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Document 62002CJ0313

Acórdão do Tribunal (Grande Secção) de 12 de Outubro de 2004.
Nicole Wippel contra Peek & Cloppenburg GmbH & Co. KG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Directiva 97/81/CE - Directiva 76/207/CEE - Política social - Igualdade de tratamento entre trabalhadores a tempo inteiro e trabalhadores a tempo parcial - Igualdade de tratamento entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino - Duração e organização do tempo de trabalho.
Processo C-313/02.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-09483

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:607

Arrêt de la Cour

Processo C‑313/02

Nicole Wippel

contra

Peek & Cloppenburg GmbH & Co. KG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Directiva 97/81/CE – Directiva 76/207/CEE – Política social – Igualdade de tratamento entre trabalhadores a tempo inteiro e trabalhadores a tempo parcial – Igualdade de tratamento entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino – Duração do trabalho e organização do tempo de trabalho»

Sumário do acórdão

1.        Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Acesso ao emprego e condições de trabalho – Igualdade de tratamento – Trabalhadores a tempo parcial – Contrato de trabalho a tempo parcial que fixa a duração e a organização do tempo de trabalho em função das necessidades – Contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 76/207 e do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81

(Directivas do Conselho 76/207 e 97/81)

2.        Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Acesso ao emprego e condições de trabalho – Igualdade de tratamento – Trabalhadores a tempo parcial – Disposição nacional que regula a duração máxima e a organização do tempo de trabalho de modo idêntico para os trabalhadores a tempo inteiro e para os trabalhadores a tempo parcial – Admissibilidade

(Directivas do Conselho 76/207, artigos 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, e 97/81, acordo‑quadro anexo, cláusula 4)

3.        Política social – Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos – Acesso ao emprego e condições de trabalho – Igualdade de tratamento – Trabalhadores a tempo parcial – Contrato de trabalho a tempo parcial que fixa a duração e a organização do tempo de trabalho em função das necessidades e que deixa ao critério do trabalhador aceitar ou recusar esse trabalho – Admissibilidade tendo em conta a inexistência de trabalhadores a tempo inteiro comparáveis na mesma empresa

(Directivas do Conselho 76/207, artigos 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, e 97/81, acordo‑quadro anexo, cláusula 4)

1.        Um trabalhador que tenha um contrato de trabalho que estipula que a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho são função do volume de trabalho e só são determinadas caso a caso por acordo entre as partes, e que afecta, por isso, o exercício da actividade profissional deste ao reorganizar, em função das necessidades, o seu tempo de trabalho, está compreendido no âmbito de aplicação da Directiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

Tal trabalhador está igualmente compreendido no âmbito de aplicação do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, quando tenha um contrato ou uma relação de trabalho definidos pela legislação, pelas convenções colectivas ou pelas práticas vigentes no Estado‑Membro e seja um assalariado cuja duração normal do trabalho, calculada numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior à de um trabalhador comparável a tempo inteiro, na acepção da cláusula 3, n.° 2, do mesmo acordo‑quadro. Os trabalhadores a tempo parcial com actividade ocasional estão compreendidos no âmbito de aplicação do mesmo acordo‑quadro quando o Estado‑Membro não os tenha excluído total ou parcialmente do benefício da aplicação do referido acordo‑quadro, ao abrigo da cláusula 2, n.° 2, do mesmo acordo.

(cf. n.os 30, 40, disp. 1)

2.        A cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição nacional que fixa a duração máxima do trabalho, em princípio, em 40 horas por semana e 8 horas por dia. Efectivamente, esta disposição regula também a duração máxima do trabalho e a organização do tempo de trabalho tanto para os trabalhadores a tempo inteiro como para os trabalhadores a tempo parcial, cuja duração máxima do tempo de trabalho é, por definição, inferior à do trabalho a tempo inteiro, e não conduz assim a um tratamento menos favorável dos trabalhadores a tempo parcial relativamente aos trabalhadores a tempo inteiro, numa situação comparável.

(cf. n.os 49-51, disp. 2)

3.        A cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a um contrato de trabalho a tempo parcial dos trabalhadores de uma empresa, nos termos do qual a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho não são fixas, sendo função das necessidades do volume de trabalho a prestar, determinadas caso a caso, tendo esses trabalhadores a possibilidade de aceitar ou recusar esse trabalho, em circunstâncias em que todos os contratos de trabalho dos outros trabalhadores da mesma empresa fixam a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho. Efectivamente, estes contratos visam relações de trabalho que têm objecto e causa diferentes, não respeitando, por isso, a trabalhadores «comparáveis a tempo inteiro» na acepção da cláusula 4 do acordo‑quadro.

(cf. n.os 61, 62, 66, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
12 de Outubro de 2004(1)

«Directiva 97/81/CE – Directiva 76/207/CEE – Política social – Igualdade de tratamento entre trabalhadores a tempo inteiro e trabalhadores a tempo parcial – Igualdade de tratamento entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino – Duração do trabalho e organização do tempo de trabalho»

No processo C‑313/02,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.º CE, submetido pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 8 de Agosto de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 5 de Setembro de 2002, no processo

Nicole Wippel

contra

Peek & Cloppenburg GmbH & Co. KG,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, presidentes de secção, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, F. Macken (relatora), J. N. Cunha Rodrigues e K. Schiemann, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,
secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Março de 2004,vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de N. Wippel, por A. Obereder, Rechtsanwalt,

em representação da Peek & Cloppenburg GmbH & Co. KG, por T. Zottl, Rechtsanwalt, e T. Eilmansberger, Wissenschaftlicher Berater,

em representação do Governo austríaco, por E. Riedl e G. Hesse, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por M. J. Collins, na qualidade de agente, assistido por K. Smith, barrister,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Yerell, S. Fries e F. Hoffmeister, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de18 de Maio de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 141.° CE, do artigo 1.° da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52), do artigo 5.° da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), e da Directiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9).

2
Este pedido foi submetido no âmbito de um litígio que opõe N. Wippel, trabalhadora a tempo parcial vinculada por um contrato‑quadro de trabalho em função das necessidades, ao seu empregador, Peek & Cloppenburg GmbH & Co. KG (a seguir «P & C»), relativamente à inexistência, no seu contrato de trabalho, de um acordo sobre a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho.


Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

Directiva 76/207

3
Resulta do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 76/207 que a mesma tem por objectivo a concretização, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições de trabalho e, nas condições previstas no n.° 2 do mesmo artigo, à segurança social.

4
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 76/207:

«O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.»

5
O artigo 5.° da mesma directiva dispõe:

«1.     A aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento, implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.

2.       Para esse efeito, os Estados‑Membros adoptarão as medidas necessárias a fim de que:

a)
Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)
Sejam nulas, anuláveis ou possam ser revistas as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem em convenções colectivas ou em contratos individuais de trabalho, em regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes;

c)
Sejam revistas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento quando a preocupação de protecção que as inspirou na origem tenha deixado de ter fundamento; e que, no que se refere às disposições convencionais da mesma natureza, os parceiros sociais sejam convidados a proceder às desejáveis revisões.»

Directiva 93/104

6
Segundo o artigo 1.° da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18), a mesma estabelece exigências mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho e é aplicável a todos os sectores de actividade, privados ou públicos, com excepção dos transportes aéreos, ferroviários, rodoviários, marítimos, da navegação interna, da pesca marítima e de outras actividades no mar, bem como das actividades dos médicos em formação.

7
A secção II da mesma directiva prescreve as medidas que os Estados‑Membros devem tomar para que todos os trabalhadores beneficiem, nomeadamente, de períodos mínimos de descanso diário e semanal e regulamenta também a duração máxima do trabalho semanal.

8
Nos termos do artigo 3.° da referida directiva, sob a epígrafe «Descanso diário»:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso de onze horas consecutivas por cada período de vinte e quatro horas.»

9
No que respeita à duração máxima do trabalho semanal, o artigo 6.° da mesma directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

[...]

2)
A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda quarenta e oito horas, incluindo as horas extraordinárias.»

Directiva 97/81

10
Nos termos do artigo 1.° da Directiva 97/81, esta tem por objectivo a aplicação do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado a 6 de Junho de 1997 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (UNICE, CEEP e CES), tal como figura no anexo da mesma directiva.

11
A cláusula 2 do referido acordo‑quadro estipula que:

«1.
O presente acordo aplica‑se aos trabalhadores a tempo parcial, com contrato ou relação de trabalho definidos pela legislação, pelas convenções colectivas ou pelas práticas vigentes em cada Estado‑Membro.

2.
Após consulta dos parceiros sociais nos termos da legislação, das convenções colectivas ou das práticas vigentes a nível nacional, os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais ao nível apropriado, conforme a prática nacional relativa às relações laborais, podem, por razões objectivas, excluir total ou parcialmente do âmbito de aplicação do presente acordo os trabalhadores a tempo parcial com actividade ocasional. Tais exclusões devem ser revistas periodicamente, a fim de determinar se se mantêm válidas as razões objectivas que a elas conduziram.»

12
A cláusula 3 do mesmo acordo‑quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.
Para efeitos do presente acordo, por ‘trabalhador a tempo parcial’ entende‑se o assalariado cujo tempo normal de trabalho, calculado numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior ao tempo normal de trabalho de um trabalhador comparável a tempo inteiro.

2.
Para efeitos do presente acordo, ‘trabalhador comparável a tempo inteiro’ significa um trabalhador a tempo inteiro do mesmo estabelecimento, com o mesmo contrato ou relação de emprego e que exerça funções iguais ou semelhantes, tendo em devida conta outros factores, como antiguidade, qualificações, conhecimentos, etc.

Se no estabelecimento não houver qualquer trabalhador comparável a tempo inteiro, a comparação será efectuada em referência à convenção colectiva aplicável ou, na ausência desta, em conformidade com a legislação, as convenções colectivas ou as práticas vigentes a nível nacional.»

13
Segundo a cláusula 4, n.° 1, do referido acordo:

«No que respeita às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro unicamente pelo facto de trabalharem a tempo parcial, a menos que, por razões objectivas, a diferença de tratamento se justifique.»

Regulamentação nacional

14
Nos termos do § 2, n.° 1, da Gleichbehandlungsgesetz (lei relativa à igualdade de tratamento, a seguir «GlBG»), é proibida qualquer discriminação directa ou indirecta em razão do sexo, nomeadamente na constituição da relação laboral, segundo o seu ponto 1, na fixação da remuneração, segundo o seu ponto 2, e nas outras condições de trabalho, segundo o seu ponto 6. As discriminações em sede de fixação da remuneração têm como efeito o direito do trabalhador ao pagamento da diferença pelo empregador, conforme dispõe o § 2a, n.° 2, da GlBG.

15
Quanto à duração do trabalho e à organização do tempo de trabalho, o § 3 da Arbeitszeitgesetz (lei sobre a duração do trabalho, a seguir «AZG») estabelece que a duração normal do trabalho será, em princípio, de 40 horas por semana e 8 horas por dia.

16
No que respeita, em particular, aos trabalhadores a tempo inteiro, o § 19c da AZG dispõe:

«(1)   Na falta de normas provenientes de negociação colectiva, é necessário convencionar o horário durante o qual deve ser prestado o tempo normal de trabalho, bem como a sua modificação.

(2)     Em derrogação do n.° 1, a entidade patronal só pode alterar o horário durante o qual deve ser prestado o tempo normal de trabalho quando

1.       tal seja justificado por razões objectivas, inerentes ao tipo de prestação de trabalho,

2.       o trabalhador seja informado, pelo menos com duas semanas de antecedência, do horário durante o qual deverá prestar o tempo normal de trabalho em cada semana,

3.       esta distribuição não contrarie interesses atendíveis do trabalhador e

4.       não haja acordo em contrário.

(3)    É possível derrogar o n.° 2, ponto 2, quando necessário, para, em casos imprevisíveis, obviar a uma desvantagem económica desproporcionada, não havendo outras medidas equitativas. Através de normas provenientes de negociação colectiva podem ser adoptadas regulamentações que afastem o n.° 2, ponto 2, em razão de exigências relacionadas com a especificidade da actividade.»

17
No que respeita aos trabalhadores a tempo parcial, o § 19d da AZG prevê que:

«(1)   Existe trabalho a tempo parcial quando o trabalho semanal acordado é, em média, inferior ao tempo normal de trabalho previsto por lei ou a um tempo normal de trabalho mais curto, fixado pelas normas provenientes de negociação colectiva.

(2)     Na falta de normas provenientes de negociação colectiva, é necessário convencionar a duração do trabalho, o horário de trabalho e a sua modificação. Aplica‑se o § 19c, n.os 2 e 3.

(3)     Os trabalhadores a tempo parcial só estão obrigados a prestar trabalho para além do tempo de trabalho convencionado (trabalho extra) na medida em que

1.       tal seja previsto por disposições legais, por normas provenientes de negociação colectiva ou pelo contrato de trabalho,

2.       haja um acréscimo da necessidade de trabalho ou o trabalho extra seja necessário para efectuar trabalhos preparatórios ou finais (§ 8), e

3.       o trabalho extra não contrarie interesses atendíveis do trabalhador.

[...]

(6)     Os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores a tempo inteiro pelo facto de trabalharem a tempo parcial, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente. [...] Em caso de litígio, cabe à entidade patronal provar que não existe uma discriminação em razão do trabalho a tempo parcial [...]»

18
Resulta da decisão de reenvio que a convenção colectiva dos empregados do comércio da Áustria fixa a duração normal do trabalho em 38,5 horas por semana.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19
Em 28 de Setembro de 1998, N. Wippel e a «P & C» celebraram um «contrato‑quadro de trabalho em função das necessidades», nos termos do qual a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho eram determinadas, caso a caso, por acordo entre os interessados. A P & C solicitava os serviços de N. Wippel consoante o volume de trabalho existente, podendo esta recusar em qualquer altura uma prestação laboral proposta por aquela, sem ter de apresentar qualquer justificação. O anexo ao contrato estipulava que não era garantido a N. Wippel um rendimento fixo e ambas as partes renunciavam expressamente à definição de volume de trabalho determinado. Resulta dos autos que, nesse contexto, a P & C apenas deu a entender a N. Wippel que poderia trabalhar cerca de três dias por semana e dois sábados por mês. Esta auferiria uma remuneração de 6,54 euros à hora, acrescidos de eventuais comissões de venda.

20
Segundo a decisão de reenvio, N. Wippel, durante os meses em que esteve empregada, ou seja, de Outubro de 1998 a Junho de 2000, trabalhou de forma irregular e a sua remuneração foi igualmente irregular. Durante esse período, o mês em que trabalhou mais horas foi Outubro de 1999, com 123,32 horas. Resulta dos autos que N. Wippel informou, por várias vezes, que não podia ou não pretendia trabalhar em certos dias.

21
N. Wippel propôs, em Junho de 2000, uma acção no Arbeits‑ und Sozialgericht Wien (Tribunal do Trabalho e dos Assuntos Sociais de Viena) (Áustria), pedindo a condenação da P & C no pagamento de 11 929,23 euros, a que acresceriam as custas e demais despesas acessórias. N. Wippel sustentou que a P & C deveria pagar o montante correspondente à diferença entre a duração máxima do tempo de trabalho que lhe podia ser exigido e as horas de trabalho que efectivamente prestou. N. Wippel alegou que a duração máxima do trabalho mensal devia servir de base à remuneração que lhe era devida por cada um dos meses que trabalhou para a P & C.

22
N. Wippel sustentou que, dado os trabalhadores se limitarem a responder sim ou não à prestação laboral que lhes era proposta, não se verificava de modo algum um consentimento e que o contrato de trabalho celebrado com a P & C era contrário aos bons costumes. Além disso, não recorrendo, durante algum tempo, a um trabalhador contratado segundo esta fórmula, o empregador, a P & C, praticamente não teria de pagar qualquer montante a título de férias e subsídio de férias, subsídio de doença e indemnização por despedimento. N. Wippel alegou igualmente que a inexistência, no seu contrato de trabalho, de acordo sobre a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho constituía uma discriminação em razão do sexo.

23
O Arbeits‑ und Sozialgericht Wien julgou improcedente o pedido, invocando o § 19d, n.° 2, da AZG, nos termos do qual, no âmbito do trabalho a tempo parcial, a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho devem ser acordadas entre a entidade patronal e o trabalhador, e dando por provado que, no caso em apreço, todas as prestações laborais haviam sido determinadas por acordo entre as partes.

24
O Oberlandesgericht Wien (Tribunal de Segunda Instância de Viena) (Áustria) anulou a decisão proferida em primeira instância, ordenou a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para apreciação do desenvolvimento concreto da relação laboral em causa e admitiu o recurso interposto para o Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo), que, por seu turno, apreciou o litígio no processo principal.

25
O órgão jurisdicional de reenvio entendeu, por um lado, que, segundo o direito austríaco, é nula e de nenhum efeito a cláusula pela qual, como sucede no caso em apreciação no processo principal, o trabalhador a tempo parcial renuncia, no decurso da sua relação laboral com o empregador, ao direito à fixação contratual da duração do trabalho, que lhe é conferido pelo § 19d, n.° 2, da AZG.

26
Por outro lado, o referido órgão jurisdicional de reenvio considerou que, no que respeita aos trabalhadores a tempo inteiro, a AZG não só dispõe, no § 19c, que, na falta de normas provenientes de negociação colectiva, é necessário convencionar o horário durante o qual deve ser prestado o tempo normal de trabalho, mas também estabelece, no § 3, que a duração normal do trabalho será, em princípio, de 40 horas por semana e 8 horas por dia. Em contrapartida, no que respeita aos trabalhadores a tempo parcial, embora o § 19d, n.° 2, da AZG disponha que, na falta de normas provenientes de negociação colectiva, é necessário convencionar a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho, o mesmo artigo não contém qualquer outra disposição que regule a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho a tempo parcial. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, segundo as estatísticas disponíveis, mais de 90% dos trabalhadores a tempo parcial são mulheres.

27
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio, observando que o litígio no processo principal levanta um problema de discriminação indirecta, que se caracteriza pelo facto de a inexistência, nos contratos de trabalho a tempo parcial em função das necessidades, de um acordo sobre a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho prejudicar um número mais elevado de mulheres do que de homens, considera necessária a resposta a determinadas questões para determinar quer uma interpretação da cláusula do contrato de trabalho em causa conforme ao direito comunitário quer a indemnização adequada a atribuir a N. Wippel.

28
Foi nestes termos que o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais:

«1) a)
O artigo 141.° CE, o artigo 1.° da Directiva 75/117 [...], bem como a cláusula 2 do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES [...], e o ponto 9 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 9 de Dezembro de 1989 (conceito de trabalhador), devem ser interpretados no sentido de que também gozam de protecção permanente pessoas que, como no presente caso a demandante, no contexto de um contrato‑quadro de trabalho detalhado, celebram um acordo sobre a remuneração, as condições de demissão e despedimento, etc., mas convencionam igualmente que a duração do trabalho e o horário de trabalho ficam dependentes do volume de trabalho e se determinam apenas caso a caso, por acordo entre as partes?

b)
Estará abrangida pelo conceito de ‘trabalhador’, no sentido da questão 1a), a pessoa à qual é oferecido, sem compromisso, um trabalho a prestar cerca de três dias por semana e dois sábados por mês?

c)
Estará abrangida pelo conceito de ‘trabalhador’, no sentido da questão 1a), a pessoa que presta efectivamente uma actividade durante cerca de três dias por semana e dois sábados por mês?

d)
Deve atribuir‑se carácter juridicamente vinculativo à Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores [...], pelo menos na medida em que deva ser utilizada para interpretar outras disposições comunitárias?

2)
O artigo 141.° CE, o artigo 1.° da Directiva 75/117, o artigo 5.° da Directiva 76/207 [...] e a cláusula 4 do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial devem ser interpretados no sentido de que existe uma diferença de tratamento não objectivamente justificada

quando, tratando‑se de trabalhadores a tempo inteiro (dos quais aproximadamente 60% são homens e 40% são mulheres), a lei ou as convenções colectivas regulam não apenas a duração do trabalho mas, em parte, também o horário de trabalho, cujo cumprimento o trabalhador a tempo inteiro tem direito a exigir, mesmo sem acordo contratual,

mas não existem tais disposições para os trabalhadores a tempo parcial que, na grande maioria, são mulheres (aproximadamente 90% são mulheres e 10% são homens), mesmo para o caso de os contraentes não celebrarem qualquer acordo – exigido por lei – sobre esta matéria?

3)
O artigo 141.° CE, o artigo 1.° da Directiva 75/117, o artigo 5.° da Directiva 76/207 e a cláusula 4 do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial devem ser interpretados no sentido de que existe uma diferença de tratamento não objectivamente justificada, quando uma entidade patronal exclui expressamente para os trabalhadores a tempo parcial, que se pode presumir serem maioritariamente mulheres (aproximadamente 90% são mulheres e 10% são homens) um acordo sobre o horário de trabalho e a duração do trabalho, enquanto, para os trabalhadores a tempo inteiro, que se pode presumir não serem maioritariamente mulheres, tanto a duração do trabalho como, em parte, também a sua distribuição são determinadas por lei ou por convenção colectiva?

4)
O artigo 141.° CE, o artigo 1.° da Directiva 75/117, o artigo 5.° da Directiva 76/207 e as cláusulas 4 e 1, alínea b) (Incentivo ao desenvolvimento do trabalho a tempo parcial), do acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial devem ser interpretados no sentido de que, no caso em apreço, para compensar uma diferença de tratamento não justificada por factores objectivos, é necessário e lícito

a)
no que respeita à duração do trabalho, tomar por base uma determinada duração e, em caso afirmativo,

o tempo normal de trabalho, ou

a duração máxima do trabalho semanal efectivamente prestado, salvo se a entidade patronal demonstrar que esta se deveu a um especial acréscimo da necessidade de trabalho registado nessa altura, ou

a necessidade existente no momento da celebração do contrato de trabalho, ou

o tempo de trabalho semanal médio, e

b)
no que respeita ao horário de trabalho, como compensação do esforço adicional imposto ao trabalhador pela flexibilidade e das vantagens obtidas pela entidade patronal, reconhecer‑se ao trabalhador

um acréscimo ‘adequado’ da remuneração horária, a determinar em cada caso concreto, ou

um acréscimo mínimo, semelhante ao conferido aos trabalhadores a tempo inteiro, pelo trabalho que prestam para além do tempo normal de trabalho (8 horas por dia ou 40 horas por semana), ou

independentemente da duração do trabalho prestado, uma compensação para o tempo não remunerado como tempo de trabalho, mas, durante o qual, segundo o contrato, seria possível situar o tempo de trabalho (tempo de trabalho potencial), nos casos em que o prazo de aviso prévio é inferior a

14 dias,

um limite razoável?»


Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

29
Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que verificar, em primeiro lugar, se um contrato de trabalho como o que está em causa, que estipula que a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho dependem das necessidades do volume de trabalho a prestar e só são determinadas caso a caso, por acordo entre as partes, está abrangido pela Directiva 76/207, que estabelece o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, nomeadamente, no que se refere às condições de trabalho, ou se esse contrato está antes abrangido pelo artigo 141.° CE e pela Directiva 75/117, relativos ao princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores do sexo masculino e feminino.

30
Um contrato de trabalho como o em apreço no processo principal não fixa nem a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho, que dependem das necessidades do volume de trabalho a prestar, determinadas caso a caso, por acordo entre as partes. Neste caso, o referido contrato afecta o exercício, por parte dos trabalhadores em causa, da sua actividade profissional, ao reorganizar o tempo de trabalho em função das necessidades.

31
Conclui‑se, por isso, que tal contrato estabelece regras relativas às condições de trabalho, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207.

32
Por outro lado, as referidas regras relativas às condições de trabalho caem igualmente no âmbito de aplicação do conceito de condições de trabalho, na acepção da cláusula 4, n.° 1, do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81.

33
O facto de este contrato ter consequências pecuniárias para o trabalhador em causa não faz, todavia, com que caia automaticamente no âmbito de aplicação do artigo 141.° CE ou da Directiva 75/117, dado que estas disposições se baseiam na estreita ligação existente entre a natureza da prestação de trabalho e o montante do salário do trabalhador (v., neste sentido, acórdão de 11 de Setembro de 2003, Steinicke, C‑77/02, Colect., p. I‑9027, n.° 51).

34
Resulta do exposto que o caso em apreço no processo principal não requer a interpretação do artigo 141.° CE nem da Directiva 75/117.

Quanto à primeira questão

35
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um trabalhador que tenha um contrato de trabalho que estipula que a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho são função do volume de trabalho e só são determinadas caso a caso por acordo entre as partes, como o que está em causa no processo principal, está compreendido no âmbito de aplicação da Directiva 76/207 e do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81.

36
No que respeita à Directiva 76/207, como o Tribunal concluiu no n.° 31 do presente acórdão, semelhante contrato de trabalho cai no âmbito de aplicação dessa directiva. Um trabalhador que tenha esse contrato está, portanto, igualmente abrangido pela referida directiva.

37
Segundo a cláusula 2, n.° 1, do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, este aplica‑se aos trabalhadores a tempo parcial com contrato ou relação de trabalho definidos pela legislação, pelas convenções colectivas ou pelas práticas vigentes em cada Estado‑Membro. Por trabalhador a tempo parcial entende‑se, por força da cláusula 3, n.° 1, do mesmo acordo, o assalariado cuja duração normal do trabalho, calculada numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior à de um trabalhador comparável a tempo inteiro.

38
Nos termos da cláusula 2, n.° 2, do mesmo acordo‑quadro, «[a]pós consulta dos parceiros sociais nos termos da legislação, das convenções colectivas ou das práticas vigentes a nível nacional, os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais ao nível apropriado, conforme a prática nacional relativa às relações laborais, podem, por razões objectivas, excluir total ou parcialmente do âmbito de aplicação do presente acordo os trabalhadores a tempo parcial com actividade ocasional».

39
Como observou com razão o Governo do Reino Unido, compete ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às averiguações necessárias para apurar se se verifica tal situação no processo submetido à sua apreciação.

40
Face ao exposto, deve responder‑se à primeira questão que um trabalhador que tenha um contrato de trabalho que estipula que a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho são função do volume de trabalho e só são determinadas caso a caso por acordo entre as partes, como o que está em causa no processo principal, está compreendido no âmbito de aplicação da Directiva 76/207.

Tal trabalhador está igualmente compreendido no âmbito de aplicação do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, quando:

Tenha um contrato ou uma relação de trabalho definidos pela legislação, pelas convenções colectivas ou pelas práticas vigentes no Estado‑Membro;

Seja um assalariado cuja duração normal do trabalho, calculada numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior à de um trabalhador comparável a tempo inteiro, na acepção da cláusula 3, n.° 2, do mesmo acordo‑quadro, e

No que respeita aos trabalhadores a tempo parcial com actividade ocasional, o Estado‑Membro não os tenha excluído total ou parcialmente do benefício da aplicação do referido acordo‑quadro, ao abrigo da cláusula 2, n.° 2, do mesmo acordo.

Quanto à segunda questão

41
Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, nos casos em que as próprias disposições nacionais não estabelecem a duração do trabalho nem a organização do tempo de trabalho para os trabalhadores a tempo parcial, a cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81 e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a outra disposição, como o § 3 da AZG, que estabelece que a duração normal do trabalho será, em princípio, de 40 horas por semana e 8 horas por dia.

42
Em primeiro lugar, quanto à cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, essa disposição prevê que, no que respeita às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro, unicamente pelo facto de trabalharem a tempo parcial, a menos que, por razões objectivas, a diferença de tratamento se justifique.

43
Em segundo lugar, no que respeita aos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, segundo jurisprudência constante, uma regulamentação nacional cria uma discriminação indirecta contra os trabalhadores do sexo feminino quando, muito embora formulada de modo neutro, prejudica de facto uma percentagem muito maior de mulheres do que de homens, a menos que essa diferença de tratamento se justifique por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de Abril de 2000, Jørgensen, C‑226/98, Colect., p. I‑2447, n.° 29; de 26 de Setembro de 2000, Kachelmann, C‑322/98, Colect., p. I‑7505, n.° 23; e de 9 de Setembro de 2003, Rinke, C‑25/02, Colect., p. I‑8349, n.° 33).

44
Por conseguinte, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa verificar se da aplicação do § 3 da AZG resulta, por um lado, no que respeita à cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, um tratamento menos favorável dos trabalhadores a tempo parcial relativamente aos trabalhadores comparáveis a tempo inteiro, e, por outro lado, no que respeita aos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de trabalhadores.

45
Neste aspecto, a AZG, que transpõe para o direito nacional as disposições da Directiva 93/104, prevê no seu § 3 que a duração normal, ou seja, a duração máxima, do trabalho é, em princípio, de 40 horas por semana e 8 horas por dia. Por outro lado, o § 19d da AZG define o trabalho a tempo parcial como sendo a situação em que a duração do trabalho semanal acordada é inferior ao referido período máximo de trabalho.

46
Note‑se, em primeiro lugar, que resulta tanto do artigo 118.°‑A do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), que constitui a base jurídica da Directiva 93/104, como dos primeiro, quarto, sétimo e oitavo considerandos desta, e ainda da redacção do seu artigo 1.°, n.° 1, que ela tem por objecto adoptar exigências mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através de uma aproximação das disposições nacionais relativas, nomeadamente, à duração do tempo de trabalho (v. acórdãos de 26 de Junho de 2001, BECTU, C‑173/99, Colect., p. I‑4881, n.° 37, e de 9 de Setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, Colect., p. I‑8389, n.° 45).

47
Seguidamente, segundo as mesmas disposições, esta harmonização a nível comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho tem por finalidade garantir uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, permitindo‑lhes beneficiar de períodos mínimos de descanso, nomeadamente diário e semanal, e de períodos de pausa adequados e estabelecendo a duração máxima do trabalho semanal (v. acórdãos de 3 de Outubro de 2000, Simap, C‑303/98, Colect., p. I‑7963, n.° 49; BECTU, já referido, n.° 38; e Jaeger, já referido, n.° 46). Esta protecção constitui um direito social conferido a cada trabalhador como exigência mínima necessária para assegurar a protecção da sua segurança e da sua saúde (v., neste sentido, acórdão BECTU, já referido, n.° 47).

48
Por último, é possível que, em determinados casos, a duração máxima do trabalho e a organização do tempo de trabalho coincidam, respectivamente, com as horas de trabalho semanais efectivamente prestadas por um trabalhador a tempo inteiro e com a organização do tempo de trabalho deste. Contudo, a Directiva 93/104 aplica‑se, sem distinção, aos trabalhadores a tempo inteiro e aos trabalhadores a tempo parcial e por isso regula, nomeadamente, a duração máxima do trabalho e a organização do tempo de trabalho relativamente a estas duas categorias de trabalhadores.

49
Daqui se conclui que, como observou com razão o Governo austríaco, uma vez que o § 3 da AZG impõe a organização do tempo de trabalho e um limite máximo da duração do trabalho, que, por definição, é superior à do trabalho a tempo parcial, ele regula também a organização do tempo de trabalho e o limite máximo da duração do trabalho tanto para o trabalho a tempo inteiro como para o trabalho a tempo parcial.

50
Por conseguinte, do § 3 da AZG não resulta, no que respeita à cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, um tratamento menos favorável dos trabalhadores a tempo parcial relativamente aos trabalhadores comparáveis a tempo inteiro nem, no que respeita aos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de trabalhadores.

51
Face ao exposto, deve responder‑se à segunda questão que a cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81 e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição, como o § 3 da AZG, que fixa a duração máxima do trabalho, em princípio, em 40 horas por semana e 8 horas por dia e que, portanto, regula também a duração máxima do trabalho e a organização do tempo de trabalho tanto para os trabalhadores a tempo inteiro como para os trabalhadores a tempo parcial.

Quanto à terceira questão

52
Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81, por um lado, e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, por outro, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um contrato de trabalho a tempo parcial, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual nem a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho são fixas, sendo função das necessidades do volume de trabalho a prestar, determinadas caso a caso, tendo os trabalhadores interessados a opção de aceitar ou recusar esse trabalho.

53
Recorde‑se que esta questão se coloca no contexto da matéria de facto do processo principal, de acordo com a qual, conforme resulta dos autos, o contrato de trabalho de N. Wippel deveria conter, segundo esta última, uma cláusula que estipulasse uma duração fixa do trabalho semanal, quer o interessado tivesse trabalhado durante todo esse tempo quer não.

54
Neste aspecto, como o Tribunal observou já no n.° 42 do presente acórdão, a cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81 opõe‑se a que, no que diz respeito às condições de trabalho, os trabalhadores a tempo parcial sejam tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro, unicamente pelo facto de trabalharem a tempo parcial, a menos que a diferença de tratamento se justifique por razões objectivas.

55
Por outro lado, segundo a jurisprudência constante citada no n.° 43 do presente acórdão relativamente aos artigos 2.°, n.° 1, e 5.° , n.° 1, da Directiva 76/207, uma regulamentação nacional cria uma discriminação indirecta contra os trabalhadores do sexo feminino quando, muito embora formulada de modo neutro, prejudica de facto uma percentagem muito maior de mulheres do que de homens, a menos que essa diferença de tratamento se justifique por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo. O mesmo vale para um contrato de trabalho como o que está em causa no processo principal.

56
A proibição de discriminação enunciada nas disposições referidas não é mais do que a expressão específica do princípio geral da igualdade que integra os princípios fundamentais do direito comunitário, princípio esse por força do qual as situações comparáveis não devem ser tratadas de forma diferente, a menos que essa diferenciação se justifique objectivamente (v. acórdãos de 26 de Junho de 2001, Brunnhofer, C‑381/99, Colect., p. I‑4961, n.° 28, e de 17 de Setembro de 2002, Lawrence e o., C‑320/00, Colect., p. I‑7325, n.° 12). Este princípio só pode, portanto, aplicar‑se a pessoas que estejam em situações comparáveis (acórdão de 31 de Maio de 2001, D e Suécia/Conselho, C‑122/99 P e C‑125/99 P, Colect., p. I‑4319, n.° 48).

57
Por conseguinte, há que verificar, em primeiro lugar, se um contrato de trabalho a tempo parcial em função das necessidades, como o que está em causa no processo principal, resulta no tratamento menos favorável de um trabalhador como N. Wippel do que dos trabalhadores a tempo inteiro que se encontrem numa situação comparável à sua, na acepção da cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81.

58
Neste aspecto, a cláusula 3 do referido acordo‑quadro fornece critérios de definição de «trabalhador comparável a tempo inteiro». Este é definido como «um trabalhador a tempo inteiro do mesmo estabelecimento, com o mesmo contrato ou relação de emprego e que exerça funções iguais ou semelhantes, tendo em devida conta outros factores, como antiguidade, qualificações, conhecimentos, etc.». Segundo a mesma cláusula, se no estabelecimento não houver nenhum trabalhador comparável a tempo inteiro, a comparação será efectuada por referência à convenção colectiva aplicável ou, na ausência desta, em conformidade com a legislação, às convenções colectivas ou às práticas vigentes a nível nacional.

59
Por um lado, um trabalhador a tempo parcial em função das necessidades, como N. Wippel, está vinculado por um contrato que não fixa a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho, mas que lhe dá a opção de aceitar ou recusar a prestação laboral proposta pela P & C. O trabalhador é remunerado à hora, apenas pelas horas de trabalho efectivamente prestadas.

60
Por outro lado, um trabalhador a tempo inteiro está vinculado por um contrato que fixa a duração do trabalho semanal em 38,5 horas, a organização do tempo de trabalho e a remuneração, e que o obriga a trabalhar para a P & C durante todo o período de trabalho assim estabelecido, sem se poder recusar a prestar o trabalho, ainda que não possa ou não queira fazê‑lo.

61
Nestes termos, a relação laboral referida no número anterior do presente acórdão tem objecto e causa diferentes dos daquela em se encontra N. Wippel. No mesmo estabelecimento, nenhum trabalhador a tempo inteiro tem o mesmo tipo de contrato ou a mesma relação de trabalho que N. Wippel. Resulta dos autos que, nas circunstâncias do processo principal, o mesmo se passa com todos os trabalhadores a tempo inteiro em que a convenção colectiva aplicável fixa a duração do trabalho semanal em 38,5 horas.

62
Nas circunstâncias do processo principal, não existe, portanto, nenhum trabalhador a tempo inteiro comparável a N. Nippel, na acepção do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81. Daqui resulta que um contrato de trabalho a tempo parcial em função das necessidades, que não fixa a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho, não constitui um tratamento menos favorável na acepção da cláusula 4 do mesmo acordo‑quadro.

63
Em segundo lugar, no que respeita aos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207, resulta dos autos que, segundo N. Wippel, as situações dos trabalhadores a comparar são, por um lado, aquela em se encontram os trabalhadores a tempo parcial em função das necessidades da P & C, cujos contratos de trabalho não fixam a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho e, por outro lado, a de todos os outros trabalhadores da P & C, quer a tempo inteiro quer a tempo parcial, cujos contratos fixam a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho.

64
Dado que esta última categoria de trabalhadores se caracteriza pela obrigação de trabalhar para a P & C durante um período fixo de trabalho semanal, sem se poder recusar a prestar o trabalho, na hipótese de os trabalhadores em causa não poderem ou não quererem trabalhar, basta observar que, pelos motivos expostos nos n.os 59 a 61 do presente acórdão, a situação em que se encontram esses trabalhadores não é semelhante àquela em que se encontram os trabalhadores a tempo parcial em função das necessidades.

65
Daqui se conclui que, em circunstâncias como as do processo principal, em que as duas categorias de trabalhadores não são comparáveis, um contrato de trabalho a tempo parcial em função das necessidades que não fixa a duração do trabalho semanal nem a organização do tempo de trabalho não constitui uma medida discriminatória indirecta na acepção dos artigos 2.°, n.° 1, e 5, n.° 1, da Directiva 76/207.

66
Face a todo o exposto, deve responder‑se à terceira questão que a cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81 e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias em que todos os contratos de trabalho dos outros trabalhadores de uma empresa fixam a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho, não se opõem a um contrato de trabalho a tempo parcial dos trabalhadores da mesma empresa, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho não são fixas, sendo função das necessidades do volume de trabalho a prestar, determinadas caso a caso, tendo esses trabalhadores a possibilidade de aceitar ou recusar esse trabalho.

67
Tendo em conta as respostas dadas à segunda e à terceira questão, não é necessário responder à quarta questão.


Quanto às despesas

68
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, para além das das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)
Um trabalhador que tenha um contrato de trabalho que estipula que a duração do trabalho e a organização do tempo de trabalho são função do volume de trabalho e só são determinadas caso a caso por acordo entre as partes, como o que está em causa no processo principal, está compreendido no âmbito de aplicação da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

Tal trabalhador está igualmente compreendido no âmbito de aplicação do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, respeitante ao acordo‑quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, quando:

Tenha um contrato ou uma relação de trabalho definidos pela legislação, pelas convenções colectivas ou pelas práticas vigentes no Estado‑Membro;

Seja um assalariado cuja duração normal do trabalho, calculada numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior à de um trabalhador comparável a tempo inteiro, na acepção da cláusula 3, n.° 2, do mesmo acordo‑quadro, e

No que respeita aos trabalhadores a tempo parcial com actividade ocasional, o Estado‑Membro não os tenha excluído total ou parcialmente do benefício da aplicação do referido acordo‑quadro, ao abrigo da cláusula 2, n.° 2, do mesmo acordo.

2)
A cláusula 4 do acordo‑quadro anexo à Directiva 97/81 e os artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, da Directiva 76/207 devem ser interpretados no sentido de que:

Não se opõem a uma disposição, como o § 3 da Arbeitszeitgesetz (lei sobre a duração do trabalho), que fixa a duração máxima do trabalho, em princípio, em 40 horas por semana e 8 horas por dia e que, portanto, regula também a duração máxima do trabalho e a organização do tempo de trabalho tanto para os trabalhadores a tempo inteiro como para os trabalhadores a tempo parcial;

Em circunstâncias em que todos os contratos de trabalho dos outros trabalhadores de uma empresa fixam a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho, não se opõem a um contrato de trabalho a tempo parcial dos trabalhadores da mesma empresa, como o que está em causa no processo principal, nos termos do qual a duração do trabalho semanal e a organização do tempo de trabalho não são fixas, sendo função das necessidades do volume de trabalho a prestar, determinadas caso a caso, tendo esses trabalhadores a possibilidade de aceitar ou recusar esse trabalho.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.

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