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Judgment of the Court (First Chamber) of 10 March 2005. # Kingdom of Spain v Council of the European Union. # Common commercial policy - Canned tuna originating in Thailand and the Philippines - Mediation within the WTO - Regulation (EC) No 975/2003 - Tariff quota. # Case C-342/03.
Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 10 de Março de 2005. Reino de Espanha contra Conselho da União Europeia. Política comercial comum - Conservas de atum originárias da Tailândia e das Filipinas - Mediação na OMC - Regulamento (CE) n.º 975/2003 - Contingente pautal. Processo C-342/03.
Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 10 de Março de 2005. Reino de Espanha contra Conselho da União Europeia. Política comercial comum - Conservas de atum originárias da Tailândia e das Filipinas - Mediação na OMC - Regulamento (CE) n.º 975/2003 - Contingente pautal. Processo C-342/03.
«Política comercial comum – Conservas de atum originárias da Tailândia e das Filipinas – Mediação na OMC – Regulamento (CE) n.° 975/2003 – Contingente pautal»
Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 2 de Dezembro de 2004
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 10 de Março de 2005
Sumário do acórdão
1. Política comercial comum – Trocas comerciais com países terceiros – Princípio da preferência comunitária – Alcance
2. Política comercial comum – Trocas comerciais com países terceiros – Adopção de medidas pautais – Sujeição à inexistência de
qualquer efeito desfavorável para os produtores comunitários – Inadmissibilidade
3. Recurso de anulação – Fundamentos – Violação da confiança legítima dos operadores económicos invocada por um Estado‑Membro
– Admissibilidade
4. Política comercial comum – Regulamentação pelas instituições comunitárias – Poder de apreciação – Confiança legítima dos operadores
económicos na manutenção de uma situação existente – Inexistência
6. Recurso de anulação – Fundamentos – Desvio de poder – Conceito
1. Embora a «preferência comunitária» seja uma das considerações de carácter político nas quais se basearam as instituições comunitárias
aquando da adopção dos regimes de trocas comerciais com países terceiros, esta preferência não é, de modo nenhum, uma exigência
legal cuja violação possa implicar a invalidade de um acto de direito derivado.
(cf. n.os 18, 19)
2. O direito comunitário não proíbe a adopção de medidas pautais cujos eventuais efeitos na concorrência se limitem a uma redução
das encomendas dos produtores em questão e a uma desigualdade nas condições de concorrência criada pelas diferenças em matéria
de custos sociais, de protecção do ambiente e de controlo da qualidade dos produtos, entre os países em causa, por um lado,
e a Comunidade, por outro.
Essa proibição impediria a Comunidade de contribuir para a supressão progressiva das restrições nas trocas internacionais.
Com efeito, qualquer redução dos direitos aduaneiros pode produzir determinado efeito na concorrência entre os produtos importados
de países terceiros e os produtos equivalentes da Comunidade, em detrimento dos produtores comunitários. Uma interpretação
contrária significaria que a Comunidade nunca poderia reduzir os direitos aduaneiros que incidem sobre as mercadorias importadas.
(cf. n.os 24, 25)
3. Embora a possibilidade de invocar o princípio da protecção da confiança legítima seja reconhecida a qualquer operador económico
a quem uma instituição tenha criado expectativas fundadas, nada se opõe a que o próprio Estado‑Membro alegue, no âmbito de
um recurso de anulação, que um acto das instituições viola a confiança legítima de certos operadores económicos.
(cf. n.° 47)
4. Quando esses operadores económicos puderem prever a adopção de uma medida comunitária que afecta os seus interesses, o benefício
do princípio da confiança legítima não pode ser invocado.
Dispondo as instituições comunitárias de uma margem de apreciação na escolha dos meios necessários para a execução da política
comercial comum, os operadores económicos não podem depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente.
(cf. n.os 48, 49)
5. A fundamentação dos regulamentos comunitários exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca,
a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada
e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.
Quando se trata de um acto de aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto
que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir.
(cf. n.os 54, 55)
6. Um acto só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi
adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo
especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço.
(cf. n.° 64)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção) 10 de Março de 2005(1)
que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 4 de Agosto de 2003,
Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop e D. Canga Fano, na qualidade de agentes,
recorrido,
apoiado por: Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
interveniente,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,
composto por: P. Jann, presidente de secção, N. Colneric, J. N. Cunha Rodrigues, M. Ilešič (relator) e E. Levits, juízes,
advogado‑geral: F. G. Jacobs, secretário: R. Grass,
vistos os autos,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 2 de Dezembro de 2004,
profere o presente
Acórdão
1
Na sua petição, o Reino de Espanha pede ao Tribunal de Justiça a anulação do Regulamento (CE) n.° 975/2003 do Conselho, de
5 de Junho de 2003, relativo à abertura e modo de gestão de contingentes pautais para as importações de conservas de atum
classificadas nos códigos NC 1604 14 11, 1604 14 18 e 1604 20 70 (JO L 141, p. 1).
Quadro jurídico
2
Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 975/2003, está previsto que, «[a] partir de 1 de Julho de 2003, as importações
de conservas de atum classificadas no código NC 1604 14 11, 1604 14 18 e 1604 20 70, originárias de todos os países, beneficiam
de um direito aduaneiro de 12%, dentro do limite do contingente pautal aberto nos termos do presente regulamento».
3
O artigo 2.° do referido regulamento especifica:
«O contingente pautal é aberto anualmente por um período inicial de cinco anos. Para os dois primeiros anos, o seu volume
é fixado do seguinte modo:
–
25 000 toneladas de 1 de Julho de 2003 a 30 de Junho de 2004,
–
25 750 toneladas de 1 de Julho de 2004 a 30 de Junho de 2005.»
4
O artigo 3.° deste regulamento prevê a repartição do contingente do seguinte modo:
«O contingente pautal é repartido em quatro fracções, do seguinte modo:
a)
Um contingente de 52% do volume anual, com o número de ordem 09.2005, para as importações originárias da Tailândia;
b)
Um contingente de 36% do volume anual, com o número de ordem 09.2006, para as importações originárias das Filipinas;
c)
Um contingente de 11% do volume anual, com o número de ordem 09.2007, para as importações originárias da Indonésia;
d)
Um contingente de 1% do volume anual, com o número de ordem 09.2008, para as importações originárias de outros países terceiros.»
5
O Regulamento n.° 975/2003 foi adoptado nas seguintes condições.
6
Em finais de 2001, a Comunidade Europeia, a Tailândia e as Filipinas acordaram em organizar consultas com vista a examinar
em que medida a aplicação do regime de preferências pautais para as conservas de atum originárias dos membros do grupo dos
Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (a seguir «Estados ACP») causava prejuízo aos interesses legítimos tailandeses
e filipinos. À época, as importações de conservas de atum originárias da Tailândia, das Filipinas e de outros países estavam
sujeitas a um direito aduaneiro fixado à taxa comum ou «taxa de nação mais favorecida» de 24%.
7
Não tendo as consultas permitido alcançar uma solução mutuamente aceitável, a Comunidade, a Tailândia e as Filipinas submeteram
o processo a mediação na Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC»).
8
Em 20 de Dezembro de 2002, o mediador deu o seu parecer, recomendando à Comunidade que abrisse para as importações de conservas
de atum originárias da Tailândia e das Filipinas um contingente anual a uma taxa aduaneira de 12%.
Tramitação no Tribunal de Justiça
9
O Reino de Espanha interpôs recurso de anulação pedindo ao Tribunal de Justiça que se dignasse anular o Regulamento n.° 975/2003
e condenar o Conselho nas despesas.
10
O Conselho pede que seja negado provimento ao recurso e condenado o Reino de Espanha nas despesas.
11
Por despacho de 15 de Janeiro de 2004, a Comissão das Comunidades Europeias foi admitida a intervir em apoio dos pedidos do
Conselho.
12
Antecipando a admissão da intervenção, o Reino de Espanha tinha, por carta de 4 de Novembro de 2003, solicitado tratamento
confidencial para determinados elementos da petição ao abrigo do artigo 93.°, n.° 3, do Regulamento de Processo. Este pedido
foi indeferido.
Quanto ao recurso
13
Em apoio do recurso, o Reino de Espanha invoca oito fundamentos relativos a, respectivamente, violação do princípio da preferência
comunitária, distorção da concorrência, vício processual, violação do Acordo de parceria entre os Estados de África, das Caraíbas
e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros assinado em Cotonu, em 23 de Junho de 2000 (JO L 317, p. 3),
e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 2003/159/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 2002 (JO 2003, L 65, p. 27, a
seguir «acordo de Cotonu»), violação dos acordos preferenciais celebrados entre os Estados ACP e os Estados que integram o
«regime especial de luta contra a produção e o tráfico de drogas», violação do princípio da protecção da confiança legítima,
falta de fundamentação e desvio de poder.
Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violação do princípio da preferência comunitária Argumentos das partes
14
O Governo espanhol refere que a preferência comunitária constitui um dos princípios do Tratado CE e que a mesma é o fundamento
da pauta aduaneira comum. O interesse da Comunidade deve ser tomado em consideração e o desenvolvimento da produção comunitária
deve ser assegurado. O Regulamento n.° 975/2003 viola este princípio, uma vez que as medidas que comporta só deveriam ter
sido adoptadas se a produção comunitária fosse insuficiente. Ora, essa insuficiência não foi demonstrada no caso vertente.
A este propósito, o referido governo salienta que a Espanha é, a nível mundial, o terceiro produtor e o segundo exportador
de conservas de atum, e que mais de 80% do total dessas exportações se destina a abastecer o mercado comunitário.
15
O Governo espanhol realça a importância do sector das conservas de atum para a economia espanhola e, mais exactamente, para
a economia da Região Autónoma da Galiza, já confrontada com graves problemas económicos e que assegura 90% da produção espanhola
destas conservas. Trata‑se, assim, de um produto sensível que exige um elevado grau de protecção pautal com vista a manter
as condições de competitividade relativamente aos produtos originários de outros países.
16
O Conselho, por sua vez, lembra que o princípio dito da «preferência comunitária» não constitui uma exigência legal. Este
princípio significa tão‑só que os produtores comunitários devem ser tratados mais favoravelmente do que os produtores de países
terceiros. Não está vedada à Comunidade a adopção de actos que possam produzir efeitos prejudiciais para os produtores comunitários.
O referido princípio não é violado no caso vertente, uma vez que as importações de conservas de atum, nos limites do contingente
pautal previsto no Regulamento n.° 975/2003, estão sujeitas a um direito de 12%, de modo que os produtores comunitários continuam
a beneficiar de um tratamento mais favorável do que o reservado aos países terceiros.
17
A Comissão considera que a «preferência comunitária» é apenas uma das considerações políticas que as instituições podem ter
em conta, de entre outras, para fixar as taxas dos direitos aduaneiros. Se as instituições tivessem que respeitar a «preferência
comunitária» em todas as circunstâncias, o campo de aplicação da política comercial comum ficaria circunscrito a margens estreitas
e incompatíveis com o Tratado.
Apreciação do Tribunal de Justiça
18
É pacífico que a «preferência comunitária» é uma das considerações de carácter político nas quais se basearam as instituições
comunitárias aquando da adopção dos regimes de trocas comerciais com países terceiros.
19
Contudo, como o Tribunal de Justiça já esclareceu, esta preferência não é, de modo nenhum, uma exigência legal cuja violação
implique a invalidade do acto em causa (acórdão de 14 de Julho de 1994, Grécia/Conselho, C‑353/92, Colect., p. I‑3411, n.° 50).
20
Decorre do que antecede que o primeiro fundamento improcede, sendo desnecessário examinar o estado de abastecimento do mercado
comunitário e as repercussões do Regulamento n.° 975/2003 sobre a economia comunitária.
Quanto ao segundo fundamento, relativo a distorção da concorrência Argumentos das partes
21
O Governo espanhol defende que a abertura do contingente pautal prevista no Regulamento n.° 975/2003 cria uma distorção das
condições de concorrência no mercado das conservas de atum, uma vez que afecta negativamente a indústria comunitária e provoca,
assim, desequilíbrios no mercado. Quanto a este ponto, apresentou quadros quantificados e declarações de produtores espanhóis
que demonstram que estes sofreram uma redução das suas encomendas e, portanto, prejuízos importantes por causa do referido
regulamento. Sustenta igualmente que as diferenças em matéria de custos sociais, de protecção do ambiente e de controlo da
qualidade dos produtos criam uma desigualdade nas condições de concorrência entre a Tailândia e as Filipinas, por um lado,
e a Comunidade, por outro.
22
O Conselho defende que, ainda que se provasse que o contingente pode ter repercussões danosas sobre os produtores comunitários,
daí não resulta que se tenham verificado distorções indevidas das condições de concorrência.
23
A Comissão sustenta que nenhuma disposição de direito comunitário proíbe a adopção de medidas pautais que possam alterar as
condições de concorrência no sentido alegado pelo Governo espanhol.
Apreciação do Tribunal de Justiça
24
Como observou correctamente a Comissão, o direito comunitário não proíbe a adopção de medidas pautais cujos eventuais efeitos
na concorrência se limitem aos alegados pelo Governo espanhol no caso vertente.
25
Como observou o advogado‑geral no n.° 12 das conclusões, essa proibição impediria a Comunidade de contribuir para a supressão
progressiva das restrições nas trocas internacionais. Com efeito, qualquer redução dos direitos aduaneiros pode produzir determinado
efeito na concorrência entre os produtos importados de países terceiros e os produtos equivalentes da Comunidade, em detrimento
dos produtos comunitários. Se a argumentação do Governo espanhol fosse seguida até às últimas consequências, isso significaria
que a Comunidade nunca poderia reduzir os direitos aduaneiros que incidem sobre as mercadorias importadas. Manifestamente,
isso não pode acontecer.
26
Por estas razões, também improcede o segundo fundamento.
Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um vício processual Argumentos das partes
27
O Governo espanhol observa que o Regulamento n.° 975/2003 foi adoptado em violação do procedimento administrativo, uma vez
que não se baseia em nenhum estudo técnico que demonstre a necessidade da sua adopção. Não foi elaborado qualquer relatório
que permita conhecer o nível de abastecimento e os efeitos da abertura do contingente de conservas de atum. Por conseguinte
foi violada a obrigação de a instituição competente examinar com precaução e imparcialidade todos os elementos pertinentes
no caso vertente. O exame feito pelo mediador da OMC não pode substituir o do Conselho, porquanto as suas recomendações não
são vinculativas e o Conselho não pode delegar o desenvolvimento da política comercial comum em terceiros.
28
O Conselho afirma não estar obrigado a proceder à avaliação do impacto antes de se pronunciar sobre uma proposta da Comissão
fundada no artigo 133.° CE. Seja como for, o Regulamento n.° 975/2003 não foi adoptado com falta de elementos quantificados.
A este propósito, o Conselho lembra que os números respeitantes à taxa e à tonelagem do contingente pautal de conservas de
atum correspondem em larga medida aos números apresentados pelo mediador da OMC que tinha analisado a situação de mercado.
29
A Comissão realça que o Regulamento n.° 975/2003 não foi adoptado no âmbito de um procedimento administrativo, mas no âmbito
do procedimento legislativo previsto no artigo 133.° CE. Ora, o legislador goza de um poder discricionário mais amplo do que
as autoridades administrativas.
Apreciação do Tribunal de Justiça
30
Como exposto nos n. os 18 a 20 do presente acórdão, a implementação da política comercial comum não está subordinada à «preferência comunitária».
Por conseguinte, de qualquer forma, não incumbia ao Conselho apreciar, no âmbito da adopção do Regulamento n.° 975/2003, a
incidência previsível do contingente pautal sobre a indústria de conservas de atum na Comunidade e elaborar, para o efeito,
um relatório técnico que descrevesse a situação actual de abastecimento comunitário neste sector da economia.
31
Por conseguinte, também improcede o terceiro fundamento.
Quanto ao quarto fundamento, relativo a violação do acordo de Cotonu Argumentos das partes
32
O Governo espanhol invoca uma violação do artigo 12.° do acordo de Cotonu. Segundo este artigo, a Comunidade deve, quando
pretenda adoptar uma medida susceptível de afectar os interesses dos Estados ACP, informar estes atempadamente. No caso vertente,
não houve tal informação.
33
O Conselho sublinha que a proposta da Comissão relativa ao Regulamento n.° 975/2003 é um documento público e que a falta de
comunicação formal desta proposta não pode ter consequências jurídicas sobre a validade do referido regulamento. Por outro
lado, o dever de comunicação invocado pelo Governo espanhol encontra‑se à margem do processo decisório do Conselho e não constitui
uma formalidade essencial do procedimento de elaboração do regulamento. De qualquer forma, os Estados ACP foram regularmente
informados da evolução do caso.
34
A Comissão refere que informou regularmente os Estados ACP e que a sua proposta foi tornada pública. Lembra que o artigo 12.°
do acordo de Cotonu não altera o processo legislativo previsto no artigo 133.° CE e que a comunicação prevista no referido
artigo 12.° é meramente informativa. Não se trata, portanto, de formalidade essencial cuja omissão possa implicar a anulação
do Regulamento n.° 975/2003.
Apreciação do Tribunal de Justiça
35
O artigo 12.° do acordo de Cotonu prevê que «[...] sempre que, no exercício das suas competências, a Comunidade pretenda adoptar
uma medida susceptível de afectar os interesses dos Estados ACP no que respeita aos objectivos do presente acordo, deve aquela
informar atempadamente esses Estados das suas intenções. Para o efeito, a Comissão comunicará simultaneamente ao Secretariado
dos Estados ACP a sua proposta de medidas desse tipo [...]».
36
Ora, ainda que se admita que o contingente pautal controvertido fosse «susceptível de afectar os interesses dos Estados ACP
no que respeita aos objectivos [do acordo de Cotonu]» e que uma violação do artigo 12.° do acordo de Cotonu pudesse implicar
a anulação do Regulamento n.° 975/2003, há que concluir que não existe violação do referido artigo, uma vez que os Estados
ACP estavam devidamente informados da medida prevista.
37
É o que resulta, designadamente, das actas das reuniões com os referidos Estados em 1 e 25 de Março de 2003, segundo as quais
estes foram informados, por um lado, de que a Comissão era favorável à aceitação do parecer do mediador da OMC e, por outro,
de que ela tinha submetido uma proposta neste sentido ao Conselho.
38
Daí que improceda o quarto fundamento.
Quanto ao quinto fundamento, relativo a violação dos acordos preferenciais celebrados entre os Estados ACP e os Estados que
integram o «regime especial de luta contra a produção e o tráfico de drogas» Argumentos das partes
39
De acordo com o Governo espanhol, o contingente pautal previsto no Regulamento n.° 975/2003 esvazia de conteúdo os acordos
preferenciais celebrados pela Comunidade com os Estados ACP e os Estados que integram o «regime especial de luta contra a
produção e o tráfico de droga» (a seguir «regime de luta antidroga»), na medida em que esse contingente sujeita as conservas
de atum originárias dos referidos Estados à concorrência com as originárias de países dotados de indústrias mais desenvolvidas.
40
O Conselho observa que o contingente aberto por força do Regulamento n.° 975/2003 está sujeito a um direito aduaneiro de 12%,
ao passo que as conservas de atum provenientes dos Estados ACP beneficiam de uma taxa de direito aduaneiro zero. Especifica,
além disso, que a adopção deste regulamento pôs termo a um diferendo antigo com o Reino da Tailândia e a República das Filipinas
e permitiu evitar uma provável condenação pela OMC.
41
A Comissão entende que o referido regulamento não viola, de modo algum, o acordo de Cotonu ou o regime de luta antidroga.
A este propósito, enumera as diferenças entre os regimes pautais em causa.
Apreciação do Tribunal de Justiça
42
Os regimes de tratamento preferencial invocados no âmbito do presente fundamento, na realidade, referem‑se unicamente às isenções
de direitos aduaneiros concedidas no âmbito do acordo de Cotonu, por um lado, e às resultantes do regime de luta antidroga
ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 2501/2001 do Conselho, de 10 de Dezembro de 2001, relativo à aplicação de um sistema de
preferências pautais generalizadas durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2004 (JO
L 346, p. 1), por outro.
43
Há que concluir que, ao adoptar o Regulamento n.° 975/2003, o Conselho instituiu um contingente pautal que não está ligado
a esse acordo ou a esse regime e que nada retira às isenções de direitos aduaneiros concedidas no âmbito destes. Por conseguinte,
o Regulamento n.° 975/2003 não está, de modo algum, em conflito com o acordo de Cotonu ou com o regime de luta antidroga.
44
Também o quinto fundamento improcede.
Quanto ao sexto fundamento, relativo a violação do princípio da protecção da confiança legítima Argumentos das partes
45
No entendimento do Governo espanhol, o Regulamento n.° 975/2003 viola o princípio da protecção da confiança legítima dos operadores
da Comunidade que fizeram investimentos nos Estados ACP e nos Estados abrangidos pelo regime de luta antidroga.
46
O Conselho e a Comissão lembram que a Comunidade dispõe de ampla margem de apreciação na escolha dos meios necessários para
a execução da política comercial comum e que dela se serve habitualmente. Daí deduzem que os operadores económicos não podem
depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente.
Apreciação do Tribunal de Justiça
47
A possibilidade de invocar o princípio da protecção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico a quem
uma instituição tenha feito surgir expectativas fundadas. Além disso, nada se opõe a que um Estado‑Membro alegue, no âmbito
de um recurso de anulação, que um acto das instituições viola a confiança legítima de certos operadores económicos (acórdãos
de 19 de Novembro de 1998, Espanha/Conselho, C‑284/94, Colect., p. I‑7309, n.° 42, e de 15 Julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport,
C‑37/02 e C‑38/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 70).
48
Todavia, quando esses operadores económicos puderem prever a adopção de uma medida comunitária que afecta os seus interesses,
o benefício do princípio da confiança legítima não pode ser invocado (acórdãos de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association
e o., C‑22/94, Colect., p. I‑1809, n.° 25, e Di Lenardo e Dilexport, já referido, n.° 70).
49
No caso vertente, dispondo as instituições comunitárias de uma margem de apreciação na escolha dos meios necessários para
a execução da política comercial comum, os operadores económicos não podem depositar a sua confiança legítima na manutenção
de uma situação existente (v., a este propósito, acórdão Espanha/Conselho, já referido, n.° 43).
50
Por conseguinte, os operadores económicos interessados não podiam alimentar qualquer expectativa fundada na manutenção da
taxa do direito aduaneiro que era aplicável às importações de conservas de atum originárias da Tailândia e das Filipinas quando
das consultas e da mediação entre estes países e a Comunidade. Pelo contrário, era previsível que esses processos pudessem
conduzir a uma redução desses direitos.
51
Daí decorre que, ao adoptar o Regulamento n.° 975/2003, o Conselho não violou o princípio da protecção da confiança legítima
e que, portanto, este fundamento improcede.
Quanto ao sétimo fundamento, relativo a falta de fundamentação Argumentos das partes
52
Segundo o Governo espanhol, o Regulamento n.° 975/2003 está insuficientemente fundamentado, na medida em que, no primeiro
considerando, se limita a remeter para o relatório do mediador da OMC, que não é vinculativo para a Comunidade. Acresce que
o referido regulamento não considera o problema na sua globalidade, uma vez que não examina o impacto das medidas que prevê
sobre a indústria de conservas de atum na Comunidade.
53
O Conselho e a Comissão sustentam que os considerandos do Regulamento n.° 975/2003 são suficientes para fundamentar a adopção
deste.
Apreciação do Tribunal de Justiça
54
A fundamentação dos regulamentos comunitários exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca,
a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada
e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização (acórdãos Grécia/Conselho, já referido, n.° 19, e de 22 de Novembro de
2001, Países Baixos/Conselho, C‑301/97, Colect., p. I‑8853, n.° 187).
55
Quando se trata, como no caso vertente, de um acto de aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado,
a situação de conjunto que levou à sua adopção e, por outro, os objectivos gerais que se propõe atingir (acórdãos, já referidos,
Espanha/Conselho, n.° 28, e Países Baixos/Conselho, n.° 189).
56
No caso vertente, o primeiro considerando do Regulamento n.° 975/2003 resume de modo transparente e claro a situação que levou
à abertura do contingente pautal nele previsto.
57
O segundo considerando deste regulamento precisa o seu objectivo principal, a saber, solucionar um diferendo comercial antigo
entre a Comunidade, por um lado, e o Reino da Tailândia e a República das Filipinas, por outro.
58
Por fim, os considerandos seguintes expõem as razões que levaram à adopção das modalidades do contingente pautal. Explicam
designadamente que é oportuno fixar, por ocasião da resolução do referido diferendo comercial, os contingentes pautais, por
um lado, para os países que tenham um interesse substancial no fornecimento de conservas de atum e, por outro, para os outros
países.
59
A fundamentação do Regulamento n.° 975/2003 compreende, assim, uma descrição clara da situação de facto e dos objectivos prosseguidos
pelo legislador comunitário. Esta fundamentação revelou‑se, aliás, suficiente para permitir ao Governo espanhol verificar
o seu conteúdo e apreciar a oportunidade de pôr em causa a legalidade do referido regulamento.
60
Em suma, como referido no n.° 30 do presente acórdão, não incumbia ao Conselho apreciar o impacto do contingente pautal sobre
a indústria de conservas de atum na Comunidade. Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta o Governo espanhol, esta questão
não devia figurar na fundamentação do Regulamento n.° 975/2003.
61
O sétimo fundamento deve, assim, igualmente improceder.
Quanto ao oitavo fundamento, relativo a desvio de poder Argumentos das partes
62
O Governo espanhol invoca desvio de poder, uma vez que o contingente pautal de conservas de atum foi atribuído na quase totalidade
aos Estados beneficiários, incluindo a Indonésia, de maneira arbitrária e a parte que restou foi atribuída a países terceiros.
Segundo este governo, as percentagens fixadas no artigo 3.° do Regulamento n.° 975/2003 opõem‑se ao próprio conceito de contingente
e mais parecem ser o resultado de uma negociação política. Além disso, a medida adoptada é contrária à finalidade para a qual
foi instituída, uma vez que o Conselho não tomou em consideração as linhas directrizes destinadas a responder às necessidades
mais urgentes da Comunidade no que se refere ao produto em causa. Por fim, as preferências pautais atribuídas por este regulamento
criam um precedente perigoso, uma vez que outros Estados se sentirão vítimas de discriminação e pedirão, portanto, preferências
pautais semelhantes.
63
O Conselho e a Comissão alegam que as circunstâncias do caso não se enquadram no conceito de desvio de poder na acepção da
jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Apreciação do Tribunal de Justiça
64
Como reiteradamente o Tribunal de Justiça decidiu, um acto só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios
objectivos, pertinentes e concordantes, que foi adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir
fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias
do caso em apreço (acórdãos de 14 de Maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão, C‑48/96 P, Colect., p. I‑2873, n.° 52, e
de 22 de Novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C‑110/97, Colect., p. I‑8763, n.° 137).
65
Há que concluir que o Governo espanhol não forneceu tais indícios.
66
Ao invés, o contingente pautal fixado nos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 975/2003 responde manifestamente aos objectivos
expostos nos seus segundo e terceiro considerandos, a saber, solucionar um diferendo antigo com o Reino da Tailândia e a República
das Filipinas e fixar, no âmbito da resolução desse diferendo, os contingentes para os países que tenham interesse substancial
no fornecimento de conservas de atum, por um lado, e para os outros países, por outro.
67
A propósito do argumento do Governo espanhol segundo o qual o referido regulamento cria um precedente dado que outros Estados
pedirão preferências semelhantes, basta constatar que tal alegação, mesmo a verificar‑se, não pode em qualquer caso demonstrar
que o contingente em causa foi aberto com o objectivo de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente
previsto pelo Tratado para responder às circunstâncias do caso vertente.
68
Decorre do que antecede que o oitavo fundamento improcede.
69
Não tendo nenhum dos fundamentos invocados pelo Governo espanhol merecido acolhimento, há que negar provimento ao recurso.
Quanto às despesas
70
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora
o tiver requerido. Tendo a Conselho pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas
despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, do mesmo regulamento, a Comissão, parte interveniente, suportará as suas próprias
despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:
1)
É negado provimento ao recurso.
2)
O Reino de Espanha é condenado nas despesas, à excepção das da Comissão das Comunidades Europeias, que suportará as suas próprias
despesas.