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Document 62003CJ0453

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Dezembro de 2005.
The Queen, a pedido de ABNA Ltd e outros contra Secretary of State for Health e Food Standards Agency (C-453/03), Fratelli Martini & C. SpA e Cargill Srl contra Ministero delle Politiche Agricole e Forestali e outros (C-11/04), Ferrari Mangimi Srl e Associazione nazionale tra i produttori di alimenti zootecnici (Assalzoo) contra Ministero delle Politiche Agricole e Forestali e outros (C-12/04) e Nederlandse Vereniging Diervoederindustrie (Nevedi) contra Productschap Diervoeder (C-194/04).
Pedidos de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Administrative Court) (C-453/03) - Reino Unido, Consiglio di Stato (C-11/04 e C-12/04) - Itália e Rechtbank 's-Gravenhage (C-194/04) - Países Baixos.
Polícia sanitária - Alimentos compostos para animais - Indicação da percentagem exacta dos componentes de um produto - Violação do princípio da proporcionalidade.
Processos apensos C-453/03, C-11/04, C-12/04 e C-194/04.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10423

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:741

Processos apensos C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04

ABNA Ltd e o.

contra

Secretary of State for Health e o.

[pedidos de decisão prejudicial apresentados

pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), pelo Consiglio di Stato e pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage]

«Polícia sanitária – Alimentos compostos para animais – Indicação da percentagem exacta dos componentes de um produto – Violação do princípio da proporcionalidade»

Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas em 7 de Abril de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Dezembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Actos das instituições – Escolha da base jurídica – Critérios – Acto relativo a alimentos compostos para animais – Medida que contribui directamente para a protecção da saúde pública – Adopção com base no artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE – Legalidade

[Artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE; Directiva 2002/2 do Parlamento Europeu e do Conselho]

2.     Protecção da saúde pública – Alimentos compostos para animais – Directiva 2002/2 – Objectivo de protecção da saúde pública – Diferença de tratamento objectivamente justificada

[Artigo 152.°, n.° 1, CE; Directiva 2002/2 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4]

3.     Protecção da saúde pública – Alimentos compostos para animais – Directiva 2002/2 – Princípio da proporcionalidade – Obrigação de os fabricantes fornecerem aos clientes a indicação exacta dos componentes de um alimento – Violação – Obrigação de indicar a percentagem exacta dos componentes de um alimento – Violação – Inexistência

[Directiva 2002/2 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4]

4.     Protecção da saúde pública – Alimentos compostos para animais – Directiva 2002/2 – Aplicação – Condição – Adopção de uma lista positiva de matérias‑primas designadas pelos seus nomes específicos – Inexistência

(Directiva 2002/2 do Parlamento Europeu e do Conselho, décimo considerando)

5.     Actos das instituições – Suspensão da aplicação de um acto comunitário decretada pelo órgão jurisdicional nacional – Submissão ao Tribunal de Justiça de um pedido prejudicial para a apreciação da validade da suspensão – Poder de as autoridades dos outros Estados‑Membros suspenderem a aplicação desse acto enquanto se aguarda a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça – Inexistência

1.     No quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto. A Directiva 2002/2, relativa à circulação de alimentos compostos para animais, tem por base o artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE, que permite a adopção de medidas nos domínios veterinário e fitossanitário, que tenham directamente por objectivo a protecção da saúde pública. Resulta da apreciação dos considerandos desta directiva que o objectivo prosseguido pelo legislador comunitário, quando adoptou disposições relativas às indicações dos componentes dos alimentos para animais que figuram no artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, era responder à necessidade de dispor de informações mais detalhadas sobre as indicações dos componentes de alimentos para animais a fim de assegurar a rastreabilidade de matérias‑primas potencialmente contaminadas para chegar aos lotes específicos, facto que é benéfico para a saúde pública. Estas disposições são portanto susceptíveis de contribuir directamente para a prossecução do objectivo da protecção da saúde pública e puderam ser validamente adoptadas com base no artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE.

(cf. n.os 54‑57, 60)

2.     O objectivo pretendido pela Directiva 2002/2, relativa à circulação de alimentos compostos para animais, concretamente a protecção da saúde pública, pode justificar uma eventual diferença de tratamento, atendendo sobretudo à obrigação, resultante do artigo 152.°, n.° 1, CE, de assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana na definição e na execução de todas as políticas e acções da Comunidade. Por outro lado, ainda que se consiga demonstrar que medidas tão restritivas como as que figuram no artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da referida directiva se justificam igualmente em sectores em que ainda não tenham sido tomadas, como o dos alimentos para consumo humano, isso não constitui motivo suficiente para entender que as medidas tomadas no sector objecto das medidas comunitárias em causa não são legítimas devido ao seu carácter discriminatório. Se assim não for, tal teria por efeito alinhar o nível de protecção da saúde pública pelas normas menos protectoras existentes.

(cf. n.os 64, 65)

3.     O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2002/2, relativa à circulação de alimentos compostos para animais, que impõe que os produtores de alimentos compostos para animais forneçam, a pedido do cliente, a composição exacta de um alimento, é inválido à luz do princípio da proporcionalidade. Com efeito, esta obrigação lesa gravemente os interesse económicos dos produtores, pois obriga‑os a divulgar as fórmulas da composição dos seus produtos, com risco de estes serem utilizados como modelos, eventualmente pelos próprios clientes, e de os referidos produtores não poderem retirar os benefícios dos investimentos que efectuaram no domínio da investigação e da inovação.

Ora, tal obrigação não pode ser justificada pelo objectivo de protecção da saúde prosseguido e vai manifestamente além do que é necessário para atingir este objectivo. Em primeiro lugar, essa obrigação é independente de todo e qualquer problema de contaminação dos alimentos e deve ser cumprida unicamente a pedido do cliente. Além disso, a indicação, no rótulo, das percentagens dentro de intervalos de variação deve normalmente permitir a identificação de um alimento suspeito de estar contaminado, para avaliar a sua perigosidade em função do peso indicado e, eventualmente, decidir retirá‑lo provisoriamente enquanto se aguardam os resultados das análises laboratoriais, ou para determinar a rastreabilidade do produto pelas autoridades públicas em causa. Por último, independentemente dos procedimentos de controlo relativos à segurança alimentar estabelecidos no âmbito do Regulamento n.° 178/2002, adoptado no mesmo dia que a Directiva 2002/2, o artigo 1.°, n.° 5, desta última prevê que os produtores de alimentos compostos são obrigados a pôr à disposição das autoridades encarregadas dos controlos oficiais, a pedido destas, qualquer documento relativo à composição dos alimentos destinados a serem postos em circulação, que permita verificar a lealdade das informações dadas na rotulagem.

Ao invés, o artigo 1.°, n.° 4, da referida directiva, que impõe a obrigação de indicar, dentro de intervalos de variação, as percentagens dos componentes de um alimento, não viola o princípio da proporcionalidade, porque, no âmbito de um amplo poder de apreciação reconhecido ao legislador comunitário nesse domínio, essa obrigação constitui uma medida apta a contribuir para o objectivo de protecção da saúde animal e humana. Com efeito, permite identificar os componentes de um alimento suspeitos de estarem contaminados e, sem esperar pelos resultados das análises laboratoriais, retirar rapidamente esse alimento do consumo.

(cf. n.os 69, 76, 82‑86, disp. 3)

4.     A Directiva 2002/2, relativa à circulação de alimentos compostos para animais, deve ser interpretada no sentido de que a aplicação desta não está subordinada à adopção da lista positiva de matérias‑primas designadas pelos seus nomes específicos prevista no décimo considerando da referida directiva.

Com efeito, resulta da redacção deste considerando que a elaboração de uma proposta de lista positiva de matérias‑primas apenas constitui uma aspiração do legislador. Com efeito, aquele só prevê a realização de um estudo de viabilidade, a elaboração de um relatório e a apresentação de uma proposta adequada que tenha em conta as conclusões do dito relatório. Por outro lado, o conteúdo deste considerando não está reproduzido no dispositivo da directiva e o exame desta não mostra, de modo algum, que a sua execução esteja subordinada à adopção desta lista positiva. Mais especialmente, não se verifica que a obrigação de rotulagem seja impossível de cumprir na falta de uma lista positiva nem que a revogação da Directiva 91/357, que fixa as categorias de ingredientes que podem ser utilizadas na rotulagem dos alimentos compostos destinados a animais com excepção dos animais de companhia, tenha impossibilitado a execução da Directiva 2002/2, uma vez que os produtores podem, na falta de regulamentação comunitária, ou mesmo nacional, nesta matéria, utilizar as denominações específicas correntes das matérias‑primas.

(cf. n.os 95‑98, disp. 4)

5.     Mesmo quando o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro considera estarem reunidas as condições em que pode suspender a aplicação de um acto comunitário, em especial quando a questão da validade deste acto já foi submetida ao Tribunal de Justiça, as autoridades administrativas nacionais competentes dos outros Estados‑Membros não podem suspender a aplicação deste acto até que o Tribunal se pronuncie sobre a sua validade. Com efeito, é apenas ao juiz nacional que compete verificar, tomando em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto que lhe é apresentado, se estão cumpridos os requisitos de concessão de medidas provisórias.

Com efeito, a coerência do sistema de tutela jurisdicional provisória exige que o juiz nacional possa igualmente decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário cuja legalidade é posta em causa. Porém, a aplicação uniforme do direito comunitário, que é uma exigência fundamental da ordem jurídica comunitária, implica que a suspensão da execução de actos administrativos baseados num regulamento comunitário, embora sujeita às regras processuais nacionais, no que respeita, designadamente, à apresentação e à instrução do pedido, dependa, em todos os Estados‑Membros, pelo menos, de requisitos de concessão uniformes e que o Tribunal de Justiça definiu como sendo os mesmos estabelecidos nos processos de medidas provisórias. Para verificar se estão preenchidas as condições relativas à urgência e ao risco de um prejuízo grave e irreparável, o juiz que deva conhecer das medidas provisórias deve examinar as circunstâncias específicas de cada caso concreto e apreciar os elementos que lhe permitem determinar se a execução imediata do acto que é objecto do pedido de medidas provisórias é susceptível de provocar ao requerente prejuízos irreversíveis e impossíveis de ser reparados no caso de o acto comunitário ser declarado inválido. Chamado a aplicar, dentro dos limites da sua competência, as disposições do direito comunitário e, por isso, obrigado a assegurar a sua plena eficácia, o órgão jurisdicional nacional ao qual foi apresentado um pedido de medidas provisórias deve ter em conta o prejuízo que a medida provisória pode ocasionar ao regime jurídico instituído por um acto comunitário em toda a Comunidade. Compete‑lhe tomar em consideração, por um lado, o efeito cumulativo provocado, no caso de um grande número de órgãos jurisdicionais decretarem também medidas provisórias com fundamentos análogos, e, por outro, a especificidade da situação do requerente que o diferencie dos outros operadores económicos em questão. Em particular, quando a concessão de medidas provisórias for susceptível de provocar um risco financeiro para a Comunidade, o órgão jurisdicional nacional deve, além disso, poder impor ao requerente a prestação de garantias suficientes.

Ora, as autoridades administrativas nacionais não estão em condições de decretar medidas provisórias com observância dos requisitos de concessão definidos pelo Tribunal de Justiça. Em primeiro lugar, o próprio estatuto destas autoridades não pode, em geral, garantir‑lhes o mesmo grau de independência e de imparcialidade que é reconhecido aos órgãos jurisdicionais nacionais. Da mesma forma, não é seguro que essas autoridades beneficiem do contraditório que é próprio da discussão judicial, que permite ouvir os argumentos apresentados pelas diferentes partes, antes de ponderar os interesses em causa no momento de proferir uma decisão.

(cf. n.os 103‑109, 111, disp. 5)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Dezembro de 2005 (*)

«Polícia sanitária – Alimentos compostos para animais – Indicação da percentagem exacta dos componentes de um produto – Violação do princípio da proporcionalidade»

Nos processos apensos C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido) (C‑453/03), pelo Consiglio di Stato (Itália) (C‑11/04 e C‑12/04) e pelo Rechtbank ’s‑Gravenhage (Países Baixos) (C‑194/04), por decisões de 23 de Outubro de 2003, 11 de Novembro de 2003 e 22 de Abril de 2004, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 27 de Outubro de 2003, 15 de Janeiro e 26 de Abril de 2004, nos processos

The Queen, a pedido de:

ABNA Ltd (C‑453/03),

Denis Brinicombe,

BOCM Pauls Ltd,

Devenish Nutrition Ltd,

Nutrition Services (International) Ltd,

Primary Diets Ltd

contra

Secretary of State for Health,

Food Standards Agency,

Fratelli Martini & C. SpA (C‑11/04),

Cargill Srl

contra

Ministero delle Politiche Agricole e Forestali,

Ministero della Salute,

Ministero delle Attività Produttive,


Ferrari Mangimi Srl (C‑12/04),

Associazione nazionale tra i produttori di alimenti zootecnici (Assalzoo)

contra

Ministero delle Politiche Agricole e Forestali,

Ministero della Salute,

Ministero delle Attività Produttive,

e

Nederlandse Vereniging Diervoederindustrie (Nevedi) (C‑194/04)

contra

Productschap Diervoeder,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas (relator), presidentes de secção, N. Colneric, S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris, E. Juhász, G. Arestis, A. Borg Barthet e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: A. Tizzano,

secretários: M.‑F. Contet, administradora principal, e K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Novembro de 2004,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da ABNA Ltd, por D. Anderson, QC, e E. Whiteford, solicitor,

–       em representação da Fratelli Martini & C. SpA, por F. Capelli, avvocato, e B. Klaus, Rechtsanwältin,

–       em representação da Ferrari Mangimi Srl, por E. Cappelli, P. De Caterini e A. Bandini, avvocati,

–       em representação da Nederlandse Vereniging Diervoederindustrie (Nevedi), por H. Ferment, advocaat,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell (C‑453/03), na qualidade de agente, assistido por C. Lewis (C‑453/03), barrister,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia e M. Fiorilli (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agentes, bem como por G. Albenzio (C‑194/04), avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo neerlandês, por S. Terstal (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), H. G. Sevenster (C‑453/03 e C‑194/04) e J. G. M. van Bakel (C‑453/03 e C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agente,

–       em representação do Governo helénico, por K. Marinou (C‑453/03) e S. Charitaki (C‑11/04 e C‑12/04), bem como por G. Kanellopoulos e V. Kontolaimos (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez (C‑453/03, C‑11/04 e C‑12/04) e J. M. Rodríguez Cárcamo (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo francês, por G. de Bergues (C‑453/03) e R. Loosli‑Surrans (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação do Parlamento Europeu, por E. Waldherr (C‑453/03), bem como por M. Moore, G. Ricci (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04) e A. Baas (C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação do Conselho da União Europeia, por T. Middleton e F. Ruggeri Laderchi (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), bem como por A.‑M. Colaert (C‑194/04), na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Doherty e P. Jacob (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), bem como por C. Cattabriga (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04), na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 7 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial dizem respeito, no essencial, à validade da Directiva 2002/2/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que altera a Directiva 79/373/CEE do Conselho relativa à circulação de alimentos compostos para animais e revoga a Directiva 91/357/CEE da Comissão (JO L 63, p. 23), nomeadamente do seu artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4.

2       Estes pedidos foram apresentados no âmbito da apreciação de requerimentos, apresentados por produtores de alimentos compostos para animais ou por representantes desta indústria, em que se pede a suspensão ou a anulação da regulamentação adoptada com vista a transpor, para o direito interno, as disposições controvertidas da Directiva 2002/2.

 Quadro normativo

3       A Directiva 2002/2 foi adoptada com base no artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE, que dispõe:

«4.      O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.° e após consulta ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, contribuirá para a realização dos objectivos a que se refere o presente artigo, adoptando:

[...]

b)      Em derrogação do artigo 37.°, medidas nos domínios veterinário e fitossanitário que tenham directamente por objectivo a protecção da saúde pública.»

4       Importa transcrever os seguintes considerandos da Directiva 2002/2:

«(2)      Em relação à rotulagem, o objectivo da Directiva 79/373/CEE é garantir a informação objectiva e tão precisa quanto possível dos criadores sobre a composição e utilização dos alimentos para animais.

(3)      Até ao momento, a Directiva 79/373/CEE previa uma declaração flexível, limitada à indicação das matérias‑primas para alimentação animal, sem especificar a sua quantidade em relação aos alimentos para animais de produção, admitindo a possibilidade da declaração de categorias de matérias‑primas, em vez da declaração das próprias matérias‑primas.

(4)      Todavia, a crise da encefalopatia espongiforme bovina e a recente crise das dioxinas revelaram a inadequação das disposições actuais e a necessidade de informações mais pormenorizadas, qualitativa e quantitativamente, sobre a composição dos alimentos compostos para animais de produção.

(5)      As informações pormenorizadas quantitativas podem ser úteis na orientação da rastreabilidade das matérias potencialmente contaminadas para lotes específicos, o que será vantajoso em termos de saúde pública e evitará que se desperdicem produtos que não constituem um risco significativo para a saúde pública.

(6)      É, portanto, adequado, nesta fase, impor a declaração obrigatória de todas as matérias‑primas utilizadas nos alimentos compostos para animais de produção, bem como das respectivas quantidades.

(7)      Por uma questão de ordem prática, será autorizada a apresentação da declaração das matérias‑primas utilizadas nos alimentos compostos para animais de produção num rótulo ad hoc ou num documento de acompanhamento.

(8)      A declaração das matérias‑primas utilizadas nos alimentos para animais constitui, em certos casos, um elemento de informação importante para os criadores. É, portanto, conveniente que o responsável pela rotulagem forneça, a pedido do cliente, a lista pormenorizada, expressa em percentagens ponderais exactas, de todas as matérias‑primas utilizadas.

[...]

(10)      Com base no estudo de viabilidade e o mais tardar até 31 de Dezembro de 2002, a Comissão apresentará um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho, acompanhado por uma proposta adequada, que tenha em conta as conclusões do dito relatório, no sentido da elaboração de uma lista positiva.

[…]

(12)      No futuro, deixa de ser possível a declaração de categorias de matérias‑primas, em lugar da declaração das próprias matérias‑primas, no caso dos alimentos compostos para animais de produção, pelo que a Directiva 91/357/CEE da Comissão, de 13 de Junho de 1991, que fixa as categorias de matérias‑primas utilizadas nos alimentos para animais que podem ser utilizadas na rotulagem dos alimentos compostos destinados a animais com excepção dos animais de companhia, deve ser revogada [...]»

5       O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2002/2, que altera o artigo 5.° da Directiva 79/373/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à comercialização de alimentos compostos para animais (JO L 86, p. 30; EE 03 F16 p. 75), dispõe:

«1.      No artigo 5.°, o n.° 1 é alterado do seguinte modo:

[...]

b)      É aditada uma nova alínea:

‘l)      No caso dos alimentos compostos não destinados a animais de companhia, a menção 'a percentagem ponderal exacta das matérias‑primas utilizadas na composição deste alimento, pode ser obtida junto de: ...' (indicação do nome ou denominação social, da morada ou sede social e do número de telefone do responsável pelas indicações a que se refere o presente número). Esta informação será fornecida a pedido do cliente’.»

6       O artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2002/2 contém uma série de disposições que substituem o artigo 5.°‑C da Directiva 79/373. Tem o seguinte teor:

«4.      O artigo 5.°‑C passa a ter a seguinte redacção:

‘[...]

1.      Todas as matérias‑primas que entrem na composição do alimento composto para animais devem ser enumeradas sob a sua denominação específica.

2.      A enumeração das matérias‑primas para alimentação animal fica sujeita às seguintes regras:

a)      Alimentos compostos não destinados a animais de companhia:

i)      enumeração das matérias‑primas para alimentação animal, com indicação, por ordem de importância decrescente, das percentagens ponderais presentes no alimento composto, ou

ii)      no que se refere às percentagens acima indicadas, é permitida uma tolerância de +/‑ [15%] do valor declarado;

[…]’»

7       O artigo 1.°, n.° 5, da Directiva 2002/2 dispõe que ao artigo 12.° é aditado um parágrafo, nos termos do qual os Estados‑Membros «devem determinar que os produtores de alimentos compostos sejam obrigados a colocar à disposição das autoridades encarregadas dos controlos oficiais, a pedido destas, qualquer documento relativo à composição dos alimentos destinados a serem colocados em circulação que permita verificar a lealdade das informações dadas na rotulagem».

8       O artigo 2.° da Directiva 2002/2 dispõe:

«A Directiva 91/357/CEE da Comissão é revogada com efeitos a partir de 6 de Novembro de 2003.»

9       As etapas da adopção da Directiva 2002/2 relevantes para os presentes processos podem ser descritas da forma que se segue.

10     A 7 de Janeiro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias apresentou uma Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 79/373 [documento COM (1999) 744 final].

11     A exposição de motivos desta proposta recorda que, na sequência da crise relacionada com a encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «BSE»), o Parlamento Europeu pretendeu que aos fabricantes de alimentos compostos para animais fosse imposta uma declaração relativa às quantidades dos diversos ingredientes que compõem os referidos alimentos. Durante os debates que se seguiram, essa declaração foi designada pela expressão «declaração explícita».

12     A exposição de motivos refere, nomeadamente:

«A Comissão está consciente das vantagens da ‘declaração explícita’ na rotulagem dos alimentos compostos para animais de produção, por facilitar a rastreabilidade das matérias‑primas para alimentação animal.

A contaminação recente de óleos e aditivos com dioxinas, com origem, respectivamente, na Bélgica e na Alemanha, torna ainda mais importante a existência de informação pormenorizada nos rótulos dos alimentos compostos para animais. De facto, o nível de contaminação de um alimento composto para animais depende da quantidade de matérias‑primas para alimentação animal contaminadas nele incorporada, pelo que é muito importante dispor de informações exaustivas sobre todas as matérias‑primas para alimentação animal utilizadas nesses alimentos, bem como sobre as quantidades respectivas.»

13     Em resposta aos argumentos dos Estados‑Membros, a favor de uma declaração facultativa, e aos dos produtores de alimentos compostos para animais, preocupados com a protecção da propriedade intelectual das fórmulas de alimentos, a referida exposição de motivos menciona que:

«A Comissão, pelo contrário, considera que a declaração explícita facultativa compromete o direito dos criadores à informação e a transparência pretendida. Além disso, a Comissão considera que a declaração explícita facultativa conduziria, inevitavelmente, a distorções de concorrência entre os fabricantes de alimentos compostos.

[...] Para assegurar a máxima transparência, a Comissão não pode aceitar o argumento da protecção da propriedade intelectual das fórmulas dos alimentos para animais. Não se trata, de facto, de violação da confidencialidade comercial, pois as fórmulas dos alimentos para animais não se encontram, normalmente, patenteadas. Ainda que fosse esse o caso, a fórmula não poderia ser mantida em segredo. Com efeito, a publicação dos ingredientes não lesaria os detentores dos direitos de propriedade intelectual.»

14     A 4 de Outubro de 2000, o Parlamento, em primeira leitura, apresentou cinco alterações a esta proposta de directiva (JO 2001, C 178, p. 177).

15     A 19 de Dezembro de 2000, o Conselho da União Europeia adoptou a Posição Comum (CE) n.° 6/2001, tendo em vista a adopção da Directiva 2000/2 (JO 2001, C 36, p. 35). Resulta da nota justificativa que o Conselho, por considerar que não era realista exigir aos produtores que declarassem as quantidades precisas das matérias‑primas dos alimentos compostos, optou pela via de uma declaração em que as matérias‑primas incluídas nos alimentos compostos são indicadas em função das respectivas percentagens ponderais, por ordem ponderal decrescente, dentro de intervalos de variação. No entanto, a lista pormenorizada e precisa das referidas quantidades devia ser fornecida pelo produtor, a pedido do cliente. A 21 de Dezembro de 2000, a Comissão apresentou uma Proposta alterada de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 79/373, proposta essa conforme à referida posição comum [documento COM (2000) 780 final (JO 2001, C 120 E, p. 178)].

16     A 5 de Abril de 2001, o Parlamento apresentou, em segunda leitura, modificações a essa proposta alterada de directiva, no sentido de restabelecer a «declaração explícita» [documento A5‑0079/2001 (JO 2002, C 21 E, p. 310)].

17     Na sequência de um procedimento de conciliação, foi adoptado um texto de compromisso, reproduzido na Directiva 2002/2. Segundo esse texto, os produtores devem indicar as quantidades das matérias‑primas que entram na composição dos produtos, com uma tolerância de +/‑ 15% do valor declarado, mas são obrigados a fornecer, a pedido do cliente, as percentagens ponderais exactas das matérias‑primas que compõem um alimento.

18     A 24 de Abril de 2003, a Comissão apresentou um relatório sobre a viabilidade de uma lista positiva de matérias‑primas para alimentação animal [documento COM (2003) 178 final]. Resulta deste relatório que a elaboração de uma lista positiva não contribuiria para a segurança dos alimentos para animais, pelo que a Comissão não iria apresentar nenhuma proposta nesse sentido. Porém, anunciou neste relatório diversas iniciativas noutros domínios, com vista à melhoria da segurança dos alimentos para animais.

 Litígios no processo principal e questões prejudiciais

 No processo C‑453/03

19     As recorrentes no processo principal, especializadas no fabrico de alimentos compostos para animais, pedem a anulação da regulamentação adoptada com vista a transpor, para o direito interno, as disposições controvertidas da Directiva 2002/2. Por decisão de 6 de Outubro de 2003, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), suspendeu, a título cautelar, a execução dessa regulamentação.

20     Numa decisão datada também de 6 de Outubro de 2003, a High Court expôs os motivos do pedido de decisão prejudicial. A questão, tal como se encontra formulada na decisão de 23 de Outubro de 2003, é a seguinte:

«O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), e/ou n.° 4, da Directiva 2002/2, na parte em que altera o artigo 5.°‑C, n.° 2, alínea a), da Directiva 79/373, ao exigir a enumeração obrigatória das percentagens, é inválido por:

a)      inexistência de base legal do artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE;

b)      violação do direito fundamental de propriedade;

c)      violação do princípio da proporcionalidade?»

21     Por pedido entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Fevereiro de 2004, a sociedade Lambey SA pediu para ser admitida a intervir, ao abrigo do artigo 40.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, no processo C‑453/03, a fim de apresentar observações. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, de 30 de Março de 2004, o pedido foi indeferido por inadmissível.

 Nos processos C‑11/04 e C‑12/04

22     A Directiva 2002/2 foi transposta para o direito italiano pelo Decreto do Ministro das Políticas Agrícolas e Florestais, de 25 de Junho de 2003, que completa e altera os anexos à Lei n.° 281, de 15 de Fevereiro de 1963, sobre as regras da preparação e do comércio dos alimentos para animais, em cumprimento da Directiva 2002/2/CE, de 28 de Janeiro de 2002 (GURI n.° 181, de 6 de Agosto de 2003, a seguir «Lei n.° 281/1963»), decreto este aplicável a partir de 6 de Novembro de 2003.

23     Como explana o Consiglio di Stato nas decisões de reenvio na origem dos processos C‑11/04 e C‑12/04, o referido decreto tem por efeito obrigar os produtores de alimentos compostos a mencionar no rótulo a lista das matérias‑primas, com indicação, por ordem decrescente, das respectivas percentagens em relação ao peso total. Conforme o disposto na Directiva 2002/2, estas matérias‑primas devem ser indicadas pelo seu nome específico, que pode ser substituído pelo da categoria a que as matérias‑primas pertencem, com referência às categorias que agrupam várias matérias‑primas estabelecidas de acordo com o artigo 10.°, alínea a), da Directiva 79/373, que foi executado pela Directiva 91/357/CEE da Comissão, de 13 de Junho de 1991, que fixa as categorias de ingredientes que podem ser utilizadas na rotulagem dos alimentos compostos destinados a animais com excepção dos animais de companhia (JO L 193, p. 34).

24     O órgão jurisdicional de reenvio recorda, a este respeito, que a Directiva 91/357, adoptada em aplicação do referido artigo 10.°, alínea a), foi revogada pela Directiva 2002/2, com efeitos a partir de 6 de Novembro de 2002, sem que a Comissão tenha podido apresentar uma proposta de norma com a lista positiva das matérias‑primas utilizáveis. As autoridades italianas remeteram para a lista provisória de matérias‑primas constante do anexo VII, parte A, da Lei n.° 281/1963 e, relativamente às não mencionadas nessa lista, para as denominações constantes da parte B, ou seja, precisamente, as categorias genéricas fixadas pela Directiva 91/357.

25     As demandantes nos processos principais, especializadas na produção de alimentos compostos para animais, interpuseram, no Consiglio di Stato, recursos de decisões do Tribunal amministrativo regionale del Lazio. Pedem a anulação da legislação adoptada com a finalidade de transpor, para o direito italiano, as disposições controvertidas da Directiva 2002/2. Por duas decisões distintas, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu, a título cautelar, a execução dessa legislação.

26     No que se refere à protecção da saúde pública, aquele órgão jurisdicional observa que os alimentos de origem vegetal para animais apresentam menos riscos do que os que são compostos com farinhas animais e cujo uso esteve na origem do aparecimento da BSE. Por outro lado, as medidas a que se refere o artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE só dizem respeito a doenças ou ao tratamento dos animais, ao passo que a matéria de rotulagem dos alimentos de origem vegetal para animais não tem como objectivo directo a protecção da saúde pública.

27     Na decisão de reenvio na origem do processo C‑11/04, o Consiglio di Stato entende que, face às dúvidas quanto à proporcionalidade da medida comunitária contestada, não é manifestamente infundada a questão da violação do direito de propriedade, a que se refere o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, reproduzido no artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice a 7 de Outubro de 2000 (JO C 364, p. 1), respeitante à propriedade intelectual, questão essa relativa ao segredo industrial e ao know‑how das empresas.

28     Na decisão de reenvio na origem do processo C‑12/04, o Consiglio di Stato interroga‑se sobre a aplicabilidade da Directiva 2002/2. Segundo este órgão jurisdicional, a não elaboração da lista das matérias‑primas utilizáveis faz com que a regulamentação comunitária seja incompleta e torna impossível a imposição de indicações no que respeita à rotulagem dos produtos destinados à alimentação dos animais e inúteis as obrigações para efeitos de segurança alimentar.

29     Na mesma decisão de reenvio, o Consiglio di Stato refere também que a obrigação de indicar as quantidades das matérias‑primas não está prevista no diploma relativo à rotulagem dos produtos alimentares, a saber, a Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29). Daqui conclui que, paradoxalmente, os alimentos compostos para animais ficam sujeitos a um regime muito mais severo, quanto às obrigações de informação nos rótulos, do que o aplicável aos produtos alimentares para consumo humano.

30     No processo C‑11/04, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE deve ser interpretado no sentido de que pode constituir o fundamento jurídico correcto para a adopção de disposições em matéria de rotulagem contidas na Directiva 2002/2/CE, quando se refere à rotulagem de alimentos de origem vegetal para animais?

2)      A Directiva 2002/2/CE, na parte em que impõe a obrigação de indicação exacta das matérias‑primas contidas nos alimentos compostos para animais, considerada igualmente aplicável aos alimentos de origem vegetal, é justificada com base no princípio da precaução, na falta de uma análise dos riscos assente em estudos científicos que imponha essa medida de precaução devido a uma possível correlação entre a quantidade das matérias‑primas utilizadas e o risco das patologias a prevenir, e é, em todo o caso, justificada à luz do princípio da proporcionalidade, dado que não considera suficientes, para o prosseguimento dos objectivos de saúde pública que constituem a finalidade da medida, as obrigações, impostas à indústria de alimentos para animais, de informação às autoridades públicas, obrigadas a segredo e competentes para efectuarem os controlos com vista à protecção da saúde, impondo a directiva, em vez disso, uma regulamentação generalizada relativa à obrigação de indicar, nos rótulos dos alimentos de origem vegetal para animais, as percentagens quantitativas das matérias‑primas utilizadas?

3)      A Directiva 2002/2/CE, ao não respeitar o princípio da proporcionalidade, é contrária ao direito fundamental de propriedade reconhecido aos cidadãos dos Estados‑Membros?»

31     No processo C‑12/04, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [Questão idêntica à primeira questão submetida no processo C‑11/04].

2)      [Questão idêntica à segunda questão submetida no processo C‑11/04].

3)      A Directiva 2002/2/CE deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicação e, portanto, a sua eficácia estão subordinadas à adopção de uma lista positiva de matérias‑primas indicadas com os seus nomes específicos, tal como precisado no décimo considerando e no relatório da Comissão [COM (2003) 178 final], datado de 24 de Abril de 2003, ou deve a aplicação da directiva nos Estados‑Membros ser feita antes da adopção da lista positiva das matérias‑primas prevista na directiva, recorrendo a uma lista das matérias‑primas contidas nos alimentos compostos para animais, com as denominações e as definições genéricas das suas categorias comerciais?

4)      A Directiva 2002/2/CE deve ser considerada ilegal por violação do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, em prejuízo dos produtores de alimentos para animais relativamente aos produtores de alimentos para consumo humano, na medida em que estão sujeitos a uma disciplina que impõe a indicação quantitativa das matérias‑primas que entram na composição dos alimentos compostos para animais?»

32     Em cada um dos processos principais, o Consiglio di Stato refere que foram reenviadas ao Tribunal de Justiça questões análogas pela High Court, em [23] de Outubro de 2003, mas que a decisão de reenvio se justifica a fim de não prejudicar os direitos de defesa das demandantes perante o juiz comunitário.

33     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2004, os processos C‑11/04 e C‑12/04 foram apensos para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 No processo C‑194/04

34     A Nederlandse Vereniging Diervoederindustrie (Nevedi) (associação da indústria neerlandesa dos alimentos compostos para animais, a seguir «Nevedi»), demandante no processo principal, apresentou um pedido de suspensão da legislação adoptada com a finalidade de transpor, para o direito neerlandês, as disposições controvertidas da Directiva 2002/2.

35     O Productschap Diervoeder (a seguir «Productschap»), demandado no processo principal, é um organismo de direito público, na acepção da lei sobre a organização das empresas (Wet op de Bedrijfsorganisatie). Esta lei atribui ao referido organismo a competência para adoptar regulamentos relativos aos alimentos para animais. Esses regulamentos devem, no entanto, ser aprovados pelo Ministro da Agricultura, Gestão da Natureza e Pescas.

36     O artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2002/2 foi transposto para o direito neerlandês, com efeitos a partir de 6 de Novembro de 2003, pelos artigos 7.3.2., n.° 1, e 7.3.1., n.° 1, alínea l), do Regulamento de 2003 do Productschap Diervoeder, sobre os alimentos para animais (Verordening PDV Diervoeders 2003), na redacção dada pelo Regulamento de alteração n.° PDV‑25, de 11 de Abril de 2003 (PBO blad n.° 42, de 27 de Junho de 2003).

37     Por ofício de 24 de Novembro de 2003, o Productschap requereu ao Ministro da Agricultura, Gestão da Natureza e Pescas que aprovasse um novo regulamento de revogação das regras de rotulagem resultantes da transposição das disposições da Directiva 2002/2. Em 19 de Janeiro de 2004, em resposta a esse requerimento, o ministro recusou‑se a aprovar o projecto que lhe fora apresentado, na medida em que este era incompatível com o direito comunitário. O referido ministro alegou que só o Tribunal de Justiça ou um tribunal nacional – este último enquanto aguarda por uma resposta do Tribunal de Justiça – são competentes para, em determinados casos, suspender a execução de medidas de aplicação do direito comunitário. Tal competência não é reconhecida à própria autoridade nacional.

38     A Nevedi requereu ao órgão jurisdicional de reenvio a suspensão do regulamento que transpõe a Directiva 2002/2, até o Tribunal de Justiça proferir uma decisão quanto à validade desta última. Referiu, nomeadamente, uma questão prejudicial submetida a este respeito por um órgão jurisdicional do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

39     Na decisão de reenvio, o juiz do Rechtbank ’s‑Gravenhage competente para decidir sobre as medidas cautelares concedeu provimento ao requerimento de suspensão que lhe fora apresentado, mas decidiu suspender a instância quanto aos restantes pedidos e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), e/ou n.° 4, da Directiva 2002/2, na parte em que altera o artigo 5.°‑C, n.° 2, alínea a), da Directiva 79/373, ao exigir a indicação obrigatória das percentagens, é inválido por:

a)      inexistência de base legal no artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE;

b)      violação de direitos fundamentais, como o direito de propriedade e o direito de livre exercício de uma profissão;

c)      violação do princípio da proporcionalidade?

2)      Quando estejam reunidas as condições em que um juiz nacional de um Estado‑Membro pode suspender a aplicação de um acto das instituições europeias que é objecto de impugnação, em especial quando a questão da validade deste acto controvertido foi submetida ao Tribunal de Justiça por um órgão jurisdicional desse mesmo Estado‑Membro, podem as autoridades nacionais competentes dos outros Estados‑Membros, também elas, sem intervenção judicial, suspender a aplicação deste acto até que o Tribunal [...] se pronuncie sobre a sua validade?»

40     Face à semelhança entre as questões submetidas, há que apensar os diferentes processos para efeitos de prolação de um único acórdão.

 Quanto aos pedidos de reabertura da fase oral

41     Por carta de 9 de Maio de 2005, a Fratelli Martini & C. Spa (a seguir «Fratelli Martini») e a Cargill Srl, recorrentes no processo principal subjacente ao processo C‑11/04, requereram ao Tribunal que se dignasse ordenar, nos termos do artigo 61.° do Regulamento de Processo, a reabertura da fase oral. Invocaram, como fundamento do seu requerimento, a constatação de erros científicos no exemplo dado na audiência pelo agente do Governo dinamarquês, exemplo esse retomado pelo advogado‑geral para fundamentar o seu raciocínio. As recorrentes anexaram ao requerimento um parecer técnico.

42     Recorde‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente, ou por proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 42; bem como de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André, C‑434/02, Colect., p. I‑11825, n.° 27, e Swedish Match, C‑210/03, Colect., p. I‑11893, p. 25).

43     Porém, no caso em apreço, ouvido o advogado‑geral, o Tribunal de Justiça entende que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas. Por conseguinte, indefere‑se o pedido de reabertura da fase oral.

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais no processo C‑194/04

44     O Parlamento, o Conselho e a Comissão alegam que as questões prejudiciais são inadmissíveis, porquanto o órgão jurisdicional de reenvio não descreveu suficientemente o quadro factual e legal do processo principal, nem os motivos que o levaram a submeter as referidas questões. Em particular, o referido órgão jurisdicional não oferece qualquer explicação quanto às violações dos direitos fundamentais e do princípio da proporcionalidade, nem quanto à segunda questão submetida.

45     A este respeito, resulta de jurisprudência assente que a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam estas questões (v., nomeadamente, despacho de 8 de Outubro de 2002, Viacom, C‑190/02, Colect., p. I‑8287, n.° 15, e referências aí citadas; acórdãos de 17 de Fevereiro de 2005, Viacom Outdoor, C‑134/03, Colect., p. I‑1167, n.° 22; e de 12 de Abril de 2005, Keller, C‑145/03, Colect., p. I‑2529, n.° 29).

46     O Tribunal de Justiça tem insistido também na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito comunitário e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Deste modo, o Tribunal considerou que é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio (v., nomeadamente, despacho Viacom, já referido, n.° 16; e acórdão de 21 de Janeiro de 2003, Bacardi‑Martini e Cellier des Dauphins, C‑318/00, Colect., p. I‑905, n.° 44).

47     A razão de ser destas exigências é, nomeadamente, que as informações fornecidas nas decisões de reenvio devem servir não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos Governos dos Estados‑Membros e às demais partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (despachos de 2 de Março de 1999, Colonia Versicherung e o., C‑422/98, Colect., p. I‑1279, n.° 5; Viacom, já referido, n.° 14; e acórdão Keller, já referido, n.° 30).

48     No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio, julgando em sede de procedimento cautelar, descreveu o quadro factual e legal das questões que submeteu. De forma concisa, mas suficiente, descreveu os motivos que o levaram a submeter as referidas questões.

49     Refira‑se, além disso, que este órgão jurisdicional fez referência às questões submetidas por um órgão jurisdicional do Reino Unido sobre a mesma matéria. O Parlamento, o Conselho e a Comissão não podiam deixar de identificar o processo C‑453/03, em que cada uma destas instituições comunitárias tinha acabado de apresentar observações na data em que lhes foi notificada a decisão de reenvio que está na origem do processo C‑194/04. As referidas instituições não têm, pois, razão quando alegam que estavam impossibilitadas de apresentar observações com pleno conhecimento de causa.

50     Por último, quanto à segunda questão, esta não pode ser considerada hipotética por a demandante no processo principal ter, em todo o caso, pedido a um juiz nacional a suspensão da aplicação de um acto comunitário. Com efeito, resulta das observações apresentadas por essa demandante que a mesma contesta a recusa do ministro competente em revogar as normas nacionais que transpõem a Directiva 2002/2 assim como a necessidade de requerer a um juiz a suspensão da aplicação dessas normas, aludindo, de seguida, às despesas que isso implica e ao prejuízo que daí resulta para o interessado. Não se afigura, portanto, que a questão seja manifestamente desprovida de pertinência no contexto do litígio no processo principal.

51     Por conseguinte, há que julgar admissíveis as questões submetidas no processo C‑194/04.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à base jurídica

52     Com a questão submetida na alínea a), no processo C‑453/03, a primeira questão, em cada um dos processos C‑11/04 e C‑12/04, e a primeira questão, alínea a), no processo C‑194/04, os órgãos jurisdicionais de reenvio pedem, no essencial, ao Tribunal que se pronuncie sobre a validade das disposições do artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2, porquanto o artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE não constitui a base jurídica adequada para a adopção destas disposições, atendendo, designadamente, a que as mesmas dizem respeito à rotulagem de alimentos de origem vegetal para animais.

53     Como o Conselho precisou nas suas observações e como foi alegado na audiência, a medida contestada, embora não tivesse directamente por objectivo a protecção da saúde pública, poderia estar abrangida pelo artigo 37.° CE, que atribui também competências ao legislador comunitário. Todavia, não deixa de ser relevante a fiscalização da base jurídica da Directiva 2002/2, a fim de verificar se o processo de adopção desta está viciado de irregularidade [v., neste sentido, acórdão de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 111].

54     Segundo jurisprudência assente, no quadro do sistema de competências da Comunidade Europeia, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto [v., em particular, acórdãos de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho, C‑269/97, Colect., p. I‑2257, n.° 43; de 30 de Janeiro de 2001, Espanha/Conselho, C‑36/98, Colect., p. I‑779, n.° 58; e British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido, n.° 93].

55     A Directiva 2002/2 tem por base o artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE, que permite a adopção de medidas nos domínios veterinário e fitossanitário, que tenham directamente por objectivo a protecção da saúde pública.

56     No terceiro e no quarto considerando desta directiva, expõe‑se a situação jurídica em matéria de indicação dos componentes dos alimentos para animais, existente até à data da adopção da referida directiva, e a necessidade de se dispor de informações mais pormenorizadas, demonstrada pelas crises relacionadas com a BSE e as dioxinas. Segundo o quinto considerando desta mesma directiva, as informações pormenorizadas quantitativas podem ser úteis na orientação da rastreabilidade das matérias‑primas potencialmente contaminadas para lotes específicos, o que será vantajoso em termos de saúde pública.

57     Resulta da apreciação destes considerandos que o objectivo prosseguido pelo legislador comunitário, quando adoptou disposições relativas às indicações dos componentes dos alimentos para animais, era o de assegurar a protecção da saúde pública.

58     Ao contrário do que o Consiglio di Stato observou nas decisões de reenvio que estiveram na origem dos processos C‑11/04 e C‑12/04, os alimentos de origem vegetal podem apresentar riscos para a saúde, comparáveis aos que podem afectar os alimentos de origem animal. A Fratelli Martini e as instituições que apresentaram observações nestes processos referiram, com razão, os problemas levantados pela aflatoxina B1, toxina cancerígena genotóxica gerada por determinados fungos presentes nos cereais e nos frutos de casca rija, a crise das dioxinas de 1999, que afectou o fabrico de alimentos compostos na Bélgica, casos de contaminação de cereais com produtos herbicidas e a presença, em águas utilizadas para o fabrico de alimentos para animais, de uma hormona empregue na produção de contraceptivos humanos.

59     Tal como o agente do Governo dinamarquês explicou na audiência, verifica‑se que a indicação das percentagens dos componentes de um produto permite, em caso de contaminação, delimitar as pesquisas e retirar rapidamente do mercado os alimentos suspeitos. Segundo este governo, a indicação de uma percentagem elevada de milho biológico contido num alimento ministrado a bovinos por um criador permitiu às autoridades dinamarquesas, em 2004, identificar esse componente como a fonte provável de um teor elevado de aflatoxina B1 presente no leite produzido por esse criador e destinado ao consumo humano. Isso permitiu a retirada imediata do produto contaminado, sem necessidade de esperar pelos resultados das análises laboratoriais.

60     Conclui‑se, portanto, que as disposições da Directiva 2002/2, contestadas nos processos principais, são susceptíveis de contribuir directamente para a prossecução do objectivo da protecção da saúde pública.

61     Resulta do que antecede que não têm fundamento as objecções de que as referidas disposições são inválidas por terem uma base jurídica errada.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

62     Com a sua quarta questão, no processo C‑12/04, o Consiglio di Stato pergunta se a Directiva 2002/2 deve ser considerada ilegal por violação do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, devido ao facto de os produtores de alimentos para animais estarem sujeitos a um regime que impõe a indicação quantitativa das matérias‑primas que entram no fabrico de alimentos compostos para animais, ao passo que os produtores de alimentos para consumo humano não estão sujeitos a esse regime.

63     Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 68; Swedish Match, n.° 70; e acórdão de 12 de Julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C‑154/04 e C‑155/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 115).

64     O objectivo pretendido pela Directiva 2002/2 é a protecção da saúde pública. Tal objectivo poderia justificar uma eventual diferença de tratamento, atendendo sobretudo à obrigação, resultante do artigo 152.°, n.° 1, CE, de assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana na definição e na execução de todas as políticas e acções da Comunidade.

65     Por outro lado, como acertadamente sublinhou o Conselho, ainda que se consiga demonstrar que medidas tão restritivas se justificam igualmente em sectores em que ainda não tenham sido tomadas, como o dos alimentos para consumo humano, isso não constitui motivo suficiente para entender que as medidas tomadas no sector objecto das medidas comunitárias em causa não são legítimas devido ao seu carácter discriminatório. Se assim não for, tal terá por efeito alinhar o nível de protecção da saúde pública pelas normas menos protectoras existentes.

66     Daqui se conclui que a apreciação da questão submetida não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2, à luz do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

67     Com a questão submetida na alínea c), no processo C‑453/03, a segunda questão, em cada um dos processos C‑11/04 e C‑12/04, e a primeira questão, alínea c), no processo C‑194/04, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, no essencial, se as disposições do artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2 violam o princípio da proporcionalidade. Neste contexto, o Consiglio di Stato interroga também o Tribunal sobre uma eventual violação do princípio da precaução, por as referidas disposições terem sido adoptadas sem que se tivesse procedido a uma análise dos riscos baseada em estudos científicos.

68     Resulta de jurisprudência assente que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os instrumentos que uma disposição comunitária põe em execução sejam aptos a realizar o objectivo visado e não vão além do que é necessário para o atingir (v. acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 45, e Swedish Match, n.° 47).

69     No que respeita à fiscalização jurisdicional das condições referidas no número anterior, recorde‑se que há que reconhecer ao legislador comunitário um amplo poder de apreciação num domínio como o do caso vertente, que implica escolhas de natureza política, económica e social da sua parte, em que é chamado a efectuar apreciações complexas. Por conseguinte, só o carácter manifestamente desproporcionado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Arnold André, n.° 46; Swedish Match, n.° 48; e Alliance for Natural Health e o., n.° 52).

 Observações apresentadas ao Tribunal

70     As recorrentes nos processos principais, apoiadas pelos Governos espanhol e do Reino Unido, alegam essencialmente que a comunicação da composição exacta dos alimentos em causa constitui uma lesão grave dos seus direitos e interesses económicos e não é necessária para a protecção da saúde, tendo em conta a legislação já existente no sector dos alimentos para animais.

71     A este respeito, as recorrentes nos processos principais invocam as outras disposições da Directiva 79/373, alteradas pela Directiva 2002/2, nomeadamente o artigo 5.°, n.° 5, alínea d), que impõe a indicação do número de referência do lote, e o artigo 12.°, que impõe que os produtores coloquem à disposição das autoridades nacionais competentes qualquer documento relativo à composição dos alimentos. Segundo as mesmas, estas duas obrigações, cuja necessidade não contestam, permitem assegurar a rastreabilidade destes alimentos, respeitando os interesses económicos dos produtores, pois as referidas autoridades estão sujeitas a um dever de confidencialidade e só podem utilizar as informações recebidas para preservar a saúde pública.

72     Quanto ao conteúdo dos alimentos para animais, as referidas recorrentes citam a Directiva 70/524/CEE do Conselho, de 23 de Novembro de 1970, relativa aos aditivos na alimentação para animais (JO L 270, p. 1; EE 03 F4 p. 82), e a Directiva 1999/29/CE do Conselho, de 22 de Abril de 1999, relativa às substâncias e produtos indesejáveis nos alimentos para animais (JO L 115, p. 32). À data da audiência, esta última directiva tinha sido alterada e reformulada pela Directiva 2002/32/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Maio de 2002, relativa às substâncias indesejáveis nos alimentos para animais (JO L 140, p. 10).

73     Por último, as recorrentes nos processos principais citam o Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1), adoptado no mesmo dia que a Directiva 2002/2 e que, segundo as recorrentes, constitui a nova regulamentação‑quadro em matéria de segurança alimentar. O artigo 18.° deste regulamento impõe a rastreabilidade, nomeadamente, de qualquer substância destinada a ser incorporada em alimentos para animais, e o artigo 20.° do mesmo estabelece procedimentos para se retirar do mercado alimentos que se considere não estarem em conformidade com os requisitos de segurança dos alimentos para animais.

74     Os Governos italiano, neerlandês, dinamarquês, helénico e francês, o Parlamento, o Conselho e a Comissão entendem, ao invés, que a exigência relativa à indicação das percentagens dos ingredientes que compõem um alimento não viola o princípio da proporcionalidade, atendendo ao objectivo de saúde pública prosseguido.

75     O Parlamento invoca igualmente o objectivo da transparência. Refere a perda de credibilidade das autoridades competentes, resultante da crise da BSE, que só uma política de transparência pode atenuar. Este elemento deveria ser tomado em consideração na apreciação da proporcionalidade de uma medida que tem simplesmente por objecto deixar os criadores decidir sobre a alimentação dos seus animais. É por este motivo que não basta que os produtores comuniquem a composição exacta dos alimentos às autoridades sanitárias competentes.

 Resposta do Tribunal

76     Como se referiu nos n.os 59 e 60 do presente acórdão, a obrigação de indicar as percentagens dos componentes de um alimento constitui uma medida apta a contribuir para o objectivo de protecção da saúde animal e humana. Com efeito, permite identificar os componentes de um alimento suspeitos de estarem contaminados e, sem esperar pelos resultados das análises laboratoriais, retirar rapidamente esse alimento do consumo.

77     Esta medida não se revela supérflua face à exigência de indicação do número do lote do produto, prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2002/2. Com efeito, esta última indicação permite determinar a rastreabilidade do lote de alimentos compostos, mas não directamente a dos seus componentes. Além disso, a investigação da rastreabilidade pode necessitar de algum tempo, ao passo que uma situação que implique um risco de crise alimentar exige uma reacção rápida.

78     O mesmo vale quanto aos outros diplomas referidos pelas recorrentes nos processos principais. Com efeito, estes dizem respeito ao conteúdo dos produtos (Directivas 70/524 e 1999/29) ou aos procedimentos em matéria de segurança alimentar (Regulamento n.° 178/2002), mas nenhum deles contém disposições que imponham a indicação, num produto, dos componentes do mesmo. Estes diplomas não permitem, pois, às autoridades em causa ou ao utilizador de um produto, dispor de dados suficientes para tomar imediatamente as medidas de prevenção adequadas em caso de crise alimentar.

79     As diversas recorrentes nos processos principais alegam que a indicação das percentagens exactas dos componentes do produto não garante que o alimento composto seja são nem que os seus componentes não estejam contaminados. Todavia, há que referir que o objectivo pretendido com a obrigação de indicar os componentes não é garantir a inexistência de contaminação, mas antes, no caso de esses componentes estarem contaminados, permitir uma identificação rápida dos alimentos que os contêm.

80     Porém, como sublinhou, com razão, o advogado‑geral nos n.os 115 a 119 das suas conclusões, não se verifica que a obrigação de o produtor comunicar, aos clientes que o solicitem, a composição quantitativa exacta dos alimentos para animais seja necessária para a prossecução desse objectivo.

81     Além da indicação de dados situados dentro de intervalos de variação, isto é, com uma tolerância de +/‑ 15% do valor declarado, que deve constar do rótulo do produto por força do artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2002/2, o produtor é obrigado a fornecer por escrito, a pedido do cliente, as percentagens ponderais exactas das matérias‑primas que compõem o alimento, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da mesma directiva.

82     Tal como sublinharam as recorrentes nos processos principais, a obrigação de fornecer aos clientes a indicação exacta dos componentes de um alimento lesa gravemente os interesse económicos dos produtores, pois obriga‑os a divulgar as fórmulas da composição dos seus produtos, com risco de estes serem utilizados como modelos, eventualmente pelos próprios clientes, e de os referidos produtores não poderem retirar os benefícios dos investimentos que efectuaram no domínio da investigação e da inovação.

83     Ora, tal obrigação não pode ser justificada pelo objectivo de protecção da saúde prosseguido e vai manifestamente além do que é necessário para atingir este objectivo. Refira‑se, nomeadamente, que esta obrigação é independente de todo e qualquer problema de contaminação dos alimentos e deve ser cumprida unicamente a pedido do cliente. Além disso, resulta das explicações dadas e dos exemplos apresentados ao Tribunal que a indicação, no rótulo, das percentagens dentro de intervalos de variação deve normalmente permitir a identificação de um alimento suspeito de estar contaminado, para avaliar a sua perigosidade em função do peso indicado e, eventualmente, decidir retirá‑lo provisoriamente enquanto se aguardam os resultados das análises laboratoriais, ou para determinar a rastreabilidade do produto pelas autoridades públicas em causa.

84     Por último, independentemente dos procedimentos de fiscalização estabelecidos no âmbito do Regulamento n.° 178/2002, adoptado no mesmo dia que a Directiva 2002/2, importa recordar que o artigo 1.°, n.° 5, desta última prevê que os produtores de alimentos compostos são obrigados a pôr à disposição das autoridades encarregadas dos controlos oficiais, a pedido destas, qualquer documento relativo à composição dos alimentos destinados a serem postos em circulação, que permita verificar a lealdade das informações dadas na rotulagem.

85     Tendo em conta estes elementos, conclui‑se que o artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2002/2, que impõe que os produtores de alimentos compostos para animais forneçam, a pedido do cliente, a composição exacta de um alimento, é inválido à luz do princípio da proporcionalidade. Em contrapartida, a apreciação da questão submetida não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do artigo 1.°, n.° 4, da mesma directiva face ao referido princípio.

86     Com a questão submetida na alínea b), no processo C‑453/03, a terceira questão, no processo C‑11/04, e a primeira questão, alínea b), no processo C‑194/04, os órgãos jurisdicionais de reenvio pedem ainda, no essencial, que o Tribunal se pronuncie sobre a validade das disposições do artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2, na medida em que estas poderão violar os direitos fundamentais, nomeadamente, o direito de propriedade e o direito ao livre exercício de uma profissão.

87     A este respeito, recorde‑se que resulta de jurisprudência assente que o direito de propriedade faz parte, tal como o direito de exercer livremente uma actividade económica, dos princípios gerais do direito comunitário. Não obstante, estes princípios não constituem prerrogativas absolutas, mas devem ser tomados em consideração em relação à sua função na sociedade. Consequentemente, o direito de propriedade pode ser acompanhado de restrições, o mesmo sucedendo com o direito de exercer livremente uma actividade económica, na condição de essas restrições responderem efectivamente aos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e de não constituírem, em relação ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável susceptível de atentar contra a própria substância do direito assim garantido (v., por último, acórdão Alliance for Natural Health e o., já referido, n.° 126).

88     Porém, tendo em conta a resposta dada à questão relativa ao princípio da proporcionalidade, já não é necessário verificar se a disposição contestada lesa o direito de propriedade dos produtores de alimentos compostos ou o direito ao livre exercício de uma profissão.

 Quanto à não adopção de uma lista positiva

89     Com a sua terceira questão, no processo C‑12/04, o Consiglio di Stato pergunta se a Directiva 2002/2 deve ser interpretada no sentido de que a aplicação desta e, portanto, a sua eficácia estão subordinadas à adopção da lista positiva de matérias‑primas designadas pelos seus nomes específicos, prevista no décimo considerando dessa directiva.

 Observações apresentadas ao Tribunal

90     A Ferrari Mangimi Srl e o Governo espanhol sustentam que deve ser esse o caso. Recordam que a regulamentação anterior impunha a obrigação de indicar as matérias‑primas a partir de uma lista provisória e, caso esta não fosse utilizável, a obrigação alternativa de declarar as categorias gerais das matérias‑primas, tal como estavam indicadas no anexo da Directiva 91/357. A Directiva 2002/2 revogou este diploma e determinou a elaboração, pela Comissão, de uma lista positiva de matérias‑primas. Após a elaboração de um estudo, esta instituição chegou porém à conclusão de que a definição desta lista não era absolutamente decisiva para garantir a segurança dos alimentos dos animais e não apresentou nenhuma proposta no sentido da elaboração dessa lista. No relatório da Comissão, salienta‑se que é impossível incluir numa lista positiva milhares de produtos diferentes, fabricados em diferentes locais, com diferentes tecnologias, e que podem ter diferentes níveis de segurança e características nutricionais e técnicas diversas. No mesmo relatório, refere‑se ainda que o risco para a segurança reside não nas próprias matérias‑primas mas antes na sua eventual contaminação de origem acidental ou fraudulenta.

91     O Governo espanhol insiste no imperativo da segurança jurídica, que exige que a regulamentação comunitária permita aos interessados conhecer com exactidão o alcance das obrigações que ela lhes impõe.

92     O Governo helénico observa que, como o registo, numa lista única, de substâncias susceptíveis de serem utilizadas não foi harmonizado pela legislação comunitária, a regulamentação desta matéria compete, por isso mesmo, aos direitos nacionais. Esta situação não constitui obstáculo a uma aplicação eficaz da Directiva 2002/2 nos Estados‑Membros.

93     O Parlamento, o Conselho e a Comissão entendem que não há nexo algum entre a adopção da lista positiva prevista no décimo considerando da Directiva 2002/2, que apenas constitui uma aspiração sem valor normativo autónomo e que só vincula politicamente a Comissão, e a execução das disposições relativas à rotulagem. Consequentemente, os Estados‑Membros são obrigados a aplicar esta directiva, independentemente da adopção de tal lista, limitando‑se a exigir a utilização das denominações comuns das matérias‑primas.

 Resposta do Tribunal

94     Importa recordar que o décimo considerando da Directiva 2002/2 previa que, com base num estudo de viabilidade, e o mais tardar até 31 de Dezembro de 2002, a Comissão apresentaria um relatório ao Parlamento e ao Conselho, acompanhado de uma proposta adequada, que tivesse em conta as conclusões do dito relatório, para a elaboração de uma lista positiva das matérias‑primas utilizadas nos alimentos compostos para animais de produção.

95     Resulta da redacção deste considerando que a elaboração de uma proposta de lista positiva de matérias‑primas apenas constitui uma aspiração do legislador. Com efeito, aquele só prevê a realização de um estudo de viabilidade, a elaboração de um relatório e a apresentação de uma proposta adequada que tenha em conta as conclusões do dito relatório.

96     Por outro lado, o conteúdo deste considerando não está reproduzido no dispositivo da directiva e o exame desta não mostra, de modo algum, que a sua execução esteja subordinada à adopção desta lista positiva. Mais especialmente, não se verifica que a obrigação de rotulagem seja impossível de cumprir na falta de uma lista positiva.

97     Com efeito, no que respeita à revogação da Directiva 91/357, não se verifica que ela tenha impossibilitado a execução da Directiva 2002/2, uma vez que os produtores podem, na falta de regulamentação comunitária, ou mesmo nacional, nesta matéria, utilizar as denominações específicas correntes das matérias‑primas.

98     Resulta destes elementos que a Directiva 2002/2 deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicação não está subordinada à adopção da lista positiva de matérias‑primas designadas pelos seus nomes específicos, referida no décimo considerando desta directiva.

 Quanto ao poder de as autoridades nacionais competentes suspenderem a aplicação de um acto comunitário

99     Com a sua segunda questão, o Rechtbank ‘s‑Gravenhage pergunta se, quando estejam reunidas as condições a que está subordinada a possibilidade de um juiz nacional de um Estado‑Membro suspender a aplicação de um acto das instituições comunitárias que é objecto de impugnação, em especial quando a questão da validade deste acto controvertido já foi submetida ao Tribunal de Justiça por um órgão jurisdicional desse mesmo Estado‑Membro, as autoridades nacionais competentes dos outros Estados‑Membros podem, também elas, sem intervenção judicial, suspender a aplicação deste acto controvertido, até que o Tribunal se pronuncie sobre a sua validade.

 Observações apresentadas ao Tribunal

100   A Nevedi, demandante no processo principal subjacente ao processo C‑194/04, sustenta que o juiz de reenvio submeteu a sua segunda questão ao Tribunal de Justiça, pelo facto de o Productschap, enquanto organismo competente para elaborar regulamentos aplicáveis em matéria de alimentação para o gado nos Países Baixos, pretender suspender oficiosamente, isto é, sem intervenção judicial, a aplicação das regras de declaração explícita, até o Tribunal proferir uma decisão no processo C‑453/03. Foi devido à recusa de o ministro em causa suspender a regulamentação aplicável que a Nevedi teve de instaurar um processo judicial e requerer ao juiz competente para decidir sobre as medidas cautelares que suspendesse essa regulamentação.

101   A Nevedi recorda que, quando se verificam todas as condições a que está subordinada, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a possibilidade de invocar as disposições de uma directiva perante o juiz nacional, todas as autoridades nacionais, incluindo as autoridades administrativas, são obrigadas a aplicar elas próprias as referidas disposições (v. acórdão de 22 de Junho de 1989, Fratelli Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.os 31 e 32). Uma vez que essas autoridades administrativas são obrigadas, da mesma maneira que as autoridades judiciárias, a aplicar as disposições de uma directiva, deviam ser igualmente autorizadas, por motivos de economia processual, a suspender a aplicação de um acto comunitário contestado nas mesmas condições que as referidas autoridades judiciárias.

102   Os Governos italiano, neerlandês e helénico, bem como a Comissão, recordam a jurisprudência do Tribunal em matéria de medidas provisórias, as garantias de imparcialidade e de independência que um órgão jurisdicional apresenta, a necessidade de aplicação uniforme do direito comunitário e os objectivos do processo de decisão prejudicial.

 Resposta do Tribunal

103   Tal como o Tribunal de Justiça salientou no acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest (C‑143/88 e C‑92/89, Colect., p. I‑415, n.° 18, a seguir «acórdão Zuckerfabrik»), o reenvio prejudicial de apreciação de validade constitui, tal como o recurso de anulação, uma modalidade de fiscalização da legalidade dos actos das instituições comunitárias. Ora, no âmbito do recurso de anulação, o artigo 242.° CE confere ao recorrente a faculdade de pedir a suspensão da execução do acto impugnado e ao Tribunal de Justiça a competência para decretá‑la. A coerência do sistema de tutela jurisdicional provisória exige, portanto, que o juiz nacional possa igualmente decretar a suspensão da execução de um acto administrativo nacional baseado num regulamento comunitário cuja legalidade é posta em causa (v., igualmente, acórdãos de 9 de Novembro de 1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I), C‑465/93, Colect., p. I‑3761, n.° 22, e de 26 de Novembro de 1996, T. Port, C‑68/95, Colect., p. I‑6065, n.° 49; quanto à incompetência do Tribunal para decretar medidas provisórias em sede de processo de decisão prejudicial, v. despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2001, Dory, C‑186/01 R, Colect., p. I‑7823, n.° 13).

104   O Tribunal declarou, porém, que a aplicação uniforme do direito comunitário, que é uma exigência fundamental da ordem jurídica comunitária, implica que a suspensão da execução de actos administrativos baseados num regulamento comunitário, embora sujeita às regras processuais nacionais, no que respeita, designadamente, à apresentação e à instrução do pedido, dependa, em todos os Estados‑Membros, pelo menos, de requisitos de concessão uniformes, que o Tribunal definiu como sendo os mesmos estabelecidos nos processos de medidas provisórias (acórdão Zuckerfabrik, já referido, n.os 26 e 27).

105   O Tribunal referiu nomeadamente que, para verificar se estão preenchidas as condições relativas à urgência e ao risco de um prejuízo grave e irreparável, o juiz que deva conhecer das medidas provisórias deve examinar as circunstâncias específicas de cada caso concreto e apreciar os elementos que lhe permitem determinar se a execução imediata do acto que é objecto do pedido de medidas provisórias é susceptível de provocar ao requerente prejuízos irreversíveis e impossíveis de ser reparados no caso de o acto comunitário ser declarado inválido (acórdãos, já referidos, Zuckerfabrik, n.° 29, e Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I), n.° 41).

106   Chamado a aplicar, dentro dos limites da sua competência, as disposições do direito comunitário e, por isso, obrigado a assegurar a sua plena eficácia, o órgão jurisdicional nacional ao qual foi apresentado um pedido de medidas provisórias deve ter em conta o prejuízo que a medida provisória pode ocasionar ao regime jurídico instituído por um acto comunitário em toda a Comunidade. Compete‑lhe tomar em consideração, por um lado, o efeito cumulativo provocado, no caso de um grande número de órgãos jurisdicionais decretarem também medidas provisórias com fundamentos análogos, e, por outro, a especificidade da situação do requerente que o diferencie dos outros operadores económicos em questão (acórdão Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I), já referido, n.° 44).

107   Em particular, quando a concessão de medidas provisórias for susceptível de provocar um risco financeiro para a Comunidade, o órgão jurisdicional nacional deve, além disso, poder impor ao requerente a prestação de garantias suficientes, como o pagamento de uma caução ou a constituição de um depósito à ordem do tribunal (acórdãos, já referidos, Zuckerfabrik, n.° 32, e Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I), n.° 45).

108   Ora, a este respeito, há que observar que autoridades administrativas nacionais, como as em causa no processo C‑194/04, não estão em condições de decretar medidas provisórias com observância dos requisitos de concessão definidos pelo Tribunal.

109   Neste contexto, importa referir, designadamente, que o próprio estatuto destas autoridades não pode, em geral, garantir‑lhes o mesmo grau de independência e de imparcialidade que o que é reconhecido aos órgãos jurisdicionais nacionais. Da mesma forma, não é seguro que essas autoridades beneficiem do contraditório que é próprio da discussão judicial, que permite ouvir os argumentos apresentados pelas diferentes partes, antes de ponderar os interesses em causa no momento de proferir uma decisão.

110   No que respeita ao argumento de que considerações relativas à celeridade ou ao custo podem justificar a necessidade de reconhecer a competência das autoridades administrativas nacionais, importa sublinhar que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes para decretar medidas provisórias podem, em regra, proferir decisões em prazos muito curtos. Seja como for, um argumento relacionado com a celeridade ou o custo não pode ser decisivo à luz das garantias proporcionadas pelos sistemas de tutela jurisdicional consagradas pelas ordens jurídicas dos Estados‑Membros.

111   Por conseguinte, há que responder à questão submetida que, mesmo quando um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro considera estarem reunidas as condições em que pode suspender a aplicação de um acto comunitário, em especial quando a questão da validade deste acto já foi submetida ao Tribunal de Justiça, as autoridades administrativas nacionais competentes dos outros Estados‑Membros não podem suspender a aplicação deste acto até que o Tribunal se pronuncie sobre a sua validade. Com efeito, é apenas ao juiz nacional que compete verificar, tomando em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto que lhe é apresentado, se estão cumpridos os requisitos de concessão de medidas provisórias.

 Quanto às despesas

112   Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      A apreciação da questão submetida na alínea a), no processo C‑453/03, da primeira questão em cada um dos processos C‑11/04 e C‑12/04 e da primeira questão, alínea a), no processo C‑194/04, não revelou nenhum elemento que permita concluir que o artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que altera a Directiva 79/373/CEE do Conselho relativa à circulação de alimentos compostos para animais e revoga a Directiva 91/357/CEE da Comissão, não foi validamente adoptado com base no artigo 152.°, n.° 4, alínea b), CE.

2)      A apreciação da quarta questão, no processo C‑12/04, não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do artigo 1.°, n.os 1, alínea b), e 4, da Directiva 2002/2, à luz do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.

3)      O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 2002/2, que impõe que os produtores de alimentos compostos para animais forneçam, a pedido do cliente, a composição exacta de um alimento, é inválido à luz do princípio da proporcionalidade. Em contrapartida, a apreciação da questão submetida na alínea c), no processo C‑453/03, da segunda questão, em cada um dos processos C‑11/04 e C‑12/04, e da primeira questão, alínea c), no processo C‑194/04, não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do artigo 1.°, n.° 4, da mesma directiva face ao referido princípio.

4)      A Directiva 2002/2 deve ser interpretada no sentido de que a sua aplicação não está subordinada à adopção da lista positiva de matérias‑primas designadas pelos seus nomes específicos, referida no décimo considerando desta directiva.

5)      Mesmo quando o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro considera estarem reunidas as condições em que pode suspender a aplicação de um acto comunitário, em especial quando a questão da validade deste acto já foi submetida ao Tribunal de Justiça, as autoridades administrativas nacionais competentes dos outros Estados‑Membros não podem suspender a aplicação deste acto até que o Tribunal se pronuncie sobre a sua validade. Com efeito, é apenas ao juiz nacional que compete verificar, tomando em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto que lhe é apresentado, se estão cumpridos os requisitos de concessão de medidas provisórias.

Assinaturas


* Línguas de processo: inglês, italiano e neerlandês.

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