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Document 62003CJ0220

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de Dezembro de 2005.
Banco Central Europeu contra República Federal da Alemanha.
Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias - Acordo relativo à sede do Banco Central Europeu - Cláusula compromissória - Imóveis arrendados pelo BCE - Repercussão dos impostos indirectos no montante das rendas.
Processo C-220/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10595

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:748

Processo C‑220/03

Banco Central Europeu

contra

República Federal da Alemanha

«Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias – Acordo relativo à sede do Banco Central Europeu – Cláusula compromissória – Imóveis arrendados pelo BCE – Repercussão dos impostos indirectos no montante das rendas»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 13 de Setembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de Dezembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Privilégios e imunidades das Comunidades Europeias – Imunidade fiscal das Comunidades – Acordo relativo à sede do Banco Central Europeu – Reembolso do imposto sobre o volume de negócios devido pelas entregas de bens e outras prestações no âmbito de operações destinadas ao uso oficial do Banco – Requisito – Facturação separada – Requisito claro e preciso

(Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 3.°, segundo parágrafo)

2.     Privilégios e imunidades das Comunidades Europeias – Imunidade fiscal das Comunidades – Reembolso dos impostos indirectos e dos impostos sobre a venda de bens – Aplicação ao imposto sobre o volume de negócios devido pelas entregas de bens e outras prestações – Requisito – Facturação separada – Admissibilidade – Margem de manobra das instituições comunitárias e dos Estados‑Membros na celebração de acordos de aplicação em matéria de reembolso

(Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 3.°, segundo parágrafo)

1.     O artigo 8.°, n.° 1, do acordo de Acordo de 18 de Setembro de 1998, celebrado entre o Governo da República Federal da Alemanha e o Banco Central Europeu, relativo à sede desta instituição faz depender o reembolso do imposto sobre o volume de negócios, devido pelas entregas de bens e outras prestações no âmbito de operações destinadas ao uso oficial do Banco, expressamente e sem qualquer ambiguidade do requisito de esse imposto ter sido «discriminado na factura» apresentada ao Banco. Apesar de a interpretação de uma disposição de um acordo «à luz» do contexto jurídico em que se insere seja, em princípio, possível para resolver uma ambiguidade de redacção, essa interpretação não pode ter por resultado retirar todo o efeito útil à letra clara e precisa dessa disposição.

(cf. n.° 31)

2.     O requisito previsto no artigo 8.°, n.° 1, do Acordo de 18 de Setembro de 1998, celebrado entre o Governo da República Federal da Alemanha e o Banco Central Europeu, relativo à sede desta instituição, de que o imposto sobre o volume de negócios devido pelas entregas de bens e outras prestações no âmbito de operações destinadas ao uso oficial do Banco, tenha sido «discriminado na factura» apresentada ao Banco para ser reembolsado pelo Estado‑Membro não colide com os objectivos nem com a letra do artigo 3.°, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, que prevê a remissão ou o reembolso pelos Estados‑Membros dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda que integrem os preços das compras importantes realizadas pelas Comunidades para seu uso oficial. Esta disposição só prevê a adopção de «medidas adequadas», tendo em vista o reembolso de impostos, apenas relativamente a «compras importantes» e quando «for possível». É, pois, concedida uma certa margem de manobra às instituições comunitárias bem como aos Estados‑Membros na celebração de acordos relativos à aplicação do referido artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo.

(cf. n.° 32)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de Dezembro de 2005 (*)

«Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias – Acordo relativo à sede do Banco Central Europeu – Cláusula compromissória – Imóveis arrendados pelo BCE – Repercussão dos impostos indirectos no montante das rendas»

No processo C‑220/03,

que tem por objecto uma acção nos termos do artigo 238.° CE, entrada em 21 de Maio de 2003,

Banco Central Europeu, representado por C. Zilioli e M. Benisch, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann e M. Selmayr, Rechtsanwälte, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por U. Forsthoff, na qualidade de agente, assistido por W. Hölters, Rechtsanwalt,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Schiemann (relator), K. Lenaerts, E. Juhász e M. Ilešič, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Junho de 2005,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 13 de Setembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na petição, o Banco Central Europeu (BCE) pede ao Tribunal de Justiça, no essencial, que declare que a República Federal da Alemanha é obrigada, relativamente a todas as entregas de bens e prestações de serviços de que necessita para o seu uso oficial na Alemanha, nomeadamente relativamente a todas as locações de imóveis, a reembolsar‑lhe os montantes do imposto sobre o volume de negócios relativamente aos quais possa ser provado, ou se possa concluir de acordo com critérios económicos razoáveis, que foram integrados nos preços pagos por essa instituição. Para além dessa declaração de princípio, o BCE pede que esse Estado‑Membro seja condenado a reembolsar‑lhe os montantes de 8 794 023,37 EUR, a título do referido imposto incluído nas rendas que pagou, e de 1 925 689,23 EUR, a título do mesmo imposto incluído em despesas acessórias e em trabalhos diversos relacionados com as mesmas locações.

 Quadro jurídico

2       O BCE fundamenta os seus pedidos, apresentados ao abrigo de uma cláusula compromissória contida no Acordo de 18 de Setembro de 1998, celebrado entre o Governo da República Federal da Alemanha e o Banco Central Europeu, relativo à sede desta instituição (BGBl. 1998 II, p. 2745, a seguir «acordo relativo à sede»), no artigo 8.°, n.° 1, do referido acordo, interpretado à luz dos artigos 3.°, segundo parágrafo, e 23.°, primeiro parágrafo, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias de 8 de Abril de 1965 (JO 1967, 152, p. 13, a seguir «protocolo»).

3       O artigo 291.° CE dispõe:

«A Comunidade goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão, nas condições definidas no Protocolo de 8 de Abril de 1965 relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias. O mesmo regime é aplicável ao Banco Central Europeu, ao Instituto Monetário Europeu e ao Banco Europeu de Investimento.»

 Protocolo

4       O artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo prevê:

«Os governos dos Estados‑Membros tomarão, sempre que lhes for possível, as medidas adequadas tendo em vista a remissão ou o reembolso do montante dos impostos indirectos e das taxas sobre a venda que integrem os preços dos bens móveis e imóveis, no caso de as Comunidades realizarem, para seu uso oficial, compras importantes em cujo preço estejam incluídos impostos e taxas dessa natureza. Todavia, a aplicação dessas medidas não deve ter por efeito falsear a concorrência nas Comunidades.»

5       O artigo 23.°, primeiro parágrafo, do protocolo refere que este se aplica ao BCE.

 Acordo relativo à sede

6       Nos termos do quinto considerando do seu preâmbulo, o acordo relativo à sede pretende «estabelecer os privilégios e imunidades do Banco Central Europeu na República Federal da Alemanha, em conformidade com o previsto no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias».

7       O artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede dispõe:

«Em aplicação do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo, o Bundesamt für Finanzen [Serviço Federal de Impostos] reembolsará ao BCE, a pedido deste, da receita do imposto sobre o volume de negócios cobrado, o imposto sobre o volume de negócios discriminado na factura pelas empresas por entregas de bens e outras prestações, quando estas operações se destinem ao uso oficial do BCE. Isto pressupõe que o montante do imposto devido por estas operações ultrapasse, em cada caso, cinquenta DEM e tenha sido pago pelo BCE às empresas [...]»

8       O artigo 21.° do acordo relativo à sede enuncia a seguinte cláusula compromissória:

«Qualquer divergência entre o Governo [da República Federal da Alemanha] e o BCE sobre a interpretação e a aplicação deste acordo, que não possa ser resolvida directamente pelas partes no acordo, pode ser submetida ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por qualquer uma delas, em conformidade com o artigo 35.°‑4 dos Estatutos do SEBC [Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu].»

 Estatutos do SEBC

9       O artigo 35.°‑4 do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, em anexo ao Tratado CE (a seguir «Estatutos do SEBC») tem a seguinte redacção:

«O Tribunal de Justiça é competente para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou privado celebrado pelo BCE ou por sua conta.»

 Disposições relativas ao imposto sobre o volume de negócios

10     A lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz), na versão, relevante para o presente processo, de 9 de Junho de 1999 (BGBl. 1999 I, p. 1270, a seguir «UStG»), visa transpor para o direito alemão as disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»).

11     Nos termos do § 4, n.° 12, alínea a), da UStG, que assenta no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva, a locação de bens imóveis está isenta de imposto sobre o volume de negócios. Essa isenção estende‑se a todas as prestações acessórias das locações, nomeadamente aos encargos que o locador factura ao locatário ao abrigo do contrato de arrendamento.

12     O § 9, n.° 1, da UStG, que assenta no artigo 13.°, C, da Sexta Directiva, prevê a possibilidade de tratar como sujeita ao referido imposto uma operação que estaria normalmente isenta ao abrigo do § 4, n.° 12, alínea a), dessa mesma lei, desde que essa operação seja efectuada em benefício de um empresário que realize operações elas próprias sujeitas a imposto sobre o volume de negócios e que permitam a dedução do imposto pago a montante.

13     O BCE não tem a qualidade de empresário na acepção do direito fiscal alemão e os locadores de imóveis por ele arrendados não beneficiam, consequentemente, da possibilidade prevista no § 9, n.° 1, da UStG, de tratar como operações sujeitas ao referido imposto as locações de imóveis a essa instituição e as prestações de serviços acessórias dessas operações. Essa opção pela sujeição é, além disso, igualmente excluída pelo direito fiscal alemão, uma vez que o BCE, tal como os bancos e as companhias de seguros do sector privado, apenas realiza operações que excluem a dedução do imposto a montante.

14     Nos termos do § 15, n.° 1, da UStG, que assenta no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, os empresários que realizem operações sujeitas a imposto sobre o volume de negócios podem deduzir do imposto a soma que pagaram a montante aos seus fornecedores pelas prestações intermediárias. No entanto, essa possibilidade não existe para as operações isentas, como são, nos termos do § 4, n.° 12, alínea a), da UStG, a locação de imóveis e a prestação de serviços acessórias dessa locação, uma vez que, neste caso, não é devido o imposto sobre o volume de negócios e, portanto, não é possível nenhuma dedução.

 Matéria de facto

15     O BCE toma diversos imóveis de arrendamento em Frankfurt (Alemanha), cidade onde se encontra sediado. Os dois principais imóveis são:

–       o edifício Eurotower, sito na Kaiserstraße, n.° 29 (a seguir «Eurotower»), e

–       o edifício Eurotheum, sito na Neue Mainzer Straße e na Junghofstraße (a seguir «Eurotheum»).

16     Está assente que, nos termos do § 4, n.° 12, alínea a), da UStG, a locação desses imóveis está isenta de imposto sobre o volume de negócios. Do mesmo modo, de acordo com o princípio segundo o qual as prestações acessórias estão sujeitas ao mesmo regime que a prestação principal, os encargos relativos a essas locações (custos de manutenção, electricidade, água, seguro, etc., a seguir «encargos») estão igualmente isentos desse imposto. Por conseguinte, os locadores que arrendam imóveis ao BCE e gerem os respectivos encargos não lhe facturam o imposto sobre o volume de negócios sobre essas operações.

17     Os próprios locadores estão sujeitos ao imposto sobre o volume de negócios relativamente a todas as prestações acessórias ligadas aos imóveis que arrendam (trabalhos de construção, de adaptação, de conservação, bem como as despesas de electricidade, água, seguro, etc., a seguir «operações a montante»). Se a locação efectuada por um locador estivesse sujeita a esse imposto, é indiscutível que este último poderia, ao abrigo do § 15, n.° 1, da UStG, deduzir do imposto devido pelas suas operações tributáveis o valor do imposto que ele próprio pagou sobre as operações efectuadas a montante (a seguir «imposto a montante»). Poderia assim recuperar esse valor.

18     Por essa razão, os locadores têm interesse em exercer a escolha, que lhes é facultada pelo § 9, n.° 1, da UStG, de tratar como uma operação sujeita ao imposto sobre o volume de negócios uma locação que estaria normalmente isenta desse imposto. Nos casos em que essa opção é dada ao locador, ou seja, quando as locações são feitas a locatários que têm a qualidade de empresários e que realizam eles próprios operações tributáveis, o próprio locatário pode em seguida deduzir o montante do imposto sobre o volume de negócios pela locação do imposto devido pelas operações que realiza. O locatário pode assim, em princípio, recuperar o montante do imposto pago sobre o valor da renda, e o facto de o locador ter optado pela sujeição não traz nenhuma consequência financeira negativa para esse locatário.

19     Segundo o BCE, este sistema de isenções tem como resultado obrigá‑lo a pagar aos seus senhorios os montantes do imposto sobre o volume de negócios pagos por eles sobre as suas operações a montante. Com efeito, os locadores calculam as rendas em função da sua margem de lucro e, consequentemente, cobram rendas mais altas a locatários como o BCE, aos quais o imposto a montante não pode ser refacturado. Apesar de esses montantes não aparecerem discriminados nas facturas, é possível, segundo esta instituição, demonstrar que são integrados nos preços da renda e dos encargos que lhe são facturados. Daí infere que suporta indirectamente um imposto sobre o volume de negócios.

20     A República Federal da Alemanha nega que os montantes do imposto sobre o volume de negócios entrem nos preços das rendas e dos encargos pagos pelo BCE. Alega que grande número de outros locatários, nomeadamente os bancos e as companhias de seguros do sector privado, se encontram na mesma situação fiscal do BCE. Os preços das rendas e dos encargos são definidos pelo mercado e o BCE não provou que as rendas e os encargos pagos por ele são acrescidos de somas que correspondem efectivamente às do imposto pago a montante pelos locadores sobre as suas operações tributáveis relacionadas com a locação.

21     Por ofício de 9 de Abril de 2001, o Finanzamt Wiesbaden, serviço de finanças local competente, indeferiu o pedido do BCE destinado a obter o reembolso do imposto sobre o volume de negócios incluído, segundo afirma, nas facturas da renda e dos encargos que lhe foram enviadas pelos seus senhorios. O BCE reclamou desse indeferimento, invocando o artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede e o artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo. Tendo persistido a divergência entre as autoridades fiscais alemãs e o BCE, este último instaurou a presente acção.

 Quanto à admissibilidade da acção

22     A República Federal da Alemanha contesta a admissibilidade da acção, à luz quer do protocolo quer do acordo relativo à sede.

23     Em primeiro lugar, segundo a República Federal da Alemanha, está previsto que a cláusula compromissória do artigo 21.° do acordo relativo à sede se aplica expressa e unicamente a divergências sobre a interpretação ou a aplicação «deste acordo». Portanto, considera que o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar e aplicar o protocolo, em particular no que respeita à aplicação directa do seu artigo 3.°, segundo parágrafo, e que a acção é inadmissível nesta parte.

24     Sobre este aspecto, basta referir, como o BCE alegou na audiência, que a petição não pretende obter uma interpretação ou uma aplicação directa do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo, tendo apenas por objecto a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede, que deve ser interpretado à luz do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo, de que o referido artigo 8.°, n.° 1, constitui a aplicação específica no presente contexto. O Tribunal de Justiça é competente, ao abrigo da cláusula compromissória do artigo 21.° do acordo relativo à sede, para interpretar e aplicar o artigo 8.°, n.° 1, deste acordo, à luz do contexto jurídico em que esta última disposição se insere.

25     Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha alega que a cláusula compromissória que, nos termos de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, deve ser interpretada estritamente, não é aplicável ao presente litígio, dado que não existe qualquer «divergência […] sobre a interpretação e a aplicação [do acordo relativo à sede]». Com efeito, ela própria e o BCE partilham da opinião de que o artigo 8.°, n.° 1, desse acordo, segundo a sua redacção, só prevê o reembolso do imposto sobre o volume de negócios discriminado na factura, e que essa disposição não é, consequentemente, aplicável porque, no caso vertente, não está em causa o reembolso desse imposto.

26     A este respeito, o BCE observa com razão que existe claramente uma divergência entre ele e a República Federal da Alemanha sobre a interpretação e a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede, designadamente em relação à questão de saber se se impõe uma interpretação mais ampla dessa disposição à luz do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo, de tal modo que esse Estado‑Membro seria obrigado a reembolsar ao BCE o imposto sobre o volume de negócios não só quando este é discriminado na factura, como prevê a letra do referido artigo 8.°, n.° 1, mas também quando for possível demonstrar, mesmo não havendo essa discriminação, que esse imposto foi efectivamente suportado pelo BCE.

27     Tendo em conta estas considerações, há que julgar improcedentes as questões prévias de inadmissibilidade suscitadas pela República Federal da Alemanha e declarar que o Tribunal de Justiça é competente, ao abrigo do artigo 21.° do acordo relativo à sede, conjugado com os artigos 238.° CE e 35.°‑4, dos estatutos do SEBC, para apreciar a acção do BCE.

 Quanto ao mérito

28     Está assente que o artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede só prevê, como decorre da sua própria letra, o reembolso do imposto sobre o volume de negócios «discriminado na factura […] por entregas de bens e outras prestações» fornecidas ao BCE. Está igualmente assente que nenhum imposto sobre o volume de negócios recai sobre as referidas entregas e prestações e que, portanto, nenhum imposto pode ser discriminado na factura «por» essas entregas e prestações.

29     O BCE alega, no entanto, que, interpretado à luz do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo, o artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede prevê não só o reembolso do imposto sobre o volume de negócios discriminado na factura mas também o de qualquer imposto sobre o volume de negócios que integre os preços pagos pelo BCE e, portanto, do imposto sobre o volume de negócios suportado indirectamente por esta instituição devido à repercussão desse imposto no montante das rendas facturadas pelos seus senhorios, e isto independentemente do facto de essa facturação estar ou não discriminada. Isto resulta do facto de o artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo prever expressamente o reembolso do imposto sobre o volume de negócios pelos Estados‑Membros, «sempre que lhes for possível», e exigir, além disso, de modo geral, o reembolso «do montante dos impostos indirectos […] que integrem os preços dos bens móveis e imóveis».

30     Esta argumentação não pode ser acolhida.

31     O artigo 8.°, n.° 1, do acordo relativo à sede faz depender o reembolso do imposto sobre o volume de negócios, expressamente e sem qualquer ambiguidade, do pressuposto, não verificado no caso em apreço, de que esse imposto tenha sido «discriminado na factura». Apesar de a interpretação de uma disposição de um acordo «à luz» do contexto jurídico em que se insere seja, em princípio, possível para resolver uma ambiguidade de redacção, essa interpretação não pode ter por resultado retirar todo o efeito útil à letra clara e precisa dessa disposição.

32     Além disso, o pressuposto de que o imposto tenha sido «discriminado na factura» não colide com os objectivos nem com a letra do artigo 3.°, segundo parágrafo, do protocolo. Esta disposição só prevê a adopção de «medidas adequadas», tendo em vista o reembolso de impostos, apenas relativamente a «compras importantes» e quando «for possível». É, pois, concedida uma certa margem de manobra às instituições comunitárias bem como aos Estados‑Membros na celebração de acordos relativos à aplicação do referido artigo 3.°, segundo parágrafo.

33     A exclusão do reembolso dos impostos que não são facturados ao BCE, mas que são pagos a montante pelos seus co‑contratantes e podem assim influenciar os preços que lhe são facturados, não excede essa margem de manobra. O mesmo se diga do limite de 50 DEM, estipulado pelo acordo relativo à sede, para o reembolso dos impostos. Assim, essas exigências estão em conformidade com o protocolo.

34     Por outro lado, o referido pressuposto preserva os interesses financeiros tanto da Comunidade Europeia como do Estado‑Membro de acolhimento, uma vez que evita que os fundos públicos sejam afectados à realização de procedimentos de reembolso detalhados e complexos, destinados a provar que uma parte das despesas suportadas pelo BCE corresponde, na realidade, a um imposto pago a montante por um dos seus co‑contratantes.

35     Há que acrescentar, por último, que o despacho de 17 de Dezembro de 1968, Ufficio Imposte di Consumo di Ispra/Comissão (2/68, Recueil, p. 635, Colect. 1965‑1968, p. 899), invocado pelo BCE, não tem qualquer relevância para o presente processo, uma vez que esse despacho foi proferido a propósito de uma situação em que a Comissão das Comunidades Europeias tinha tentado, num acordo celebrado com o Governo italiano, diminuir os direitos e as garantias de que beneficiavam terceiros, que não eram partes no referido acordo, ao abrigo do protocolo.

36     Tendo em conta estas considerações, há que julgar a acção improcedente.

 Quanto às despesas

37     Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Federal da Alemanha pedido a condenação do BCE e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      O Banco Central Europeu é condenado nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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