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Document 62003CC0446

    Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 7 de Abril de 2005.
    Marks & Spencer plc contra David Halsey (Her Majesty's Inspector of Taxes).
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division - Reino Unido.
    Artigos 43.º CE e 48.º CE - Imposto sobre as sociedades - Grupos de sociedades - Dedução fiscal - Benefícios das sociedades-mãe - Dedução dos prejuízos sofridos por uma filial residente - Autorização - Dedução dos prejuízos sofridos noutro Estado-Membro por uma filial não residente - Exclusão.
    Processo C-446/03.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10837

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:201

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    M. POIARES MADURO

    apresentadas em 7 de Abril de 2005 (1)

    Processo C‑446/03

    Marks & Spencer plc

    contra

    David Halsey (HM Inspector of Taxes)

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido)]

    «Liberdade de estabelecimento – Fiscalidade – Imposto sobre as sociedades – Dedução de grupo – Coerência do sistema fiscal»





    1.     Neste processo, o Tribunal de Justiça é chamado a precisar o efeito das disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento no regime fiscal dos grupos de sociedades de um Estado‑Membro. Coloca‑se a questão de saber se o direito comunitário se opõe a uma legislação como a britânica relativamente à «dedução de grupo», que sujeita a transferência de prejuízos dentro de um grupo de sociedades à condição de essas sociedades serem residentes ou exercerem uma actividade económica no Reino Unido.

    2.     Para responder a essa questão, o Tribunal de Justiça deverá basear‑se nas disposições do Tratado e nas soluções dadas na sua jurisprudência em matéria fiscal, que já está bastante desenvolvida. Neste domínio, o direito derivado fornece poucos meios de orientação. É certo que existe uma directiva do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mãe e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (2). Este diploma manifesta claramente a vontade da Comunidade de eliminar a penalização resultante do facto de as disposições fiscais que regem as relações entre as sociedades‑mãe e as filiais de Estados‑Membros diferentes serem, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades‑mãe e filiais do mesmo Estado‑Membro (3). Contudo, não resolve a questão específica do tratamento dos prejuízos transfronteiriços dentro dos grupos de sociedades (4).

    3.     Não obstante, essa questão não é desconhecida para as instituições comunitárias. Em 6 de Dezembro de 1990, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Conselho relativa a um regime de tomada em consideração, por parte das empresas, dos prejuízos sofridos pelos seus estabelecimentos permanentes e filiais situados em outros Estados‑Membros (5). Não tendo a proposta tido resultados, a Comissão retirou‑a e abriu novas negociações com os Estados‑Membros. Actualmente, considera que a falta de legislação relativa à compensação transfronteiriça dos prejuízos de grupos de sociedades na Comunidade constitui um dos maiores obstáculos ao bom funcionamento do mercado interno (6).

    4.     O Conselho teve provavelmente fortes razões para não seguir a via proposta pela Comissão. Nestas condições, não cabe ao Tribunal de Justiça substituir o legislador comunitário. Contudo, esta falta de harmonização das legislações dos Estados‑Membros não o pode impedir de desempenhar a sua função, que é a de zelar pela salvaguarda e pela aplicação dos princípios e objectivos fundamentais do Tratado.

    5.     Assim, contra a opinião defendida nomeadamente pelo Governo neerlandês, que interveio neste processo, de que o único quadro apropriado para tratar esta questão é o da aproximação das legislações, há que lembrar com vigor os dois pontos seguintes. Por um lado, facilmente se pode inferir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a harmonização das legislações fiscais dos Estados‑Membros não pode ser transformada em condição prévia à aplicação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 43.° CE (7). Por outro lado, a aplicação efectiva das liberdades fundamentais que concorrem para a criação do mercado interno não é susceptível de deixar sem fundamento e relevância uma aproximação das legislações nacionais. Com efeito, a harmonização legislativa pode ter o objectivo de facilitar o exercício das liberdades de circulação, mas pode também servir para corrigir as distorções resultantes do exercício dessas mesmas liberdades.

    6.     De resto, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de se pronunciar sobre situações próximas da do caso presente, quer tenha sido chamado a conhecer de prejuízos de empresas comunitárias no estrangeiro (8) quer tenha sido levado a precisar o regime fiscal de empresas comunitárias que dispõem de estabelecimentos secundários noutros Estados‑Membros (9). É certo que o presente caso revela inegáveis especificidades. Contudo, partilha com os anteriores processos a mesma dificuldade fundamental, na medida em que nele se opõem o poder reconhecido aos Estados‑Membros de cobrarem impostos sobre os rendimentos localizáveis nos respectivos territórios e a liberdade de estabelecimento conferida aos cidadãos comunitários na Comunidade. Daí resulta um conflito entre duas lógicas opostas e a necessidade de se definir um equilíbrio na repartição de competências entre os Estados‑Membros e a Comunidade.

    I –    O processo principal e as questões prejudiciais

    7.     Antes de abordar estas difíceis questões de direito, lembremos os factos, que são simples.

    8.     A sociedade Marks & Spencer plc (a seguir «M&S»), com sede no Reino Unido, é a principal sociedade de um grupo, especializado na grande distribuição de artigos de confecção, alimentação, electrodomésticos e serviços financeiros. Detém nomeadamente, através de uma holding com sede nos Países Baixos, filiais com sede na Alemanha, na Bélgica e em França. A partir de meados dos anos 90 e de forma continuada desde então, essas filiais começaram a registar prejuízos. Em 29 de Março de 2001, a M&S anunciou a cessação das suas actividades no continente europeu. Em 31 de Dezembro do mesmo ano, a filial francesa tinha sido cedida a um terceiro, enquanto as filiais alemã e belga haviam cessado toda a actividade comercial.

    9.     Em 2000 e 2001, a M&S apresentou ao Sr. Halsey (HM Inspector of Taxes) (inspector de impostos) requerimentos de dedução de grupo relativos aos prejuízos das suas filiais alemã, belga e francesa nos exercícios findos em 1998, 1999, 2000 e 2001. Com efeito, a legislação fiscal britânica permite que, em determinadas condições, uma sociedade‑mãe deduza dos seus lucros os prejuízos das suas filiais. No entanto, esses requerimentos foram indeferidos por decisões de 13 de Agosto e 2 de Novembro de 2001, pelo facto de o regime legal de dedução de grupo não se aplicar às filiais sem residência nem actividade económica no Reino Unido.

    10.   A M&S impugnou de imediato esse indeferimento nos Special Commissioners of Income Tax (órgão jurisdicional fiscal de primeira instância). A recorrente pedia, assim, a declaração de incompatibilidade das normas fiscais britânicas aplicáveis com o direito comunitário, nomeadamente, com os artigos 43.° CE e 48.° CE. Foi negado provimento ao recurso por decisão de 17 de Dezembro de 2002. Nessa decisão, os Special Commissioners of Income Tax decidiram no sentido de que, por um lado, uma vez que os princípios resultantes da jurisprudência do Tribunal de Justiça são claros na matéria, não é necessário apresentar um pedido de decisão prejudicial e, por outro, uma vez que o regime fiscal britânico não é contrário ao direito comunitário, a posição do inspector dos impostos devia ser confirmada.

    11.   A recorrente interpôs recurso desta decisão para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido). Este tribunal entendeu necessário suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

    «1)      Quando

    –      nos termos da regulamentação de um Estado‑Membro, como a aplicável no Reino Unido aos grupos de sociedades, a sociedade‑mãe com domicílio fiscal nesse Estado está impedida de deduzir do seu lucro tributável nesse Estado os prejuízos sofridos noutros Estados‑Membros por filiais com domicílio fiscal nesses Estados, quando tal dedução seria admissível se os referidos prejuízos tivessem sido suportados por filiais estabelecidas no Estado da sociedade‑mãe;

    –      o Estado‑Membro da sociedade‑mãe:

    –      sujeita uma sociedade estabelecida no seu território ao imposto sobre as sociedades relativamente à totalidade dos seus lucros, incluindo os lucros das filiais noutros Estados‑Membros, prevendo mecanismos contra a dupla tributação que permitem deduzir os impostos pagos noutro Estado‑Membro e tomar em consideração os prejuízos sofridos por essas filiais na determinação do lucro tributável;

    –      não sujeita ao imposto sobre as sociedades os lucros não distribuídos das filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros;

    –      sujeita a sociedade‑mãe a imposto sobre as sociedades relativamente a quaisquer distribuições de dividendos que receba de filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros, mas não relativamente a distribuições de dividendos que receba de filiais estabelecidas no Estado da sociedade‑mãe;

    –      garante mecanismos para evitar a dupla tributação sob a forma de um crédito do imposto retido na fonte sobre os dividendos e dos impostos pagos no estrangeiro sobre os lucros que deram origem aos dividendos pagos pelas filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros;

    verifica‑se uma restrição na acepção do artigo 43.° CE, em conjugação com o artigo 48.° CE? Em caso de resposta afirmativa, trata‑se de uma restrição justificada ao abrigo do direito comunitário?

    2)      a)     O facto de a lei do Estado‑Membro da filial autorizar ou poder autorizar, em certas circunstâncias, que os prejuízos sofridos pela filial sejam total ou parcialmente deduzidos aos lucros tributáveis no Estado da filial, tem alguma relevância para a resposta a dar à questão n.° 1?

    b)      Em caso de resposta afirmativa, que relevância se deve atribuir ao facto de:

    –      uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro ter cessado a sua actividade comercial e, apesar de nesse Estado existir a possibilidade legal de dedução dos prejuízos em certas condições, não haver provas de que essa dedução tenha sido obtida no caso concreto;

    –      uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro ter sido alienada a um terceiro e, apesar de, nos termos da lei desse Estado, existir a possibilidade de, em certas circunstâncias, o terceiro adquirente imputar os prejuízos, não haver a garantia de que os prejuízos tenham sido utilizados para esse efeito no caso concreto;

    –      as disposições ao abrigo das quais o Estado‑Membro da sociedade‑mãe toma em conta os prejuízos das sociedades estabelecidas no Reino Unido se aplicarem independentemente do facto de esses prejuízos serem também deduzidos noutro Estado‑Membro?

    c)      Seria outra a resposta se existisse prova de que os prejuízos foram deduzidos no Estado‑Membro onde a filial está estabelecida e, em caso de resposta afirmativa, teria alguma influência o facto de essa dedução ter aproveitado a um grupo de empresas terceiro ao qual a filial foi vendida?»

    II – Quanto à legislação nacional em causa

    12.   Esta matéria rege‑se pela Lei de 1998 relativa aos impostos sobre o rendimento e sobre as sociedades (Income and Corporation Taxes Act 1988, a seguir «ICTA»). Há que lembrar sucintamente as disposições dessa lei que importam para efeitos da interpretação pedida.

    13.   O Reino Unido adoptou um regime de tributação universal dos lucros das sociedades. Nos termos da Section 8 do ICTA, as sociedades residentes no Reino Unido são tributadas pelo conjunto dos seus lucros a nível mundial. Daí resulta que os resultados das suas sucursais e estabelecimentos permanentes situados no estrangeiro entram directamente na matéria colectável do imposto dessas sociedades. Para evitar a dupla tributação, é‑lhes atribuído um crédito de imposto no valor dos impostos pagos pelos lucros realizados no estrangeiro. Em contrapartida, as sociedades não residentes só estão sujeitas ao imposto sobre as sociedades no Reino Unido no que respeita aos seus rendimentos de origem nacional imputáveis aos lucros realizados pelos seus estabelecimentos no Reino Unido.

    14.   A fiscalidade dos grupos de sociedades obedece a um regime particular. Dentro de um grupo, cada sociedade é tributada separadamente pelos seus próprios lucros, por força do princípio da personalidade aplicado ao domínio fiscal. No direito fiscal britânico, não existe o princípio da consolidação dos resultados das sociedades do grupo.

    15.   No entanto, esse princípio comporta duas excepções (10). Em primeiro lugar, permite que as filiais estrangeiras distribuam os seus lucros sob a forma de dividendos à sociedade‑mãe residente no Reino Unido. Nesse caso, consideram‑se realizados pela sociedade residente no Reino Unido todos os lucros distribuídos pelas filiais. A dupla tributação é evitada pela concessão de um crédito de imposto. Em segundo lugar, instituiu‑se um regime especial de tratamento dos prejuízos de grupos. Este regime, chamado de «dedução de grupo» («group relief») permite que qualquer sociedade de um grupo («sociedade cedente») ceda os seus prejuízos a outra sociedade do mesmo grupo que reclama a dedução («sociedade reclamante»), pelo que esta pode deduzir esses prejuízos do seu lucro tributável. Assim, porém, a sociedade cedente perde o direito de utilizar os prejuízos cedidos para efeitos fiscais, nomeadamente a possibilidade de estes transitarem para exercícios posteriores. É esse regime que está em causa no caso vertente.

    16.   Qual é o objectivo deste regime de dedução? É limitar os efeitos negativos da constituição de grupos de sociedades no plano fiscal. Pretende‑se evitar a penalização das empresas que, em vez de criarem sucursais, decidem desenvolver a sua actividade constituindo filiais. O dispositivo da transferência de prejuízos tem precisamente por fim tornar a tributação dos grupos de sociedades tão neutra quanto possível, permitindo‑lhes transferir resultados negativos de uma sociedade para outra do mesmo grupo num determinado exercício fiscal.

    17.   Embora este regime neutralize certos efeitos provocados pela separação jurídica das sociedades no interior de um grupo, não igualiza as condições de tributação entre as diversas formas de sociedades. Ao contrário do regime aplicável às sociedades com estabelecimentos permanentes, o regime dos grupos de sociedades não confere o direito à consolidação fiscal. Um regime de consolidação fiscal significa que todos os resultados de explorações do grupo, tanto prejuízos como lucros, são absorvidos pelos resultados da sociedade‑mãe para efeitos de tributação. O grupo pode, assim, ser encarado como uma unidade fiscal perfeita. Não é esse o caso do regime de dedução de grupo. Este regime consiste unicamente numa imputação dos prejuízos das filiais nos resultados da sociedade‑mãe em determinado exercício fiscal. Essas filiais devem aceitar a transferência de prejuízos além de se submeterem à obrigação de não reportarem as perdas para outros exercícios fiscais. Assim, embora se possa considerar que o regime de dedução trata o grupo de sociedades como uma entidade económica real, não cria uma unidade fiscal. No âmbito desse regime, as filiais conservam não só a sua autonomia jurídica mas também uma certa autonomia fiscal.

    18.   As condições de aplicação deste regime evoluíram. No regime que resultava do ICTA, a aplicação da dedução de grupo estava sujeita à condição de as sociedades em causa serem residentes no Reino Unido. Contudo, essa condição foi posta em causa pelo acórdão ICI, por ser contrária ao artigo 43.° CE, que garante às sociedades da Comunidade a liberdade de estabelecimento (11). Na sequência desse acórdão, a legislação britânica foi alterada de forma a que tal dedução possa ser concedida às sociedades não residentes que exercem uma actividade comercial no Reino Unido através de uma sucursal ou de uma agência (12). Nos termos da nova Section 402 do ICTA, a dedução só pode ser concedida se a sociedade cedente e a sociedade reclamante preencherem a condição de cada uma delas ser «uma sociedade [...] residente no Reino Unido ou uma sociedade não residente que exerce uma actividade comercial no Reino Unido por meio de uma sucursal ou de uma agência». O benefício deste regime está, assim, vedado às sociedades não residentes que não exerçam actividade económica no Reino Unido. As filiais da M&S estão nesta situação.

    III – Análise

    19.   Neste processo, o órgão jurisdicional de reenvio submete, no essencial, três questões ao Tribunal de Justiça: o facto de se excluir uma sociedade com filiais noutros Estados‑Membros do benefício do regime de consolidação fiscal aplicável a uma sociedade com sucursais noutros Estados‑Membros constitui uma restrição da liberdade de estabelecimento? O facto de se excluir uma sociedade com filiais noutros Estados‑Membros do benefício do regime de dedução de grupo aplicável a uma sociedade com filiais estabelecidas no mesmo Estado‑Membro constitui uma restrição da liberdade de estabelecimento? No caso de se entender que a legislação britânica cria uma restrição proibida pelo Tratado, poderá esta ser justificada por razões legítimas reconhecidas pelo direito comunitário?

    20.   As observações apresentadas no Tribunal de Justiça revelam uma certa hesitação quanto ao caminho a seguir para resolver estas questões. É certo que o Tribunal de Justiça tem feito evoluir progressivamente a sua abordagem desta matéria. Assim, será útil lembrar sucintamente os princípios seguidos pelo Tribunal de Justiça na interpretação das disposições fundamentais do Tratado em matéria fiscal. À luz dessa análise, as três questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio serão abordadas sucessivamente.

    A –    Princípios de interpretação

    1.      Premissas

    21.   «Embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontre enquanto tal incluída na esfera de competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados‑Membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário» É esta a fórmula, já clássica, do Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (13).

    22.   Com esta fórmula, o Tribunal de Justiça afirma que uma competência reservada aos Estados‑Membros não é uma competência ilimitada. Essa competência deve ser exercida no respeito das obrigações que assumiram ao aderirem ao Tratado CE, entre as quais consta, nomeadamente, a proibição de restringirem a liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro. Essa liberdade está consagrada no artigo 43.° CE, que constitui, segundo o Tribunal de Justiça, «uma das disposições fundamentais do direito comunitário» (14). Essa liberdade garante aos cidadãos comunitários o acesso às actividades independentes e o seu exercício, bem como a constituição e a gestão de empresas, nas mesmas condições definidas na legislação do Estado‑Membro de acolhimento para os seus próprios nacionais e, nos termos do artigo 48.° CE, garante às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e com a sua sede social, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento na Comunidade o direito de exercerem a sua actividade no Estado‑Membro em causa por meio de uma filial, uma sucursal ou uma agência (15).

    23.   Por meio desta mesma fórmula, o Tribunal de Justiça precisa ainda o alcance dos limites assim impostos aos Estados‑Membros. Daí se infere, por um lado, que os limites que resultam do direito comunitário só se aplicam às competências exercidas pelos Estados‑Membros. Assim, os Estados‑Membros conservam a liberdade de definir a organização e a concepção do seu sistema fiscal (16) e de determinar a necessidade de repartir entre si o poder de tributação (17). Daí resulta que, na falta de harmonização das legislações nacionais nesse domínio, as dificuldades que, para os operadores económicos, resultam de simples diferenças de regimes fiscais entre Estados‑Membros estão excluídas do domínio do Tratado (18). Está perfeitamente assente que as diferenças de tratamento resultantes de disparidades legislativas entre os Estados‑Membros, entre outras, não constituem discriminações proibidas pelo Tratado (19).

    24.   Assim, não cabe dúvida de que os Estados‑Membros conservam, em princípio, amplas competências em matéria fiscal (20). Contudo, já não podem ignorar os condicionalismos que recaem sobre a sua acção. Devem verificar se as opções feitas em matéria fiscal levam devidamente em conta as consequências que delas podem resultar para o bom funcionamento do mercado interno. Nestas condições, o Tribunal de Justiça tem por missão assegurar que as «situações transnacionais», que estão ligadas ao exercício das liberdades de circulação entre os Estados‑Membros, não fiquem em desvantagem por causa das opções feitas pelo legislador nacional (21).

    2.      Estado da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de fiscalidade directa

    25.   Neste domínio, a preocupação de manter um equilíbrio entre o respeito pelas competências nacionais e as exigências do mercado interno levou o Tribunal de Justiça à opção por um critério centrado no princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. Segundo este critério, a liberdade de estabelecimento reduz‑se essencialmente à regra do tratamento nacional, segundo a qual os Estados‑Membros devem reconhecer aos nacionais dos outros Estados‑Membros o mesmo tratamento fiscal dado aos seus próprios nacionais (22).

    26.   Durante muito tempo, este critério correspondeu ao critério geral do Tribunal de Justiça em matéria de liberdade de estabelecimento (23). Essa liberdade tinha por consequência que qualquer discriminação, directa ou indirectamente ligada à nacionalidade, devia ser proibida (24). Contudo, o Tribunal de Justiça deixou de seguir esse critério em 1993. No seu acórdão Kraus, de 31 de Março de 1993, deixa de interpretar o artigo 43.° CE no sentido de que apenas impõe uma obrigação de não fazer qualquer discriminação entre os nacionais dos Estados‑Membros. Com efeito, considera que «os artigos 48.° e 52.° [se] opõem [...] a qualquer medida nacional [...] que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, é susceptível de afectar ou de tornar menos atraente o exercício pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado‑Membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado» (25). Ora, é de assinalar o facto de o Tribunal de Justiça ter demorado a alargar essa jurisprudência ao domínio da fiscalidade directa (26).

    27.   Actualmente, o Tribunal de Justiça admite que possa haver restrições fiscais à liberdade de estabelecimento independentemente de qualquer discriminação em razão da nacionalidade. Assim, considerou no acórdão ICI que, «embora, de acordo com o seu teor, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento visem nomeadamente assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação» (27).

    28.   Em todos os acórdãos seguintes em que o Tribunal de Justiça considerou necessário ir além da regra do tratamento nacional, a regra da não discriminação não está ausente (28). Mas deixa de estar ligada ao critério da nacionalidade. Assenta mais no uso do direito à liberdade de circulação (29). O que se discute na medida nacional em causa é o facto de ela impor uma desvantagem específica aos operadores que pretendem circular ou estabelecer‑se na Comunidade. O que está em causa é, pois, perseguir as discriminações contra os nacionais comunitários que pretendem fazer valer os seus direitos resultantes das liberdades de circulação.

    29.   Embora haja razões para compreender que um critério baseado na não discriminação em razão da nacionalidade seja privilegiado nesta matéria, o mesmo não pode ser considerado exclusivo. É certo que poderá ter parecido que esse critério respeita melhor a integridade dos sistemas fiscais nacionais. Não introduz mais limites que os que já resultam de condicionalismos admitidos no direito fiscal internacional (30). Com efeito, aparentemente aproxima‑se da cláusula de não discriminação contida em todas as convenções fiscais internacionais (31). De qualquer forma, apresenta um aspecto menos severo que o conceito de simples restrição da liberdade de estabelecimento.

    30.   Contudo, essa análise está errada. A aproximação desse modo efectuada é mais formal que real. Há, na realidade, uma grande diferença entre o critério restritivo da não discriminação seguido nas convenções fiscais internacionais e a aplicação extensiva que dela é feita pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência fiscal. É o que revela nomeadamente a jurisprudência Schumacker, segundo a qual há que tomar em conta as «diferenças objectivas» entre as situações em causa (32). Longe de se limitar a uma distinção formal entre residentes e não residentes, o Tribunal de Justiça pede que os Estados‑Membros tomem em consideração a situação real das pessoas em causa. Desse modo, o princípio comunitário da não discriminação apresenta‑se muito mais imperativo que o exigido em geral pelas convenções fiscais (33).

    31.   Refira‑se ainda que uma redução da liberdade de estabelecimento apenas à regra da não discriminação em razão da nacionalidade contém, na prática, dois grandes defeitos.

    32.   Em primeiro lugar, a fiscalização dessa regra não é uma técnica de fácil aplicação. Implica determinar a possibilidade de comparação das situações em causa. Ora, o princípio continua a ser o de que, «em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes num Estado não são, em regra, comparáveis» (34). Mesmo admitindo que a comparação se justifica, há que analisar em seguida a finalidade da medida controvertida, antes de verificar se a diferença que institui é necessária para o objectivo prosseguido e se a sua aplicação é proporcionada à diferença verificada entre as situações em causa. Essa operação obriga a apreciações delicadas e a analisar os fundamentos que justificam a medida na própria fase da determinação da discriminação. Além disso, torna‑se particularmente difícil no caso de uma restrição introduzida por um Estado‑Membro contra um dos seus nacionais que tenha exercido ou que pretenda fazer uso dos seus direitos resultantes das liberdades fundamentais. Nesse caso, a comparação deve ser feita entre diferentes nacionais do mesmo Estado‑Membro, consoante nele permaneçam ou circulem na Comunidade. É esse o caso presente, em que a alegada discriminação respeita à situação de duas sociedades‑mãe residentes no Reino Unido, cuja situação apenas difere em função do local de estabelecimento das suas filiais.

    33.   Em segundo lugar, esse critério conduz a uma certa confusão no sistema das razões que justificam as regulamentações susceptíveis de entravar a livre circulação. O advogado‑geral P. Léger já teve a ocasião de lembrar que, em matéria fiscal, o Tribunal de Justiça admite que «regulamentações nacionais discriminatórias podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, diferentes das que figuram no Tratado, designadamente em nome da coerência do sistema fiscal» (35). Ora, estes acórdãos contradizem uma linha jurisprudencial mais geral, igualmente aplicada em matéria fiscal (36), que afirma que uma medida discriminatória só pode ser justificada com base nas disposições derrogatórias expressamente previstas no Tratado (37). Seria útil que o Tribunal de Justiça pusesse fim a essas incertezas (38).

    34.   Independentemente das considerações práticas, entendo que o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade não é suficiente para proteger todos os objectivos que implica a criação de um mercado interno. Este visa garantir aos cidadãos da União todas as vantagens inerentes ao exercício efectivo das liberdades de circulação. Constitui, pois, uma das dimensões, a dimensão transnacional, da cidadania europeia.

    35.   Todas estas razões explicam a necessidade de fixar, em matéria fiscal, o mesmo conceito de restrição da liberdade de estabelecimento aplicável nas outras matérias. Assim, devem ser consideradas restrições «todas as medidas que proíbem, perturbam ou tornam menos atractivo o exercício desta liberdade» (39). Continua, porém, a ser necessário concretizar esse conceito no âmbito das diversas liberdades de circulação (40), não deixando de ter em conta a natureza específica das matérias em que essas liberdades são aplicáveis.

    36.   Assim, no caso vertente, importa ter em conta o respeito particular devido às competências fiscais dos Estados‑Membros. Ora, creio que a jurisprudência do Tribunal de Justiça já fornece, para o efeito, os instrumentos de apreciação adequados: por um lado, critérios de restrição equilibrados e, por outro, uma noção de justificação baseada na coerência dos regimes fiscais dos Estados‑Membros (41).

    3.      Os critérios da restrição da liberdade de estabelecimento

    37.   Num mercado interno «caracterizado pela abolição, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais» (42), os Estados‑Membros deixam de ter a liberdade de ignorar os condicionalismos que dele resultam quanto à definição e aplicação das suas políticas nacionais. Nesse âmbito, a missão do Tribunal de Justiça não é entrar numa contestação de qualquer norma de origem estatal com um efeito indirecto ou puramente aleatório no exercício das liberdades de circulação (43). Não lhe incumbe fiscalizar as opções políticas tomadas pelos Estados‑Membros. A fiscalização jurisdicional das medidas susceptíveis de proibir, prejudicar ou tornar menos atractivo o exercício das liberdades de circulação destina‑se antes a garantir que essas opções levam em conta o impacto que poderão ter nas situações de natureza transnacional. É necessário que as políticas adoptadas não levem a tratar as situações transnacionais de forma menos favorável que as situações puramente nacionais. Em meu entender, devem ser esses o objectivo e o âmbito da fiscalização. Só essa interpretação é susceptível de conciliar o princípio do respeito pelas competências estatais com a salvaguarda do objectivo da criação de um mercado interno em que os direitos dos cidadãos europeus sejam protegidos.

    38.   Este âmbito de interpretação não fornece só por si um critério concreto aplicável à análise das restrições das liberdades de circulação. Contudo, deve facultar uma orientação para a construção e interpretação dos critérios seguidos pelo Tribunal de Justiça.

    39.   Verifica‑se, aliás, que os diversos critérios seguidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça são susceptíveis de entrar nesse âmbito de interpretação. É o que acontece com o critério da não discriminação em razão da nacionalidade (44), com o critério dos custos adicionais impostos aos nacionais comunitários (45) ou ainda com o do acesso ao mercado (46). Estes diversos critérios são aplicáveis em circunstâncias diferentes. Contudo, provêm todos da mesma inspiração, que me parece ser a seguinte: impedir que os Estados‑Membros instituam ou mantenham medidas que beneficiem as trocas internas em detrimento das trocas intracomunitárias. Tal restrição pode assumir várias formas. Pode ter o efeito de uma discriminação a favor dos nacionais. Pode ser consequência de uma medida de protecção das posições adquiridas pelos operadores económicos estabelecidos no mercado nacional, restringindo a entrada de novos operadores. Tal restrição poderá resultar de uma legislação que torne as trocas entre os Estados‑Membros mais difíceis que as trocas internas num Estado‑Membro (47).

    40.   Segundo creio, é a uma dessas restrições das trocas intracomunitárias que o Tribunal de Justiça se refere quando decide condenar «todas as medidas que proíbem, perturbam ou tornam menos atractivo o exercício das liberdades de circulação». Lembremos, a esse respeito, que não é qualquer restrição da liberdade económica ou comercial que constitui uma restrição do exercício das liberdades de circulação (48). Na realidade, esta contém sempre uma espécie de «discriminação» que resulta do facto de os Estados‑Membros configurarem as suas medidas sem terem em conta os efeitos daí resultantes para as situações transnacionais. Só estas últimas são proibidas pelo Tratado.

    B –    Aplicação dos critérios da restrição da liberdade de estabelecimento

    41.   No caso presente, a legislação fiscal britânica é duplamente posta em causa: por um lado, por não conceder as mesmas vantagens às sociedades‑mãe consoante disponham de filiais ou de sucursais no estrangeiro e, por outro, por desfavorecer os grupos de sociedades que pretendam estabelecer‑se no estrangeiro relativamente aos grupos residentes no Reino Unido. Se se quiser aplicar correctamente os critérios seguidos pelo Tribunal de Justiça, há que distinguir bem estas duas questões.

    1.      Quanto à desvantagem ligada à escolha da forma jurídica do estabelecimento estrangeiro

    42.   Uma parte da primeira questão submetida pela High Court of Justice no presente processo respeita à desvantagem que resulta do facto de a M&S ter optado por instalar estabelecimentos nos outros Estados‑Membros sob a forma de filiais e não de sucursais.

    43.   Há que lembrar que o Tribunal de Justiça já reconheceu que a liberdade de estabelecimento podia incluir a obrigação de não discriminação entre as diversas formas de estabelecimento susceptíveis de ser adoptadas pelos operadores económicos. É o que parece resultar nomeadamente dos processos Comissão/França (49), Royal Bank of Scotland (50) e Saint‑Gobain ZN (51). Contudo, há que assinalar que, nesses processos, a regulamentação nacional controvertida punha no mesmo plano, para efeitos de tributação, as diversas formas de estabelecimentos em causa.

    44.   No primeiro processo, a regulamentação francesa em causa referia‑se às condições de atribuição do crédito de imposto chamado «avoir fiscal» (crédito fiscal) aos beneficiários de dividendos distribuídos por sociedades francesas. Ora, está assente que o sistema francês não faz qualquer distinção, no plano das condições e das modalidades de tributação dos lucros, entre as sociedades francesas e as sucursais e agências francesas de sociedades estrangeiras. Nessas condições, regidas pelo princípio da territorialidade do imposto, há que tratar também do mesmo modo, para efeitos da concessão do crédito de imposto, as duas formas de estabelecimento. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça considera que a «livre escolha [da forma jurídica adequada para o exercício das suas actividades em um outro Estado‑Membro] não deve ser limitada por disposições fiscais discriminatórias» (52).

    45.   No processo Royal Bank of Scotland, em que estava em causa a legislação helénica relativa ao imposto sobre os lucros das sociedades, o Tribunal de Justiça começa por lembrar que «no que diz respeito ao modo de determinação da matéria colectável [...] a legislação fiscal helénica [...] não estabelece, entre as sociedades com sede na Grécia e as sociedades que, tendo sede noutro Estado‑Membro, têm um estabelecimento estável na Grécia, uma distinção susceptível de basear, no âmbito do mesmo imposto, uma diferença de tratamento entre as duas categorias de sociedades». Ainda que na Grécia estejam sujeitas a obrigações fiscais distintas, está assente que o modo de determinação da matéria colectável é idêntico. Assim, qualquer diferença na taxa de imposto é proibida, devendo ser rejeitado o argumento assente na diferença de forma jurídica (53).

    46.   No terceiro processo, Saint‑Gobain ZN, o Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido, isto é, que «a diferença de tratamento de que são objecto as sucursais das sociedades não residentes em relação às sociedades residentes e a restrição feita à liberdade de escolha da forma do estabelecimento secundário devem analisar‑se como sendo uma e única violação dos artigos 52.° e 58.° do Tratado» (54). A legislação alemã reservava determinadas vantagens fiscais relativas à tributação de participações ou de distribuição de dividendos unicamente às sociedades residentes na Alemanha, com exclusão das sociedades não residentes que exploravam sucursais alemãs. Ora, tal diferença de tratamento é discriminatória pois, quanto ao carácter tributável da percepção de dividendos na Alemanha, as sociedades residentes e as sociedades não residentes estão em situações objectivamente comparáveis (55).

    47.   Verifica‑se claramente que, em todos estes casos, a discriminação relativa à escolha da forma de estabelecimento é indissociável de uma discriminação em função do lugar de residência. Isso resulta de o Estado em causa ter optado por pôr no mesmo plano, para efeitos de tributação no seu território, as diferentes formas de estabelecimento. Se, ainda assim, se verificar uma diferença de tratamento, esta dissimula, na realidade, uma discriminação em razão da nacionalidade das sociedades que exploram esses estabelecimentos.

    48.   No caso vertente, as sucursais e as filiais estrangeiras regem‑se, efectivamente, por regimes fiscais distintos. Contudo, esta diferença de tratamento não assenta apenas no facto de estarem sujeitas a obrigações fiscais diferentes. Diz respeito à própria organização do sistema britânico de tributação das sociedades. Neste sistema, a diferença de tratamento está directamente ligada à escolha da forma jurídica do estabelecimento secundário. Os grupos de sociedades não têm direito a beneficiar do regime de consolidação fiscal que se aplica aos rendimentos dos estabelecimentos permanentes. A esse respeito, o regime de dedução de grupo, embora constitua uma flexibilização do princípio da tributação separada das sociedades do grupo, não conduz a uma equiparação da situação das filiais à das sucursais. Com efeito, neste regime, a transferência de perdas tem um tratamento específico; não existe tributação conjunta consolidada. Isso decorre do facto de as filiais serem sempre tratadas como entidades jurídicas e fiscais independentes. Daí resulta que a diferença que caracteriza o tratamento das duas categorias de estabelecimentos não consiste apenas na privação de uma vantagem particular resultante da opção de instalação no estrangeiro sob a forma de filial. Resulta de uma diferença de regimes fiscais aplicáveis às diferentes formas de estabelecimento.

    49.   Ora, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento não se opõem a que se proceda a uma diferenciação de tratamento fiscal entre pessoas singulares ou colectivas que estejam em situações jurídicas diferentes. Essas disposições não têm por objectivo impor uma uniformidade dos regimes aplicáveis às diversas formas de estabelecimento. Nesse contexto, apenas pretendem assegurar a neutralidade fiscal do exercício do direito de estabelecimento na Comunidade. Qualquer outra solução levaria a pôr em causa os regimes de tributação mais restritivos entre os Estados‑Membros, mesmo quando não se tivesse especificamente em vista qualquer situação transnacional. Não pode ser esse o objectivo das normas do Tratado relativas à livre circulação.

    50.   De resto, parece estar assente que a legislação fiscal britânica não proíbe que uma sociedade britânica se instale nos outros Estados‑Membros através de filiais. Portanto, a única questão relevante na presente causa é a de saber se o facto de se instalar noutro Estado‑Membro sob a forma de filial implica para o grupo e para a sociedade‑mãe, residente no Reino Unido, uma desvantagem particular que não teriam se esta optasse por estabelecer as suas filiais no seu país de residência.

    2.      Quanto à desvantagem ligada ao lugar de estabelecimento das filiais

    51.   A jurisprudência do Tribunal de Justiça ensina que a recusa de uma vantagem fiscal pode ser considerada uma restrição contrária ao Tratado se se verificar que está principalmente ligada ao exercício do direito de estabelecimento (56).

    52.   Embora as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio façam referência unicamente à situação da sociedade‑mãe, recorrente na causa principal, é a situação do grupo que deve ser tomada em consideração para efeitos de uma decisão sobre a compatibilidade de uma legislação como a que está em causa com a liberdade de estabelecimento. A este respeito, não existe dúvida de que a aplicação do regime britânico de dedução de grupo constitui uma vantagem fiscal para o grupo que dele beneficia. A vantagem daí resultante para a sociedade reclamante, destinatária da transferência de prejuízos, é apenas uma consequência da vantagem concedida ao grupo. O lucro tributável das suas sociedades é reduzido em determinado exercício fiscal. Ora, por força da legislação nacional em causa, um grupo que, tendo o seu estabelecimento principal no Reino Unido, queira abrir filiais noutro Estado‑Membro, encontra‑se privado dessa vantagem. Essa recusa resulta, nas circunstâncias do caso presente, apenas do facto de a M&S ter feito uso do direito à liberdade de estabelecimento.

    53.   Neste caso, a restrição pode ser facilmente qualificada. O género é do conhecimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Inscreve‑se numa série de acórdãos que se opõem a qualquer medida de um Estado‑Membro que restrinja o uso, pelos nacionais desse Estado, da facilidade de se deslocar livremente na Comunidade (57). A recusa em causa no caso presente constitui uma «restrição à saída», que se caracteriza por um tratamento desfavorável imposto às sociedades que pretendam criar filiais noutros Estados‑Membros (58). Neste momento, não importa saber se as filiais da M&S obtêm outras vantagens da sua instalação nos Estados‑Membros de acolhimento. Basta verificar que a legislação britânica cria por si própria um entrave susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas no Reino Unido de criarem filiais noutros Estados‑Membros.

    54.   Assim, também não há que analisar a questão de saber se essa regulamentação constitui uma forma indirecta de discriminação em razão da nacionalidade. Estando efectivamente demonstrada a natureza da medida em causa como entrave, é inútil colocar a questão de saber – como fazem as diversas partes no processo – se as filiais não residentes, quando distribuem uma parte dos seus lucros à sociedade‑mãe, se encontram, em relação a esta, numa situação comparável à das filiais estabelecidas no Reino Unido.

    55.   Em contrapartida, continua por verificar se essa restrição pode ser justificada face ao direito comunitário. Com efeito, resulta de jurisprudência assente que uma medida restritiva não é proibida pelo artigo 43.° CE se prosseguir um fim legítimo compatível com o Tratado e se for justificada por razões imperiosas de interesse geral. Nessa hipótese, é ainda necessário que a medida seja adequada a garantir a realização do objectivo em causa e que não vá além do necessário para atingir esse objectivo (59).

    C –    Procura de uma justificação da medida restritiva

    56.   Há que afastar desde logo o argumento do Governo alemão segundo o qual não se pode admitir que os prejuízos sejam tomados em consideração pelo Estado em causa por isso levar a uma redução das receitas fiscais e, desse modo, a significativas dificuldades orçamentais para esse Estado‑Membro. O Tribunal de Justiça tem afirmado repetidamente que «a redução das receitas fiscais não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral susceptível de ser invocada para justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental» (60).

    57.   Em contrapartida, há que analisar mais seriamente os argumentos baseados no risco de perda de competências ou de perda de controlo do sistema fiscal do Estado em causa. A estes argumentos andam ligadas duas justificações: uma assenta na aplicação do princípio fiscal da territorialidade e a outra na necessidade de assegurar a coerência do sistema fiscal britânico.

    1.      Justificação baseada no princípio fiscal da territorialidade

    58.   O Governo do Reino Unido alega que a recusa de conceder a vantagem fiscal em causa está em conformidade com o princípio da territorialidade aceite pela prática fiscal internacional e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Esse governo entende que esse princípio significa que não pode conferir uma vantagem fiscal onde não dispõe de poder tributário. Não tendo qualquer poder de tributar os rendimentos das filiais não residentes no Reino Unido, não pode tomar em consideração os prejuízos dessas filiais para conferir uma vantagem ao grupo a que elas pertencem. Daí infere que a dedução só pode respeitar às sociedades estabelecidas ou que exerçam uma actividade económica no seu território.

    59.   Esse raciocínio revela uma leitura errada do princípio comunitário da territorialidade. É certo que, no acórdão Futura Participations e Singer (61), o Tribunal de Justiça reconheceu que o princípio fiscal da territorialidade é aplicável no direito comunitário. Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça entende que não se pode considerar que o regime luxemburguês que sujeita o reporte de prejuízos requerido por um contribuinte que tem a sua sucursal nesse Estado‑Membro, sem aí ter residência, à condição de os prejuízos estarem em relação económica com os rendimentos obtidos pelo contribuinte nesse Estado constitui uma discriminação proibida pelo Tratado.

    60.   Contudo, não se deve entender erradamente o sentido exacto que o Tribunal de Justiça pretende dar a este princípio. Com isso, o Tribunal de Justiça reconhece simplesmente a necessidade de tomar em conta os condicionalismos que resultam da coexistência das soberanias fiscais dos Estados‑Membros (62). Esses condicionalismos impõem a cada Estado‑Membro a obrigação de contemporizar com as soberanias fiscais concorrentes (63). De acordo com exigências de direito internacional, o exercício da competência fiscal de qualquer Estado‑Membro necessita de uma ligação ou à nacionalidade do sujeito passivo ou à localização dos rendimentos tributáveis no território desse Estado. Daí resulta que, embora um Estado‑Membro possa submeter os contribuintes residentes no seu território a uma obrigação fiscal ilimitada, só pode tributar os contribuintes estrangeiros sobre os rendimentos localizados no seu território. É assim que o Tribunal de Justiça, no acórdão Royal Bank of Scotland, precisa que o facto de as sociedades residentes na Grécia e as sociedades não residentes que tenham actividade económica na Grécia não estarem sujeitas à mesma obrigação fiscal resulta simplesmente da «soberania fiscal limitada do Estado onde se situa a fonte do rendimento em relação à do Estado da sede da sociedade» (64). Ora, não é intenção nem vocação do direito comunitário pôr em causa os limites inerentes a qualquer poder fiscal ou de alterar a ordem de repartição das competências fiscais entre os Estados‑Membros. Lembremos que, na falta de harmonização comunitária, o Tribunal de Justiça não tem competência para interferir na concepção e na organização dos sistemas fiscais dos Estados‑Membros (65).

    61.   O processo Futura Participations e Singer, já referido, punha em causa a organização do imposto sobre o rendimento no Luxemburgo. No sistema luxemburguês, os prejuízos podiam ser imputados nos lucros posteriores do sujeito passivo. Ora, por força de normas bem assentes de direito internacional, nenhum Estado‑Membro tem competência para tributar os rendimentos de origem estrangeira de contribuintes não residentes. Por conseguinte, esse Estado‑Membro não permitia que se reportassem os prejuízos de origem estrangeira desses contribuintes. Assim, impunha como condição a demonstração de uma relação económica entre os prejuízos transitados e os rendimentos realizados no Estado da tributação. Esta condição era perfeitamente justificada. Na realidade, decorria da necessidade de coordenar o poder fiscal do Estado da tributação com o do Estado do estabelecimento do mesmo contribuinte.

    62.   O princípio fiscal da territorialidade evita os conflitos de competências fiscais entre os Estados‑Membros. Não pode ser utilizado para eximir os Estados‑Membros às suas obrigações comunitárias. No direito comunitário, o respeito pela soberania fiscal não pode ser entendido como a expressão de um princípio de «autarcia fiscal». Ao subscrever o Tratado, os Estados‑Membros aceitaram submeter‑se a um regime de liberdade de circulação das pessoas na Comunidade, e este produz condicionalismos específicos. Esse regime obriga os Estados‑Membros, nomeadamente, a tomarem em consideração as situações transnacionais na aplicação dos seus regimes fiscais e a adaptá‑los em conformidade.

    63.   Nestas condições, o Reino Unido não pode alegar que a concessão de uma vantagem fiscal está sujeita à existência de um poder tributário correspondente e à possibilidade de daí retirar um benefício. Tal interpretação é contrária ao princípio fundamental da liberdade de estabelecimento. Neste estado da análise, apenas importa saber se a concessão dessa vantagem é susceptível de comprometer a coexistência das soberanias fiscais dos Estados‑Membros. Ora, no caso vertente, nada se opõe a que o Reino Unido alargue a dedução às sociedades‑mãe que dispõem de filiais não residentes. Com efeito, o pedido inscreve‑se no âmbito do regime de grupo adoptado pelo Reino Unido. Não diz respeito à tributação de um só contribuinte que reside e exerce as suas actividades principais no estrangeiro, mas sim a uma transferência de prejuízos entre sociedades pertencentes ao mesmo grupo (66). Dentro do grupo, o pedido é formulado pela sociedade‑mãe, residente no Reino Unido, que está sujeita, por isso, a uma obrigação fiscal ilimitada nesse país (67). A competência fiscal desse Estado‑Membro em relação a ela não é limitada. Nestas condições, o Reino Unido não se pode basear no princípio da territorialidade para recusar a uma sociedade de um grupo residente no seu território a concessão de uma vantagem ligada à transferência de prejuízos.

    64.   Na realidade, o que parece pretender o Reino Unido com esse argumento é o reconhecimento de que não pode conceder a vantagem à sociedade‑mãe reclamante por não ser compensado pela possibilidade de tributar a filial cedente. Na opinião do próprio Governo do Reino Unido, esse argumento baseado no princípio da territorialidade está ligado, na realidade, ao princípio da coerência fiscal reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bachmann, já referido. Assim, há que abordar esta questão no âmbito da segunda justificação apresentada.

    2.      Justificação baseada na necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal

    65.   A jurisprudência do Tribunal de Justiça admite que a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal pode justificar uma regulamentação susceptível de restringir as liberdades comunitárias (68).

    66.   O conceito de coerência fiscal ocupa uma importante função correctiva no direito comunitário. Deve servir para corrigir os efeitos da extensão das liberdades comunitárias aos sistemas fiscais cuja organização é, em princípio, da competência dos Estados‑Membros. Com efeito, há que evitar que a aplicação das liberdades de circulação possa prejudicar injustificadamente a lógica interna dos regimes fiscais nacionais. Segundo o Tribunal de Justiça, a concepção do sistema fiscal «cabe a cada Estado‑Membro» (69). Nestas condições, é evidente que os Estados‑Membros têm um interesse legítimo em garantir a integridade e a equidade dos seus sistemas fiscais. Daí não resulta, porém, que esse conceito possa ser utilizado como argumento para se oporem aos objectivos prosseguidos no âmbito do mercado interno. Não se pode admitir que um regime fiscal esteja organizado de forma a favorecer situações ou operadores nacionais. A coerência fiscal tem, assim, por objectivo a protecção da integridade dos sistemas fiscais nacionais desde que não obste à integração desses sistemas no âmbito do mercado interno.

    67.   Este delicado equilíbrio pode ser traduzido numa regra de «dupla neutralidade». Por um lado, as normas fiscais nacionais devem ser neutras relativamente ao exercício das liberdades de circulação. A esse respeito, há que lembrar que o artigo 43.° CE impõe a neutralidade fiscal do estabelecimento de empresas na Comunidade. Contudo, por outro lado, o exercício das liberdades de circulação deve ser o mais neutro possível para os dispositivos fiscais adoptados pelos Estados‑Membros. O direito de estabelecimento não pode ser utilizado pelos operadores económicos com o único objectivo de pôr em risco o equilíbrio e a coerência dos sistemas fiscais nacionais. Seria esse o caso se fosse usado quer para se subtrair abusivamente às legislações nacionais quer para explorar artificialmente as diferenças entre essas legislações (70). O conceito de coerência fiscal destina‑se a garantir que os nacionais comunitários não utilizam as disposições comunitárias para daí retirarem vantagens que não estejam ligadas ao exercício das liberdades de circulação (71).

    68.   Nestas condições, o Tribunal de Justiça lembra que «o argumento baseado na necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal deve ser verificado tendo em conta o objectivo prosseguido pela regulamentação fiscal em causa» (72). Se, na lógica dessa regulamentação, se verificar que existe uma relação directa e necessária entre a concessão de uma vantagem fiscal e a compensação dessa vantagem por determinado tributo, então a vantagem pode ser recusada pelo facto de essa compensação não poder ser cobrada. Deste modo, o Tribunal de Justiça, no acórdão Bachmann, já referido, considerou que existia uma ligação, na regulamentação belga, entre a dedução de quotizações de seguro e a tributação dos montantes devidos pelos seguradores por força desses contratos de seguro. Uma vez que H. M. Bachmann tinha subscrito contratos de seguro na Alemanha cuja execução não podia dar origem a um tributo na Bélgica, a recusa das autoridades belgas de concederem a dedução fiscal das quotizações pagas por força desses contratos era justificada.

    69.   Como analisar o caso presente? Os governos que intervieram no presente processo alegam unanimemente que será coerente conceder a dedução de grupo apenas quando existir uma possibilidade de tributar os lucros das sociedades que participam nessa dedução. Alegam que, no regime em causa, se demonstra uma ligação entre a dedução concedida à sociedade reclamante e a possibilidade de tributar os rendimentos da sociedade cedente.

    70.   A recorrente no processo principal contesta esta argumentação. Invoca a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça segundo a qual uma relação directa só pode existir no âmbito do mesmo tributo e quanto ao mesmo contribuinte (73). Ora, no caso presente, não existe uma ligação dessa natureza. A vantagem concedida às sociedades‑mãe e o tributo susceptível de ser aplicado às filiais respeitam a contribuintes diferentes, no âmbito de regimes fiscais distintos (74).

    71.   Com efeito, se forem esses os limites em que se pode utilizar o argumento da coerência fiscal, não há dúvida de que o argumento deve ser rejeitado no caso presente. Contudo, há que colocar a questão de tal utilização do conceito de coerência fiscal. Tal como referiu a advogada‑geral J. Kokott nas conclusões que apresentou no processo Manninen, já referido, essa concepção tardia da coerência fiscal assenta em critérios demasiados rígidos, nem sempre pertinentes, tendo em conta o objectivo prosseguido pelas regulamentações em causa (75). Daí resulta que a margem de manobra concedida aos Estados‑Membros para justificarem os seus regimes fiscais é excessivamente reduzida. É por essa razão que me parece necessário, tal como recomenda a advogada‑geral J. Kokott, flexibilizar os critérios. Proponho, para o efeito, que se volte ao critério da finalidade da regulamentação em causa. A coerência deve, em primeiro lugar, ser apreciada face à finalidade e à lógica do regime em causa.

    72.   Ora, há que lembrar que o objectivo do regime britânico de dedução de grupo é neutralizar fiscalmente os efeitos da constituição de um grupo de sociedades. Esta não deve levar a uma desvantagem particular relativamente às regras gerais da tributação das sociedades. O meio necessário para esse fim assenta na permissão de fazer circular os prejuízos dentro do grupo. Contudo, isso também significa que não poderá daí resultar uma vantagem adicional para o grupo. Assim se explica a proibição de segunda utilização dos prejuízos cedidos. Este regime estabelece, portanto, uma correlação, ao nível do grupo, entre a transferência de prejuízos dentro do grupo e a impossibilidade de utilizar esses mesmos prejuízos para efeitos fiscais. Os prejuízos são transferidos de uma sociedade a favor de outra, com a contrapartida de a sociedade cedente perder o direito de utilizar novamente esses prejuízos no âmbito do sistema de tributação das sociedades. A vantagem conferida à reclamante presume‑se neutralizada pelo imposto a cobrar à cedente.

    73.   Assim, cabe ao Reino Unido demonstrar que, no âmbito do seu regime de grupo, a recusa sistemática de tomar em conta os prejuízos das filiais estrangeiras é susceptível de preservar essa lógica.

    74.   A esse respeito, é evidente que, se os prejuízos das filiais estrangeiras puderem ser transferidos ou reportados no Estado do estabelecimento, a concessão da dedução no Reino Unido pode pôr em perigo o objectivo do regime de grupo. Com efeito, a transferência ou o reporte desses prejuízos no Estado do estabelecimento é susceptível de conferir ao conjunto do grupo um benefício equivalente. Daí pode resultar o benefício de os prejuízos serem duplamente tomados em conta a favor do grupo. Ora, essa vantagem é contrária à neutralidade pretendida por esse regime. Nesse caso, é justificada a proibição de imputação de prejuízos estrangeiros nos resultados da sociedade‑mãe.

    75.   Contudo, é necessário ter a certeza de que este risco existe. O Estado‑Membro em causa não pode limitar‑se a proibir toda e qualquer transferência de prejuízos apenas por lhe ser impossível tributar as filiais estrangeiras. Se o fizer, a restrição a que procede vai muito além do necessário para proteger a coerência do seu regime de grupo. Na realidade, isso leva a acrescentar objectivos alheios à lógica desse regime, quer seja o de proteger as receitas do Estado‑Membro em causa ou o de favorecer os grupos com toda a sua actividade económica no seu território. Esses objectivos são, de qualquer forma, contrários ao direito comunitário.

    76.   Em circunstâncias como as do caso presente, o Estado‑Membro em causa deve, pois, tomar em conta o tratamento aplicável aos prejuízos das filiais nos Estados de residência destas últimas (76). Só se pode admitir uma justificação assente na coerência do regime de dedução se os prejuízos estrangeiros puderem ser objecto de tratamento equivalente no Estado de origem desses prejuízos.

    77.   Tal solução baseada na comparação e na equivalência dos tratamentos dados em diversos Estados‑Membros já foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça em matéria de prestações de saúde no âmbito dos regimes nacionais de segurança social (77). Parece‑me que tem total vocação para ser aplicada em matéria fiscal, na qual se aplicam as mesmas premissas (78). O efeito útil do artigo 43.° CE implica, assim, que as autoridades competentes para concederem a vantagem fiscal em causa no presente processo tenham em conta as vantagens susceptíveis de serem conferidas pela regulamentação do Estado do estabelecimento das filiais do grupo (79). Embora seja coerente que, em determinados casos, a dedução de grupo possa ser recusada, é necessário, pelo menos, que essa recusa seja justificada e baseada numa consideração das situações das filiais no seu Estado de residência.

    78.   O Reino dos Países Baixos suscita, contudo, uma objecção a essa solução. Considera que a autorização para transferir prejuízos estrangeiros no âmbito dos regimes de grupos instituídos pelos Estados‑Membros é susceptível de levar a uma perturbação geral dos sistemas nacionais. Permitiria pensar que a transferência de prejuízos seria sistematicamente organizada no interior dos grupos de sociedades e exclusivamente dirigida às sociedades do grupo estabelecidas nos Estados‑Membros com taxas de imposto mais altas. A razão disso assenta no facto de, nesses Estados, os prejuízos transferidos terem maior valor. Assim, seria de recear o desenvolvimento de um verdadeiro «tráfico de prejuízos» a nível comunitário (80). Entende que tal solução acabaria por ameaçar não só a fiabilidade desses regimes de dedução de grupo mas também o equilíbrio orçamental dos Estados em causa. Entende ainda que isso arruinaria os fundamentos dos seus sistemas económicos e sociais.

    79.   É certo que esse risco não pode ser negligenciado. Contudo, também não deve ser sobrestimado. Encontra facilmente resposta na exigência de o benefício da dedução estar sujeito à condição de os prejuízos das filiais estrangeiras não poderem ser objecto de tratamento fiscal mais vantajoso no seu Estado de residência. Quando o Estado do estabelecimento das filiais estrangeiras lhes permite imputar os seus prejuízos a outra pessoa ou reportá‑los para outros exercícios fiscais, o Reino Unido pode opor‑se ao pedido de transferência transfronteiriça desses prejuízos. A dedução deve, então, ser procurada no Estado do estabelecimento. Por esta razão, as sociedades não terão a liberdade de escolher o lugar de imputação dos seus prejuízos.

    80.   Essa condição pode ser justificada com base no artigo 43.° CE. Com efeito, é legítimo dar a prioridade às regras do Estado do estabelecimento quando estas tratam de modo equivalente os prejuízos do grupo. Por um lado, está assente que o estabelecimento, que implica «participar, de modo estável e contínuo, na vida económica de um Estado‑Membro» (81), produz condicionalismos específicos aos quais o agente económico em princípio continua sujeito (82). Desde que o tratamento dos prejuízos seja equivalente para o grupo, esses condicionalismos não afectam a liberdade de estabelecimento. Nessas condições, as diferenças de tratamento que daí poderiam resultar para o grupo não têm outra origem que não as disparidades existentes entre as legislações fiscais nacionais. Por outro lado, tal condição é susceptível de permitir manter a coerência e a integridade dos sistemas fiscais nacionais que concedem deduções de grupo.

    81.   Poderá objectar‑se que será excessivamente difícil para o Reino Unido verificar se existe uma possibilidade de dedução noutro Estado‑Membro. A esse respeito, há que lembrar que os Estados‑Membros dispõem de instrumentos de cooperação reforçada nos termos da Directiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos (83). Nos termos das suas disposições, as autoridades competentes de um Estado‑Membro têm o poder de pedir às autoridades competentes de outro Estado‑Membro que lhes forneçam todas as informações susceptíveis de lhes permitir determinar o montante correcto do imposto sobre as sociedades. Na realidade, esse instrumento de cooperação administrativa «oferece possibilidades de obtenção das informações necessárias comparáveis às existentes entre os serviços fiscais no plano interno» (84). Além disso, não me parece excluída a possibilidade de o Estado‑Membro em causa poder sujeitar a sociedade que requer uma dedução de grupo a um dever de informação sobre a situação fiscal do grupo a que pertence, nomeadamente sobre a possibilidade de tratar os prejuízos das filiais no seu Estado de estabelecimento. Nesse caso, porém, há que garantir que essas exigências não vão além do necessário para atingir o objectivo de informação pretendido (85).

    IV – Resultados da análise

    82.   Resulta desta análise que os artigos 43.° CE e 48.° CE não se opõem à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que proíbe que uma sociedade‑mãe com filiais noutros Estados‑Membros beneficie do regime aplicável às sociedades com sucursais no estrangeiro. Em contrapartida, essas disposições opõem‑se à legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, na medida em que essa legislação prive uma sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro do direito de beneficiar de uma dedução de grupo pelo facto de as suas filiais residirem noutros Estados‑Membros, diferentemente do que sucederia se as referidas filiais fossem residentes ou exercessem uma actividade económica no território desse Estado. Contudo, essas mesmas disposições não se opõem a uma legislação nacional que sujeite o direito a essa dedução à condição de se demonstrar que os prejuízos das filiais residentes noutros Estados‑Membros não podem ser objecto de tratamento fiscal equivalente nesses Estados‑Membros. Há que precisar que esse tratamento pode tomar a forma quer de transferência de prejuízos para um terceiro quer de reporte de prejuízos do mesmo sujeito passivo para outro exercício fiscal.

    83.   É certo que uma solução como esta parece complexa. É uma solução que obriga as autoridades do Estado‑Membro em causa a ter em conta a situação fiscal de sociedades não residentes no seu território. Mas creio que só uma solução deste género permite, na falta de harmonização comunitária, manter o equilíbrio entre as competências fiscais conservadas pelos Estados‑Membros e as exigências de liberdade resultantes do mercado interno. Nestas condições, não cabe ao Tribunal de Justiça definir um regime uniforme para todos os Estados‑Membros, cujo modelo iria colher de determinado sistema fiscal nacional ou de uma eventual proposta adoptada pelas instituições comunitárias. Compete‑lhe apenas delimitar as obrigações que para o Estado‑Membro em causa resultam do seu compromisso na Comunidade.

    V –    Conclusão

    84.   Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas no presente processo pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), da seguinte forma:

    «1)      Os artigos 43.° CE e 48.° CE opõem‑se à legislação fiscal de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que proíbe que uma sociedade‑mãe estabelecida num Estado‑Membro beneficie do direito a uma dedução de grupo pelo facto de as suas filiais estarem estabelecidas noutros Estados‑Membros, quando essa dedução seria concedida se as referidas filiais fossem residentes nesse mesmo Estado‑Membro.

    2)      Essas mesmas disposições não se opõem a uma legislação nacional que sujeite o direito a uma dedução de grupo, tal como a prevista pelo Estado‑Membro em causa no processo principal, à condição de se demonstrar que os prejuízos das filiais residentes noutros Estados‑Membros não podem ser objecto de tratamento fiscal equivalente nesses Estados‑Membros.»


    1 – Língua original: português.


    2 – Directiva 90/435/CEE (JO L 225, p. 6).


    3 – Tal como o Tribunal de Justiça lembrou no seu acórdão de 18 de Setembro de 2003, Bosal (C‑168/01, Colect., p. I‑9409, n.° 22).


    4 – Há que lembrar que, já em 1969, a Comissão das Comunidades Europeias tinha proposto um regime de lucros consolidados, que tinha em conta os prejuízos das filiais de Estados‑Membros diferentes (proposta de directiva do Conselho relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mãe e às filiais de Estados‑Membros diferentes (JO 1969, C 39, p. 7; não existe versão em português).


    5 – 91/C 53/03 (JO 1991, C 53, p. 30). Nos termos desta proposta, estão previstos dois métodos, quer para as filiais quer para os estabelecimentos permanentes: o método de dedução dos prejuízos com posterior reintegração, que permite deduzir aos lucros tributáveis os prejuízos dos estabelecimentos secundários nos outros Estados‑Membros, desde que os lucros desses estabelecimentos sejam posteriormente reintegrados nos resultados da empresa até ao limite dos prejuízos deduzidos, ou o método da imputação, que consiste em integrar todos os resultados dos estabelecimentos estrangeiros nos da empresa.


    6 – Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – Um Mercado Interno sem obstáculos em matéria de fiscalidade das empresas: realizações, iniciativas em curso e desafios a ultrapassar [COM (2003) 726 final].


    7 – V., por analogia, a propósito do artigo 39.° CE, acórdão de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C‑204/90, Colect., p. I‑249, n.° 11). V. ainda acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Colect., p. I‑273, n.° 24), e de 9 de Dezembro de 1981, Comissão/Itália, 193/80, Recueil, p. 3019, n.° 17).


    8 – V., por exemplo, acórdãos de 15 de Maio de 1997, Futura Participations e Singer (C‑250/95, Colect., p. I‑2471); de 16 de Julho de 1998, ICI (C‑264/96, Colect., p. I‑4695); de 18 de Novembro de 1999, X e Y (C‑200/98, Colect., p. I‑8261), e de 14 de Dezembro de 2000, AMID (C‑141/99, Colect., p. I‑11619).


    9 – V. acórdãos de 13 de Julho de 1993, Commerzbank (C‑330/91, Colect., p. I‑4017); de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland (C‑311/97, Colect., p. I‑2651); de 21 de Setembro de 1999, Saint‑Gobain ZN (C‑307/97, Colect., p. I‑6161); de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727), e Bosal, já referido na nota 3.


    10 – Há que deixar sob reserva o caso do regime das «CFC» («controlled foreign companies»), que permite, excepcionalmente e em certas condições, integrar os lucros das filiais estrangeiras nos da sociedade‑mãe residente no Reino Unido, independentemente de qualquer distribuição de dividendos. A aplicação dessas normas está presentemente em causa num processo pendente no Tribunal de Justiça (Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C‑196/94).


    11 – Já referido na nota 8.


    12 – Quanto aos pormenores da reforma, ver Hickley, J. J. B., «Worldwide Groups and UK Taxation after the Finance Act 2000», European Taxation, 2000, p. 466.


    13 – C‑279/93, Colect., p. I‑225, n.° 21. V., em último lugar, acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 19).


    14 – Acórdão de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant (C‑9/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).


    15 – Acórdão Saint‑Gobain ZN, já referido na nota 9, n.° 35.


    16 – Acórdão Bachmann, já referido na nota 7, n.° 23.


    17 – Acórdão Saint‑Gobain ZN, já referido na nota 9, n.° 57. V. ainda acórdão de 21 de Março de 2002, Cura Anlagen (C‑451/99, Colect., p. I‑3193, n.° 40).


    18 – V., por analogia, a propósito de normas técnicas, acórdão de 14 de Julho de 1994, Peralta (C‑379/92, Colect., p. I‑3453, n.° 34). V. também, em matéria fiscal, acórdão de 12 de Maio de 1998, Gilly (C‑336/96, Colect., p. I‑2793, n.° 47).


    19 – Neste sentido, acórdão de 28 de Junho de 1978, Kenny (1/78, Colect., p. 505, n.° 18). No novo contexto dos direitos da cidadania europeia, ver, no mesmo sentido, acórdão de 15 de Julho de 2004, Lindfors (C‑365/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34).


    20 – Em geral, acórdão de 27 de Fevereiro de 1985, Itália/Comissão (55/83, Recueil, p. 683, n.° 11).


    21 – Prefere‑se aqui o conceito de situações transnacionais ao de operações transfronteiriças pelas razões expostas nos n.os 46 e seguintes das conclusões que apresentei no processo Carbonati Apuani (acórdão de 9 de Setembro de 2004, C‑72/03, ainda não publicado na Colectânea).


    22 – Segundo o Tribunal de Justiça, o artigo 43.° CE «destina[‑se] essencialmente a pôr em prática, no domínio das actividades não assalariadas, o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo [12.° CE]» (acórdão Royal Bank of Scotland, já referido na nota 9, n.° 21).


    23 – V., por exemplo, acórdãos de 21 de Junho de 1974, Reyners (2/74, Colect., p. 325, n.° 16), e de 18 de Junho de 1985, Steinhauser (197/84, Recueil, p. 1819, n.° 14). Nas conclusões apresentadas no processo Stichting Collectieve Antennevoorziening Gouda e o. (acórdão de 25 de Julho de 1991, C‑288/89, Colect., p. I‑4007), o advogado‑geral G. Tesauro conclui ainda da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a proibição de discriminações baseadas na nacionalidade desempenha «um papel absoluto e decisivo» em matéria do direito de estabelecimento (n.° 13).


    24 – Neste sentido, nomeadamente, acórdão Schumacker, já referido na nota 13, n.° 26.


    25 – C‑19/92, Colect., p. I‑1663, n.° 32.


    26 – Neste sentido, n.° 17 das conclusões do advogado‑geral P. Léger apresentadas no processo Wielockx (acórdão de 11 de Agosto de 1995, C‑80/94, Colect., p. I‑2493).


    27 – Acórdão ICI, já referido na nota 8, n.° 21. V. ainda acórdão de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail and General Trust (81/87, Colect., p. 5483, n.° 16).


    28 – V., entre outros, acórdãos X e Y, já referido na nota 8, n.° 27; Bosal, já referido na nota 3, n.° 27; AMID, já referido na nota 8, n.° 23; De Lasteyrie du Saillant, já referido na nota 14, n.° 45; e, em matéria de liberdade de circulação de capitais, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (C‑35/98, Colect., p. I‑4071, n.° 34); Manninen, já referido na nota 13, n.° 22; e de 15 de Julho de 2004, Lenz (C‑315/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 20).


    29 – V., neste sentido, n.° 21 das conclusões do advogado‑geral N. Fennelly apresentadas no processo Graf (acórdão de 27 de Janeiro de 2000, C‑190/98, Colect., p. I‑493).


    30 – V., quanto a este ponto, a análise crítica de Wattel, P. J., «The EC Court’s Attempts to Reconcile the Treaty Freedoms with International Tax Law», Common Market Law Review, 1996, p. 223.


    31 – Assim, o modelo de convenção fiscal da OCDE sobre o rendimento e o património, na versão publicada em 29 de Abril de 2000, dispõe, no artigo 24.°, n.° 1, que «os nacionais de um Estado contratante não estão sujeitos no outro Estado contratante a qualquer imposição ou obrigação acessória, que acresça ou seja mais onerosa do que aquelas a que estão ou poderão estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação, nomeadamente no que respeita à residência».


    32 – Acórdão Schumacker, já referido na nota 13, n.° 37. No mesmo sentido, acórdãos Wielockx, já referido na nota 26, e de 27 de Junho de 1996, Asscher (C‑107/94, Colect., p. I‑3089).


    33 – Neste sentido, ver Terra, B. J. M., e Wattel, P. J., European Tax Law, Deventer, 3.a edição, 2001, p. 46.


    34 – V., em último lugar, acórdão de 1 de Julho de 2004, Wallentin (C‑169/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 15).


    35 – Conclusões apresentadas no processo Wielockx, já referidas na nota 26, n.° 31 (v. jurisprudência aí referida). No mesmo sentido, n.° 49 das conclusões do advogado‑geral G. Tesauro apresentadas no processo Decker (acórdão de 28 de Abril de 1998, C‑120/95, Colect., p. I‑1831).


    36 – V., por exemplo, acórdão Royal Bank of Scotland, já referido na nota 9, n.° 32. Nas conclusões que apresentou nesse processo, o advogado‑geral S. Alber explica, porém, a jurisprudência referida na nota anterior pelo facto de as medidas controvertidas constituírem discriminações indirectas. Por princípio, as discriminações directas não poderão ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral (n.° 39).


    37 – V., em primeiro lugar, em matéria de livre circulação de mercadorias, acórdão de 17 de Junho de 1981, Comissão/Irlanda (113/80, Recueil, p. 1625, n.° 11). É certo, no entanto, que, nesse mesmo domínio, a jurisprudência do Tribunal de Justiça deu exemplos de entendimentos que se afastam desse princípio: v., em matéria de resíduos, acórdão de 9 de Julho de 1992, Comissão/Bélgica (C‑2/90, Colect., p. I‑4431).


    38 – V. a esse respeito, as propostas do advogado‑geral F. G. Jacobs nas conclusões que apresentou no processo Danner (acórdão de 3 de Outubro de 2002, C‑136/00, Colect., p. I‑8147).


    39 – V., em último lugar, acórdão de 5 de Outubro de 2004, CaixaBank France (C‑442/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 11), e despacho de 17 de Fevereiro de 2005, Mauri (C‑250/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).


    40 – V., a favor de um critério específico em matéria de liberdade de estabelecimento, Mischo, J., «Les restrictions à la liberté d’établissement: la nécessité d’une clarification», Mélanges en hommage à F. Schockweiler, Nomos, Baden‑Baden, 1999, p. 445.


    41 – V. n.os 65 e segs. das presentes conclusões.


    42 – Artigo 3.°, n.° 1, alínea c), CE.


    43 – V., no mesmo sentido, conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas no processo CaixaBank France, já referido na nota 39.


    44 – V., por exemplo, acórdão Comissão/França, já referido na nota 7.


    45 – V., por exemplo, acórdão de 6 de Julho de 1995, Mars (C‑470/93, Colect., p. I‑1923).


    46 – V., por exemplo, acórdão CaixaBank France, já referido na nota 39.


    47 – V., por exemplo, em matéria de livre prestação de serviços, acórdão de 26 de Junho de 2001, Comissão/Portugal (C‑70/99, Colect., p. I‑4845, n.os 25 a 27).


    48 – Neste sentido, ver acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097); conclusões do advogado‑geral G. Tesauro apresentadas no processo Hünermund e o. (acórdão de 15 de Dezembro de 1993, C‑292/92, Colect., p. I‑6787), e conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas no processo CaixaBank France, já referido na nota 39, n.os 62 e 63.


    49 – Já referido na nota 7.


    50 – Já referido na nota 9.


    51 – Já referido na nota 9.


    52 – N.° 22 do acórdão Comissão/França, já referido na nota 7.


    53 – N.os 29 e 30 do acórdão Royal Bank of Scotland, já referido na nota 9.


    54 – N.° 44 do acórdão Saint‑Gobain ZN, já referido na nota 9.


    55 – N.° 48.


    56 – Assim, ver acórdãos de 13 de Abril de 2000, Baars (C‑251/98, Colect., p. I‑2787, n.os 30 e 31), e Asscher, já referido na nota 32, n.° 42.


    57 – V., neste sentido, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377); de 7 de Julho de 1988, Stanton (143/87, Colect., p. 3877); Daily Mail and General Trust, já referido na nota 27; de 7 de Julho de 1992, Singh (C‑370/90, Colect., p. I‑4265); de 26 de Janeiro de 1999, Terhoeve (C‑18/95, Colect., p. I‑345); e de 11 de Julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, Colect., p. I‑6191).


    58 – V. conclusões do advogado‑geral G. Tesauro apresentadas no processo ICI, já referido na nota 8, n.° 18.


    59 – Acórdão Futura Participations e Singer, já referido na nota 8, n.° 26.


    60 – V., nomeadamente, acórdão Manninen, já referido na nota 13, n.° 49.


    61 – Já referido na nota 8.


    62 – Quanto aos limites da soberania fiscal dos Estados‑Membros, ver também acórdão Gilly, já referido na nota 18, n.° 48.


    63 – «L’État politiquement et fiscalement souverain peut donc exercer un pouvoir fiscal absolu à l’intérieur de son territoire, qui constitue une sorte de chasse gardée; il peut en particulier décider que coexisteront sur ce territoire deux ou plusieurs systèmes fiscaux jouissant d’une autonomie plus ou moins étendue, et entretenant entre eux des relations définies le cas échéant par voie de conventions ou accords de pur droit interne. À l’inverse, l’État ne peut exercer aucun pouvoir fiscal à l’extérieur de son territoire. Tels sont les aspects positif et négatif de la notion de souveraineté fiscale» [O Estado política e fiscalmente soberano pode, assim, exercer um poder fiscal absoluto no seu território, que constitui uma espécie de coutada, pode, em particular, decidir que existam nesse território dois ou mais sistemas fiscais com autonomia mais ou menos alargada e mantendo entre eles relações definidas, sendo caso disso, por convenções ou acordos de puro direito interno. Pelo contrário, o Estado não pode exercer qualquer poder fiscal fora do seu território. São estes os aspectos positivo e negativo do conceito de soberania fiscal] (Gest, G., e Texier, G., Droit fiscal international, PUF, Paris, 2.a edição, 1990, p. 17).


    64 – Já referido na nota 9, n.° 29.


    65 – V. acórdão Bachmann, já referido na nota 7, n.° 23.


    66 – V., no mesmo sentido, acórdão Bosal, já referido na nota 3, n.os 38 a 40.


    67 – V., no mesmo sentido, acórdão Manninen, já referido na nota 13, n.° 38.


    68 – Acórdãos Bachmann, já referido na nota 7, e de 28 de Janeiro de 1992, Comissão/Bélgica (C‑300/90, Colect., p. I‑305).


    69 – Acórdão Bachmann, já referido na nota 7, n.° 23.


    70 – V., nomeadamente, conclusões do advogado‑geral N. Fennelly apresentadas no processo Metallgesellschaft e o., já referido na nota 9.


    71 – Dito de outro modo, pretende‑se evitar que os «free movers» se transformem, graças às liberdades conferidas pelo objectivo do mercado interno, em «free riders» (Segundo Cordewener, A., Dahlberg, M., Pistone, P., Reimer, E., Romano, C., «The Tax Treatment of Foreign Losses: Ritter, M & S, and the Way Ahead», European Taxation, 2004, p. 221).


    72 – Acórdão Lenz, já referido na nota 28, n.° 37.


    73 – V., nomeadamente, acórdão Bosal, já referido na nota 3, n.° 30 (e a jurisprudência aí referida).


    74 – V., mutatis mutandis, acórdão Bosal, já referido na nota 3, n.° 31.


    75 – Nas conclusões que apresentou nesse processo, já referido na nota 13, a advogada‑geral J. Kokott lembra que o Tribunal de Justiça restringiu o conceito de coerência fiscal na sequência do acórdão Bachmann, já referido na nota 7, n.° 53. Daí resulta que «a exigência estrita de que se trate do mesmo contribuinte pode levar, eventualmente, a resultados arbitrários» (n.° 57 e os exemplos apontados nos números seguintes).


    76 – Para um raciocínio análogo, ver acórdão Manninen, já referido na nota 13, n.° 54, e conclusões do advogado‑geral N. Fennelly apresentadas no processo Metallgesellschaft e o., já referido na nota 9, n.° 32.


    77 – V. acórdãos de 23 de Outubro de 2003, Inizan (C‑56/01, Colect., p. I‑12403), e de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms (C‑157/99, Colect., p. I‑5473).


    78 – A saber: competências mantidas pelos Estados‑Membros, falta de harmonização comunitária, exigências resultantes das liberdades fundamentais do direito comunitário (v. n.os 21 a 24 das presentes conclusões).


    79 – V., por analogia, conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz apresentadas no processo Halliburton Services (acórdão de 12 de Abril de 1994, C‑1/93, Colect., p. I‑1137, n.° 40).


    80 – A expressão é de Goldsmith, J.‑C., «Intégration et consolidation des résultats en droit fiscal comparé (à propos de la fiscalité des groupes de sociétés et des sociétés à vocation internationale)», La Semaine juridique (édition commerce et industrie), 1971, p. 456.


    81 – Acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard (C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 25).


    82 – Neste sentido, acórdão Peralta, já referido na nota 18, n.° 52.


    83 – JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94. Esta directiva foi recentemente alterada pela Directiva 2004/56/CE do Conselho, de 21 de Abril de 2004 (JO L 127, p. 70).


    84 – Acórdão Schumacker, já referido na nota 13, n.° 45.


    85 – Acórdão Futura Participations e Singer, já referido na nota 8, n.° 36.

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