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Document 62003CJ0040

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 14 de Julho de 2005.
Rica Foods (Free Zone) NV contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Regime de associação dos países e territórios ultramarinos - Importações de açúcar e misturas de açúcar e de cacau - Regulamento (CE) n.º 2081/2000 - Medidas de protecção - Artigo 109.º da Decisão PTU - Poder de apreciação da Comissão - Princípio da proporcionalidade - Fundamentação.
Processo C-40/03 P.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-06811

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:455

Processo C‑40/03 P

Rica Foods (Free Zone) NV

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Regime de associação dos países e territórios ultramarinos – Importações de açúcar e misturas de açúcar e de cacau – Regulamento (CE) n.° 2081/2000 – Medidas de protecção – Artigo 109.° da Decisão PTU – Poder de apreciação da Comissão – Princípio da proporcionalidade – Fundamentação»

Conclusões do advogado‑geral P. Léger apresentadas em 17 de Fevereiro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de Julho de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Associação dos países e territórios ultramarinos – Medidas de protecção – Condições de adopção – Poder de apreciação das instituições comunitárias – Fiscalização jurisdicional – Limites

(Decisão 91/482 do Conselho, artigo 109.°)

2.     Associação dos países e territórios ultramarinos – Medidas de protecção relativas às importações a partir dos países e territórios ultramarinos de produtos do sector do açúcar que acumulam a origem CE/PTU – Princípio da proporcionalidade – Fiscalização jurisdicional – Limites

(Decisão 91/482 do Conselho, artigo 109.°, n.° 2)

3.     Associação dos países e territórios ultramarinos – Medidas de protecção relativas às importações a partir dos países e territórios ultramarinos – Medidas de protecção que não colocam em causa o estatuto preferencial dos produtos originários desses países – Carácter excepcional e temporário das referidas medidas

(Decisão 91/482 do Conselho, artigo 109.°, n.° 1)

1.     As instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação para a aplicação do artigo 109.° da Decisão 91/482, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos, que as habilita a tomar ou a autorizar medidas de protecção quando estiverem reunidos determinados requisitos. Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional comunitário limitar‑se a examinar se o exercício desse poder não está viciado por erro manifesto ou por desvio de poder, ou ainda se as instituições comunitárias não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Esta limitação da intensidade da fiscalização do órgão jurisdicional comunitário impõe‑se particularmente se as instituições comunitárias forem levadas a efectuar arbitragens entre interesses divergentes e a fazer assim opções no âmbito das decisões políticas que se prendem com as suas responsabilidades próprias.

O carácter derrogatório desta disposição, que decorre da sua própria natureza, em nada diminui o alcance do poder de apreciação de que dispõe a Comissão quando é levada, no quadro das suas responsabilidades políticas próprias, a efectuar arbitragens complexas entre interesses divergentes.

(cf. n.os 53‑55, 57)

2.     No que diz respeito à fiscalização jurisdicional do respeito do princípio da proporcionalidade enunciado no artigo 109.°, n.° 2, da Decisão 91/482, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe nomeadamente a Comissão em matéria de medidas de protecção previstas pelo artigo 109.°, n.° 1, da mesma decisão, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida.

(cf. n.° 84)

3.     O artigo 109.° da Decisão 91/482, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos (PTU) prevê precisamente a possibilidade de a Comissão adoptar medidas de protecção nas circunstâncias aí referidas. O facto de a Comissão ter adoptado uma medida desta natureza relativamente a certos produtos originários dos PTU não é susceptível de pôr em causa o estatuto preferencial de que gozam, nos termos do artigo 101.°, n.° 1, da referida decisão, os produtos originários destes países. Uma medida de protecção é, com efeito, por natureza, excepcional e temporária.

(cf. n.° 92)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de Julho de 2005 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Regime de associação dos países e territórios ultramarinos – Importações de açúcar e misturas de açúcar e de cacau – Regulamento (CE) n.° 2081/2000 – Medidas de protecção – Artigo 109.° da decisão PTU – Poder de apreciação da Comissão – Princípio da proporcionalidade – Fundamentação»

No processo C‑40/03 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, entrado em 29 de Janeiro de 2003,

Rica Foods (Free Zone) NV, com sede em Oranjestad (Aruba), representada por G. van der Wal, advocaat,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. van Rijn, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

Reino dos Países Baixos, representado por H. Sevenster, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad e D. Miguel Muñoz Pérez, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, R. Schintgen (relator), G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogado‑geral: P. Léger,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Dezembro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de Fevereiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Com o presente recurso, a Rica Foods (Free Zone) NV (a seguir «Rica Foods») pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 14 de Novembro de 2002, Rica Foods/Comissão (T‑332/00 e T‑350/00, Colect., p. II‑4755, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao seu recurso destinado à anulação do Regulamento (CE) n.° 2081/2000 da Comissão, de 29 de Setembro de 2000, que institui medidas de protecção relativas às importações a partir dos PTU de produtos do sector do açúcar que acumulam a origem CE‑PTU (JO L 246, p. 64, a seguir «regulamento impugnado»).

 Quadro jurídico

 A organização comum de mercado no sector do açúcar

2       Através do Regulamento (CE) n.° 2038/1999, de 13 de Setembro de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 252, p. 1), o Conselho da União Europeia procedeu à codificação do Regulamento (CEE) n.° 1785/81, de 30 de Junho de 1981, que estabeleceu essa organização comum (JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80), após várias alterações. Esta organização tem por objecto regular o mercado do açúcar comunitário a fim de aumentar o emprego e o nível de vida dos produtores de açúcar comunitários.

3       O apoio à produção comunitária, efectuado através de preços garantidos, está limitado às quotas nacionais de produção (quotas A e B) atribuídas pelo Conselho, em aplicação do Regulamento n.° 2038/1999, a cada Estado‑Membro que seguidamente as reparte entre os seus produtores. O açúcar abrangido pela quota B (denominado «açúcar B») está sujeito, comparativamente ao da quota A (denominado «açúcar A»), a um direito nivelador sobre a produção mais elevado. O açúcar das quotas A e B produzido em excesso é denominado «açúcar C» e não pode ser vendido na Comunidade Europeia, a menos que seja incluído nas quotas A e B da campanha seguinte.

4       Com excepção das exportações do açúcar C, as exportações extracomunitárias beneficiam, ao abrigo do artigo 18.° do Regulamento n.° 2038/1999, de restituições à exportação que compensam a diferença entre o preço no mercado comunitário e o preço no mercado mundial.

5       A quantidade de açúcar que pode beneficiar de uma restituição à exportação e o montante total anual das restituições são regulados pelos acordos da Organização Mundial do Comércio (a seguir «acordos OMC»), nos quais a Comissão é parte, aprovados pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay‑Round (1986‑1994) (JO L 336, p. 1). O mais tardar a partir da campanha de 2000/2001, a quantidade de açúcar exportado com restituições e o montante total das restituições deviam limitar‑se a 1 273 500 toneladas e a 499,1 milhões de EUR, o que representa uma diminuição de, respectivamente, 20% e 36% em relação aos números respeitantes à campanha de 1994/1995.

 O regime de associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade

6       Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea s), CE, a acção da Comunidade implica a associação dos países e territórios ultramarinos (PTU), «tendo por objectivo incrementar as trocas comerciais e prosseguir em comum o esforço de desenvolvimento económico e social».

7       As Antilhas Neerlandesas e Aruba fazem parte dos PTU.

8       A associação destes últimos à Comunidade rege‑se pela parte IV do Tratado CE.

9       Foram adoptadas diversas decisões com base no artigo 136.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 187.° CE), entre as quais a Decisão 91/482/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1991, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia (JO L 263, p. 1), que, nos termos do seu artigo 240.°, n.° 1, é aplicável por um período de dez anos a contar de 1 de Março de 1990.

10     Várias disposições desta decisão foram alteradas pela Decisão 97/803/CE do Conselho, de 24 de Novembro de 1997, respeitante à revisão intercalar da Decisão 91/482 (JO L 329, p. 50). A Decisão 91/482, modificada pela Decisão 97/803 (a seguir «decisão PTU»), foi prorrogada até 28 de Fevereiro de 2001 pela Decisão 2000/169/CE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 2000 (JO L 55, p. 67).

11     O artigo 101.°, n.° 1, da decisão PTU dispõe:

«Os produtos originários dos PTU podem ser importados para a Comunidade com isenção de direitos de importação.»

12     O artigo 102.° da mesma decisão prevê:

«Sem prejuízo [do artigo] 108.°‑B, a Comunidade não aplicará restrições quantitativas nem medidas de efeito equivalente à importação de produtos originários dos PTU.»

13     O artigo 108.°, n.° 1, primeiro travessão, da referida decisão remete para o anexo II desta a fim de definir o conceito de produtos originários e os métodos de cooperação administrativa com eles relacionados. Nos termos do artigo 1.° deste anexo, um produto é considerado originário dos PTU, da Comunidade ou dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (a seguir «Estados ACP») se aí for inteiramente obtido ou suficientemente transformado.

14     O artigo 3.°, n.° 3, do referido anexo II contém uma lista dos complementos de fabrico ou das transformações consideradas insuficientes para conferir carácter originário a um produto proveniente, designadamente, dos PTU.

15     O artigo 6.°, n.° 2, deste anexo contém, porém, regras denominadas «da cumulação de origem CE‑PTU e ACP‑PTU». Dispõe o seguinte:

«Quando produtos inteiramente obtidos na Comunidade ou nos Estados ACP sejam objecto de complementos de fabrico ou de transformações nos PTU, são considerados como tendo sido inteiramente obtidos nos PTU.»

16     Por força do artigo 6.°, n.° 4, do referido anexo, as regras da cumulação de origem CE‑PTU e ACP‑PTU são aplicáveis a «qualquer complemento de fabrico ou transformação efectuada nos PTU, incluindo as operações enumeradas no n.° 3 do artigo 3.°».

17     A Decisão 97/803 inseriu, nomeadamente, na decisão PTU um artigo 108.°‑B, cujo n.° 1 dispõe que «é admitida a cumulação de origem ACP‑PTU referida no artigo 6.° do anexo II para uma quantidade anual de 3 000 toneladas de açúcar». A Decisão 97/803 não limitou, contudo, a aplicação da regra da cumulação de origem CE/PTU.

18     O artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU autoriza a Comissão das Comunidades Europeias a adoptar «as medidas de protecção necessárias» quando «da aplicação [desta decisão] resultarem perturbações graves num sector da actividade económica da Comunidade ou de um ou mais Estados‑Membros ou o comprometimento da sua estabilidade financeira externa ou [quando] surgirem dificuldades que ameacem deteriorar um sector de actividade da Comunidade ou de uma das suas regiões [...]». Nos termos do artigo 109.°, n.° 2, da referida decisão, a Comissão deve escolher «as medidas que provoquem o mínimo de perturbações no funcionamento da associação e da Comunidade». Além disso, «[e]ssas medidas não devem exceder o estritamente indispensável para sanar as dificuldades que se tenham manifestado».

 As medidas de protecção adoptadas contra as importações de açúcar e de misturas de açúcar e de cacau que beneficiavam da cumulação de origem CE‑PTU

19     Com fundamento no artigo 109.° da decisão PTU, foi adoptado o Regulamento (CE) n.° 2423/1999 da Comissão, de 15 de Novembro de 1999, que instaura medidas de protecção no que se refere ao açúcar do código NC 1701 e às misturas de açúcar e de cacau dos códigos NC 1806 10 30 e 1806 10 90 originárias dos países e territórios ultramarinos (JO L 294, p. 11).

20     Através deste regulamento, aplicável até 29 de Fevereiro de 2000, a Comissão submeteu as importações de açúcar que beneficiavam da cumulação de origem CE‑PTU a um regime de preços mínimos e submeteu as importações de misturas de açúcar e de cacau (a seguir «misturas») originárias dos PTU ao procedimento de vigilância comunitária segundo as regras previstas no artigo 308.°‑D do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, que estabelece o código aduaneiro comunitário (JO L 253, p. 1).

21     O Regulamento (CE) n.° 465/2000 da Comissão, de 29 de Fevereiro de 2000, que institui medidas de protecção relativas às importações a partir dos países e territórios ultramarinos de produtos do sector do açúcar que acumulam a origem CE‑PTU (JO L 56, p. 39), foi igualmente adoptado com fundamento no artigo 109.° da decisão PTU. Este regulamento limitou, relativamente ao período de 1 de Março de 2000 até 30 de Setembro de 2000, a cumulação de origem CE‑PTU a 3 340 toneladas de açúcar para os produtos dos códigos pautais NC 1701, 1806 10 30 e 1806 10 90.

22     Em 29 de Setembro de 2000, a Comissão adoptou o regulamento impugnado também com fundamento no artigo 109.° da decisão PTU.

23     Resulta dos primeiro, quarto, quinto e sexto considerandos do referido regulamento o seguinte:

«(1)      A Comissão verificou que as importações de açúcar (código NC 1701) e de misturas de açúcar e de cacau dos códigos NC 1806 10 30 e 1806 10 90 provenientes dos [PTU] registaram uma importante progressão a partir do ano de 1997 até ao ano de 1999, nomeadamente as no estado inalterado que acumulam a origem CE/PTU. As referidas importações passaram de 0 toneladas em 1996 para mais de 53 000 toneladas em 1999. Os produtos em causa beneficiam, na importação para a Comunidade, de uma isenção dos direitos de importação e são admitidos sem limitações quantitativas em conformidade com o n.° 1 do artigo 101.° da decisão PTU.

[...]

(4)      Nos últimos anos, surgiram dificuldades no mercado do açúcar comunitário. Esse mercado é excedentário. O consumo do açúcar é constante, situando-se em torno de 12,8 milhões de toneladas por ano. A produção sob quota é de cerca de 14,3 milhões de toneladas por ano. Em consequência, qualquer importação de açúcar para a Comunidade desloca para a exportação uma quantidade correspondente de açúcar comunitário que não pode ser escoado no mercado comunitário. São pagas restituições para esse açúcar – no limite de certas quotas – a cargo do orçamento comunitário (actualmente cerca de 520 euros/tonelada). Todavia, as exportações com restituições são limitadas no seu volume pelo acordo sobre a agricultura concluído no âmbito do Uruguay Round […], e reduzidas de 1 555 600 toneladas na campanha de 1995/1996 para 1 273 500 toneladas na campanha de 2000/2001.

(5)      Estas dificuldades são susceptíveis de destabilizar fortemente a organização comum de mercado (OCM) do açúcar. Para a campanha de comercialização de 2000/2001, a Comissão decidiu reduzir as quotas dos produtores comunitários de cerca de 500 000 toneladas […]. Cada importação suplementar de açúcar e de produtos com forte concentração de açúcar provenientes dos PTU implicará uma redução mais importante da quota dos produtores comunitários e, portanto, uma maior perda de garantia dos seus rendimentos.

(6)      Em consequência, continuam a existir dificuldades que comportam o risco de uma deterioração de um sector de actividade da Comunidade. […]»

24     Nos termos do artigo 1.° do regulamento impugnado:

«Para os produtos dos códigos [pautais] NC 1701, 1806 10 30 e 1806 10 90, a acumulação de origem CE/PTU, referida no artigo 6.° do anexo II da Decisão 91/482/CEE, é autorizada para uma quantidade de 4 848 toneladas de açúcar durante o período de vigência do presente regulamento.

Para efeitos do respeito desse limite, para os produtos diferentes do açúcar no seu estado inalterado, é tido em conta o teor de açúcar do produto importado.»

25     Resulta do oitavo considerando do referido regulamento que a Comissão fixou esta quota de 4 848 toneladas tendo em conta «a soma dos volumes anuais mais elevados das importações dos produtos em causa verificados nos três anos anteriores a 1999, ano em que as importações registaram uma progressão exponencial. Para a determinação das quantidades de açúcar a tomar em consideração, a Comissão toma nota da posição adoptada pelo presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias nos seus despachos de 12 de Julho e de 8 de Agosto de 2000 nos processos T‑94/00 R, T‑110/00 R e T‑159/00 R, sem contudo, a reconhecer como justificada. Assim, a fim de evitar processos inúteis e exclusivamente para efeitos da adopção das presentes medidas de protecção, a Comissão toma em consideração, para o açúcar do código NC 1701 e para o ano de 1997, o valor total de 10 372,2 toneladas, sendo este valor igual às importações totais, verificadas pelo Eurostat, de açúcar proveniente dos PTU que acumula as duas origens CE‑PTU e ACP‑PTU».

26     Nos termos do artigo 2.° do regulamento impugnado, a importação dos produtos referidos no artigo 1.° desse regulamento fica sujeita à emissão de um certificado de importação, o qual é emitido em conformidade com as modalidades que constam dos artigos 2.° a 6.° do Regulamento (CE) n.° 2553/97 da Comissão, de 17 de Dezembro de 1997, relativo às regras de emissão dos certificados de importação relativos a determinados produtos dos códigos NC 1701, 1702, 1703 e 1704 que acumulam a origem ACP‑PTU (JO L 349, p. 26), aplicáveis mutatis mutandis.

27     Por último, nos termos do seu artigo 3.°, o regulamento impugnado é aplicável desde 1 de Outubro de 2000 até 28 de Fevereiro de 2001.

 Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

28     Por petições entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em, respectivamente, 27 de Outubro e 20 de Novembro de 2000, a Rica Foods e outra sociedade (a seguir, em conjunto, «recorrentes»), que são empresas de transformação de açúcar estabelecidas nos PTU (Aruba e Antilhas Neerlandesas), interpuseram recursos que têm por objecto, por um lado, a anulação do regulamento impugnado e, por outro, um pedido de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido devido à adopção desse regulamento (processos T‑332/00 e T‑350/00).

29     Por despachos do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março e de 30 de Abril de 2001, o Reino dos Países Baixos foi autorizado a intervir no processo T‑332/00, em apoio dos pedidos da Rica Foods, enquanto o Reino de Espanha foi autorizado a intervir em apoio dos pedidos da Comissão nos processos T‑332/00 e T‑350/00.

30     A Rica Foods invocava nomeadamente três fundamentos, extraídos, respectivamente, da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, do princípio da proporcionalidade e do estatuto preferencial de que beneficiam os PTU por força do Tratado.

31     Através do acórdão recorrido, após ter apenso os recursos, o Tribunal negou‑lhes provimento.

32     No que respeita, em particular, aos três fundamentos acima mencionados, o Tribunal decidiu o seguinte.

 Quanto ao fundamento extraído da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU

33     Segundo o Tribunal, as instituições comunitárias dispõem de um vasto poder de apreciação para a aplicação do artigo 109.° da decisão PTU. Perante um poder tão vasto, incumbe ao juiz comunitário limitar‑se a examinar se o exercício desse poder não está viciado por erro manifesto ou por desvio de poder ou ainda se as instituições comunitárias ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C‑110/97, Colect., p. I‑8763, n.° 61, e jurisprudência aí referida) (n.os 66 e 67 do acórdão recorrido).

34     No caso vertente, o Tribunal declarou que a medida de protecção em causa abrangia a segunda hipótese prevista no artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU. Confirmou igualmente a exactidão dos elementos apresentados pela Comissão, nomeadamente no quarto considerando do regulamento impugnado, para justificar a adopção dessa medida, segundo os quais, em razão da situação excedentária do mercado, qualquer tonelada suplementar importada conduziria a um aumento das exportações subvencionadas, as quais poderiam, por sua vez, confrontar‑se com os limites previstos pelos acordos OMC (n.os 75 a 86 do acórdão recorrido). Considerou que, no seu conjunto, estes elementos demonstravam a existência de dificuldades na acepção daquela disposição (n.os 89 a 103 do acórdão recorrido).

35     Seguidamente, o Tribunal declarou que a Comissão tinha podido razoavelmente considerar, como resulta dos quinto e sexto considerandos do regulamento impugnado, que as importações suplementares de açúcar e de misturas ao abrigo do regime de cumulação de origem CE‑PTU criavam o risco de destabilizar fortemente a organização comum de mercado do açúcar (n.os 104 a 141 do acórdão recorrido).

 Quanto ao fundamento extraído da violação do princípio da proporcionalidade

36     Foram aduzidos diversos argumentos pelas recorrentes.

37     Em primeiro lugar, o Conselho deveria ter tido em conta, quando adoptou a Decisão 91/482, o facto de que as importações na Comunidade de produtos agrícolas provenientes dos PTU podiam gerar despesas suplementares a cargo do orçamento da política agrícola comum. O aumento das importações era consequência directa da decisão PTU.

38     A este respeito, o Tribunal considerou que o facto de um aumento das importações ser já previsível em 1991 não era pertinente para apreciar se a medida tomada em Fevereiro de 2000 constituía uma resposta apta e proporcional para sanar as dificuldades na acepção do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU (n.° 147 do acórdão recorrido).

39     Em segundo lugar, as recorrentes alegaram que a Comissão tinha violado o carácter temporário da medida de protecção em causa.

40     Quanto a este aspecto, o Tribunal recordou o amplo poder de que dispõem as instituições comunitárias para aplicarem o artigo 109.° da decisão PTU e declarou que o regulamento impugnado, aplicável desde 1 de Outubro de 2000 até 28 de Fevereiro de 2001, «que reduzia, de maneira coerente com os objectivos da decisão PTU […], o acesso livre ao mercado comunitário do açúcar originário dos PTU a limites compatíveis com a situação deste mesmo mercado, ao mesmo tempo que mantinha um tratamento preferencial para esse produto, era apto para realizar o objectivo pretendido pela Comissão e não ia além do que era necessário para o alcançar» (n.os 151 a 153 do acórdão recorrido).

41     Em terceiro lugar, as recorrentes acusavam a Comissão de não ter indicado no regulamento impugnado as razões pelas quais a imposição de um preço mínimo, como o preço imposto pelo Regulamento n.° 2423/1999, já não era considerada apropriada para atingir o objectivo prosseguido.

42     A este respeito, o Tribunal sublinhou que as recorrentes não tinham demonstrado «que a Comissão, ao limitar as importações para a Comunidade de açúcar e de misturas, beneficiando do regime da cumulação de origem CE‑PTU, a 4 848 toneladas durante o período de vigência do regulamento impugnado, [tinha] adoptado uma medida manifestamente inadequada ou [tinha] feito uma apreciação manifestamente errada dos elementos de que dispunha no momento da adopção do regulamento impugnado» e declarou que, em qualquer caso, «o Regulamento n.° 2423/1999 não [tinha tido] por efeito diminuir as importações de açúcar no regime de cumulação de origem CE/PTU, o que permit[ia] pôr em causa a eficácia da medida instaurada neste regulamento, ou seja, um preço mínimo de importação para o produto em causa» (n.os 156 e 157 do acórdão recorrido).

43     Em quarto lugar, as recorrentes alegavam que a instauração de um limite máximo de 4 848 toneladas de açúcar para um período de cinco meses violava o princípio da proporcionalidade na medida em que as importações efectuadas em 1999 não tinham sido tidas em conta no cálculo daquela quota, o cálculo realizado estava errado e o contingente de importação era demasiado baixo, não permitindo sequer a exploração rentável de uma só fábrica de transformação de açúcar.

44     Quanto a este ponto, o Tribunal declarou que a Comissão, que é levada a proceder a arbitragens entre interesses divergentes, tinha podido razoavelmente fixar, como resulta do oitavo considerando do regulamento impugnado, o contingente de 4 848 toneladas em causa com base no mais elevado nível de importações dos produtos em causa durante os três anos precedentes a 1999, atendendo ao aumento exponencial das importações, na Comunidade, de açúcar e de misturas ao abrigo do regime de cumulação de origem CE‑PTU em 1999, o que ameaçava causar uma deterioração do sector do açúcar comunitário (n.os 164 a 174 do referido acórdão).

45     Por último, as recorrentes sustentam que o artigo 2.°, n.° 3, do regulamento impugnado, que dispõe que os «pedidos de certificados de importação são acompanhados da cópia dos certificados de exportação», viola o princípio da proporcionalidade.

46     Este argumento foi rejeitado pelo Tribunal com fundamento em que «esta condição permite garantir que os pedidos de importação feitos no âmbito do regulamento impugnado se referem a açúcar que efectivamente beneficia da cumulação de origem CE‑PTU» (n.° 176 do acórdão recorrido).

 Quanto ao fundamento relativo à violação do estatuto preferencial de que beneficiam os produtos originários dos PTU

47     A este respeito, o Tribunal considerou que da simples adopção de uma medida de protecção nos termos do artigo 109.° da decisão PTU não se pode deduzir uma violação do estatuto preferencial de que beneficiam os produtos originários dos PTU uma vez que essa medida é susceptível de aplanar ou atenuar as dificuldades surgidas. Além disso, concluiu que o regulamento impugnado não impõe qualquer limite máximo às importações de açúcar originário dos PTU feitas de acordo com as regras de origem comuns, se tal produção existir (n.os 182 a 190 do acórdão recorrido).

 O presente recurso

48     A Rica Foods pede ao Tribunal de Justiça que:

–       declare o presente recurso admissível;

–       anule o acórdão recorrido e dê provimento ao seu pedido em primeira instância.

49     A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

–       negue provimento ao presente recurso;

–       condene a recorrente nas despesas da instância.

50     O Governo espanhol pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene a recorrente nas despesas.

51     A Rica Foods invoca cinco fundamentos para o presente recurso, extraídos, respectivamente:

–       da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância reconheceu às instituições comunitárias amplo poder de apreciação na aplicação desta disposição;

–       da violação do dever de fundamentação;

–       da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância qualificou erradamente de «dificuldades» e de «deterioração», na acepção desta disposição, as circunstâncias invocadas pela Comissão para justificar a adopção da medida de protecção em causa;

–       da violação do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU;

–       da violação do estatuto preferencial de que beneficiam os PTU.

 Quanto ao primeiro fundamento extraído da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU e relativo ao alcance do poder de apreciação reconhecido às instituições comunitárias

52     Com o seu primeiro fundamento, a Rica Foods acusa o Tribunal de ter violado o alcance do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, ao reconhecer à Comissão, no n.° 66 do acórdão recorrido, um amplo poder de apreciação na aplicação desta disposição. Efectivamente, uma vez que este número institui uma excepção ao princípio enunciado no artigo 101.°, n.° 1, da mesma decisão, que proíbe que a importação na Comunidade de produtos originários dos PTU seja sujeita a direitos aduaneiros, devia ter sido objecto de uma interpretação estrita.

53     A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação para aplicação do artigo 109.° da decisão PTU (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C‑390/95 P, Colect., p. I‑769, n.° 48; Países Baixos/Conselho, já referido, n.° 61; e de 22 de Novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C‑301/97, Colect., p. I‑8853, n.° 73).

54     Nestas condições, incumbe ao juiz comunitário limitar‑se a examinar se o exercício desse poder não está viciado por erro manifesto ou por desvio de poder ou ainda se as instituições comunitárias não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação (v. acórdãos, já referidos, Antillean Rice Mills e o./Comissão, n.° 48; Países Baixos/Conselho, C‑110/97, n.° 62; e Países Baixos/Conselho, C‑301/97, n.° 74).

55     Esta limitação da fiscalização do juiz comunitário impõe‑se particularmente se, como no caso vertente, as instituições comunitárias forem levadas a efectuar arbitragens entre interesses divergentes e a fazer assim opções no âmbito das decisões políticas que se prendem com as suas responsabilidades próprias (v., neste sentido, acórdão de 8 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C‑17/98, Colect., p. I‑675, n.° 53).

56     Consequentemente, o Tribunal interpretou correctamente o artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, nos n.os 66 e 67 do acórdão recorrido.

57     O carácter derrogatório desta disposição, que decorre da sua própria natureza, em nada diminui o alcance do poder de apreciação de que dispõe a Comissão quando é levada, no quadro das suas responsabilidades políticas próprias, a efectuar arbitragens complexas entre interesses divergentes.

58     Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento extraído da violação do dever de fundamentação

59     Com o seu segundo fundamento, a Rica Foods entende que o acórdão recorrido enferma de vício de fundamentação, na medida em que o Tribunal baseou a sua decisão em considerações erradas ou incompreensíveis, segundo as quais:

–       qualquer importação suplementar de açúcar proveniente dos PTU ao abrigo do regime de cumulação de origem CE‑PTU aumentaria o excedente de açúcar no mercado comunitário;

–       essa importação suplementar implicaria custos adicionais para o orçamento comunitário.

60     Por um lado, no tocante aos fundamentos do acórdão recorrido segundo os quais as importações de açúcar que acumulam a origem CE‑PTU teriam tido por efeito aumentar o excedente de açúcar no mercado comunitário, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento de tais factos. Por conseguinte, tendo estas provas sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras de processo aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos (v., nomeadamente, acórdão de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 24). Esta apreciação não constitui, por isso, excepto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 28 de Maio de 1998, New Holland Ford/Comissão, C‑8/95 P, Colect., p. I‑3175, n.° 26; de 7 de Novembro de 2002, Glencore e Compagnie Continentale/Comissão, C‑24/01 P e C‑25/01 P, Colect., p. I‑10119, n.° 65; e de 8 de Maio de 2003, T. Port/Comissão, C‑122/01 P, Colect., p. I‑4261, n.° 27).

61     Ora, no caso vertente, o Tribunal concluiu o seguinte:

–       no n.° 79 do acórdão recorrido, com base em elementos dos autos de que dispunha, que o mercado comunitário do açúcar era excedentário;

–       no n.° 80 do acórdão recorrido, que a Comunidade era obrigada a importar uma certa quantidade de açúcar de países terceiros devido aos acordos OMC e,

–       no n.° 81 do acórdão recorrido, que, nestas condições, «se a produção comunitária de açúcar não for reduzida, qualquer importação suplementar de açúcar no regime de cumulação de origem CE‑PTU aumentará o excedente de açúcar no mercado comunitário e conduzirá a um aumento das exportações subvencionadas».

62     O Tribunal deduziu daí, no n.° 82 do acórdão recorrido, que «a Comissão concluiu correctamente […] que ‘qualquer importação de açúcar para a Comunidade desloca para a exportação uma quantidade correspondente de açúcar comunitário que não pode ser escoada no mercado comunitário’».

63     Impõe‑se concluir que a apreciação do Tribunal relativa ao aumento do excedente de açúcar no mercado comunitário constitui uma apreciação de facto que não pode ser posta em causa no quadro de um recurso para o Tribunal de Justiça, uma vez que a recorrente não demonstrou, nem sequer sustentou, como referiu o advogado‑geral P. Léger no n.° 59 das suas conclusões, que o Tribunal tinha desvirtuado os elementos de prova produzidos perante ele.

64     Por outro lado, no tocante aos alegados custos adicionais para o orçamento comunitário gerados pelas importações de açúcar acumulando a origem CE‑PTU, a Rica Foods sublinha que as restituições à exportação de açúcares A e B são integralmente financiadas pelos produtores através de cotizações repercutidas nos consumidores, pelo que as importações controvertidas não têm incidência no orçamento da Comunidade.

65     A este respeito, basta constatar que, nos n.os 99 a 101 do acórdão recorrido, o Tribunal não considerou, de modo algum, que as importações controvertidas tivessem gerado custos suplementares para o orçamento da Comunidade. Com efeito, após ter

–       recordado, no n.° 99 do acórdão recorrido, que «as dificuldades invocadas no regulamento impugnado são a grande progressão das importações de açúcar ou de misturas que beneficiam da cumulação de origem CE‑PTU, a situação excedentária do mercado do açúcar comunitário, que leva às exportações subvencionadas, e as obrigações decorrentes dos acordos OMC», e

–       considerado, no n.° 100 do acórdão recorrido, que, «face à situação excedentária do mercado comunitário, o açúcar de origem PTU importado substituir‑se‑á ao açúcar comunitário, o qual, para que seja mantido o equilíbrio da organização comum de mercado, deverá ser exportado»,

o Tribunal concluiu, no n.° 101 do acórdão recorrido, que, «mesmo que as exportações de açúcar comunitário sejam em grande parte financiadas pela indústria açucareira comunitária e, portanto, pelo consumidor […] os acordos OMC limitam as subvenções à exportação, independentemente da questão de saber quem suporta por último o custo destas subvenções, e que cada importação suplementar agrava a situação num mercado já excedentário».

66     Atendendo às considerações precedentes, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento extraído da violação do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU e relativo ao conceito de «dificuldades» e de «deterioração» na acepção desta disposição

67     Com o seu terceiro fundamento, a Rica Foods sustenta que o Tribunal qualificou erradamente de «dificuldades» e de «deterioração», na acepção do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, os elementos invocados pela Comissão para justificar a adopção do regulamento impugnado, a saber, o aumento das importações, na Comunidade, de açúcar e de misturas acumulando a origem CE‑PTU, o excedente de produção comunitária no mercado do açúcar europeu, as obrigações decorrentes dos acordos OMC e as consequências para a organização comum de mercado do açúcar.

68     Em primeiro lugar, a Rica Foods alega que o Tribunal desvirtuou as justificações avançadas pela Comissão ao considerar, no n.° 89 do acórdão recorrido, que esta última nunca tinha sustentado que cada uma das dificuldades por ela identificadas tivesse podido justificar separadamente a adopção de uma medida de protecção, mas que, pelo contrário, estas estavam intimamente interligadas.

69     A este respeito, a leitura dos primeiro, quarto e quinto considerandos do regulamento impugnado revela que a Comissão considerou que a combinação de diferentes factores, a saber, o aumento das importações controvertidas, a situação excedentária do mercado comunitário e a limitação das restituições à exportação decorrentes dos acordos OMC, estava na origem de dificuldades na acepção do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU. Consequentemente, o Tribunal não pode ser acusado de qualquer desvirtuação das justificações avançadas pela Comissão em apoio da medida de protecção em causa.

70     Em segundo lugar, a Rica Foods sustenta que era previsível e mesmo desejado pelo legislador comunitário que a decisão PTU provocasse o desenvolvimento das importações controvertidas. Além disso, as alegadas «dificuldades» e «deterioração» invocadas pela Comissão e reconhecidas pelo Tribunal já se tinham verificado aquando da adopção da Decisão 91/482 e, em qualquer caso, quando esta foi revista em 1997. Não só tinha existido uma situação excedentária no quadro da organização comum de mercado do açúcar desde 1968, como tinham sido autorizadas desde então novas produções e importações em diversas ocasiões.

71     Nestas condições, o Tribunal não podia ter considerado estes elementos «dificuldades» que ameaçassem «deteriorar um sector de actividade da Comunidade» na acepção do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU.

72     A este respeito, o Tribunal declarou, no n.° 91 do acórdão recorrido, que as importações na Comunidade de açúcar e de misturas acumulando a origem CE‑PTU conheceram uma grande progressão desde 1997, quer posteriormente à adopção da Decisão 91/482, quer mesmo posteriormente à revisão desta, em 1997.

73     Além disso, a circunstância, admitindo que está provada, de essa forte progressão ter sido previsível aquando da adopção da Decisão 91/482, ou até desejável pela Comunidade, não é susceptível, como observou o advogado‑geral P. Léger no n.° 81 das suas conclusões, de impedir a Comissão de declarar que, atendendo ao excedente de produção comunitária e às obrigações decorrentes dos acordos OMC, essa progressão constituía uma fonte de dificuldades na acepção do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU.

74     Por conseguinte, ao confirmar a posição da Comissão a este respeito, nos n.os 91 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal não violou o alcance do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU.

75     Em terceiro lugar, a Rica Foods sustenta que, contrariamente ao que o Tribunal declarou no n.° 106 do acórdão recorrido, a redução das quotas de produção, que teria sido provocada pelas importações controvertidas, não afectou o rendimento dos produtores comunitários. Efectivamente, essa redução teve como única consequência incitar os produtores comunitários a cultivar outro produto igualmente abrangido por um regime agrícola garantido.

76     A este respeito, mesmo admitindo que a possibilidade de os produtores comunitários se virarem para outras culturas possa pôr em causa a apreciação do Tribunal, nos n.os 104 a 140 do acórdão recorrido, quanto à existência de uma deterioração ou de uma ameaça de deterioração de um sector de actividade da Comunidade, basta constatar que a Rica Foods não apresentou perante o Tribunal qualquer elemento probatório que fundamentasse as suas alegações, pelo que foi com razão que este último não as teve em conta.

77     Em último lugar, a Rica Foods alega que as quantidades de açúcar e de misturas importadas dos PTU, que, em 1999, teriam representado 0,32% (para o açúcar) e 0,102% (para as misturas) da produção comunitária, não podiam representar um risco sério de perturbação da organização comum de mercado do açúcar. Ao admitir o contrário, o Tribunal cometeu um erro de direito.

78     Importa recordar, como o Tribunal de Justiça referiu no n.° 56 do acórdão Emesa Sugar, já referido, que, em 1997, já existia um excedente da produção comunitária de açúcar de beterraba em relação à quantidade consumida na Comunidade, a que acresciam as importações de açúcar de cana provenientes dos Estados ACP para fazer face ao pedido específico deste produto e a obrigação de a Comunidade importar uma certa quantidade de açúcar de países terceiros, por força dos acordos OMC. Além disso, a Comunidade era igualmente obrigada a subvencionar as exportações de açúcar, sob a forma de restituições à exportação e nos limites dos referidos acordos. Nestas condições, e tendo em conta o aumento crescente das importações de açúcar proveniente dos PTU desde 1997, a Comissão pôde considerar, como o Tribunal entendeu acertadamente nos n.os 93 a 96 do acórdão recorrido, que qualquer quantidade suplementar deste produto, mesmo mínima relativamente à produção comunitária, que acedesse ao mercado da Comunidade obrigaria as instituições desta última a aumentar o montante das subvenções à exportação, dentro dos limites acima invocados, ou a reduzir as quotas dos produtores europeus, o que perturbaria a organização comum de mercado do açúcar, cujo equilíbrio era já precário.

79     Atendendo a todas as considerações precedentes, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento extraído da violação do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU

80     Com o seu quarto fundamento, a Rica Foods acusa o Tribunal de ter declarado, nos n.os 142 a 177 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha violado o princípio da proporcionalidade enunciado no artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU ao reduzir as importações de açúcar e de misturas acumulando a origem CE‑PTU a 4 848 toneladas.

81     Efectivamente, a Comissão não pôde justificar, à luz dos interesses que procurava proteger, o nível a que as importações controvertidas foram reduzidas, quando tal nível era negligenciável relativamente à produção, às importações ou às exportações comunitárias e muito insuficiente para oferecer à indústria açucareira dos PTU uma perspectiva de futuro razoável. Ao não reconhecer o carácter arbitrário e inapropriado da restrição quantitativa imposta, sem relação com as alegadas dificuldades e deterioração invocadas, o Tribunal tinha violado o princípio da proporcionalidade.

82     A este respeito, nos termos do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU:

«[... D]evem escolher‑se prioritariamente as medidas que provoquem o mínimo de perturbações no funcionamento da associação e da Comunidade. Essas medidas não devem exceder o estritamente indispensável para sanar as dificuldades que se tenham manifestado.»

83     Como o Tribunal recordou, no n.° 143 do acórdão recorrido, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos rígida, e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13; de 5 de Outubro de 1994, Crispoltini e o., C‑133/93, C‑300/93 e C‑362/93, Colect., p. I‑4863, n.° 41; Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido, n.° 52; e de 12 de Julho de 2001, Jipes e o., C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 81).

84     Quanto à fiscalização jurisdicional do respeito desse princípio, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que dispõe nomeadamente a Comissão em matéria de medidas de protecção, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode, como o Tribunal justamente lembrou no n.° 150 do acórdão recorrido, afectar a legalidade de tal medida (v. acórdãos, já referidos, Países Baixos/Conselho, C‑301/97, n.° 145; Fedesa e o., n.° 14; Crispoltini e o., n.° 42; e Jippes e o., n.° 82).

85     A este respeito, o Tribunal declarou, no n.° 152 do acórdão recorrido, que «a Comissão pôde razoavelmente considerar que, no momento da adopção do regulamento impugnado, existiam dificuldades que comportavam o risco de deterioração de um sector de actividade da Comunidade». Além disso, resulta do n.° 156 do referido acórdão que as recorrentes «não demonstraram que a Comissão, ao limitar as importações para a Comunidade de açúcar e de misturas, beneficiando do regime da cumulação de origem CE‑PTU, a 4 848 toneladas durante o período de vigência do regulamento impugnado, tenha adoptado uma medida manifestamente inadequada ou tenha feito uma apreciação manifestamente errada dos elementos de que dispunha no momento da adopção do regulamento impugnado».

86     Em especial, no tocante ao montante do contingente controvertido, resulta do oitavo considerando do regulamento impugnado que este valor representa «a soma dos volumes anuais mais elevados das importações dos produtos em causa verificados nos três anos anteriores a 1999, ano em que as importações registaram uma progressão exponencial». Após ter examinado, nos n.os 165 a 166 do acórdão recorrido, as estatísticas elaboradas pelo Serviço de Estatística das Comunidades Europeias (Eurostat) e os valores apresentados pela Comissão, o Tribunal considerou, no n.° 168 do referido acórdão, que a Comissão tinha podido razoavelmente afastar 1999 como ano de referência para o cálculo desse contingente. Tal apreciação de facto não pode ser posta em causa no quadro de um recurso para o Tribunal de Justiça, uma vez que não se verificava desvirtuação dos elementos de prova produzidos perante o Tribunal de Primeira Instância.

87     Este último acrescentou, no n.° 173 do acórdão recorrido, que «a Comissão teve em conta os interesses dos produtores de açúcar dos PTU ao não suspender totalmente as importações de açúcar no regime de cumulação de origem CE‑PTU» e que «fixou a quota de 4 848 toneladas, no artigo 1.° do regulamento impugnado, com base no mais elevado nível de importações de açúcar e de misturas durante o período de 1996‑1998».

88     Importa concluir que a Rica Foods não apresenta qualquer elemento probatório susceptível de demonstrar que, ao formular aquelas considerações, o Tribunal violou o princípio da proporcionalidade, e isto tendo em conta os limites da fiscalização jurisdicional exercida a respeito de uma matéria em que a Comissão é levada a proceder a arbitragens entre interesses divergentes.

89     Consequentemente, o quarto fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento extraído da violação do estatuto preferencial de que beneficiam os PTU

90     Com o seu quinto fundamento, a Rica Foods sustenta que, ao não ter em consideração, nos n.os 178 a 191 do acórdão recorrido, a importante diferença de tratamento introduzida pela medida de protecção controvertida entre, por um lado, as importações de produtos originários dos Estados ACP, das nações mais favorecidas, e até mesmo de outros países terceiros, e, por outro, as importações de produtos originários dos PTU, o Tribunal violou o estatuto preferencial de que estes últimos beneficiam.

91     Ora, resulta claramente da leitura dos n.os 178 a 190 do acórdão recorrido que o Tribunal teve em consideração a argumentação da Rica Foods ao expor as razões pelas quais o regulamento impugnado não levava a que os Estados ACP e os países terceiros fossem colocados numa posição mais vantajosa, em matéria de concorrência, do que a posição reservada aos PTU.

92     No n.° 183 do acórdão recorrido, nomeadamente, o Tribunal declara que o artigo 109.° da decisão PTU prevê precisamente a possibilidade de a Comissão adoptar medidas de protecção nas circunstâncias por ele visadas. O facto de a Comissão ter adoptado uma medida desta natureza relativamente a certos produtos originários dos PTU não é susceptível de pôr em causa o estatuto preferencial de que gozam, por força do artigo 101.°, n.° 1, da decisão PTU, os produtos originários destes países. Efectivamente, uma medida de protecção é, por natureza, excepcional e temporária.

93     Além disso, como referiu o Tribunal no n.° 185 do acórdão recorrido, o regulamento impugnado apenas respeita ao açúcar e às misturas importadas ao abrigo do regime de cumulação de origem CE‑PTU, não sendo imposto qualquer limite máximo às importações de açúcar originário dos PTU feitas de acordo com as regras de origem comuns, se tal produção existisse.

94     No presente recurso, a Rica Foods não indica os motivos pelos quais o raciocínio seguido pelo Tribunal, como foi acima resumido, estava viciado de erro de direito.

95     Uma vez que o quinto fundamento também é improcedente, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

96     Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão pediu a condenação da Rica Foods e que esta foi vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas. Em conformidade com o n.° 4 desse artigo 69.°, igualmente aplicável ao presente recurso por força do referido artigo 118.°, o Reino de Espanha suportará as suas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao presente recurso.

2)      A Rica Foods (Free Zone) NV é condenada nas despesas.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.

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