviárias.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 1.° da Directiva 93/38 define certos conceitos por ela utilizados. Assim, nos termos dos pontos 1, 2, 4 e 7 deste artigo, entende‑se por:

«1.      Poderes públicos: o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

Considera‑se organismo de direito público, qualquer organismo:

–       criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com um carácter não industrial ou comercial,

–       dotado de personalidade jurídica, e

–       cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, quer a respectiva gestão esteja submetida ao controlo destas entidades quer os órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público;

2.      Empresa pública: qualquer empresa em relação à qual os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante, em virtude da propriedade, da participação financeira ou das normas que lhe são aplicáveis. Presume‑se a existência de influência dominante quando, directa ou indirectamente, em relação a uma empresa, esses poderes:

–       detenham uma participação maioritária no capital subscrito da empresa, ou

–       disponham da maioria dos votos correspondentes às acções emitidas pela empresa, ou

–       tenham a possibilidade de designar mais de metade dos membros dos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa;

–       […]

4.      Contratos […] de empreitada […]: contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre uma das entidades adjudicantes definidas no artigo 2.° e um […] empreiteiro […] e que têm por objecto […] quer a execução, quer simultaneamente a execução e a concepção, quer a realização, por qualquer meio, de obras de construção ou de engenharia civil referidas no anexo XI. Além disso, estes contratos podem incluir os fornecimentos e os serviços necessários à sua execução […].

[…]

7.      Concursos públicos, concursos limitados e processos por negociação: os processos de celebração aplicados pelas entidades adjudicantes em que:

a)      No que se refere aos concursos públicos, todos os fornecedores, empreiteiros ou prestadores de serviços interessados podem apresentar propostas;

b)      No caso dos concursos limitados, só os candidatos convidados pela entidade adjudicante podem apresentar propostas;

c)      No caso dos processos por negociação, a entidade adjudicante consulta os fornecedores, os empreiteiros ou os prestadores de serviços da sua escolha, negociando com um ou mais de entre eles as condições do contrato.»

4       Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 93/38, esta aplica‑se às «entidades adjudicantes:

a)      Que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das actividades definidas no n.° 2;

[…]»

5       Descritas no artigo 2.°, n.° 2, desta directiva, as actividades que se inserem no seu âmbito de aplicação – evocadas no n.° 1 do mesmo artigo – são as seguintes:

«a)      O fornecimento ou a exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio da produção, do transporte ou da distribuição de:

i)      água potável, ou

ii)      electricidade, ou

iii)      gás ou calor,

ou a alimentação dessas redes com água potável, electricidade, gás ou calor;

b)      A exploração de uma área geográfica para efeitos de:

i)      prospecção ou extracção de petróleo, gás, carvão ou outros combustíveis sólidos, ou

ii)      colocar à disposição dos transportadores aéreos, marítimos ou fluviais, aeroportos, portos marítimos ou interiores ou outros terminais de transporte;

c)      A exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro, sistemas automáticos, eléctricos, tróleis ou autocarros, ou cabo.

No que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado em condições de funcionamento estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro em relação, por exemplo, aos itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível ou à frequência do serviço;

d)      A colocação à disposição ou a exploração de redes públicas de telecomunicações ou a prestação de um ou mais serviços públicos de telecomunicações.»

6       O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 93/38 enuncia:

«Para celebrarem os seus contratos de fornecimento, de empreitada e de prestação de serviços ou organizarem os respectivos concursos de concepção, as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos que se adaptem às disposições da presente directiva.»

7       O artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva precisa que esta «não é aplicável aos contratos ou aos concursos de concepção que as entidades adjudicantes celebrem ou organizem para fins diferentes do da prossecução das suas actividades referidas no n.° 2 do artigo 2.°, ou para a prossecução dessas actividades num país terceiro, em condições que não impliquem a exploração física de uma rede ou de uma área geográfica no interior da Comunidade.»

8       Por último, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, da Directiva 93/38, «[a]s entidades adjudicantes podem escolher qualquer dos processos referidos no n.° 7 do artigo 1.°, desde que, sem prejuízo do disposto no n.° 2, tenha sido aberto concurso nos termos do artigo 21.°». O referido n.° 2 enumera precisamente os casos em que as entidades adjudicantes podem recorrer a um procedimento sem concurso prévio.

 Legislação nacional

 Lei federal de 1997 sobre a celebração de contratos públicos

9       No direito austríaco, a Directiva 93/38 foi aplicada pela Lei federal de 1997 sobre a celebração de contratos públicos [Bundesgesetz über die Vergabe von Aufträgen (Bundesvergabegesetz) 1997, BGBl. I, 56/1997, a seguir «BVergG 1997»]. Nos termos do § 84, n.os 1, 2 e 4, que figuram no capítulo 5 desta lei, intitulado «Disposições específicas relativas às entidades adjudicantes nos sectores da água, da energia e dos transportes, bem como no sector das telecomunicações»:

«(1)      São aplicáveis unicamente as disposições deste capítulo se as entidades adjudicantes às quais a presente lei se refere exercerem uma actividade na acepção do n.° 2 […].

(2)      As actividades a que se refere o n.° 1 são as seguintes:

1.      a colocação à disposição ou a exploração de redes fixas […]

2.      a exploração de uma área geográfica delimitada para efeitos de […]

3.      a exploração de redes fixas de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro, sistemas automáticos, carros eléctricos, tróleis ou autocarros, ou cabo;

4.      a colocação à disposição ou a exploração de redes públicas de telecomunicações ou a prestação de um ou mais serviços públicos de telecomunicações.

[…]

(4)      No que respeita aos serviços de transportes a que se refere o n.° 2, ponto 3, considera‑se que existe uma rede quando o serviço for fornecido nas condições determinadas por uma autoridade competente, como as condições referentes aos itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível ou à frequência do serviço. […]»

10     O § 113 da BVergG 1997 determina as competências do Bundesvergabeamt (serviço federal de adjudicações). Prevê o seguinte:

«(1)      O Bundesvergabeamt é competente para conhecer dos recursos para o mesmo interpostos, em conformidade com as disposições do capítulo seguinte.

(2)      A fim de pôr termo às violações da presente lei federal e dos seus regulamentos de aplicação, o Bundesvergabeamt é competente, até à adjudicação do contrato, para:

1.      decretar medidas provisórias, e

2.      anular as decisões ilegais da entidade adjudicante.

(3)      Após a adjudicação do contrato ou após o encerramento do processo de adjudicação, o Bundesvergabeamt é competente para declarar que, devido a uma infracção à presente lei federal ou aos seus regulamentos de aplicação, o contrato não foi adjudicado ao melhor proponente. […]»

 Lei federal de 2002 sobre a celebração de contratos públicos

11     A BVergG 1997 foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2002, por uma nova lei federal sobre a celebração de contratos públicos [Bundesgesetz über die Vergabe von Aufträgen (Bundesvergabegesetz) 2002, BGBl. I, 99/2002, a seguir «BVergG 2002»]. O § 120 desta última lei retoma, em grande medida, os termos do § 84 da BVergG 1997. Diversamente deste último, o referido § 120, n.° 2, ponto 3, dispõe, todavia, no que toca ao sector dos transportes, que tanto a exploração como a colocação à disposição de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro, sistemas automáticos, carros eléctricos, autocarros, tróleis ou cabo figuram entre as actividades a que se refere o seu n.° 1 e às quais se aplica, por conseguinte, o regime específico previsto pela Directiva 93/38.

12     No que respeita às competências atribuídas ao Bundesvergabeamt, a BVergG 2002 também se inspira, em larga medida, nas disposições da BVergG 1997, retomando nomeadamente o § 162 da BVergG 2002, com algumas alterações, os termos do § 113 da BVergG 1997.

13     O § 188 da BVergG 2002, respeitante à entrada em vigor desta lei e à revogação da BVergG 1997, precisa, no seu n.° 1, que a BVergG 2002 não é aplicável aos processos de celebração de contratos iniciados antes da data da sua entrada em vigor. Por conseguinte, o n.° 3 da mesma disposição prevê que, se tiverem sido interpostos recursos para o Bundesvergabeamt antes de 1 de Setembro de 2002, este órgão jurisdicional está, em princípio, obrigado a prosseguir o exame dos referidos recursos com base nas disposições da BVergG 1997, na versão publicada no BGBl. I, 136/2001.

14     Por força do segundo período da mesma disposição, esta regra não é, contudo, aplicável em caso de suspensão da instância ou de um pedido de decisão prejudicial […]. Com efeito, nestas duas hipóteses, o Bundesvergabeamt, após ter decidido a questão que conduziu à referida suspensão ou após a recepção da decisão prejudicial, é obrigado a prosseguir a tramitação com base nas disposições da BVergG 2002.

 Litígios nas causas principais e questões prejudiciais

15     Os litígios nas causas principais assentam em factos semelhantes. Têm por origem a decisão através da qual os ÖBB – sociedade cujo capital é detido na totalidade pelo Estado austríaco e cuja missão consiste, em conformidade com o § 1, n.° 3, da Lei federal de 1992 sobre os caminhos‑de‑ferro (Bundesbahngesetz 1992, BGBl. 825/1992), em assegurar o transporte de pessoas e bens assim como a construção e a manutenção de todas as infra‑estruturas necessárias para esses fins – rejeitaram as propostas apresentadas pelas sociedades recorrentes nas causas principais e adjudicaram a sociedades concorrentes destas os contratos de empreitada em questão nesses dois processos. A Strabag e a Kostmann contestam, no essencial, o recurso, pelos ÖBB, ao processo por negociação para a adjudicação dos contratos.

 Processo C‑462/03

16     Por comunicação de 29 de Dezembro de 2000, os ÖBB promoveram a publicação, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de um anúncio de concurso de empreitada para a realização de diversas obras em betão armado e para a construção de vias férreas bem como de pontes ferroviárias.

17     Catorze empresas de construção, entre as quais se contavam a Strabag e a Kostmann, apresentaram uma proposta no âmbito desse concurso. Todavia, as propostas daquelas foram rejeitadas. Tendo sido informada, por telecópia de 5 de Julho de 2002, do nome da adjudicatária designada pelos ÖBB, a Strabag decidiu interpor recurso da decisão de adjudicação do referido contrato de empreitada para o Bundesvergabeamt, ao qual requereu, em aplicação do § 113, n.° 2, da BVergG 1997, por um lado, a anulação desta decisão e, por outro, a adopção de medidas provisórias que consistiam, no caso concreto, em dirigir uma injunção à autoridade adjudicante para impedir a celebração do contrato em causa antes de ser proferida decisão quanto ao mérito do recurso.

18     Através de uma primeira decisão tomada em 22 de Julho de 2002, ou seja, no próprio dia da celebração do contrato entre os ÖBB e a empresa adjudicatária, o Bundesvergabeamt deferiu o pedido de medidas provisórias e decretou a injunção requerida pela Strabag.

19     Com a sua segunda decisão, datada de 30 de Agosto de 2002, este órgão jurisdicional, conhecendo do mérito, decidiu, contudo, que a adjudicação efectuada era conforme às normas nacionais e comunitárias referentes aos contratos públicos, pelo que já não era possível dar provimento ao pedido de anulação do referido contrato. Nesta mesma decisão, o Bundesvergabeamt concluiu, no entanto, que o recurso ao processo por negociação para a celebração dos contratos era ilegal. A este respeito, encontrou fundamento no facto de o projecto de infra‑estruturas em questão na causa principal respeitar à «colocação à disposição» de uma rede de transportes públicos e não poder, portanto, ser considerado uma actividade incluída no sector a que se refere o § 84, n.° 2, ponto 3, da BVergG 1997. Segundo o Bundesvergabeamt, a verificação da existência desta ilegalidade não exigia, todavia, a apresentação ao Tribunal de Justiça de uma questão respeitante à interpretação da regulamentação comunitária, pois as disposições em questão do direito interno são claras e reflectem fielmente neste aspecto os termos da Directiva 93/38 e, mais particularmente, os do seu artigo 2.°, n.° 2, alínea c).

20     Na sequência desta última decisão, a Strabag, por um lado, interpôs recurso da mesma para o Verfassungsgerichtshof, alegando, nomeadamente, que o seu pedido de que fosse submetido um pedido de decisão prejudicial foi erradamente indeferido pelo Bundesvergabeamt. Por outro lado, a Strabag requereu a este órgão jurisdicional que declarasse, nos termos do § 113, n.° 3, da BVergG 1997, que, em consequência da violação desta lei, o contrato não tinha sido adjudicado ao melhor proponente. A referida sociedade baseou‑se, a este respeito, na conclusão a que este órgão jurisdicional chegou, segundo a qual a escolha do processo por negociação efectuada pelos ÖBB era incorrecta. Datado de 30 de Agosto de 2002, este último pedido deu entrada no Bundesvergabeamt no dia 2 de Setembro seguinte, isto é, um dia após a entrada em vigor da BVergG 2002.

21     Entendendo, nestas circunstâncias, que estava perante uma questão que exigia a interpretação do direito comunitário à luz, nomeadamente, da nova redacção da disposição da BVergG 2002 referente ao sector dos transportes, isto é, o § 120, n.° 2, ponto 3, desta lei, e das diferenças existentes, tanto no plano terminológico como linguístico, entre as hipóteses a que se refere, por um lado, o artigo 2.°, n.° 2, alíneas a) e d), da Directiva 93/38 e as evocadas, por outro, no mesmo número, alíneas b) e c), o Bundesvergabeamt decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38/CEE deve ser interpretado no sentido de que, ao contrário das outras hipóteses previstas no seu artigo 2.°, n.° 2, no domínio dos transportes, ‘apenas’ a exploração de redes é de considerar como incluída nos sectores abrangidos pela directiva?

2)      Que actividades estão compreendidas no conceito de ‘exploração de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro’, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38/CEE? Em que medida devem nele ser subsumidas, designadamente, as medidas no domínio das infra‑estruturas? Até que ponto essas medidas no domínio das infra‑estruturas podem ser abrangidas pelo conceito de ‘colocação à disposição de redes’?

3)      No caso de, no domínio dos transportes (ferroviários), a Directiva 93/38/CEE apenas abranger a exploração de redes (caso de resposta afirmativa à primeira questão), não deve o organismo nacional de fiscalização aplicar uma disposição nacional de acordo com a qual, em contradição com a redacção da Directiva 93/38/CEE, também é considerada actividade incluída no sector a ‘colocação à disposição de redes de fornecimento de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro’?»

 Processo C‑463/03

22     Como foi referido no n.° 15 do presente acórdão, os factos na origem deste segundo processo são análogos aos que conduziram ao processo C‑462/03. Na sequência da publicação, pelos ÖBB, de vários anúncios de concursos de empreitada de obras de escavação, terraplanagem, nivelamento e trabalhos em betão, bem como de construção de pontes, poços, túneis e passagens subterrâneas, ligadas à construção ou ao desdobramento de determinadas vias férreas, a Kostmann apresentou propostas para lhe serem adjudicadas as referidas empreitadas.

23     Tendo sido informada pelos ÖBB de que a proposta que tinha apresentado no quadro do primeiro concurso não tinha sido seleccionada e de que o contrato tinha sido adjudicado a uma empresa concorrente, a Kostmann requereu, por carta de 13 de Dezembro de 2000, ao Bundesvergabeamt que declarasse, em aplicação do § 113, n.° 3, da BVergG 1997, que a empreitada não tinha sido adjudicada ao melhor proponente, devido, em seu entender, ao recurso injustificado, em violação desta lei, ao processo por negociação.

24     A legalidade do recurso a este último processo está igualmente em causa no diferendo que opõe a Kostmann aos ÖBB no que respeita aos demais anúncios de concurso publicados a pedido destes, no quadro dos recursos de anulação interpostos pela Kostmann para este mesmo órgão jurisdicional, por cartas de 13 de Dezembro de 2000 e de 13 de Janeiro de 2001, ou seja, apenas alguns dias depois da publicação dos referidos anúncios no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Também, nestes processos, as empreitadas foram adjudicadas a empresas concorrentes da recorrente na causa principal após, em certos casos, ter sido indeferido o pedido de medidas provisórias que esta tinha apresentado.

25     A argumentação invocada perante o Bundesvergabeamt nestes diferentes processos é, essencialmente, a mesma que aquela que está na origem do processo C‑462/03. Os ÖBB defendem o recurso ao processo por negociação para a celebração dos contratos, argumentando com o facto de os projectos de infra‑estruturas que conduziram aos diversos anúncios de concurso se inserirem no sector a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38 e a correspondente disposição da BVergG 1997, pelo que, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 1, desta directiva, a entidade adjudicante podia livremente recorrer a concurso público, ao concurso limitado ou ao processo por negociação. Pelo contrário, a Kostmann sustenta que os ÖBB deviam recorrer às normas ordinárias de celebração dos contratos e, nomeadamente, às previstas pela Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), que só a título excepcional prevê o recurso ao processo por negociação, quando as obras de infra‑estrutura em questão na causa principal não constarem das actividades abrangidas pelo sector a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38.

26     Entendendo, nestas condições, que os termos desta última directiva necessitavam de ser interpretados, o Bundesvergabeamt decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais, cujo teor é idêntico às questões expostas no n.° 21 do presente acórdão.

27     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2004, os processos C‑462/03 e C‑463/03 foram apensos para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão a proferir.

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

28     Nas observações que apresentou ao Tribunal, a Comissão das Comunidades Europeias exprime, a título liminar, dúvidas quanto à admissibilidade das questões colocadas. Alega, a este respeito, que estas revestem carácter puramente teórico, pois os ÖBB têm a qualidade de entidade adjudicante que exerce uma actividade especificamente mencionada no artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38 e os projectos de infra‑estruturas em questão nas causas principais apresentam um nexo directo com essa actividade. A questão de saber se a colocação à disposição de redes de caminho‑de‑ferro se enquadra, de um modo geral, no n.° 2, alínea c), deste artigo é, portanto, completamente desprovida de pertinência no que respeita aos processos nas causas principais.

29     A este propósito, importa recordar que, nos termos de jurisprudência assente, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. A recusa de este último se pronunciar sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.os 18 e 19; de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley, C‑373/00, Colect., p. I‑1931, n.os 21 e 22; bem como de 5 de Fevereiro de 2004, Schneider, C‑380/01, Colect., p. I‑1389, n.os 21 e 22).

30     Nos presentes processos, não se afigura manifestamente que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se insiram num destes casos concretos.

31     Com efeito, por um lado, não se pode sustentar que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto dos litígios nas causas principais ou que o problema colocado é de natureza hipotética, pois a apreciação, pelo referido órgão jurisdicional, da legalidade do recurso ao processo por negociação para celebração dos contratos depende, nomeadamente, da questão de saber se os projectos de infra‑estruturas em causa nos processos principais são ou não abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva 93/38.

32     Por outro lado, o Bundesvergabeamt forneceu efectivamente ao Tribunal de Justiça todos os elementos necessários para que este possa responder utilmente às questões que lhe foram colocadas.

33     Consequentemente, estas devem ser julgadas admissíveis.

 Quanto à primeira e à segunda questão

34     Com as suas duas primeiras questões, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, essencialmente, sobre o âmbito de aplicação material da Directiva 93/38. Com efeito, resulta tanto das explicações fornecidas nas decisões de reenvio como das observações apresentadas ao Tribunal que, através das suas questões relativas ao alcance dos termos «exploração» e «colocação à disposição» de redes de transporte, o Bundesvergabeamt procura saber se os projectos de infra‑estruturas em causa nos processos principais figuram entre as actividades incluídas no sector a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da directiva em questão e se a entidade adjudicante podia, por conseguinte, derrogar as normas ordinárias de celebração de contratos previstas pela Directiva 93/37 a favor das constantes da Directiva 93/38, que permitem um recurso mais amplo ao processo por negociação.

35     A este respeito, há que recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/38, esta aplica‑se às entidades adjudicantes que sejam poderes públicos ou empresas públicas e exerçam uma das actividades definidas no n.° 2 do mesmo artigo.

36     Decorre, por outro lado, do artigo 4.°, n.° 1, da referida directiva que, para celebrarem os seus contratos de fornecimento, de empreitada e de prestação de serviços ou organizarem os respectivos concursos, as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos que se adaptem às disposições da mesma directiva.

37     Como referiu de forma juridicamente correcta a Comissão nas suas observações escritas, decorre da leitura conjugada destas duas disposições que a aplicabilidade da Directiva 93/38 depende da actividade exercida pela entidade adjudicante em questão e das relações existentes entre esta mesma actividade e o contrato projectado pela referida entidade. Se esta última exercer uma das actividades a que se refere o artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 93/38 e projectar, no exercício dessa actividade, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar, a celebração de um contrato de prestação de serviços, de empreitada ou de fornecimento, ou a abertura de um concurso, aplicam‑se a esse contrato ou a esse concurso as disposições desta directiva. Caso contrário, o referido contrato ou concurso será regido pelas normas previstas pelas directivas relativas, consoante o caso, à celebração de contratos de prestação de serviços, de empreitadas ou de fornecimentos.

38     Esta interpretação é, de resto, corroborada de forma explícita tanto pelo próprio teor do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/38, nos termos do qual esta não se aplica, designadamente, aos contratos ou aos concursos que as entidades adjudicantes celebrem ou abram para fins diferentes do da prossecução das suas actividades referidas no artigo 2.°, n.° 2, da mesma directiva, como pela leitura do seu décimo terceiro considerando, que precisa que a referida directiva não deve ser aplicada às actividades destas entidades que não digam respeito aos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, ou que, ainda que façam parte deles, se encontrem directamente sujeitas ao jogo da concorrência em mercados cujo acesso não seja limitado.

39     Tendo em conta as precedentes considerações, há que responder às duas primeiras questões submetidas em cada um dos processos nas causas principais que, quando uma entidade adjudicante que exerça uma das actividades a que se refere expressamente o artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 93/38 projectar, no exercício dessa actividade, a celebração de um contrato de prestação de serviços, de empreitada ou de fornecimento, ou a abertura de um concurso, esse contrato ou esse concurso regem‑se pelas disposições desta directiva.

 Quanto à terceira questão

40     Com a sua terceira questão, formulada em termos idênticos em cada um dos processos nas causas principais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se é obrigado a afastar a aplicação de uma disposição de direito nacional que, contrariamente ao teor do artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/38, prevê que a colocação à disposição de redes de prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho‑de‑ferro constitui igualmente uma actividade abrangida por um dos sectores a que se refere esta directiva.

41     Esta questão assenta na premissa de que as obras de infra‑estruturas como as que estão em causa nos processos principais não se inserem no âmbito de aplicação material da Directiva 93/38, pois, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essas obras devem ser equiparadas à «colocação à disposição» de redes de transporte e esta actividade não figura entre as que são expressamente mencionadas no artigo 2.°, n.° 2, alínea c), da referida directiva.

42     Ora, esta premissa é errada. Como foi salientado no n.° 37 do presente acórdão, a aplicabilidade da Directiva 93/38 depende, com efeito, da actividade exercida pela entidade adjudicante em questão e das relações existentes entre essa actividade e o contrato projectado pela referida entidade.

43     Nestas condições, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

44     Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

Quando uma entidade adjudicante que exerça uma das actividades a que se refere expressamente o artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, projectar, no exercício dessa actividade, a celebração de um contrato de prestação de serviços, de empreitada ou de fornecimento, ou a abertura de um concurso, esse contrato ou esse concurso regem‑se pelas disposições desta directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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