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Document 62003CC0397

    Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 7 de Junho de 2005.
    Archer Daniels Midland Co. e Archer Daniels Midland Ingredients Ltd contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Recurso - Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Mercado da lisina sintética - Coimas - Orientações para o cálculo do montante das coimas - Não retroactividade -Princípio non bis in idem - Igualdade de tratamento - Volume de negócios que pode ser tomado em consideração.
    Processo C-397/03 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-04429

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:363

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    ANTONIO TIZZANO

    apresentadas em 7 de Junho de 2005 1(1)

    Processo C‑397/03 P

    Archer Daniels Midland Company

    Archer Daniels Midlands Ingredients Ltd

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias

    «Concorrência – Proibição de acordos, decisões ou práticas concertadas – Lisina – Coimas – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Igualdade de tratamento – Proporcionalidade – Não retroactividade – Princípio non bis in idem»





    1.     O presente processo tem por objecto o recurso interposto pelas sociedades Archer Daniels Midland Company (a seguir «ADM Company») e Archer Daniels Midland Ingredients Ltd (a seguir «ADM Ingredients») do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, T‑224/00, Archer Daniels Midland Company e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (a seguir «acórdão recorrido») (2), que confirmou, no essencial, a Decisão 2001/418/CE da Comissão, de 7 de Junho de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (a seguir «decisão impugnada») (3).

    I –    Quadro jurídico

    2.     Como se sabe, o artigo 81.° do Tratado CE proíbe «todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum».

    3.     A Comissão pode punir esses actos, aplicando coimas às empresas que os tenham praticado.

    4.     O n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17/62 do Conselho (a seguir «Regulamento n.° 17») (4) dispõe que:

    «A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício social imediatamente anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

    a) cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo 85.° ou no artigo 86.° do Tratado;

    b) [...]

    Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

    5.     A fim de assegurar a transparência e a objectividade das suas decisões nesta matéria, em 1998 a Comissão adoptou a metodologia definida nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (a seguir «orientações») (5).

    6.     De acordo com a metodologia das orientações, o montante da coima é basicamente determinado através de uma série de fases sucessivas.

    7.     Num primeiro momento, a Comissão estabelece o montante de base da coima «em função da gravidade e da duração da infracção» (n.° 1 das orientações). No que se refere ao primeiro aspecto, as infracções são classificadas em três grupos que correspondem às «infracções pouco graves, infracções graves e infracções muito graves» (6), atendendo à natureza, ao impacto concreto no mercado e à dimensão do mercado geográfico afectado. No que diz respeito à duração, são divididas em infracções de curta duração (em geral inferiores a um ano), infracções de duração média (em geral de um a cinco anos) e as infracções de longa duração (em geral mais de cinco anos).

    8.     Uma vez apurado o montante de base da coima, a Comissão pondera se este deve ser aumentado se existirem circunstâncias agravantes (7) ou diminuído em virtude de circunstâncias atenuantes (8).

    9.     O n.° 5, alínea a), das orientações estipula que:

    «É evidente que o resultado final do cálculo da coima de acordo com este método (montante de base corrigido por percentagem de majoração e de diminuição) nunca poderá ultrapassar 10% do volume de negócios mundial das empresas nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17.»

    10.   Por conseguinte, desde que se respeite o limite de 10%, o montante calculado de acordo com este método pode ser posteriormente corrigido, nos termos do artigo 5.°, alínea b), das orientações, se a Comissão «tomar em consideração certos dados objectivos, tais como o contexto económico específico, a vantagem económica ou financeira eventualmente obtida pelos autores da infracção […], as características específicas da empresa em causa, bem como a sua capacidade contributiva real num contexto social determinado».

    II – Matéria de facto e tramitação processual

    1.      Factos na origem do litígio

    11.   No acórdão recorrido, o quadro factual na origem do litígio é descrito do seguinte modo:

    «1      As recorrentes, Archer Daniels Midland Company […] e a sua filial europeia Archer Daniels Midland Ingredients Ltd […] operam no sector da transformação de cereais e sementes oleaginosas. Entraram no mercado da lisina em 1991.

    2      A lisina é o principal aminoácido utilizado na alimentação animal com fins nutricionais. A lisina sintética é utilizada como aditivo nos alimentos que não contêm lisina natural suficiente, como, por exemplo, os cereais, a fim de permitir aos nutricionistas a composição de dietas à base de proteínas que respondam às necessidades alimentares dos animais. Os alimentos aos quais é adicionada lisina podem também substituir aqueles que contêm naturalmente lisina suficiente, como, por exemplo, a soja.

    3      Em 1995, na sequência de um inquérito secreto levado a cabo pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), foram efectuadas buscas nos Estados Unidos, nas instalações de várias empresas com actividade no mercado da lisina. Em Agosto e Outubro de 1996, a ADM Company e as sociedades Kyowa Hakko Kogyo Co. Ltd […], Sewon Corp. Ltd, Cheil Jedang Corp. [...] e Ajinomoto Co. Inc. foram acusadas pelas autoridades norte‑americanas de participarem num acordo que consistia na fixação dos preços da lisina e na repartição dos volumes de vendas deste produto, entre Junho de 1992 e Junho de 1995. Na sequência de acordos celebrados com o Ministério da Justiça americano, o juiz encarregado do processo aplicou coimas a estas sociedades, concretamente, uma coima de 10 milhões de dólares (USD) à Kyowa Hakko Kogyo e à Ajinomoto, uma coima de 70 milhões de USD à ADM Company e uma coima de 1,25 milhões de USD à Cheil. O montante da coima aplicada à Sewon Corp., segundo esta afirma, foi de 328 000 USD. Além disso, três dirigentes da ADM Company foram condenados em penas de prisão e em multas pelo seu papel no acordo.

    4      Em Julho de 1996, a Ajinomoto, com base na Comunicação da Comissão 96/C 207/04 sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante nos processos de acordos entre empresas [...] propôs‑se cooperar com a Comissão para demonstrar a existência de um cartel no mercado da lisina e os seus efeitos no Espaço Económico Europeu (EEE).»

    12.   O acórdão refere além disso que, na sequência da comunicação da Ajinomoto, a Comissão conduziu o seu próprio inquérito administrativo destinado a detectar eventuais violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE). No final do inquérito, a Comissão adoptou a decisão impugnada, na qual:

    –      concluiu que várias sociedades, entre elas a ADM Company e a ADM Ingredients, violaram o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE e o n.° 1 do artigo 53.°, do acordo EEE por terem participado em «acordos sobre preços, volumes de vendas e intercâmbio de informações individuais relativas aos volumes de vendas de lisina sintética, que abrangeram todo o EEE» (artigo 1.°) (9);

    –      e aplicou à ADM Company e à ADM Ingredients, responsáveis solidárias, uma coima de 47 300 000 EUR (artigo 2.°).

    13.   Fundamentando a sua decisão, a Comissão concluiu que, no período compreendido entre 23 de Junho de 1992 e 27 de Junho de 1995, a ADM Company e a ADM Ingredients participaram com os produtores asiáticos de lisina numa série de acordos relativos ao comércio mundial da lisina. Esses acordos destinavam‑se, em boa parte, a) a regular o mercado da lisina por meio da fixação dos preços e da repartição dos volumes de vendas e b) a concertar o comportamento das empresas participantes de modo a assegurar o êxito das iniciativas por elas empreendidas em matéria de preços e volumes de vendas (n.os 50‑234 da decisão impugnada).

    14.   No que diz respeito ao aspecto mais relevante em discussão no caso em apreço, ou seja, o cálculo das coimas aplicadas às duas empresas, a Comissão seguiu a metodologia definida nas orientações (n.° 255 da decisão).

    15.   A Comissão, portanto, determinou o montante de base da coima em função da gravidade e na duração da infracção.

    16.   Quanto ao primeiro aspecto, a Comissão qualificou a violação cometida pelas empresas no mercado da lisina como uma infracção muito grave (n.os 257‑302 da decisão impugnada).

    17.   Considerou designadamente que, ao determinar os montantes de base das coimas em função da gravidade era necessário ter em conta: i) a capacidade económica das empresas em causa para provocar prejuízos significativos no mercado da lisina no Espaço Económico Europeu, e ii) a necessidade de assegurar que o montante da coima produz um efeito suficientemente dissuasivo.

    18.   Para o efeito, a Comissão dividiu as empresas em dois grupos, de acordo com a dimensão. O termo de comparação foi o volume de negócios total e o volume de negócios mundial das empresas em causa no mercado da lisina, no último ano da infracção (10). A Comissão decidiu ser esse o critério mais adequado para avaliar os recursos e a importância real das referidas empresas nos mercados afectados pelo comportamento ilícito.

    19.   Nestas circunstâncias, atendendo apenas à gravidade da infracção, a Comissão fixou em 30 milhões de euros o montante de base da coima a aplicar à ADM Company e à ADM Ingredients.

    20.   Quanto à duração da infracção constatada, a Comissão entendeu que se tratava de uma infracção de duração média, o que acarretava um aumento da ordem dos 10% por ano dos montantes iniciais das coimas determinados em função da gravidade da infracção. Em consequência, o montante aplicado à ADM Company e à ADM Ingredients devia ser aumentado em 30%.

    21.   Nestas circunstâncias, o montante de base da coima a aplicar à ADM Company e à ADM Ingredients foi fixado em 39 milhões de euros.

    22.   Tendo estabelecido esse montante de base, a Comissão passou a apreciar se era possível concluir pela existência de circunstâncias agravantes e/ou atenuantes em relação a cada uma das empresas.

    23.   Nesse aspecto, concluiu que a ADM Company e a ADM Ingredients desempenharam um papel de líder no cartel da lisina, pelo que o montante da coima devia ser aumentado em 50%.

    24.   Por outro lado, a Comissão entendeu que o montante determinado deste modo devia ser reduzido i) em 10% devido ao facto de a ADM Company e a ADM Ingredients terem posto termo às infracções desde as primeiras verificações efectuadas pela Comissão e ii) noutros 10% pela cooperação das duas sociedades com a Comissão após terem sido notificadas dos factos que lhes eram imputados.

    25.   Nestes termos, o montante final da coima aplicada à ADM Company e à ADM Ingredients foi fixado em 47 300 000 EUR.

    1.      Tramitação no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

    26.   Por recurso que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Agosto de 2000, as sociedades ADM Company e ADM Ingredients pediram a anulação da decisão impugnada ou, a título subsidiário, a redução da montante da coima que lhes foi aplicada pela Comissão.

    27.   Em apoio do seu recurso, a ADM Company e a ADM Ingredients apresentaram uma série de críticas à decisão impugnada relativamente, no que interessa a este caso, a) à violação do princípio da não retroactividade das disposições penais; b) à violação do princípio da igualdade de tratamento; c) à violação do princípio non bis in idem, d) à violação do princípio da proporcionalidade; e e) à errada apreciação dos meios de prova por parte da Comissão.

    28.   O Tribunal de Primeira Instância respondeu do seguinte modo a estas críticas.

    29.   a) Em primeiro lugar, rejeitou o fundamento de recurso respeitante à alegada violação do princípio da não retroactividade das sanção penal, invocada pelas partes devido à circunstância de as orientações terem sido aplicadas a comportamentos das empresas anteriores à sua entrada em vigor.

    30.   A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu que, por um lado, aquele princípio faz parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito os órgãos jurisdicionais comunitários têm a obrigação de assegurar e, por outro, impõe que «as sanções aplicadas a uma empresa por uma infracção às regras da concorrência correspondam às que estavam fixadas na época em que a infracção foi cometida» (11).

    31.   No entanto, considerou que a aplicação no caso em apreço das orientações para o cálculo das coimas não constituía uma violação do princípio da não retroactividade, pois as referidas orientações não ultrapassam o quadro jurídico das sanções tal como este é definido pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

    32.   Nos termos desse artigo, ao determinar o montante da coima por infracção das regras da concorrência, a Comissão deve ter em conta a gravidade e a duração da violação. Em todo o caso, o montante estabelecido não pode exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício social imediatamente anterior por cada uma das empresas participantes na infracção.

    33.   Ora, também as orientações em questão exigem que a Comissão determine o montante de base da coima em função da gravidade e da duração da infracção. Além disso, estipulam que o montante calculado deste modo não deve exceder em caso algum 10% do volume de negócios mundial das empresas. Em consequência, na opinião do Tribunal de Primeira Instância, «seguindo o método enunciado nas orientações, o cálculo das coimas continua a ser efectuado em função dos dois critérios mencionados no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, isto é, a gravidade da infracção e a sua duração, respeitando ao mesmo tempo o limite máximo em relação ao volume de negócios de cada empresa estabelecido pela mesma disposição» (12).

    34.   b) Nestes termos, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente a alegação de violação do princípio da igualdade de tratamento.

    35.   A este respeito, salientou que «[n]o domínio da repressão das infracções às normas da concorrência, o respeito deste princípio exige, sem dúvida, que as empresas que tiverem cometido infracções da mesma natureza em períodos simultâneos sejam sujeitas às mesmas sanções legais, independentemente da data, necessariamente aleatória, em que a decisão é tomada contra elas. Nessa medida, este princípio está estreitamente ligado ao princípio da não retroactividade das sanções penais, por força do qual a sanção aplicada a uma empresa por uma infracção às regras da concorrência deve corresponder à prevista na altura em que foi cometida a infracção. Contudo, no caso presente, as recorrentes não podem validamente invocar uma violação desse princípio apenas pelo facto de a Comissão ter aplicado as orientações para proceder ao cálculo do montante da coima [...]. Com efeito, tal como já se referiu, a alteração que a adopção das orientações tiver podido trazer relativamente à prática administrativa existente da Comissão não constitui uma alteração do quadro jurídico que determina o montante das coimas que podem ser aplicadas pela infracção às regras comunitárias da concorrência [...]. Daí resulta que o facto de ter aplicado o método enunciado nas orientações para calcular o montante da coima da ADM não é constitutivo de tratamento discriminatório relativamente às empresas que cometeram infracções às regras comunitárias da concorrência durante o mesmo período mas que, por razões relativas à data da descoberta da infracção ou próprias do curso do procedimento administrativo a elas relativo, foram objecto de condenação em datas anteriores à entrada em vigor das orientações. Com efeito, nos dois casos, as coimas a que essas empresas se expunham no momento da prática da infracção permaneciam dentro dos limites previstos no artigo 15.° , n.° 2, do Regulamento n.° 17» (13).

    36.   No entender da ADM Company e da ADM Ingredients, a Comissão também violou o princípio da igualdade de tratamento por ter tomado em consideração o seu volume de negócios total, bem como o volume das vendas de lisina no EEE. Deste modo, as duas empresas teriam sido discriminadas quer em relação às empresas que foram objecto de outras decisões da Comissão anteriores ou posteriores à publicação das orientações, quer em relação às outras empresas destinatárias de decisão impugnada.

    37.   Em especial, a ADM Company e a ADM Ingredients foram erradamente comparadas à Ajinomoto, apesar de apenas disporem de uma quota de 20% no mercado da lisina no EEE, portanto, muito inferior à quota de 48% da Ajinomoto no mesmo mercado.

    38.   Esta crítica também foi considerada improcedente pelo Tribunal de Primeira Instância.

    39.   Quanto à alegada discriminação relativamente a outras empresas objecto de decisões da Comissão anteriores ou posteriores à decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância salientou que, na sua apreciação do nível geral das coimas, a Comissão «pode tomar em conta o facto de as infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência serem ainda relativamente frequentes e, portanto, é legítimo que aumente o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo» (14).

    40.   Em especial, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, apesar de nalgumas decisões recentes em que aplicou as orientações a Comissão ter tido em consideração o volume de negócios das empresas no mercado afectado pela infracção, no caso vertente «não se pode estabelecer qualquer comparação directa entre a presente decisão e outras decisões em que também se aplicaram as orientações. Com efeito, tal como já referido, as orientações não dispõem expressamente que as coimas serão calculadas em função de volumes de negócios específicos, mas apenas que serão tidos em conta certos elementos (capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo, dimensão das empresas, peso específico e impacto real do comportamento ilícito de cada empresa, etc.), a propósito dos quais o volume de negócios pode entrar em linha de conta. Assim, em cada caso concreto, cabe à Comissão determinar, sob a fiscalização do Tribunal, se há que tomar como referência um ou outro dos volumes de negócios relevantes ou outros factores, tais como as quotas de mercado detidas. Por conseguinte, o facto de a Comissão não ter tido em conta o volume de negócios realizado no mercado relevante não constitui, em si mesmo, uma discriminação relativamente às empresas objecto de outras decisões» (15).

    41.   Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a Comissão não fez qualquer discriminação entre a ADM e a Ajinomoto. A este respeito, observou que, embora o volume de negócios realizado em 1995 pela ADM no mercado relevante tenha sido inferior ao realizado pela Ajinomoto no mesmo ano, «a ADM continua [...] muito mais importante do que o grupo dos três ‘pequenos’ produtores, aos quais não se pode comparar, uma vez que os volumes de negócios da lisina no EEE da Sewon, da Kyowa e da Cheil foram, respectivamente, de 15 milhões, 16 milhões e 17 milhões [de euros] em 1995 […] Além disso, o volume de negócios global da ADM, que continua a ser uma indicação da dimensão e do poder económico de uma empresa, revela claramente que a ADM é duas vezes mais importante do que a Ajinomoto, o que, simultaneamente, é susceptível de compensar o facto de exercer uma influência inferior à da Ajinomoto no mercado da lisina no EEE e explica que o montante [de base] seja fixado num nível suficientemente dissuasivo. Nestas circunstâncias, a Comissão podia considerar que havia que fixar o montante [de base] da coima da ADM e da Ajinomoto num nível idêntico» (16).

    42.   c) O Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Comissão também não violou o princípio non bis in idem na decisão controvertida.

    43.   Com efeito, na opinião da ADM Company e da ADM Ingredients, na decisão controvertida a Comissão mais não fez do que aplicar‑lhes uma coima por terem participado num acordo que já fora objecto de sanções das autoridades dos Estados Unidos e do Canadá.

    44.   A este argumento, o Tribunal de Primeira Instância contrapõe que «basta lembrar que o juiz comunitário admitiu que uma empresa pode ser objecto de dois processos paralelos por uma mesma infracção e, portanto, de uma dupla sanção, uma da autoridade competente do Estado‑Membro em causa e a outra [pela autoridade] comunitária. Esta possibilidade de acumulação de sanções justifica‑se pelo facto de os referidos processos prosseguirem fins distintos […] Nestas condições, o princípio non bis in idem não é, por maioria de razão, aplicável ao caso presente, uma vez que é manifesto que os processos accionados e as sanções aplicadas pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades americanas e canadianas, por outro, não prosseguem os mesmos objectivos. Se, no primeiro caso, se trata de preservar uma concorrência não falseada no território da União Europeia ou no EEE, a protecção pretendida diz respeito, no segundo caso, ao mercado americano ou canadiano. Esta conclusão é reforçada pelo alcance do princípio da proibição da acumulação de sanções, tal como consagrado no artigo 4.° do Protocolo n.° 7 da CEDH e aplicado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Resulta da redacção do referido artigo que esse princípio tem apenas por efeito proibir que um órgão jurisdicional de um Estado julgue ou puna uma infracção pela qual a pessoa em causa já tenha sido absolvida ou condenada nesse mesmo Estado. Em contrapartida, o princípio non bis in idem não proíbe que uma pessoa seja arguida ou punida mais de uma vez pelo mesmo facto em dois ou mais Estados diferentes […]» (17).

    45.   O Tribunal de Primeira Instância salientou também que «não existe actualmente um princípio de direito internacional público que proíba as autoridades ou os tribunais de Estados diferentes de julgarem e condenarem alguém pelos mesmos factos. Actualmente, tal proibição apenas pode resultar de uma cooperação internacional muito estreita resultante da adopção de regras comuns como as que constam da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), assinada em 19 de Junho de 1990 em Schengen (Luxemburgo). A esse respeito, as recorrentes não alegaram a existência de um diploma convencional entre a Comunidade e Estados terceiros, como os Estados Unidos ou o Canadá, que preveja tal proibição» (18).

    46.   Por outro lado, a ADM Company e a ADM Ingredients lamentaram o facto de que a Comissão, tendo recusado deduzir da coima fixada na decisão controvertida o montante das coimas que já lhes tinham sido aplicadas nos Estados Unidos e no Canadá, não teve em consideração o princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Boehringer (19) segundo o qual, por uma questão geral de equidade, a Comissão deve ter em conta as sanções já impostas à mesma empresa devido ao mesmo facto, pelas autoridades de um país terceiro.

    47.   A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que no acórdão Boehringer o Tribunal de Justiça não resolveu a questão de saber se a Comissão deve ter em conta as sanções impostas pelas autoridades de um Estado terceiro no caso de os factos imputados a essa empresa pela Comissão e pelas referidas autoridades serem os mesmos. Além disso, entendeu que no referido acórdão o Tribunal de Justiça considerou «a identidade dos factos imputados pela Comissão e pelas autoridades de um Estado terceiro uma condição prévia à questão acima referida» (20).

    48.   O Tribunal de Primeira Instância salientou seguidamente que «foi tendo em consideração a situação particular que resulta, por um lado, da estreita interdependência dos mercados nacionais dos Estados‑Membros e do mercado comum e, por outro, do sistema particular de repartição de competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de acordos num mesmo território, o do mercado comum, que o Tribunal de Justiça, admitindo a possibilidade de um duplo julgamento e face à eventual dupla sanção daí decorrente, considerou necessário que se tomasse em conta a primeira decisão punitiva de acordo com uma exigência de equidade [...]. Ora, é manifesto que tal situação não existe no caso presente e, portanto, na falta de invocação de uma disposição convencional expressa que preveja o dever da Comissão de, na fixação do montante de uma coima, ter em conta sanções já aplicadas à mesma empresa, pelo mesmo facto, pelas autoridades ou tribunais de um Estado terceiro, como os Estados Unidos ou o Canadá, as recorrentes não podem validamente criticar a Comissão por ter ignorado, no caso presente, esse alegado dever» (21).

    49.   O Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, «[d]e qualquer forma, mesmo supondo que se pudesse, a contrario, concluir do acórdão [Boehringer] que a Comissão deve ter em conta uma sanção aplicada pelas autoridades de um Estado terceiro no caso de os factos imputados à empresa em causa por essa instituição e pelas referidas autoridades serem idênticos, a prova de tal identidade, que cabe às recorrentes, não foi feita no caso presente. No que respeita à condenação da ADM Company nos Estados Unidos, resulta da decisão proferida em 15 de Outubro de 1996 pelo United States District Court, […] que essa empresa foi condenada, por um lado, a uma multa de 70 milhões de USD pela sua participação no acordo sobre a lisina e, por outro, numa multa de 30 milhões de USD pela sua participação num acordo sobre o ácido cítrico. Resulta dos documentos apresentados pelas recorrentes que a ADM Company foi também condenada no Canadá numa multa de 16 milhões de dólares canadianos pela sua participação em dois acordos relativos à lisina e ao ácido cítrico. Verifica‑se, pois, que as condenações nos Estados Unidos e no Canadá tinham em vista um conjunto mais amplo de acordos e práticas concertadas. Em especial, há que notar que, para avaliar o montante da multa, o órgão jurisdicional nacional tomou em consideração o volume das transacções comerciais efectuadas ‘ao mesmo tempo no mercado da lisina e no do ácido cítrico’» (22).

    50.   Por último, o Tribunal de Primeira Instância esclareceu que «[m]esmo supondo que a condenação pelo acordo sobre a lisina pudesse ser considerada distinta da relativa ao acordo sobre o ácido cítrico, há que salientar que, embora a sentença proferida nos Estados Unidos refira o facto de o acordo sobre a lisina ter por objecto restringir a produção e aumentar os preços da lisina ‘nos Estados Unidos e fora deles’, em nada se demonstrou que a condenação proferida nos Estados Unidos tivesse em vista aplicações ou efeitos do acordo para além dos verificados nesse país [...] e, em particular no EEE […]. Esta observação vale também para a condenação proferida no Canadá [...]. Nestas circunstâncias, há que rejeitar a alegação das recorrentes relativa à violação, pela Comissão, de um dever de imputação das sanções aplicadas anteriormente pelas autoridades de Estados terceiros [...]» (23).

    51.   d) Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Primeira Instância salientou, antes do mais, que a Comissão não aplicou correctamente as orientações na decisão controvertida visto que, para determinar a gravidade das infracções, não tomou em consideração o volume de negócios das duas empresas no mercado da lisina no EEE e «violou o ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações» (24).

    52.   Apesar disso, o órgão jurisdicional de primeira instância considerou que o facto de não ter sido tido em consideração o volume de negócios no mercado relevante não constituiu uma violação do princípio da proporcionalidade. O Tribunal de Primeira Instância fez notar à ADM Company e à ADM Ingredients, que se queixaram de que o montante da coima era desproporcionado visto ser de 115% do volume de negócios por elas realizado no mercado da lisina no EEE ao longo do último ano da infracção, que, «[n]a medida em que o montante final da coima não excede 10% do volume de negócios global da ADM no último ano da infracção, não pode ser considerada desproporcionada apenas pelo facto de ultrapassar o volume de negócios realizado no mercado em causa» (25).

    53.   O Tribunal de Primeira Instância rejeitou ainda o argumento da ADM Company e da ADM Ingredients, segundo o qual a violação do princípio da proporcionalidade resultou do facto de o volume de negócios realizado com os produtos em causa na infracção ter sido relativamente fraco quando comparado com o conjunto das vendas por elas realizado. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância assinalou que «há que salientar que a comparação dos diversos volumes de negócios das recorrentes no ano de 1995 evidencia dois elementos de informação. Por um lado, é verdade que o volume de negócios proveniente das vendas de lisina no EEE pode ser considerado fraco relativamente ao volume de negócios global, uma vez que o primeiro apenas representa 0,3% do segundo. Por outro lado, verifica‑se, em contrapartida, que o volume de negócios correspondente às vendas de lisina no EEE (41 milhões de euros [...]) representa uma parte relativamente importante do volume de negócios realizado pela ADM no mercado mundial da lisina (202 milhões de euros [...]) no caso, mais de 20%. Portanto, na medida em que as vendas de lisina no EEE representam não uma pequena fracção, mas uma parte considerável deste último volume de negócios, não se pode alegar validamente uma violação do princípio da proporcionalidade, tanto mais que o montante de base da coima não foi determinado unicamente com base num simples cálculo baseado no volume de negócios global, mas também no volume de negócios sectorial e noutros elementos relevantes como a natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado, a extensão do mercado afectado, o necessário alcance dissuasivo da sanção, a dimensão e o poder das empresas» (26).

    54.   e) Por último, o Tribunal de Primeira Instância não aceitou que, na decisão controvertida, a Comissão não produziu prova suficiente de que o acordo teve um impacto concreto no mercado.

    55.   A este respeito, o órgão jurisdicional de primeira instância entendeu que Comissão apresentou provas suficientes de que o acordo controvertido i) limitou o volume das vendas, ii) permitiu às empresas manterem as suas quotas de mercado e iii) provocou um aumento dos preços para um nível mais elevado do que o que teria sido atingido de outra forma (27).

    56.   Portanto, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que «resulta do exposto sobre a natureza própria da infracção e do seu impacto concreto que a Comissão podia com razão considerar, tendo em conta também a dimensão do mercado geográfico em causa (EEE), que o acordo constituía uma ‘infracção muito grave’ na acepção do ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão, das orientações» (28).

    57.   Na sequência desta análise, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância a) confirmou substancialmente a apreciação da infracção efectuada na decisão controvertida da Comissão; b) entendeu no entanto que, para assegurar o respeito do princípio da igualdade de tratamento e em conformidade com o teor das orientações, os aumentos ou as reduções determinados a título de circunstâncias agravantes ou atenuantes devem sem aplicados ao montante de base da coima e não, como fez a Comissão na decisão controvertida, ao montante de uma majoração anterior aplicada em resultado de outras circunstâncias agravantes ou atenuantes (29); e c) consequentemente, reduziu para 43 875 000 EUR o montante final da coima aplicada à ADM Company e à ADM Ingredients.

    2.      Tramitação no Tribunal de Justiça

    58.   Por recurso interposto em 19 de Setembro de 2003, a ADM Company e a ADM Ingredients pediram ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido na parte em que o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso da decisão controvertida ou, a título subsidiário, que anule ou reduza o montante das coimas que lhes foram aplicadas ou, igualmente a título subsidiário, que anule o acórdão e o remeta ao Tribunal de Primeira Instância; as recorrentes pediram ainda que a Comissão seja condenada nas despesas dos processos no Tribunal de Primeira Instância e no Tribunal de Justiça.

    59.   A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene as recorrentes nas despesas.

    III – Análise jurídica

    60.   As críticas das recorrentes ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância dizem respeito:

    i) à violação do princípio da não retroactividade no que diz respeito à aplicação das orientações a infracções antes da sua adopção;

    ii) à violação do princípio da igualdade de tratamento pelo facto de as recorrentes terem sido objecto de sanções diferentes das impostas às empresas que violaram o direito da concorrência na época do cartel da lisina;

    iii) à violação do princípio non bis in idem por não terem sido tomadas em consideração as coimas aplicadas às recorrentes pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá e à falta de fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância nesta matéria;

    iv) ao erro de apreciação das provas no que respeita ao impacto concreto do acordo no mercado;

    v) à violação do princípio da proporcionalidade por não ter sido tomado em consideração o volume de negócios das recorrentes no mercado em causa, à falta de fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância nesta matéria e ao erro de direito cometido pelo mesmo Tribunal por não ter tido em consideração o volume de negócios no mercado relevante depois de concluir que a Comissão violara as orientações;

    vi) à violação do princípio da igualdade de tratamento na determinação do montante de base da coima.

    61.   Passo agora a analisar as críticas na ordem seguida até aqui.

    1.      Quanto à violação do princípio da não retroactividade

    62.   Como já referi, com o primeiro fundamento do seu recurso as recorrentes sustentam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao considerar que a Comissão não violou o princípio da não retroactividade na decisão controvertida.

    63.   A este respeito, alegam que, como demonstram as suas decisões de 1994 relativas aos cartéis do cimento e do cartão, anteriores à adopção das orientações, a Comissão calculava habitualmente o montante das coimas com base no volume de negócios das empresas no mercado relevante. De acordo com este método de cálculo, o montante das coimas correspondia geralmente a uma percentagem entre 2,5% e 9% do referido volume de negócios. Contudo, ao preverem uma fórmula de cálculo que não atende de todo ao volume de negócios das empresas participantes na infracção, as orientações vieram alterar radicalmente a prática seguida pela Comissão até 1998.

    64.   Ora, como o próprio Tribunal de Primeira Instância reconhece, o princípio da não retroactividade exige que as sanções aplicadas a uma empresa em consequência de uma infracção às regras da concorrência correspondam às que estavam fixadas na altura em que a infracção foi cometida. Por conseguinte, a Comissão devia ter aplicado sanções às violações do direito da concorrência praticadas pelas recorrentes, de acordo com o método de cálculo utilizado na altura em que as infracções em causa foram cometidas.

    65.   Além disso, a Comissão não podia aplicar as orientações a factos cometidos antes da sua entrada em vigor, pois é jurisprudência assente que a Comissão não se pode afastar discricionariamente das regras que ela própria impôs. Este princípio é válido não só em relação a normas escritas mas também a uma prática consolidada, como a definida pela Comissão antes da adopção das orientações.

    66.   Por último, na opinião das recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, em especial, do acórdão Musique Diffusion française (30) que a Comissão tem o poder de decidir do nível das coimas para o adequar às exigências da política comunitária em matéria de concorrência.

    67.   As recorrentes observam que, mesmo admitindo que a Comissão tenha essa competência, esta está circunscrita pelos limites estabelecidos pelo direito comunitário. Em especial:

    –      as disposições relativas às infracções e às sanções devem ser interpretadas em sentido restrito e favorável ao sujeito a quem é imputada a infracção;

    –      ao proceder à fixação do montante das coimas, a Comissão tem que respeitar o princípio da segurança jurídica, de que o princípio da não retroactividade é a expressão e segundo o qual as empresas devem ter a possibilidade de prever as consequências dos seus comportamentos. Só assim, de resto, as coimas podem produzir um efeito suficientemente dissuasivo;

    –      o poder discricionário da Comissão deve ser limitado ao estritamente necessário para alcançar o objectivo prosseguido;

    –      a Comissão deve respeitar o princípio da não discriminação. Permitir que a Comissão aplique retroactivamente um determinado método de cálculo das coimas traduzir‑se‑ia numa discriminação injustificada entre empresas que cometeram infracções ao direito da concorrência no mesmo período, mas que foram objecto de sanções em épocas diferentes.

    68.   Por seu lado, a Comissão defende o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, respondendo o seguinte às alegações das recorrentes:

    –      no que toca à fixação do montante das coimas por violação das regras da concorrência, nunca houve uma prática assente e constante da Comissão no período anterior à adopção das orientações;

    –      mesmo admitindo a existência dessa prática, o acórdão Musique Diffusion française reconheceu à Comissão, dentro dos limites do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e no respeito dos princípios gerais de direito comunitário, o poder discricionário de se afastar de uma prática consolidada em matéria de coimas, no caso de isso ser necessário para a realização dos objectivos da política comunitária no domínio da concorrência;

    –      por conseguinte, mesmo que não existissem as orientações, a Comissão não teria tido qualquer impedimento em aplicar às recorrentes a coima que lhes impôs;

    –      ao contrário do que afirmam as recorrentes, o referido poder não é absoluto. Por um lado, é limitado pelas condições estabelecidas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17; por outro, as empresas tinham a possibilidade de conhecer as sanções por violação do direito da concorrência, pois estas encontram‑se expressamente previstas no mesmo artigo 15.°;

    –      é certo que a Comissão tem de respeitar o princípio da segurança jurídica, mas isso não exige que as empresas possam calcular antecipadamente e com exactidão o montante da coima que lhes pode ser aplicada por infracções do direito comunitário antitrust.

    69.   A Comissão recorda, além disso, que a aplicação das orientações a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor também não configura uma violação do artigo 7.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, várias vezes invocada pelas recorrentes.

    70.   Com efeito, no processo Coëme c. Bélgica, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu que não há violação do princípio da não retroactividade se a pena aplicada pudesse ter sido imposta na altura em que a infracção foi cometida. Dado que, no exercício do poder discricionário de que dispõe nesta matéria, já em 1995 a Comissão podia ter imposto às recorrentes a coima efectivamente aplicada, no caso vertente não se descortina qualquer violação do princípio da não retroactividade.

    71.   Ao propor ao Tribunal de Justiça uma resposta às alegações das recorrentes, não posso deixar de remeter para as conclusões que apresentei no processo Dansk Rørindustri e o./Comissão (31), nas quais fundamentei amplamente a minha posição sobre as referidas questões. Com efeito, também naqueles processos as recorrentes sustentaram que a aplicação das orientações a infracções do direito da concorrência, cometidas numa altura anterior à sua entrada em vigor, constituía uma violação do princípio da não retroactividade.

    72.   Ao remeter para as referidas conclusões a bem de uma exposição mais elaborada, permito‑me lembrar que propus ao Tribunal de Justiça que rejeitasse as teses das recorrentes. Com efeito, entendi, antes de tudo, que as orientações não excedem os limites previstos no artigo 15.° do Regulamento n.° 17, pois o cálculo das coimas continua a ser feito em função dos dois critérios indicados (gravidade da infracção e a sua duração) no respeito do limite máximo de 10%. Por outro lado, recordei a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da qual decorre que a Comissão pode proceder a um aumento e a um agravamento do nível das coimas a fim de tornar mais eficaz a sua política em matéria de concorrência (32), desde que se mantenha no quadro jurídico geral vigente no momento em que foram cometidas as infracções penalizadas. Desta jurisprudência resulta, além disso, que, ao invés do que afirmam as recorrentes, no momento em que foram cometidas as infracções penalizadas os operadores económicos interessados não podiam considerar imprevisível um agravamento do nível das sanções, pois o Tribunal de Justiça já tinha expressamente reconhecido à Comissão a faculdade de proceder a tais aumentos (33).

    73.   Por conseguinte, considerei nessas conclusões que não se podia falar em violação do princípio da não retroactividade por parte da Comissão, uma vez que, mesmo aplicando o novo método de cálculo definido nas orientações, a Comissão respeitou os limites previstos pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17, na interpretação que lhe foi dada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    74.   Como o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou, não vejo razão para modificar a opinião que manifestei em relação aos mencionados processos Dansk Rørindustri e o.

    75.   Nestes termos, entendo que o primeiro fundamento do recurso não deve proceder.

    2.      Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

    76.   Com o segundo fundamento, as recorrentes sustentam que a Comissão violou o princípio da igualdade, por ter calculado as sanções aplicadas a algumas empresas por infracções cometidas no mesmo período temporal de acordo o novo método previsto nas orientações e, em relação a outras, ter seguido a prática anterior.

    77.   No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância teria reconhecido que o princípio da igualdade de tratamento exige que as empresas que cometeram infracções da mesma natureza no mesmo período temporal sejam objecto das mesmas sanções, independentemente da data, necessariamente aleatória, em que é adoptada uma decisão a seu respeito. Isto apesar de ter considerado que, no caso vertente, não houve violação desse princípio, na convicção de que as orientações não alteraram o quadro jurídico fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

    78.   O Tribunal de Primeira Instância teria assim cometido um erro de direito. Com efeito, a alteração de uma prática administrativa constante implica uma alteração do quadro jurídico, uma vez que se traduz numa modificação das disposições jurídicas que a Comissão tem que observar.

    79.   Por seu lado, a Comissão contrapõe que os argumentos das recorrentes estão estreitamente ligados aos já expostos em relação às críticas relativas à alegada violação do princípio da não retroactividade, Por conseguinte, estariam feridos de falta de fundamentação, pelas razões já expostas.

    80.   A Comissão sustenta que, mesmo no período anterior à adopção das orientações, poderia ter aplicado o método de cálculo das coimas nelas previsto ou então aplicar sanções de montante equivalente. Por outras palavras, as sanções por violação das regras de concorrência a que as empresas estavam sujeitas antes de 1998 eram exactamente idênticas às previstas nas orientações.

    81.   A circunstância de as alterações aplicadas às empresas antes da adopção das orientações serem na prática menos elevadas era exclusivamente resultado de uma opção política da Comissão, que tem o poder discricionário de aumentar o nível das coimas a fim de incrementar a eficácia da política comunitária da concorrência, como o próprio Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão Musique Diffusion française.

    82.   Afirmo desde já que, tal como à Comissão, penso que a crítica formulada pelas recorrentes com o segundo fundamento não passa de uma reafirmação, com outra roupagem jurídica, dos argumentos já expostos relativamente à alegada violação do princípio da não retroactividade. Com efeito, as recorrentes queixam‑se de uma violação da igualdade de tratamento apenas pelo facto de o tratamento sancionatório de que foram objecto não ter sido idêntico ao reservado pela Comissão a outros acordos celebrados na época do cartel da lisina, mas objecto de decisões anteriores à adopção das orientações.

    83.   Por conseguinte, as recorrentes voltam a partir do pressuposto de que as orientações não podiam ser aplicáveis a violações do direito da concorrência anteriores à sua adopção, pois estavam sujeitas ao regime sancionatório em vigor no momento em que as infracções foram cometidas.

    84.   Como já se viu, esta tese não tem fundamento. Neste aspecto, remeto uma vez mais para as considerações dos n.os 70 e 71, supra, nas quais recordei que, no caso em apreço, a Comissão não violou o princípio da não retroactividade pois i) podia aumentar discricionariamente o nível geral das sanções, na condição de obedecer às disposições em matéria de coimas por violação do direito da concorrência em vigor quando foram cometidas as infracções controvertidas e ii) o método de cálculo previsto nas orientações é perfeitamente conforme com o contexto jurídico do artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

    85.   Nestes termos, considero que o segundo fundamento também não deve proceder.

    3.      Quanto à violação do princípio non bis in idem e à falta de fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância nesta matéria

    86.   Com o terceiro fundamento, as recorrentes criticam o acórdão do Tribunal de Primeira Instância por não ter declarado que a Comissão violou o princípio non bis in idem ao recusar deduzir da coima fixada na decisão impugnada o montante das multas já aplicadas à ADM Company nos Estados Unidos e no Canadá.

    87.   Com o quarto fundamento, as recorrentes acrescentam que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu adequadamente aos argumentos de que a Comissão também violou esse princípio por ter tido em conta o volume de negócios mundial da ADM Company, ou seja, um volume de negócios já parcialmente tomado em consideração no cálculo das sanções aplicadas pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá.

    88.   a) Começando pelo fundamento relativo a uma alegada violação do princípio non bis in idem, as recorrentes deduzem dos acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Walt Wilhelm e Boehringer que a Comissão era obrigada a ter em conta a pena aplicada pelas autoridades de um país terceiro ao mesmo comportamento ilícito. Essa obrigação constitui um princípio geral de direito aplicável a todas as situações de cumulação de sanções, mesmo quando estas resultam do exercício de poderes punitivos diferentes na ordem internacional. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância interpretou de modo demasiado restritivo a referida jurisprudência, ao declarar que «não existe actualmente um princípio de direito internacional público» (34) que proíba a cumulação de sanções, bem como quando limitou o alcance dos princípios enunciados nesses acórdãos às sanções aplicadas no interior da União Europeia.

    89.   Além disso, segundo as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou elementos de prova, violou o dever de fundamentação e lesou os direitos de defesa das recorrentes, ao afirmar que os factos imputados à ADM pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá, por outro, não eram idênticos, embora essa identidade decorresse claramente tanto da decisão da Comissão como dos elementos de prova produzidos pelas recorrentes.

    90.   Porém, no entender da Comissão, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância definiu correctamente o alcance do princípio non bis in idem. Isto porque, na sua opinião, a aplicação desse princípio na ordem internacional só pode resultar de normas convencionais; contudo, na situação actual, não há qualquer texto convencional que obrigue a Comissão a deduzir ou ter em conta as sanções aplicadas no estrangeiro.

    91.   Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância excluiu, com razão, que as infracções imputadas às recorrentes pela Comissão e pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá fossem idênticas. Como o Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão Boehringer, há que distinguir os factos celebrados a nível internacional que estão na origem de um acordo, decisão ou prática concertada (os «factos») e que podem eventualmente ser os mesmos, do respectivo objecto e âmbito de aplicação. No caso em apreço, a coima imposta pela Comissão diz unicamente respeito à aplicação do facto no território da EEE, ou seja, a factos diferentes dos imputados pelas autoridades dos países terceiros em questão.

    92.   Por meu lado, esclareço desde já que não subscrevo os argumentos das recorrentes.

    93.   Antes de mais, como o Tribunal de Primeira Instância decidiu no acórdão recorrido, também penso que, na situação actual e no domínio do direito internacional, não se pode considerar assente um princípio que proíbe as autoridades ou os órgãos jurisdicionais de Estados de julgar e punir uma pessoa pelos mesmos factos pelos quais foi julgada noutro Estado. Pelo contrário, o exercício do poder sancionatório é actualmente considerado pelos Estados como uma das mais importantes manifestações da sua soberania, pelo que resistem a renunciar ao seu exercício desse poder em relação a comportamentos ilícitos relacionados com a sua própria ordem jurídica, muito embora esses comportamentos já hajam sido objecto de processos instaurados pelas autoridades de outros Estados.

    94.   Aliás, os mesmos instrumentos multilaterais que consagram o princípio non bis in idem em geral limitam a sua aplicabilidade às decisões judiciais de um mesmo Estado.

    95.   A propósito, recorde‑se que, nos termos do artigo 14.°, n.° 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, «ninguém pode ser julgado ou punido novamente por uma infracção da qual já foi absolvido ou pela qual já foi condenado por sentença definitiva em conformidade com a lei e o processo penal de cada país». Ora, solicitado a pronunciar‑se sobre esta norma, o Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas esclareceu que esta disposição «prohibits double jeopardy only with regard to an offence adjudicated in a given State» (35).

    96.   Neste sentido, o artigo 4.° do Protocolo n.° 7 anexo à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais dispõe que «ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado pelo motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado» (36).

    97.   A jurisprudência internacional confirma claramente as minhas observações. Em especial, o Tribunal Penal Internacional para ex‑Jugoslávia não hesitou em reconhecer que «the principle of non bis in idem appears in some form as part of the internal legal code of many nations. Whether characterised as non bis in idem, double jeopardy or autrefois acquit, autrefois convict, this principle normally protects a person from being tried twice or punished twice for the same acts. This principle has gained a certain international status since it is articulated in Article 14(7) of the International Covenant on Civil and Political Rights as standard of a fair trial, but it is generally applied so as to cover only a double prosecution within the same State. The principle is binding upon this International Tribunal to the extent that it appears in Statute, and in the form it appears there» (37).

    98.   Essa linha de pensamento foi expressamente subscrita por alguns tribunais constitucionais nacionais (38). Por exemplo, o acórdão de 31 de Março de 1987 do Bundesverfassungsgericht alemão excluiu que o princípio em questão «possa ser visto como um princípio de direito internacional de reconhecimento geral» (39). Do mesmo modo, a Corte costituzionale italiana considerou igualmente, em pelo menos dois acórdãos, que o simples facto de o referido princípio ser comum a quase todas as ordens jurídicas nacionais não constitui motivo suficiente para o admitir como princípio geral de direito internacional aplicável às decisões dos órgãos jurisdicionais estrangeiros (40).

    99.   Por último, lembro que, num contexto integrado como é o comunitário, o princípio non bis in idem só se afirmou graças à sua previsão em normas convencionais específicas como a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen (artigo 54.°) (41), a Convenção relativa à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (artigo 7.°) e a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados‑Membros da União Europeia (artigo 10.°).

    100. Mas, mesmo que a premissa de que parte o raciocínio das recorrentes fosse fundada e que existisse um princípio geral de direito em cujos termos, na falta de normas convencionais específicas, o mesmo sujeito não pode ser punido várias vezes em Estados diferentes por um mesmo comportamento ilícito, a aplicação desse princípio está sujeita, como o Tribunal de Justiça recentemente recordou, «a uma tripla condição: identidade dos factos, unidade do infractor e unidade do interesse jurídico protegido» (42). Só nessas circunstâncias se poderia falar de uma situação de cumulação de sanções pertinente para efeitos da aplicação do princípio em questão. Portanto, ainda que se admitisse a existência deste último, haveria que apurar se as referidas condições estão preenchidas no caso em análise.

    101. Ora, parece‑me evidente que no caso em apreço falta pelo menos uma das referidas condições: a unidade do interesse jurídico protegido. Com efeito, como o Tribunal de Primeira Instância justificadamente salientou, «os processos accionados e as sanções aplicadas pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades americanas e canadianas, por outro, não prosseguem os mesmos objectivos. Se, no primeiro caso, se trata de preservar uma concorrência não falseada no território da União Europeia ou no EEE, a protecção pretendida diz respeito, no segundo caso, ao mercado americano ou canadiano» (43). Por conseguinte, esses processos não se destinam a «proteger o mesmo interesse jurídico» (44).

    102. Neste aspecto, basta lembrar que o pressuposto para a aplicação do direito comunitário relativamente aos acordos, decisões e práticas concertadas e, portanto, para a intervenção da Comissão, é precisamente a existência de um acordo, de uma decisão ou de uma prática concertada «que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros» ou «que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum» (n.° 1 do artigo 81.° CE). Não se verificando uma ou outra destas consequências, não há violação do n.° 1 do artigo 81.° CE.

    103. Daí que, quando a Comissão aplica sanções por um comportamento ilícito que, como no caso em apreço, pode ter origem numa única «estratégia internacional», visa salvaguardar um «interesse jurídico» específico, a livre concorrência no mercado comum, diferente do que é protegido pelas autoridades de países terceiros. A especificidade do interesse jurídico protegido não se reflecte apenas nos princípios e nas regras que caracterizam o direito comunitário da concorrência mas também nas apreciações da Comissão. Apreciações que consistem essencialmente em determinar pontualmente os efeitos dos presumíveis comportamentos anticoncorrenciais na estrutura económica específica do mercado comum e que podem divergir consideravelmente das eventualmente instituídas pelas autoridades estrangeiras.

    104. Acresce que, na minha opinião, o requisito da identidade do interesse jurídico protegido (requisito a que as teses das recorrentes não fazem qualquer menção) é um aspecto essencial da questão em análise, por estar intimamente associado ao objectivo fundamental de todos os sistemas sancionatórios: a identidade dos interesses e dos valores que a ordem jurídica entende dignos de protecção. Ora, pelas razões que acima expus, penso que, no caso em apreço, a resposta à questão relativa à identidade daqueles interesses e valores deve ser negativa.

    105. Portanto, não julgo que se possa tirar uma conclusão diferente da referência das recorrentes ao princípio enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Walt Wilhelm, segundo o qual, ao fixar a importância da coima, a Comissão deve ter em conta as sanções já aplicadas à empresa por factos cometidos em violação do direito da concorrência de um Estado‑Membro. Segundo as recorrentes, não há razão para não tornar este princípio da equidade ou de «justiça natural» extensível a decisões repressivas das autoridades de Estados terceiros.

    106. No entanto, como o Tribunal de Primeira Instância correctamente assinalou (45), o Tribunal de Justiça consignou o referido princípio tendo em consideração a situação particular vigente na Comunidade que resulta, por um lado, da estreita interdependência que existe entre os mercados nacionais dos Estados‑Membros e o mercado comum e, por outro, do sistema particular de repartição de competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas. Em especial, o direito comunitário e os direitos nacionais da concorrência consideram os acordos sob diversos aspectos, mesmo que complementares: «com efeito, o artigo [81.°] proíbe os acordos, decisões e práticas concertadas devido aos entraves que podem originar nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, ao passo que as legislações nacionais de cada Estado consideram os acordos num âmbito mais restrito» (46). Por conseguinte, é neste contexto específico, em que os mesmos «factos ocorridos no território comunitário» (47) podem originar processos paralelos perante as autoridades nacionais e comunitárias que o Tribunal de Justiça declarou que, sempre que «a possibilidade de um duplo julgamento implique a possibilidade de uma dupla sanção, uma condição geral de equidade [...] exige que se tenha em conta, na fixação da sanção, anteriores decisões punitivas» (48).

    107. A este propósito, observe‑se que, desde a época em que o Tribunal de Justiça proferiu o acórdão Walt Wilhelm (há mais de trinta anos), os aspectos de interdependência e de integração dos sistemas comunitários e nacionais de protecção da concorrência que inspiraram aquela decisão foram consideravelmente reforçados, especialmente mediante a descentralização da aplicação do direito comunitário antitrust introduzido pelo recente Regulamento n.° 1/2003 (49). Criou‑se assim um originalíssimo regime no qual, no âmbito e dentro dos limites das respectivas competências, a Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros mantêm realmente «em comum» o jogo da livre concorrência no território comunitário (50).

    108. Completamente diferente é a situação do caso em apreço, no qual estão em causa sanções impostas pelas autoridades que exercem a sua actuação em âmbitos completamente diferentes. Penso que isto explica por que motivo a obrigação da Comissão de ter em conta sanções já aplicadas só foi expressamente reconhecida pelo Tribunal de Justiça em relação a decisões de autoridades dos Estados‑Membros (51).

    109. Portanto, entendo que o Tribunal de Primeira Instância declarou acertadamente, no n.° 100 do acórdão recorrido, que o caso presente não é comparável às situações em que, segundo a jurisprudência comunitária, a Comissão está sujeita à referida obrigação.

    110. Todavia, poder‑se‑ia colocar a questão de saber se, fora do contexto tão especial das relações entre o direito comunitário no domínio da concorrência e as ordens jurídicas dos Estados‑Membros, a Comissão não deveria também ter em conta noutras circunstâncias, por razões de equidade, decisões repressivas adoptadas por autoridades estrangeiras. Penso sobretudo na situação, peculiar mas não de todo improvável, do mercado de um produto completamente integrado no plano mundial, caracterizado por condições de concorrência inteiramente homogéneas a nível internacional. Nesse caso, uma situação de cumulação de sanções podia ser considerada excessiva dado que as sanções aplicadas pelas diversas autoridades visariam todas punir o prejuízo causado a uma única estrutura concorrencial global.

    111. No entanto, devo dizer que mesmo que a tendência fosse nesse sentido, não penso que a minha conclusão seria diferente, pois no caso em apreço não se verificam as condições previstas na hipótese. Com efeito, no caso vertente, a Comissão – e o Tribunal de Primeira Instância não contestou essa análise – i) referiu‑se explicitamente ao «mercado da lisina no EEE» e ii) confirmou a participação das recorrentes em acordos sobre preços e volumes de vendas que diziam específica e expressamente respeito a este mercado, apesar de fazerem parte de um conjunto de acordos e de práticas concertadas a nível mundial (52).

    112. b) Com o quarto fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância não cumpriu o dever de fundamentação a que está obrigado nos termos do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Com efeito, não teria respondido ao argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão também violou o princípio da proibição da cumulação de sanções tendo em conta o volume de negócios mundial da ADM Company, ou seja, um volume de negócios que inclui o realizado nos Estados Unidos, embora este último já tivesse sido tomado em consideração pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá no cálculo das coimas que aplicaram.

    113. A título preliminar, vale a pena recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve ser suficientemente clara e completa quer para permitir aos interessados conhecer o seu conteúdo e examinar, se for caso disso, a oportunidade de pôr em causa a legalidade da decisão, quer para o Tribunal de Justiça poder exercer a fiscalização jurisdicional (53). No entanto, o Tribunal de Justiça esclareceu também que «o dever de fundamentação não impõe ao Tribunal de Primeira Instância uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulados pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser sucinta, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que as medidas em questão foram tomadas e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização» (54).

    114. Uma vez isto esclarecido, há que observar que a questão em análise dependia da solução dada pelo Tribunal de Primeira Instância à questão mais ampla da existência e da aplicabilidade do princípio da proibição de cumulação de sanções. Com efeito, é evidente que se fosse excluída a aplicação deste princípio no caso em apreço, a Comissão não poderia tê‑lo violado tendo em consideração o volume mundial de negócios da ADM Company.

    115. Ora, o Tribunal de Primeira Instância excluiu a aplicação do princípio non bis in idem na sequência de uma análise circunstanciada dos argumentos das partes, desenvolvida nos n.os 85‑104 do acórdão recorrido. Tendo chegado a essa conclusão, deduziu logicamente que também não havia violação do mesmo princípio pelo facto de da Comissão ter tido em conta um volume de negócios já parcialmente tomado em consideração no cálculo de sanções aplicadas pelas autoridades de países terceiros (55).

    116. Consequentemente, penso que o acórdão expõe de modo claro e completo, em conformidade com os requisitos da jurisprudência acima citada, o raciocínio que levou o Tribunal de Primeira Instância a julgar improcedentes os argumentos das recorrentes relativos à tomada em consideração do volume de negócios global da ADM Company.

    117. Nestas circunstâncias, concluo que no caso em apreço o Tribunal de Primeira Instância não violou o dever de fundamentação.

    118. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes os terceiro e quarto fundamentos.

    4.      Quanto à desvirtuação dos elementos de prova no que se refere ao impacto concreto do acordo no mercado

    119. Com o quinto fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os elementos de prova relativos ao impacto concreto do acordo no mercado da lisina no EEE. Em especial, ao contrário do exigido pela jurisprudência comunitária, a Comissão não provou que os preços praticados pelos membros do cartel atingiram um nível superior ao que se teria verificado se não tivesse havido infracção do direito da concorrência. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância concluiu erradamente que a Comissão «fez prova bastante do impacto negativo do acordo no mercado» (56).

    120. Antes de passar à análise do fundamento, há que recordar sucintamente que, nos termos do artigo 225.° CE e do artigo 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o recurso para o Tribunal de Justiça «é limitado às questões de direito». Daqui resulta que a apreciação dos factos, salvo o caso de desvirtuamento dos elementos de prova apresentados no Tribunal de Primeira Instância, não constitui uma questão de direito e, por isso, não está sujeito à fiscalização do Tribunal de Justiça (57).

    121. Relativamente à questão da desvirtuação dos elementos de prova por parte do Tribunal de Primeira Instância, a jurisprudência esclareceu que «os artigos 225.° CE, 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento de Processo impõem, em especial, ao recorrente que alega desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância que indique de modo preciso os elementos que por este foram desvirtuados e que demonstre os erros de análise que, do seu ponto de vista, levaram o Tribunal de Primeira Instância a essa desvirtuação» (58).

    122. Em especial, não preenche os requisitos das mencionadas disposições um recurso que, sem incluir qualquer argumento especificamente destinado a identificar a eventual desvirtuação de elementos de prova, se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados ao Tribunal de Primeira Instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por este. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça (59).

    123. Esclarecido este ponto, há antes de mais que constatar que, no seu recurso, as recorrentes, contrariamente aos requisitos previstos na referida jurisprudência, não explicam por que razão o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou as provas que lhe foram apresentadas, limitando‑se essencialmente a afirmar que a Comissão não demonstrou que o nível dos preços no mercado da lisina na sequência das conclusões do cartel era superior ao que seria sem o acordo. Perante essa inexistência de provas, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter acolhido os argumentos apresentados pelas recorrentes, em especial os constantes de dois estudos económicos apresentados à Comissão no decurso do processo administrativo e susceptíveis de demonstrar que o acordo não teve efeitos anticoncorrenciais.

    124. Penso que a crítica das recorrentes ao raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância é infundada. Com efeito, do teor da decisão e do acórdão recorrido resulta efectivamente que a Comissão forneceu uma série de elementos de prova relativamente ao aumento dos preços provocado pelo acordo e que estes elementos foram exaustivamente examinados pelo Tribunal de Primeira Instância, o qual salientou que alguns desses elementos nem sequer foram contestados pelas recorrentes (60). Observo ainda que o órgão jurisdicional de primeira instância analisou as contra‑alegações apresentadas pelas recorrentes antes de concluir que não permitiam contradizer os elementos de prova fornecidos pela Comissão (61).

    125. Por conseguinte, o fundamento apresentado pelas recorrentes não inclui qualquer indicação adequada para demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou elementos de prova. Mas sobretudo, ao retomar argumentos já rejeitados pelo Tribunal de Primeira Instância, visa na realidade contestar a análise desenvolvida por esse órgão jurisdicional quanto ao impacto anticoncorrencial do cartel e, por conseguinte, contestar uma apreciação dos factos que, como acima recordei, não está em discussão no âmbito do presente processo.

    126. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça julgue este fundamento inadmissível.

    5.      Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

    127. Com os sexto, sétimo e oitavo fundamentos, as recorrentes suscitaram diversas questões atinentes a uma alegada violação do princípio da proporcionalidade. Por facilidade de exposição, analisarei em primeiro lugar a crítica constante do oitavo fundamento.

    128. a) Com esse fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da proporcionalidade ao considerar que a coima que lhes foi aplicada não era proporcionada em relação ao volume de negócios por elas realizado no mercado em causa, ou seja, no mercado da lisina no EEE.

    129. Na opinião das recorrentes, decorre da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância e do Tribunal de Justiça, em especial dos acórdãos KNP (62) e Parker Pen (63), que no processo de determinação do montante das coimas a Comissão é obrigada a ter em conta o volume de negócios realizado pelas empresas em questão no mercado em causa.

    130. Daí resulta que, no caso de a Comissão não ter tido em conta esse volume de negócios, a coima seria necessariamente desproporcionada. Na verdade, estaria demonstrado no caso em apreço, no qual a coima aplicada à ADM Company e à ADM Ingredients representa mais de 115% do total do volume de negócios destas empresas no mercado relevante.

    131. Por seu lado, a Comissão replica que, para efeitos da determinação do montante da coima, nem as orientações nem a jurisprudência comunitária a obrigam a ter em conta o volume de negócios realizado pelas empresas no mercado relevante. De resto, esse volume de negócios é apenas um dos diversos elementos que a Comissão pode ter em conta para esse efeito.

    132. Por outro lado, segundo a Comissão, exigir que as coimas sejam proporcionais ao volume de negócios realizado no mercado relevante não permite determinar uma coima efectivamente proporcional à duração e à gravidade da infracção, como exige o n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17. A Comissão deve antes ter em conta toda uma série de elementos que levem a determinar o montante das coimas de forma suficientemente dissuasiva. No caso vertente, esses elementos foram tomados em consideração.

    133. Por último, a Comissão alega que a jurisprudência citada pelas recorrentes em apoio das suas teses não é pertinente.

    134. Quanto ao caso KNP, mesmo admitindo que nesse acórdão o Tribunal de Justiça tenha decidido que as coimas devem ser proporcionais ao volume de negócios realizado no mercado relevante, esclareceu porém que essa conclusão, como acertadamente decidiu o Tribunal de Primeira Instância, está estreitamente ligada à situação concreta daquele caso e não constitui um princípio geral a que a Comissão esteja vinculada.

    135. Quanto ao acórdão Parker Pen, a Comissão salienta que, nesse caso, o Tribunal de Primeira Instância não a forçou de modo algum a ter em conta o volume de negócios realizado pelas empresas no mercado relevante. O Tribunal de Primeira Instância devia apenas ter chamado a atenção da Comissão no sentido de atribuir uma importância proporcionada ao volume de negócios global, uma vez que o realizado no mercado em causa representa apenas uma pequena parte do volume de negócios global. Apesar disso, o Tribunal de Primeira Instância confirmou que o volume de negócios no mercado em causa é apenas um dos vários elementos que a Comissão pode tomar em consideração no processo de determinação da coima.

    136. Por outro lado, o processo Parker Pen é totalmente diferente do caso em apreço, uma vez que esteve em causa um acordo vertical. Com efeito, tratando‑se de um acordo vertical, era lógico que se tomasse em consideração o volume de negócios do distribuidor, a Parker Pen, no mercado do produto objecto do acordo. Esta jurisprudência não pode ser transposta para o presente caso, em que está em causa um acordo horizontal.

    137. Na minha opinião, penso oportuno esclarecer, a título preliminar, que a apreciação da proporcionalidade de uma coima em relação à gravidade e à duração da infracção se inscreve na fiscalização de plena jurisdição confiada ao Tribunal de Primeira Instância pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17. Por conseguinte, só o Tribunal de Primeira Instância é competente para fiscalizar o modo como a Comissão apreciou pontualmente a gravidade e a duração dos comportamentos ilícitos (64).

    138. No âmbito de um recurso do Tribunal de Primeira Instância, essa fiscalização não pode traduzir‑se apenas em verificar se o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração, de forma juridicamente correcta, todos os factores essenciais para a apreciação da infracção e se cometeu erros de direito ao analisar as questões suscitadas pelas recorrentes (65).

    139. No que toca ao alegado carácter desproporcionado da coima, há que recordar que não compete ao Tribunal de Justiça substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, do direito comunitário (66).

    140. Daqui decorre que também no caso em apreço a análise do Tribunal de Justiça deve limitar‑se a verificar se, ao confirmar os critérios utilizados pela Comissão para a fixação das coimas e ao controlar ou mesmo ao corrigir a sua aplicação, o Tribunal de Primeira Instância respeitou ou não o princípio da proporcionalidade (67).

    141. Tendo em conta os referidos limites da fiscalização do Tribunal de Justiça, passo agora à análise das críticas formuladas pelas recorrentes.

    142. A este respeito, devo reconhecer que, no acórdão recorrido, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância quanto a este ponto específico não é muito clara. Com efeito, ao examinar se na decisão impugnada a Comissão respeitou o princípio da proporcionalidade, aquele órgão jurisdicional:

    –      lembrou que, segundo as orientações, a gravidade das infracções é determinada em função de uma variedade de elementos (n.° 183);

    –      esclareceu que as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa, mas também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para determinar o montante da coima (n.° 187);

    –      considerou pacífico que no processo de fixação do montante das coimas a Comissão não teve em conta o volume de negócios realizado pelas empresas em causa no mercado da lisina no EEE, mas o volume de negócios global mundial e o volume de negócios mundial no mercado da lisina (n.os 191 e 192);

    –      sublinhou que a Comissão não fez referência explícita ao facto de se ter em conta o peso específico e, portanto, ao impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência (n.° 194);

    –      observou que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «a parte do volume de negócios que provém da venda das mercadorias alvo da infracção é susceptível de dar uma indicação correcta da extensão da infracção no mercado em causa» (68) (n.° 196);

    –      concluiu que, ao não ter em consideração o volume de negócios no mercado em causa, a Comissão violou as orientações uma vez que estas exigem que seja tida em conta a «real capacidade económica» e o «peso específico» das empresas interessadas (n.° 197).

    143. Não obstante, substituindo a sua apreciação à da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, em todo o caso, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade, pois i) não se podia deduzir da jurisprudência um princípio que impusesse à Comissão ter obrigatoriamente em consideração o volume de negócios das empresas no mercado em causa; ii) volume de negócios correspondente às vendas de lisina no EEE constituía uma quota relativamente importante do volume de negócios das recorrentes no mercado mundial da lisina e iii) o montante de base da coima não foi determinado por meio de um simples cálculo baseado no volume de negócios total mas também em função de outros elementos relevantes (n.os 200‑205).

    144. A fundamentação do Tribunal de Primeira Instância parece contraditória. Num primeiro momento, o órgão jurisdicional de primeira instância parece ter concluído que a Comissão devia calcular o montante da coima tendo em conta o volume de negócios das empresas no mercado relevante. No entanto, posteriormente, não hesitou em declarar que da jurisprudência do Tribunal de Justiça não era possível deduzir a existência dessa obrigação e que, por conseguinte, a coima foi correctamente calculada.

    145. Por conseguinte, devido às incertezas do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, penso que vale a pena apurar se as mesmas levaram a erros de apreciação susceptíveis de viciar as conclusões a que chegou o órgão jurisdicional de primeira instância.

    146. Começo esta análise recordando, como fiz nas conclusões que apresentei nos processos apensos Dansk Rørindustri e o. (69), que, segundo jurisprudência constante, a Comissão dispõe de uma margem de discricionariedade bastante ampla no que respeita à escolha dos elementos a ter em consideração para efeitos de determinação do montante das coimas. Como o próprio Tribunal de Justiça observou, «a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração» (70). Entre estes elementos pode incluir‑se, a título de exemplo, o contexto económico jurídico em que se situa a infracção (71).

    147. No que se refere, em especial, à tomada em consideração do volume de negócios da empresa, o Tribunal de Justiça esclareceu que, «ao fixar o montante da coima, é possível ter em conta tanto o volume de negócios total da empresa [...] como a parte desse volume de negócios correspondente às mercadorias objecto da infracção [sem que se deva] atribuir a algum destes elementos um peso excessivo em relação a outros critérios de apreciação» (72).

    148. Destas afirmações decorre que, pese embora a utilidade e a relevância das indicações relativas ao poder económico da empresa, o volume de negócios global e o volume de negócios no mercado em causa são apenas dois dos diversos factores que a Comissão pode ter em conta na apreciação da gravidade da infracção. Portanto, a Comissão não é obrigada a ter em consideração o volume de negócios das empresas no mercado relevante.

    149. Em meu entender, o que afirmei não é contrariado pelas conclusões do Tribunal de Justiça no processo KNP, para o qual as recorrentes remetem várias vezes no seu recurso. A este respeito, recordo que, nesse caso, a recorrente argumentou que a Comissão tinha erradamente tido em conta, na fixação da coima, as vendas no interior do grupo em questão, ou seja, uma parte do volume de negócios no mercado relevante. É à luz destas circunstâncias que se justifica a conclusão do Tribunal de Justiça, nos n.os 61 e 62 do referido acórdão, de que a tomada em consideração do volume de negócios no mercado em causa, incluindo o resultante das vendas no interior do grupo, é importante para garantir o carácter proporcionado da coima, evitando, em especial, beneficiar sem justificação as empresas integradas verticalmente.

    150. Por isso, ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância parece concluir, essa obrigação também não decorre do teor das orientações.

    151. A este respeito, as orientações limitam‑se a convidar a Comissão a «tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores» (ponto A, quarto parágrafo) e a considerar que, «[n]o caso de infracções em que participem várias empresas (tipo cartéis), poderão ponderar‑se, em certos casos, os montantes de base determinados no âmbito de cada um dos três referidos grupos, a fim de se ter em conta o peso específico e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza» (ponto A, sexto parágrafo).

    152. Por outras palavras, ao determinar o montante da coima, a Comissão deve zelar para que a mesma seja proporcionada ao peso específico e ao impacto real que o comportamento da empresa participante no acordo teve no mercado. Mas, ao fazê‑lo, não é obrigada a considerar o volume de negócios da referida empresa no mercado relevante, o que, aliás, nem sequer é expressamente referido nas orientações. A Comissão, como há pouco afirmei e acertadamente salientou o Tribunal de Primeira Instância, calculou o montante das coimas em função da dimensão e dos recursos das empresas interessadas, tendo em contra outros elementos relevantes como o seu volume de negócios total e o volume de negócios mundial no sector da lisina. Com base nestes critérios, a Comissão dividiu os membros do cartel em dois grupos «por forma a tomar em consideração a capacidade efectiva das empresas em causa para provocar danos significativos no mercado da lisina no EEE e a necessidade de garantir que o montante da coima produza um efeito suficientemente dissuasivo» (73), impondo montantes de base da coima diferentes para cada grupo.

    153. De resto, não se deve esquecer que em muitos casos é precisamente o volume de negócios mundial (total ou sectorial) que constitui o principal indicador do poder económico da empresa e que apoia a aplicação de uma coima mais elevada. É o que, em minha opinião, acontece no caso de empresas multinacionais que operam a nível mundial, podendo ter um volume de negócios global muito elevado e um volume de negócios muito inferior no mercado em causa.

    154. Por último, não se pode deixar de observar que a apreciação do volume de negócios no mercado relevante nem sequer é imposta pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17, que se refere exclusivamente ao volume de negócios global das empresas no exercício social imediatamente anterior.

    155. Resulta do exposto que, se a sua fundamentação for entendida neste sentido, o Tribunal de Primeira Instância errou ao concluir que a Comissão violou as orientações por não ter tomado em consideração o volume de negócios das empresas em causa no mercado relevante.

    156. No entanto, há que indagar se o erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância é suficiente para invalidar a conclusão a que este chegou, segundo a qual o montante da coima deve ser considerado sempre proporcionado com base nos outros factores tidos em consideração pela Comissão. Como se sabe, segundo jurisprudência constante, «embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância contenham uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto» (74).

    157. Como há pouco salientei, o cálculo das coimas aplicadas pela Comissão e confirmadas pelo Tribunal de Primeira Instância teve devidamente em consideração a disparidade da dimensão e dos recursos dos participantes no cartel. Por conseguinte, é de concluir que, mesmo que no acórdão haja um erro de direito também neste aspecto, o seu dispositivo permanece fundado.

    158. Nestas circunstâncias, considero que o oitavo fundamento não procede.

    159. b) Com o sexto fundamento, as recorrentes alegam que, tendo concluído que a Comissão violou as orientações, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito por não ter tomado em consideração o volume de negócios das recorrentes no mercado relevante e, consequentemente, por não ter fixado o montante correcto da coima.

    160. A respeito, sem prejuízo de quanto foi dito relativamente à inexistência de uma violação das orientações por parte da Comissão, é possível lembrar que, na apreciação do processo seguido para a determinação do montante das coimas, o Tribunal de Primeira Instância também pode exercer uma fiscalização quanto ao mérito. Desse modo, pode substituir a sua própria apreciação à da Comissão, se considerar que esta última violou normas ou princípios de direito.

    161. Foi precisamente o que aconteceu no caso em apreço. Com efeito, tendo considerado que a Comissão aplicou erradamente as orientações, o Tribunal de Primeira Instância procedeu à sua própria apreciação e concluiu que a coima aplicada não era desproporcionada.

    162. Por conseguinte, o sexto fundamento também não deve proceder.

    163. c) Por último, com o sétimo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância violou o dever de fundamentação das suas decisões ao considerar que a coima aplicada às recorrentes foi proporcionada apesar de a Comissão ter aplicado erradamente as orientações.

    164. Como é natural, a opinião da Comissão é diferente.

    165. A este respeito, recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e como observei acima (v., supra, n.° 109), a fundamentação de um acórdão pode ser sucinta, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que as medidas em questão foram tomadas e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (75).

    166. Assim, penso que, embora sem excluir que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu explicitamente a um ou outro argumento específico, o acórdão recorrido cumpre o dever de fundamentação. Com efeito, depois de ter declarado que a Comissão violou as disposições das orientações, o Tribunal de Primeira Instância averiguou se essa violação implicou uma infracção do princípio da proporcionalidade, tendo concluído que a Comissão respeitou esse princípio e enunciado claramente as razões pelas quais foi possível chegar a essa conclusão.

    167. Antes de mais, o Tribunal de Primeira Instância recordou que o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 impõe que o montante final da coima não exceda 10% do volume de negócios total da empresa, precisamente para permitir que a coima seja proporcionada ao poder económico da empresa. Quando, como no caso em apreço, o montante da coima não excede aquele limite, a coima deve ser considerada proporcionada.

    168. Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância, refutando as alegações, não aceitou a opinião das recorrentes segundo as quais a jurisprudência comunitária obrigava a Comissão a ter em conta o volume de negócios no mercado relevante.

    169. Finalmente, o Tribunal de Primeira Instância teve o cuidado de salientar que, mesmo admitindo a existência dessa obrigação, o método de determinação das coimas seguido pela Comissão na decisão controvertida não resultou numa coima desproporcionada. O volume de negócios correspondente às vendas de lisina no EEE representava uma parte bastante considerável do volume de negócios das recorrentes no mercado mundial da lisina. Em todo o caso, o montante de base da coima não foi determinado unicamente com base num simples cálculo baseado no volume de negócios global mas também no volume de negócios sectorial e noutros elementos relevantes como a natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado, a extensão do mercado afectado, o necessário alcance dissuasivo da sanção, a dimensão e o poder das empresas (76).

    170. Por conseguinte, penso que o sétimo fundamento também não deve proceder.

    6.      Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento na determinação do montante de base da coima

    171. Por último, com o nono fundamento, as recorrentes alegam que, tendo dado o seu aval à fixação por parte da Comissão, para efeitos do cálculo da coima, de um montante de base igual para a ADM e para a Ajinomoto, o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da igualdade de tratamento, apesar de a Ajinomoto deter uma quota do mercado relevante (o mercado da lisina no EEE) equivalente a cerca do dobro da quota da ADM. Assim, empresas de dimensão diferente seriam tratadas de forma igual. À luz da diferença de dimensão e do facto de o Tribunal de Primeira Instância ter considerado que a Comissão deve sempre ter em conta o volume de negócios no mercado relevante, o órgão jurisdicional de primeira instância devia ter reduzido o montante de base da coima aplicada à ADM.

    172. Por meu lado, observo, antes do mais, que o fundamento em análise parte da premissa, quanto a mim errada, de que no processo de determinação do montante das coimas a Comissão tem que tomar em consideração o volume de negócios no mercado relevante. Ora, como já antes procurei demonstrar (v., supra, n.os 142‑151), não é possível inferir a existência dessa obrigação da jurisprudência comunitária, do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e nem sequer do teor das orientações.

    173. Em consequência, ao contrário do que sustentam as recorrentes, os montantes de base em questão não podem ser considerados discriminatórios apenas pelo facto de não terem sido determinados em função do respectivo volume de negócios no mercado relevante.

    174. Uma vez isto esclarecido, poder‑se‑ia ainda assim colocar a hipótese de violações do princípio da igualdade de tratamento se o Tribunal de Primeira Instância tivesse considerado legítimo o montante de base aplicado à ADM Company, apesar de a situação desta ser diferente da situação da Ajinomoto, para a qual foi calculado um montante de base idêntico. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência constante, esse princípio só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual modo, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (77).

    175. No entanto, penso que nem mesmo nesta perspectiva houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

    176. A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a Comissão determinou o montante de base das coimas em função de um conjunto de factores incluindo a dimensão e o poder económico das empresas em causa (78). Para ter em conta este último elemento, a Comissão dividiu as empresas em dois grupos, em função do volume de negócios mundial total e do volume de negócios mundial no mercado da lisina (79) e, com base nessa comparação, concluiu que devia ser aplicado um montante de base mais elevado à ADM Company e à Ajinomoto.

    177. Por conseguinte, é em relação aos dois critérios utilizados pela Comissão (volume de negócios mundial total e volume de negócios mundial no sector da lisina), e aceites pelo Tribunal de Primeira Instância, para delimitar os dois grupos que se deve apurar se as recorrentes foram objecto de tratamento discriminatório.

    178. Ora, da análise dos dados fornecidos pelas próprias recorrentes nas suas alegações decorre que, para os dois tipos de volumes de negócios considerados pela Comissão, o volume de negócios da ADM Company foi nitidamente superior ao de todas as outras empresas participantes no acordo, incluindo, embora em menor medida, o da Ajinomoto (80).

    179. Nestes termos, julgo poder concluir no sentido de que a determinação dos montantes de base, que corresponde a critérios objectivos e tem uma certa coerência interna (81), não deu lugar a uma violação do princípio da igualdade de tratamento em prejuízo das recorrentes.

    180. Por conseguinte, este fundamento não procede.

    181. Em conclusão, sublinho que nenhuma das críticas formuladas pelas recorrentes é fundada, pelo que o seu recurso não deve obter provimento.

    IV – Quanto às despesas

    182. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo e tendo em consideração as conclusões no sentido de ser negado provimento ao recurso, proponho que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

    V –    Conclusões

    183. À luz das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que:

    «1)      Negue provimento ao recurso.

    2)      Condene a Archer Daniels Midland Company e a Archer Daniels Midland Ingredients Ltd nas despesas.»


    1 – Língua original: italiano.


    2 – Colect., p. II‑2597.


    3 – JO 2001, L 152, p. 24.


    4 – JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22.


    5 – JO 1998, C 9, p. 3.


    6 – As orientações estabelecem montantes fixos que, em função da gravidade das infracções e da sua duração, constituirão o montante de base de cálculo da coima. Para as infracções «pouco graves», a coima aplicável varia entre 1 000 a 1 milhão de euros; para as «graves», vai de 1 milhão a 20 milhões de euros e para as infracções «muito graves» os montantes previstos são superiores a 20 milhões de euros (n.° 1, parte A, das orientações).


    7 – O n.° 2 das orientações prevê um «[a]umento do montante de base em função de circunstâncias agravantes específicas, como, por exemplo:



    – reincidência da ou das mesmas empresas relativamente a uma infracção do mesmo tipo;



    – recusa de qualquer cooperação, ou mesmo tentativas de obstrução durante o desenrolar da investigação;



    – papel de líder ou de instigador da infracção;



    – medidas de retaliação em relação a outras empresas para fazer ‘respeitar’ as decisões ou práticas ilícitas;



    – necessidade de majorar a sanção para ultrapassar o montante dos ganhos ilícitos obtidos graças à infracção quando tal estimativa for objectivamente possível;



    – outras».


    8– Neste sentido, o n.° 3 das orientações prevê a «[d]iminuição do montante de base em função de circunstâncias atenuantes específicas, como, por exemplo:



    – um papel exclusivamente passivo ou ‘seguidista’ na infracção cometida;



    – a não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos;



    – o ter posto termo às infracções desde as primeiras intervenções da Comissão (nomeadamente verificações);



    – a existência de dúvidas razoáveis da empresa sobre o carácter de infracção do comportamento restritivo;



    – as infracções cometidas por negligência e não de forma deliberada;



    – a colaboração efectiva da empresa no processo, fora do âmbito de aplicação da comunicação de 18 de Julho de 1996 sobre a não imposição ou a redução do montante das coimas;



    – outras».


    9 –      Lembro que, segundo o artigo 1.° da decisão impugnada, a ADM Company e a ADM Ingredients participaram no acordo alvo da sanção, no período compreendido entre 23 de Junho de 1992 e 27 de Junho de 1995.


    10 – N.° 191 do acórdão recorrido.


    11Ibidem, n.° 41.


    12Ibidem, n.° 51.


    13Ibidem, n.os 70‑73.


    14Ibidem, n.° 208.


    15Ibidem, n.° 210.


    16Ibidem, n.os 212‑213.


    17Ibidem, n.os 89‑91.


    18Ibidem, n.° 92.


    19 – Acórdão de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer/Comissão (7/72, Colect., p. 447).


    20 – Acórdão recorrido, n.° 98.


    21Ibidem, n.os 99 e 100.


    22Ibidem, n.os 101 e 102.


    23Ibidem, n.os 103 e 104.


    24Ibidem, n.° 197.


    25Ibidem, n.° 200. O sublinhado é meu.


    26Ibidem, n.os 204 e 205.


    27Ibidem, n.os 142 e 169.


    28Ibidem, n.° 171.


    29Ibidem, n.os 371‑380.


    30 – Acórdão de 7 Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825).


    31 – Conclusões apresentadas em 8 de Julho de 2004 nos processos apensos C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑231/02 P, Dansk Rørindustri e o. (ainda não publicadas na Colectânea).


    32Ibidem, n.os 159‑165.


    33Ibidem, n.os 155‑160.


    34 – N.° 92 do acórdão recorrido.


    35 – Decisão de 2 de Novembro de 1987, AP/Itália, comunicação n.° 204/1986. O sublinhado é meu.


    36 – O sublinhado é meu.


    37 – Decision on the Defence Motion on the Principle of Non‑bis‑in‑idem, Prosecutor v. Tadic, Case No. IT‑94‑1, T.Ch. II, 14 Nov. 1995. O sublinhado é meu.


    38 – Aliás, recorde‑se que, pelo que é possível perceber, embora a maior parte das ordens jurídicas dos Estados da comunidade internacional consagrem o princípio non bis in idem, prevêem em regra que este princípio só é aplicável na ordem interna. Por exemplo, se não estou em erro, entre as ordens jurídicas da União Europeia só a neerlandesa reconhece às decisões estrangeiras eficácia preclusiva plena análoga à das internas.


    39 – Acórdão de 31 de Março de 1987, 2 BvM 2/86. Tradução não oficial.


    40 – Corte Costituzionale italiana, 18 de Abril de 1867, n.° 48, in Giur. Cost., 1967, I, p. 299; e 8 de Abril de 1967, n.° 69, in Giur. Cost., 1976, p. 432.


    41 – Relativamente a esta Convenção, parece‑me significativo que, embora acolhendo o princípio non bis in idem nas relações entre os Estados contratantes, prevê no seu artigo 55.° a possibilidade de derrogar esse princípio em determinadas circunstâncias.


    42 – Acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑2005/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P, C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 338).


    43 – N.° 90 do acórdão recorrido. O sublinhado é meu. V., também, acórdão de 18 de Novembro de 1987 (137/85, Maizena, Colect., p. 4587), no qual o Tribunal de Justiça afastou a hipótese de uma violação do princípio non bis in idem pelo facto de as duas cauções exigidas ao mesmo sujeito pelos mesmos factos terem «objectivos completamente diferentes» (n.os 22 e 23).


    44 – V. acórdão Aalborg Portland e o., já referido, n.° 338: «Quanto ao respeito do princípio non bis in idem, recorde‑se que a aplicação deste princípio [...] proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo interesse jurídico.»


    45 – N.° 99 do acórdão recorrido e jurisprudência aí citada.


    46 – N.° 3 do acórdão Walt Wilhelm, já referido.


    47 – N.° 3 do acórdão Boehringer, já referido.


    48 – N.° 11 do acórdão Walt Wilhelm, já referido.


    49 – Regulamento (CE) do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1). Lembro que este novo regime instituiu um sistema de «competências paralelas», baseado na aplicabilidade das regras antitrust do Tratado não só por parte da Comissão mas também pelas autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais. Em especial, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem actualmente aplicar o n.° 3 do artigo 81.° CE, que prevê a possibilidade de derrogar a proibição do n.° 1 do mesmo artigo.


    50 – V. n.° 99 do acórdão recorrido e jurisprudência aí citada.


    51 – Como justamente observou o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Boehringer o Tribunal de Justiça limitou‑se a pôr a hipótese de uma eventual obrigação da Comissão de também ter em conta sanções aplicadas pelas autoridades de um Estado terceiro. V. n.° 3 do acórdão Boehringer, já referido.


    52 – V., designadamente, n.os 186‑212 do acórdão recorrido.


    53 – V., por exemplo, acórdãos de 14 de Maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens (C‑259/96 P, Colect., p. I‑2915, n.os 32‑34), e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão (C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 70).


    54 – N.° 372 do acórdão Aalborg Portland e o., já referido.


    55 – N.° 94 do acórdão recorrido.


    56Ibidem, n.° 169.


    57 – V., designadamente, acórdão de 21 de Junho de 2001, Moccia Irme e o./Comissão (C‑280/99 P a C‑282/99 P, Colect., p. I‑4717, n.° 78), e acórdão Aalborg Portland e o., já referido, n.° 49.


    58 – N.° 50 do acórdão Aaalborg Portland e o., já referido.


    59 – V., designadamente, despacho de 9 de Julho de 1998, Smanor e o./Comissão (C‑317/97, Colect., p. I‑4269, n.° 21), e acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 35), e Aalborg Portland e o., já referido, n.° 51.


    60 – V. n.os 261‑296 da decisão da Comissão e n.os 153‑160 do acórdão recorrido. Em especial, no n.° 160 o Tribunal de Primeira Instância observou que «as recorrentes não contestam verdadeiramente a correlação considerada provada pela Comissão entre as iniciativas em matéria de preços e os preços efectivamente praticados no mercado pelos membros do cartel».


    61 – N.os 161‑169 do acórdão recorrido.


    62 – Acórdão de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão (C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641).


    63 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão (T‑77/92, Colect., p. II‑549).


    64 – Acórdãos de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 128), e de 29 de Abril de 2004, British Sugar/Comissão (C‑359/01 P, Colect., p. I‑4933, n.° 47).


    65 – Acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 31).


    66 – N.° 48 do acórdão British Sugar/Comissão, já referido.


    67 – Acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido.


    68 –      O sublinhado é meu.


    69 – V. n.os 69‑75 e 103‑105.


    70 – Acórdão Ferriere Nord/Comissão, já referido, n.° 33. O sublinhado é meu. V., também, despacho de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão (C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54).


    71 – Acórdãos Musique Diffusion française, já referido, e de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461).


    72 – N.° 121 do Acórdão Musique Diffusion française, já referido; o sublinhado é meu.


    73 – N.° 304 da decisão impugnada.


    74 – Acórdão de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico (C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 57). No mesmo sentido, v., também, acórdãos de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão (C‑30/91 P, Colect. p. I‑3755, n.° 28); de 15 de Dezembro de 1994, Finsider/Comissão (C‑320/92 P, Colect., p. I‑5697, n.° 37); e de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão (C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843, n.° 58).


    75 – Acórdãos Aalborg/Portland e o., já referido, n.° 372, e de 25 de Outubro de 2001, Itália/Conselho (C‑120/99, Colect., p. I‑7997, n.° 28).


    76 – V. n.° 205 do acórdão recorrido.


    77 – V., designadamente, acórdãos de 13 de Dezembro de 1984, Sermide (106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28), e de 28 de Junho de 1990, Hoche (C‑174/89, Colect., p. I‑2681, n.° 25).


    78 – V., em especial, n.° 205 do acórdão recorrido.


    79 – N.° 191 do acórdão recorrido.


    80 – Respectivamente, 12 600 milhões de euros e 202 milhões de euros, em comparação com os 5 000 milhões de euros e 183 milhões de euros realizados pela Ajinomoto.


    81 – V., também, n.os 211‑213 do acórdão recorrido.

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