EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62002CJ0099

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 1 de Abril de 2004.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
Incumprimento de Estado - Auxílios de Estado - Artigo 88.º, n.º2, segundo parágrafo, CE - Auxílios incompatíveis com o mercado comum - Obrigação de recuperação - Impossibilidade absoluta de execução.
Processo C-99/02.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-03353

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:207

Arrêt de la Cour

Processo C‑99/02


Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Italiana


«Incumprimento de Estado – Auxílios de Estado – Artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE – Auxílios incompatíveis com o mercado comum – Obrigação de recuperação – Impossibilidade absoluta de execução»

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 1 de Abril de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Acção por incumprimento – Inobservância de uma decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum – Fundamentos de defesa – Impossibilidade absoluta de execução

(Artigo 88.°, n.° 2, CE)

2.
Auxílios concedidos pelos Estados – Decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum – Dificuldades de execução – Obrigação da Comissão e do Estado-Membro de colaborarem na procura de uma solução que respeite o Tratado

(Artigos 10.° CE e 88.°, n.° 2, CE)

3.
Acção por incumprimento – Inobservância de uma decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum – Obrigação de recuperar os auxílios concedidos – Prazo de referência – Prazo fixado pela decisão não executada ou, posteriormente, pela Comissão

(Artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE)

1.
O único fundamento de defesa susceptível de ser invocado por um Estado‑Membro numa acção por incumprimento, intentada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, consiste na impossibilidade absoluta de executar correctamente a decisão.

(cf. n.° 16)

2.
Um Estado‑Membro que, ao executar uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, depare com dificuldades imprevistas e imprevisíveis ou tome consciência de consequências não previstas pela Comissão pode submeter estes problemas à apreciação desta última, propondo modificações adequadas à decisão em causa. Neste caso, por força da regra que impõe aos Estados‑Membros e às instituições comunitárias deveres recíprocos de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 10.° CE, a Comissão e o Estado‑Membro devem colaborar de boa fé com vista a superar as dificuldades, respeitando plenamente as disposições do Tratado e, nomeadamente, as relativas aos auxílios.

(cf. n.° 17)

3.
O facto de o artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE não prever uma fase administrativa prévia, contrariamente ao artigo 226.° CE, e de, consequentemente, a Comissão não emitir parecer fundamentado que imponha aos Estados‑Membros um prazo para cumprir a decisão, implica que o prazo de referência apenas pode ser, para efeitos da aplicação do artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, o prazo fixado na decisão cujo incumprimento é impugnado ou, eventualmente, aquele que a Comissão tenha posteriormente fixado.

(cf. n.° 24)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
1 de Abril de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Auxílios de Estado – Artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE – Auxílios incompatíveis com o mercado comum – Obrigação de recuperação – Impossibilidade absoluta de execução»

No processo C-99/02,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por O. Fiumara, vice avvocato generale dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios que, nos termos da Decisão 2000/128/CE da Comissão, de 11 de Maio de 1999, relativa ao regime de auxílios concedidos pela Itália para intervenções a favor do emprego (JO 2000, L 42, p. 1), notificada em 4 de Junho de 1999, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum e, de qualquer modo, ao não ter informado a Comissão das medidas adoptadas, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.° e 4.° da referida decisão, bem como do Tratado CE,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),,



composto por: P. Jann, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, A. La Pergola e S. von Bahr (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 18 de Setembro de 2003, no decurso da qual a Comissão foi representada por E. Montaguti, na qualidade de agente, e a República Italiana por O. Fiumara, vice avvocato generale dello Stato, assistido por A. Morrone,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de Março de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, uma acção que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios que, nos termos da Decisão 2000/128/CE da Comissão, de 11 de Maio de 1999, relativa ao regime de auxílios concedidos pela Itália para intervenções a favor do emprego (JO 2000, L 42, p. 1), notificada em 4 de Junho de 1999, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum e, de qualquer modo, ao não a ter informado das medidas adoptadas, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.° e 4.° da referida decisão, bem como do Tratado CE.


A Decisão 2000/128 e o processo pré‑contencioso

2
Em 11 de Maio de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 2000/128, cujos artigos 1.° a 4.° estão assim redigidos:

«Artigo 1.°

1.       Os auxílios ilegalmente concedidos pela Itália a partir de Novembro de 1995 a favor da admissão de trabalhadores mediante os contratos de formação e trabalho previstos pelas Leis n.os 863/84, 407/90, 169/91 e 451/94 são compatíveis com o mercado comum e com o Acordo EEE na condição de dizerem respeito:

à criação de novos postos de trabalho na empresa beneficiária a favor de trabalhadores que não obtiveram ainda um emprego ou que perderam o anterior, na acepção das orientações relativas aos auxílios ao emprego,

à admissão de trabalhadores que registam dificuldades específicas de inserção ou de reinserção no mercado de trabalho. Para efeitos da presente decisão, por trabalhadores que registam dificuldades específicas de inserção ou de reinserção no mercado de trabalho entendem‑se os jovens com menos de 25 anos, os licenciados até aos 29 anos inclusive e os desempregados de longa duração, ou seja, as pessoas desempregadas há, pelo menos, um ano.

2.       Os auxílios concedidos mediante contratos de formação e trabalho que não cumpram as condições mencionadas no n.° 1 são incompatíveis com o mercado comum.

Artigo 2.°

1.       Os auxílios concedidos pela Itália ao abrigo do artigo 15.° da Lei n.° 196/97 a favor da transformação de contratos de formação e trabalho em contratos por tempo indeterminado são compatíveis com o mercado comum e com o Acordo EEE, desde que respeitem a condição da criação líquida de emprego, tal como definida nas orientações comunitárias relativas aos auxílios ao emprego.

O número de trabalhadores das empresas é calculado deduzindo os postos de trabalho que beneficiam da transformação e os postos criados por meio de contratos a prazo ou que não garantem uma certa estabilidade do emprego.

2.       Os auxílios a favor da transformação de contratos de formação e trabalho em contratos por tempo indeterminado que não cumprem a condição estabelecida no n.° 1 são incompatíveis com o mercado comum.

Artigo 3.°

A Itália tomará todas as medidas necessárias para a recuperação junto dos beneficiários dos auxílios que não cumprem as condições previstas nos artigos 1.° e 2.° e que foram ilegalmente concedidos.

A recuperação deverá verificar‑se em conformidade com as regras do direito nacional. Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram postos à disposição dos beneficiários e até à data da sua recuperação efectiva. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente‑subvenção no quadro dos auxílios com finalidade regional.

Artigo 4.°

A Itália informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, das medidas adoptadas para lhe dar cumprimento.»

3
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Agosto de 1999, a República Italiana pediu, ao abrigo do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE, a anulação da Decisão 2000/128 e, a título subsidiário, a anulação dessa decisão na medida em que determina a recuperação das quantias que constituem um auxílio incompatível com o mercado comum.

4
Em 28 de Outubro de 1999, a Comissão pediu às autoridades italianas que lhe fornecessem informações relativas às medidas adoptadas para executar a Decisão 2000/128. Este pedido foi seguido por uma troca de correspondência entre a Comissão e a República Italiana a esse propósito, no decurso da qual esta última invocou a extrema complexidade da implementação da referida decisão, e por um encontro que teve lugar em Roma (Itália), em 27 de Março de 2000, entre o Ministro do Trabalho e da Segurança Social e o membro da Comissão encarregado das questões de concorrência.

5
Em 19 de Abril de 2001, a Comissão recebeu uma última carta das autoridades italianas, informando‑a de que os serviços administrativos competentes se tinham reunido em 1 de Fevereiro de 2001 para definir as linhas directrizes que deviam servir de base ao procedimento de recuperação dos auxílios indevidamente pagos e de que ficara definido o «procedimento técnico‑operacional» de recuperação dos referidos auxílios.

6
Por acórdão de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão (C‑310/99, Colect., p. I‑2289), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de anulação interposto pela República Italiana contra a Decisão 2000/128.

7
Nestas condições, considerando que a República Italiana não tinha tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento à Decisão 2000/128, a Comissão decidiu intentar a presente acção.


Quanto ao mérito

Argumentos das partes

8
A Comissão sustenta que em 4 de Agosto de 1999, isto é, no termo do prazo de dois meses contado a partir da data de notificação da Decisão 2000/128, a República Italiana não a tinha ainda informado das medidas tomadas para dar cumprimento à obrigação de recuperar junto das empresas beneficiárias os auxílios ilegalmente pagos.

9
Com efeito, num primeiro momento, as autoridades italianas limitaram‑se a fazer uma referência global à extrema dificuldade e à complexidade que apresentava o procedimento de verificação prévio à implementação da recuperação. Só numa segunda fase, em Dezembro de 2000 e em Abril de 2001, respectivamente, as referidas autoridades previram a elaboração de um «esquema operacional» para aplicar a Decisão 2000/128 e comunicaram à Comissão informações relativas às iniciativas dos organismos nacionais competentes, as quais, de qualquer modo, consistiam em simples actividades preparatórias. Em nenhum momento, as autoridades italianas afirmaram ter tomado iniciativas concretas a respeito das empresas em causa.

10
As autoridades italianas também não propuseram quaisquer modalidades de implementação da Decisão 2000/128 susceptíveis de ultrapassar as dificuldades encontradas.

11
A República Italiana reconhece que ainda não procedeu à recuperação das quantias em causa. Isto deve‑se tanto às dificuldades encontradas para identificar os beneficiários dos auxílios ilegais como às dúvidas das autoridades italianas no que se refere ao âmbito da própria recuperação. Todavia, o Governo italiano não ficou inactivo no que respeita à obrigação para ele resultante da Decisão 2000/128, tendo sido sem razão que a Comissão sustentou que ele não a informara da evolução da situação.

12
A este respeito, a República Italiana alega que, no decurso do processo que deu lugar ao acórdão Itália/Comissão, já referido, as autoridades italianas iniciaram diligências preliminares para a recuperação dos auxílios, sob reserva do resultado do recurso. Uma vez que surgiram numerosas dificuldades na determinação do âmbito da própria obrigação de recuperação, as referidas autoridades contactaram por diversas vezes os serviços da Comissão para clarificar a situação.

13
Em especial, numa nota de 11 de Dezembro de 2000, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social apresentou à Comissão uma definição de recuperação dos auxílios, tendo esta sido informada, tanto no decurso da audiência de 4 de Abril de 2001, no processo que deu lugar ao acórdão Itália/Comissão, já referido, como por uma nota de 19 de Abril de 2001, de que, em Fevereiro de 2001, tinha havido uma reunião entre os serviços das administrações competentes, no decurso da qual haviam sido definidas as linhas de acção a partir das quais se procederia à recuperação dos auxílios considerados indevidos, completando‑se a definição do procedimento técnico e operacional para a recuperação.

14
A República Italiana sustenta que tem a firme intenção de cumprir as suas obrigações, tendo em conta as indicações dadas pelo Tribunal de Justiça. Todavia, para uma execução mais rápida das operações de recuperação e para evitar o risco de abertura, pelos beneficiários dos auxílios indevidos, de um contencioso nacional, quando não comunitário, de proporções imprevisíveis, considera que seria oportuno que as autoridades italianas e comunitárias definissem em comum, de modo extrajurisdicional e pelo menos nas suas grandes linhas, os critérios que permitam, por um lado, excluir concretamente da recuperação os auxílios concedidos a favor das empresas que, em razão da sua dimensão, da sua localização ou do seu tipo de actividade, não estão obrigadas a restituir, e por outro, excluir as empresas relativamente às quais se possa razoavelmente considerar que podem invocar uma confiança digna de protecção. A exclusão de determinadas categorias de empresas, que diz essencialmente respeito às empresas de pequena dimensão, poderia facilitar a concentração efectiva da actividade de recuperação nas empresas que não pudessem invocar uma causa justificativa de exclusão.

Apreciação do Tribunal de Justiça

15
Há que recordar que resulta de jurisprudência assente que a supressão de um auxílio ilegal através da sua recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade e que essa consequência não pode depender da forma como o auxílio foi concedido (v., nomeadamente, acórdãos de 10 de Junho de 1993, Comissão/Grécia, C‑183/91, Colect., p. I‑3131, n.° 16; de 27 de Junho de 2000, Comissão/Portugal, C‑404/97, Colect., p. I‑4897, n.° 38, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha, C‑404/00, Colect., p. I‑6695, n.° 44).

16
Nos termos de uma jurisprudência também assente, quando a decisão da Comissão que exige a supressão de um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum não tenha sido objecto de um recurso directo, ou quando tenha sido negado provimento a esse recurso, o único fundamento de defesa susceptível de ser invocado por um Estado‑Membro numa acção por incumprimento, intentada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, consiste na impossibilidade absoluta de executar correctamente a decisão (v. acórdãos de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália, C‑348/93, Colect., p. I‑673, n.° 16; de 22 de Março de 2001, Comissão/França, C‑261/99, Colect., p. I‑2537, n.° 23; de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑499/99, Colect., p. I‑6031, n.° 21, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.° 45).

17
O facto de o único fundamento que um Estado‑Membro pode opor a essa acção ser a existᆰncia de uma impossibilidade de execução absoluta não impede que o Estado que, ao executar uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, depare com dificuldades imprevistas e imprevisíveis ou tome consciência de consequências não previstas pela Comissão submeta estes problemas à apreciação desta última, propondo modificações adequadas à decisão em causa. Neste caso, a Comissão e o Estado‑Membro devem, por força da regra que impõe aos Estados‑Membros e às instituições comunitárias deveres recíprocos de cooperação leal, que inspira, nomeadamente, o artigo 10.° CE, colaborar de boa fé com vista a superar as dificuldades, respeitando plenamente as disposições do Tratado e, nomeadamente, as relativas aos auxílios (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.° 17, e Comissão/França, n.° 24; de 3 de Julho de 2001, Comissão/Bélgica, C‑378/98, Colect., p. I‑5107, n.° 31; de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, n.° 24, e de 26 de Julho de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.° 46).

18
Todavia, a condição de uma impossibilidade absoluta de execução não está preenchida quando o governo demandado se limita a comunicar à Comissão dificuldades jurídicas, políticas ou práticas que a execução da decisão apresentava, sem efectuar uma verdadeira diligência junto das empresas em causa para recuperar o auxílio e sem propor à Comissão formas alternativas de aplicação da decisão, que teriam permitido superar as dificuldades (v. acórdãos de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, 94/87, Colect., p. 175, n.° 10; de 29 de Janeiro de 1998, Comissão/Itália, C‑280/95, Colect., p. I‑259, n.° 14; de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, já referido, n.° 25, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.° 47).

19
No caso vertente, há que começar por recordar que, no n.° 102 do acórdão Itália/Comissão, já referido, o Tribunal fez notar, quanto ao princípio do respeito da confiança legítima, que, por comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO 1983, C 318, p. 3), a Comissão informou os potenciais beneficiários de auxílios de Estado do carácter precário dos auxílios que lhes sejam concedidos ilegalmente, no sentido de que poderão ser obrigados a restituí‑los (v. acórdão de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C‑5/89, Colect., p. I‑3437, n.° 15).

20
A possibilidade de o beneficiário de um auxílio ilegal invocar circunstâncias excepcionais, que tenham podido legitimamente fundamentar a sua confiança no carácter regular desse auxílio, e de se opor, em consequência, ao seu reembolso não pode, é certo, ser excluída. Nesse caso, compete ao tribunal nacional, a quem eventualmente seja submetida a questão, apreciar, sendo caso disso após ter colocado ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação, as circunstâncias da causa (v. acórdãos, já referidos, de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, n.° 16, e Itália/Comissão, n.° 103).

21
Em contrapartida, um Estado‑Membro, cujas autoridades concederam um auxílio em violação das normas processuais previstas no artigo 88.° CE, não pode invocar a confiança legítima dos beneficiários para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias ao cumprimento de uma decisão da Comissão que lhe ordena a recuperação desse auxílio. Admitir tal possibilidade significaria, com efeito, privar as disposições dos artigos 87.° CE e 88.° CE de qualquer efeito útil, na medida em que as autoridades nacionais poderiam assim basear‑se no seu próprio comportamento ilegal para anular a eficácia das decisões tomadas pela Comissão ao abrigo dessas disposições do Tratado (v. acórdãos, já referidos, de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, n.° 17, e Itália/Comissão, n.° 104).

22
No n.° 105 do acórdão Itália/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça recordou ainda que, no que respeita ao argumento do Governo italiano de que o reembolso seria complexo e dificilmente verificável, assim como ao relativo à vasta difusão do regime de auxílios no tecido produtivo nacional, basta salientar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que o receio de dificuldades internas, mesmo insuperáveis, não pode justificar que um Estado‑Membro não respeite as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 52).

23
Nem o facto de o Estado‑Membro em causa sentir necessidade de verificar a situação individual de cada empresa interessada relativamente à recuperação dos auxílios ilegais, como o Tribunal de Justiça admitiu no n.° 91 do acórdão Itália/Comissão, já referido, nem a circunstância de um prazo inabitualmente breve ter decorrido entre a notificação da decisão de recuperação dos referidos auxílios e a propositura de uma acção por incumprimento são susceptíveis de justificar a não execução desta decisão (v. acórdão de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha, já referido, n.° 56).

24
Há que recordar que o facto de o artigo 88.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE não prever uma fase administrativa prévia, contrariamente ao artigo 226.° CE, e de, consequentemente, a Comissão não emitir parecer fundamentado que imponha aos Estados‑Membros um prazo para cumprir a decisão, implica que o prazo de referência apenas pode ser, para efeitos da aplicação da primeira disposição referida, o prazo fixado na decisão cujo incumprimento é impugnado ou, eventualmente, aquele que a Comissão tenha posteriormente fixado (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 26). No caso vertente, resulta do artigo 4.° da Decisão 2000/128 que a Comissão fixou o prazo de dois meses a contar da data da notificação da decisão.

25
É pacífico que, no termo desse prazo, as medidas necessárias para recuperar os auxílios em causa não tinham sido tomadas pelo Governo italiano. Resulta, além disso, do n.° 105 do acórdão Itália/Comissão, já referido, que, mais de dois anos e meio após o termo do referido prazo, o Tribunal de Justiça constatou que o referido governo não tinha feito qualquer tentativa para recuperar os referidos auxílios.

26
Finalmente, resulta das explicações fornecidas pelo Governo italiano na audiência do presente processo que, na mesma data, isto é, em 18 de Setembro de 2003, o procedimento de recuperação continuava na fase das medidas preparatórias, tais como a definição das linhas directrizes para efectuar a recuperação dos auxílios em causa e a identificação das empresas abrangidas. Nessa data, o referido governo ainda não iniciara, portanto, qualquer diligência concreta junto das empresas, com o fim de recuperar esses auxílios.

27
Deste modo, é forçoso constatar que, nas circunstâncias do caso vertente, a República Italiana não demonstrou a impossibilidade de cumprir a Decisão 2000/128.

28
Uma vez que nenhuma das medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios referidos na Decisão 2000/128 foi tomada pelo Governo italiano, este não pode invocar validamente, em sua defesa, uma alegada falta de cooperação por parte da Comissão.

29
Há, pois, que declarar que, ao não adoptar, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios que, nos termos da Decisão 2000/128, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.° e 4.° da referida decisão.


Quanto às despesas

30
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2 do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)
Ao não adoptar, nos prazos fixados, todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os auxílios que, nos termos da Decisão 2000/128/CE da Comissão, de 11 de Maio de 1999, relativa ao regime de auxílios concedidos pela Itália para intervenções a favor do emprego, foram considerados ilegais e incompatíveis com o mercado comum, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.° e 4.° da referida decisão.

2)
A República Italiana é condenada nas despesas.

Jann

Timmermans

Rosas

La Pergola

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: italiano.

Top