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Document 62003CJ0148

    Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 28 de Outubro de 2004.
    Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG contra Portbridge Transport International BV.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht München - Alemanha.
    Convenção de Bruxelas - Artigos 20.º e 57.º, n.º 2 - Falta de comparência do réu - Réu domiciliado no território de outro Estado contratante - Convenção de Genebra relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada - Conflito de convenções.
    Processo C-148/03.

    Colectânea de Jurisprudência 2004 I-10327

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:677

    Arrêt de la Cour

    Processo C‑148/03

    Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG

    contra

    Portbridge Transport International BV

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht München)

    «Convenção de Bruxelas – Artigos 20.º e 57.º, n.º 2 – Falta de comparência do réu – Réu domiciliado no território de outro Estado contratante – Convenção de Genebra relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada – Conflito de convenções»

    Sumário do acórdão

    Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Relações com as outras convenções – Convenções relativas a uma matéria especial – Convenção que contém regras de competência judiciária – Contestação pelo réu da competência internacional do tribunal chamado a pronunciar‑se, baseada nessa convenção – Observância pelo tribunal chamado a pronunciar‑se, nos termos do artigo 57.° da Convenção de Bruxelas, das regras de competência da convenção especial

    [Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigos 20.° e 57.°, n.° 2, alínea a)]

    O artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, deve ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado no território de um outro Estado contratante foi demandado, pode declarar‑se competente com base numa convenção especial de que o primeiro Estado seja igualmente parte e que contenha regras específicas sobre a competência judiciária, mesmo quando o réu, no âmbito do processo em causa, não se pronuncie quanto ao mérito e conteste formalmente a competência internacional do tribunal nacional chamado a pronunciar‑se.

    Embora seja verdade, a este respeito, que nos termos do artigo 20.° Convenção de 27 de Setembro de 1968, aplicável por força do artigo 57.°, n.° 2, alínea a), segundo período, da mesma, o tribunal em causa se deve declarar oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar dos termos desta Convenção, a competência do referido tribunal deve, contudo, considerar‑se fundada nesta mesma Convenção, dado que o seu artigo 57.° prevê precisamente que as regras de competência previstas por convenções especiais não são afectadas pela mencionada Convenção.

    Nestas circunstâncias, ao proceder oficiosamente à verificação da sua competência à luz do disposto na referida convenção, o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado noutro Estado contratante é demandado e não comparece, deve tomar em consideração as regras de competência previstas por convenções especiais de que o primeiro Estado contratante seja parte.

    (cf. n.os 16‑20, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
    28 de Outubro de 2004(1)

    «Convenção de Bruxelas – Artigos 20.º e 57.º, n.º 2 – Falta de comparência do réu – Réu domiciliado no território de outro Estado contratante – Convenção de Genebra relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada – Conflito de convenções»

    No processo C-148/03,que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial,apresentado pelo Oberlandesgericht München (Alemanha), por decisão de 27 de Março de 2003, entrado no Tribunal em 31 de Março de 2003, no processo

    Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG

    contra

    Portbridge Transport International BV,



    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),,



    composto por: A. Rosas, presidente de Secção, R. Schintgen (relator) e N. Colneric, juízes,

    advogado-geral: A. Tizzano,
    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,considerando as observações apresentadas:

    em representação da Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG, por K. Demuth, Rechtsanwalt,

    em representação da Portbridge Transport International BV, por J. Kienzle, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por R. Wagner, na qualidade de agente,

    em representação do Governo do Reino Unido, por K. Manji, na qualidade de agente, assistido por D. Beard, barrister,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.-M. Rouchaud e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar o processo sem conclusões,

    profere o presente



    Acórdão



    1
    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 20.° e 57.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1989, L 285, p. 24, a seguir «Convenção de Bruxelas»), com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO 1989, L 285, p. 54), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1).

    2
    Este pedido foi formulado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Nürnberger Allgemeine Versicherungs AG (a seguir «Nürnberger») à sociedade Portbridge Transport International BV (a seguir «Portbridge») e que tem por objecto um pedido de indemnização do prejuízo sofrido pela Nürnberger em virtude da perda de mercadorias que deveriam ter sido transportadas pela Portbridge para o Reino Unido.


    Quadro jurídico

    3
    Nos termos do artigo 57.°, n.os  1 e 2, alínea a), da Convenção de Bruxelas:

    «1.     A presente convenção não prejudica as convenções de que os Estados contratantes sejam ou venham a ser parte e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.

    2.       Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.° 1 será aplicado do seguinte modo:

    a)
    A presente convenção não impede que um tribunal de um Estado contratante que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, em conformidade com uma tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado contratante que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar‑se aplicará o artigo 20.° da presente convenção.»

    4
    O artigo 20.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas preceitua que:

    «Quando o requerido domiciliado no território de um Estado contratante for demandado perante um tribunal de outro Estado contratante e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições da presente convenção.»

    5
    A convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada (a seguir «CMR»), assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aplica‑se, de acordo com o seu artigo 1.°, «a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um, pelo menos, país contratante, independentemente do domicílio e nacionalidade das partes».

    6
    Nos termos do artigo 31.°, n.° 1, da CMR:

    «Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual:

    a)
    O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou

    b)
    Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou lugar previsto para a entrega,

    e só poderá recorrer a essas jurisdições.»

    7
    Tanto a República Federal da Alemanha como o Reino dos Países Baixos são partes na CMR.


    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    8
    A Nürnberger é uma sociedade de seguros de transporte de direito alemão. Reclama à Portbridge, sociedade de transportes de direito neerlandês, uma indemnização em virtude da perda, em Junho de 2000, de mercadorias cujo carregamento foi efectuado por esta última em Vöhringen (Alemanha) e que deveriam ter sido transportadas para o Reino Unido.

    9
    O transporte em causa no processo principal está sujeito às disposições da CMR. Conforme estipulado no artigo 31.°, n.° 1, alínea b), desta convenção, o tribunal chamado a pronunciar‑se, a saber, o Landgericht Memmingen (Alemanha), seria competente uma vez que o lugar de carregamento das mercadorias a transportar se situa na área da sua jurisdição. A Portbridge, no entanto, contestou a competência internacional desta jurisdição e não se pronunciou quanto ao mérito.

    10
    O Landgericht Memmingen, por despacho interlocutório, julgou‑se internacionalmente incompetente e declarou inadmissível a acção da Nürnberger. Considerou que, não obstante as regras de competência previstas no artigo 31.° da CMR, havia que aplicar, em conformidade com o disposto no artigo 57.°, n.° 2, alínea a), segundo período, da Convenção de Bruxelas, o artigo 20.° desta convenção em caso de não comparência do réu ou de recusa deste último em se pronunciar quanto ao mérito. Esta disposição exige que, nestas circunstâncias, o juiz chamado a pronunciar‑se se declare oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições da Convenção de Bruxelas.

    11
    A Nürnberger interpôs recurso do despacho interlocutório para o Oberlandesgericht München, alegando que as disposições em matéria de competência previstas no artigo 31.°, n.° 1, da CMR prevalecem sobre as disposições gerais em matéria de competência da Convenção de Bruxelas, mesmo que o réu não se tenha pronunciado quanto ao mérito e se tenha limitado a contestar a competência internacional do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se.

    12
    Foi nestas condições que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «As normas de atribuição de competência constantes de outras convenções prevalecem face às normas gerais de atribuição de competência da Convenção de Bruxelas se o réu com domicílio no território de um Estado contratante da Convenção de Bruxelas for demandado num órgão jurisdicional de outro Estado contratante e não se pronunciar quanto ao mérito no processo submetido a esse órgão jurisdicional?»


    Quanto à questão prejudicial

    13
    Por meio desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado no território de outro Estado contratante foi demandado, pode declarar‑se competente com base numa convenção especial de que o primeiro Estado seja igualmente parte e que contenha regras específicas relativas à competência judiciária, excluindo assim a aplicação da Convenção de Bruxelas, mesmo quando o réu, no âmbito do processo em causa, não se pronuncia quanto ao mérito.

    14
    Relativamente a esta situação, importa sublinhar que o artigo 57.° introduz uma excepção à regra geral segundo a qual a Convenção de Bruxelas prima sobre as outras convenções assinadas pelos Estados contratantes em matéria de competência jurisdicional, reconhecimento ou execução das decisões. O objectivo desta excepção é o de fazer respeitar as regras de competência previstas em convenções especiais, pois essas regras foram aprovadas em consideração das especificidades das matérias que regulam (v. acórdão de 6 de Dezembro de 1994, Tatry, C‑406/92, Colect., p. I‑5439, n.° 24).

    15
    A Portbridge alega, no entanto, que as regras de competência previstas no artigo 31.°, n.° 1, da CMR devem ser afastadas, devendo aplicar‑se a Convenção de Bruxelas, em virtude do disposto no artigo 57.°, n.° 2, alínea a), segundo período, que dispõe que «o tribunal chamado a pronunciar‑se aplicará o artigo 20.° da presente convenção».

    16
    Deve recordar‑se que este artigo 20.° preceitua que, quando o requerido for demandado perante um tribunal de outro Estado contratante e não comparecer, o juiz se declarará oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições da Convenção de Bruxelas.

    17
    Ora, na presente situação, deve considerar‑se que a competência do juiz resulta da Convenção de Bruxelas, na medida em que o artigo 57.° desta última prevê precisamente que as regras de competência previstas por convenções especiais não são afectadas pela mencionada convenção.

    18
    Nestas circunstâncias, ao proceder oficiosamente à verificação da sua competência à luz do disposto na referida convenção, o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado noutro Estado contratante é demandado e não comparece, deve tomar em consideração as regras de competência previstas por convenções especiais de que o primeiro Estado contratante seja parte.

    19
    O mesmo deverá ser feito quando, como na presente situação, o réu, não se tendo pronunciado quanto ao mérito, conteste formalmente a competência internacional do tribunal nacional chamado a pronunciar‑se.

    20
    Face ao exposto, deve responder‑se à questão colocada que o artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado no território de um outro Estado contratante foi demandado, pode declarar‑se competente com base numa convenção especial de que o primeiro Estado seja igualmente parte e que contenha regras específicas sobre a competência judiciária, mesmo quando o réu, no âmbito do processo em causa, não se pronuncia quanto o mérito.


    Quanto às despesas

    21
    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentação das observações ao Tribunal, para além das que foram efectuadas pelas partes, não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

    O artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, deve ser interpretado no sentido de que o tribunal de um Estado contratante, perante o qual o réu domiciliado no território de um outro Estado contratante foi demandado, pode declarar‑se competente com base numa convenção especial de que o primeiro Estado seja igualmente parte e que contenha regras específicas sobre a competência judiciária, mesmo quando o réu, no âmbito do processo em causa, não se pronuncia quanto ao mérito.

    Assinaturas.


    1
    Língua do processo: alemão.

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