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Document 62002CJ0030

    Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 17 de Junho de 2004.
    Recheio - Cash & Carry SA contra Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e Ministério Público.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa - Portugal.
    Repetição do indevido - Prazo de 90 dias para propositura da acção - Princípio da efectividade.
    Processo C-30/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2004 I-06051

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:373

    Arrêt de la Cour

    Processo C‑30/02

    Recheio - Cash & Carry SA

    contra

    Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa)

    «Repetição do indevido – Prazo de 90 dias para propositura da acção – Princípio da efectividade»

    Sumário do acórdão

    Direito comunitário – Efeito directo – Impostos nacionais incompatíveis com o direito comunitário – Restituição – Modalidades – Aplicação do direito nacional – Condições – Respeito dos princípios da equivalência e da efectividade – Prazo de caducidade de 90 dias – Admissibilidade


    Na falta de regulamentação comunitária em matéria de restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

    No que se refere ao princípio da efectividade, é compatível com o direito comunitário a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a administração interessada. A este respeito, um prazo nacional de caducidade de 90 dias que corre a contar do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto afigura‑se razoável na medida em que constitui um período de tempo suficientemente longo para permitir ao contribuinte tomar, com todo o conhecimento de causa, a decisão de interpor um recurso de impugnação e para reunir para o efeito todos os elementos de facto e de direito necessários.

    Daqui resulta que o princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.

    (cf. n.os 17, 18, 21, 22, 26, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
    17 de Junho de 2004(1)

    «Repetição do indevido – Prazo de 90 dias para propositura da acção – Princípio da efectividade»

    No processo C-30/02,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa (Portugal), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Recheio – Cash & Carry SA

    e

    Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas,

    na presença do:Ministério Público,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



    composto por: P. Jann, presidente de secção, A. La Pergola, S. von Bahr (relator), R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, juízes,

    advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
    secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    em representação da Recheio – Cash & Carry SA, por C. Teixeira Osório de Castro e J. Vieira Peres, advogados,

    em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. I. Pinto, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. M. Alves Vieira e R. Lyal, na qualidade de agentes, assistidos por N. Castro Marques, advogado,

    ouvidas as alegações da Recheio – Cash & Carry SA, representada por J. Vieira Peres, P. Sousa Machado e M. Fontaine de Campos, advogados, do Governo português, representado por L. Fernandes, assistido por C. Baptista Lobo, advogada, e da Comissão, representada por A. M. Alves Vieira e R. Lyal, na audiência de 13 de Novembro de 2003,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Dezembro de 2003,

    profere o presente



    Acórdão



    1
    Através de despacho de 27 de Dezembro de 2001, que deu entrada na Secretaria em 4 de Fevereiro de 2002, o Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do direito comunitário em matéria de repetição do indevido.

    2
    Estas questões foram suscitadas num litígio que opõe a Recheio – Cash & Carry SA (a seguir «Recheio») à Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a respeito do reembolso dos emolumentos de registo que a Recheio pagou nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da tabela de emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovada pela Portaria n.° 366/89, de 22 de Maio (Diário da República, I série-A, n.° 117, de 22 de Maio de 1989).


    Litígio no processo principal e quadro jurídico

    3
    Por escritura pública lavrada no cartório notarial de Lisboa, em 5 de Novembro de 1997, a Recheio procedeu a um aumento do seu capital social de 100 000 000 PTE para 1 000 000 000 PTE.

    4
    Em 4 de Março de 1998, pediu a inscrição deste aumento de capital no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Foi‑lhe liquidada a título de emolumentos do registo e pagou na mesma data a quantia de 2 251 000 PTE, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da tabela de emolumentos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

    5
    Em 11 de Julho de 2001, a Recheio intentou no Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa uma acção para reconhecimento do direito à restituição da quantia de 2 250 000 PTE. Alegou que a cobrança dos emolumentos fora efectuada em violação do direito comunitário, designadamente do artigo 10.°, alínea c), e 12.°, n.° 1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F01  p. 22).

    6
    A Recheio fundamentou a sua pretensão na jurisprudência do Tribunal de Justiça de acordo com a qual os direitos cobrados pela inscrição num registo nacional de pessoas colectivas de um aumento do capital de uma sociedade de capitais, quando constituem uma imposição, na acepção da directiva, são, em princípio, proibidos, por força do artigo 10.°, alínea c), da Directiva 69/335 (v., designadamente, acórdãos de 29 de Setembro de 1999, Modelo, C‑56/98, Colect., p. I‑6427, e de 26 de Setembro de 2000, IGI, C‑134/99, Colect., p. I‑7717, n.° 25).

    7
    O Tribunal Tributário de Primeira Instância convolou a acção da Recheio em recurso de impugnação. Segundo ele, este recurso devia ter sido interposto no prazo de 90 dias contados a partir do «termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias», nos termos do artigo 123.° do Código de Processo Tributário (a seguir «CPT»), aprovado pelo Decreto‑Lei n.° 154/91, de 23 de Abril (Diário da República, I série-A, n.° 94, de 23 de Abril de 1991), a que corresponde actualmente o artigo 102.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (a seguir «CPPT»), aprovado pelo Decreto‑Lei n.° 433/99, de 26 de Outubro (Diário da República, I série-A, n.° 250, de 26 de Outubro de 1999), e alterado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho (Diário da República, I série-A, n.° 130, de 5 de Junho de 2001).

    8
    O Tribunal Tributário de Primeira Instância afirmou que um prazo de 90 dias para intentar o processo por impugnação não deve, por um lado, ser menos favorável que os prazos aplicáveis às acções para reembolso baseadas no direito interno e, por outro, não devem tornar impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

    9
    O mesmo tribunal reconheceu que o prazo em questão se aplica a todos os actos de liquidação de receitas tributárias, quer tenham por base a legislação comunitária quer a legislação nacional.

    10
    Neste contexto, o Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)
    O direito comunitário obsta a que, para as acções para restituição de imposições cobradas em violação do direito comunitário, um Estado‑Membro fixe um prazo de caducidade de 90 dias, contados do termo do prazo de pagamento voluntário, por dessa forma tornar excessivamente difícil o exercício do direito de reembolso?

    2)
    Em caso afirmativo, qual o prazo mínimo que se entende compatível com aquela proibição de excesso de dificuldade?

    3)
    Ou quais os critérios a utilizar na sua fixação?»


    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

    11
    Através de petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Janeiro de 2004, a Recheio pediu a reabertura da fase oral do processo na sequência das conclusões do advogado‑geral. A Recheio alega que o advogado‑geral baseou as suas conclusões numa interpretação incorrecta do direito português, ao entender que o prazo de caducidade em causa não é de 90 dias, mas de 5 meses e meio.

    12
    A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou por proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v., designadamente, acórdãos de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.° 20; de 7 de Novembro de 2002, Hirschfeldt/AEE, C‑184/01 P, Colect., p. I‑10173, n.° 30, e de 13 de Novembro de 2003, Schilling e Fleck‑Schilling, C‑209/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 19).

    13
    Uma vez que nenhum destes dois casos caracteriza o presente processo, o Tribunal de Justiça considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral no caso vertente. Por conseguinte, há que julgar improcedente o pedido com vista a tal reabertura.


    Quanto às questões prejudiciais

    14
    Através das suas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o princípio da efectividade do direito comunitário se opõe, no que respeita ao pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.

    15
    Há que recordar que os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário (v. acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, Colect., p. I‑165, n.° 20).

    16
    A este respeito, o Tribunal de Justiça também por diversas vezes assinalou que o problema da restituição de impostos indevidamente pagos se resolve de modo diferente nos diversos Estados‑Membros, e mesmo no interior do mesmo Estado, consoante os diversos tipos de imposições em causa. Em certos casos, as impugnações ou pedidos deste tipo estão sujeitos por lei a condições precisas de forma e de prazo tanto no que respeita às reclamações apresentadas à Administração Fiscal como às acções judiciais. Noutros casos, as acções para repetição de impostos indevidamente pagos devem ser intentadas nos órgãos jurisdicionais ordinários, designadamente sob a forma de acções para repetição do indevido, podendo essas acções ser intentadas dentro de prazos mais ou menos longos, em certos casos durante o prazo de caducidade de direito comum (v., designadamente, acórdão de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport, C‑343/96, Colect., p. I‑579, n.° 24).

    17
    Esta diversidade dos sistemas nacionais resulta, nomeadamente, da falta de regulamentação comunitária em matéria de restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas. Em tal situação, compete, com efeito, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdão de 15 de Setembro de 1998, Edis, C‑231/96, Colect., p. I‑4951, n.° 34).

    18
    No que se refere a este último princípio, o Tribunal de Justiça reconheceu a compatibilidade com o direito comunitário da fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a administração interessada (acórdão Edis, já referido, n.° 35).

    19
    No caso vertente, o artigo 123.° do CPT, substituído pelo artigo 102.°, n.° 1, alínea a), do CPPT, prevê um prazo de caducidade de 90 dias para a interposição de um recurso de impugnação do acto que fixa a prestação tributária, contados a partir do seu pagamento voluntário.

    20
    Se é verdade que o acórdão Edis, já referido, dizia respeito a um prazo de caducidade de três anos a contar da data do pagamento do imposto, ou seja, um prazo claramente mais longo que o que está em causa no processo principal, também resulta desse acórdão e de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros são livres de estabelecer prazos mais ou menos longos para a restituição do indevido, desde que não tornem impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

    21
    No caso vertente, deve considerar‑se que um prazo de 90 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto constitui um período de tempo suficientemente longo para permitir ao contribuinte tomar, com todo o conhecimento de causa, a decisão de interpor um recurso de impugnação e para reunir para o efeito todos os elementos de facto e de direito necessários.

    22
    Como resulta do n.° 41 das conclusões do advogado‑geral, este prazo pode ser qualificado como razoável, em comparação com os prazos de duração semelhante estabelecidos nos ordenamentos jurídicos de vários outros Estados‑Membros.

    23
    No que respeita ao argumento da Recheio segundo o qual tal prazo não é aceitável, na medida em que a República Portuguesa não tinha transposto a Directiva 69/335 na época da liquidação do imposto, só o tendo feito dois anos após o acórdão Modelo, já referido, há que indicar que o direito comunitário não proíbe um Estado‑Membro que não transpôs correctamente a Directiva 69/335 de aplicar às acções para restituição de direitos cobrados em violação dessa directiva um prazo de caducidade nacional. A circunstância de o Tribunal de Justiça ter proferido um acórdão prejudicial sobre a interpretação da disposição do direito comunitário em causa é, a este respeito, irrelevante (v., designadamente, acórdão Edis, já referido, n.os 20 e 47).

    24
    Em relação ao argumento da Recheio de que o prazo em causa não se justifica, na medida em que a Administração Fiscal dispõe de prazos mais importantes para adoptar uma decisão de tributar o contribuinte e para rectificar oficiosamente os actos de imposição, basta referir que esta circunstância não implica que o prazo de 90 dias em causa no processo principal seja insuficiente à luz do princípio da efectividade. Além disso, os prazos de que dispõe a Administração Fiscal para exercer as suas competências fiscais respondem normalmente a outros objectivos, diferentes do do prazo de interposição do recurso de anulação.

    25
    Tendo em conta o exposto, há que decidir que um prazo nacional de caducidade tal como o que está em causa no processo principal não torna impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

    26
    Nestas condições, há que responder às questões submetidas pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância que o princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.


    Quanto às despesas

    27
    As despesas efectuadas pelo Governo português e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa, por despacho de 27 de Dezembro de 2001, declara:

    O princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.

    Jann

    La Pergola

    von Bahr

    Silva de Lapuerta

    Lenaerts

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Junho de 2004.

    O secretário

    O presidente da Primeira Secção

    R. Grass

    P. Jann


    1
    Língua do processo: português.

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