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Document 62002CJ0006

    Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 6 de Março de 2003.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
    Incumprimento de Estado - Livre circulação de mercadorias - Medidas de efeito equivalente - Indicação de proveniência - Etiquetas regionais.
    Processo C-6/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-02389

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:136

    62002J0006

    Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 6 de Março de 2003. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Livre circulação de mercadorias - Medidas de efeito equivalente - Indicação de proveniência - Etiquetas regionais. - Processo C-6/02.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02389


    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Partes


    No processo C-6/02,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. van Lier e J. Adda, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Francesa, representada por G. de Bergues e A. Colomb, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandada,

    que tem por objecto obter a declaração de que, ao manter a protecção jurídica nacional concedida à denominação «Salaisons d'Auvergne», bem como aos rótulos regionais «Savoie», «Franche-Comté», «Corse», «Midi-Pyrénées», «Normandie», «Nord-Pas-de-Calais», «Ardennes de France», «Limousin», «Languedoc-Roussillon» e «Lorraine», a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28._ CE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Terceira Secção),

    composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, C. Gulmann (relator) e F. Macken, juízes,

    advogado-geral: J. Mischo,

    secretário: R. Grass,

    visto o relatório do juiz-relator,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Dezembro de 2002,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Janeiro de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 226._ CE, uma acção em que pede a declaração de que, ao manter a protecção jurídica nacional concedida à denominação «Salaisons d'Auvergne», bem como às etiquetas regionais «Savoie», «Franche-Comté», «Corse», «Midi-Pyrénées», «Normandie», «Nord-Pas-de-Calais», «Ardennes de France», «Limousin», «Languedoc-Roussillon» e «Lorraine» (a seguir, conjuntamente, «denominações em causa»), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28._ CE.

    Quadro regulamentar

    Regulamentação comunitária

    2 Nos termos do artigo 28._ CE, são proibidas entre os Estados-Membros as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente. Todavia, segundo o artigo 30._ CE, as restrições à importação entre Estados-Membros, que se justificam por razões, nomeadamente, de protecção da propriedade industrial e comercial, são autorizadas desde que não constituam um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre Estados-Membros.

    3 De acordo com alínea b) do n._ 2 do artigo 2._ do Regulamento (CEE) n._ 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CE) n._ 535/97 do Conselho, de 17 de Março de 1997 (JO L 83, p. 3, a seguir «Regulamento n._ 2081/92»), estabelece:

    «Na acepção do presente regulamento, entende-se por:

    [...]

    b) `Indicação geográfica', o nome de uma região, de um local determinado, ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar um produto agrícola ou um género alimentício:

    - originário dessa região, desse local determinado ou desse país e

    - cuja reputação, determinada qualidade ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica e cuja produção e/ou transformação e/ou elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.»

    4 A protecção de uma indicação geográfica nos termos do Regulamento n._ 2081/92 produz efeitos, no termo do procedimento previsto nos artigos 5._ a 7._ deste, com a adopção de uma decisão de registo pela Comissão.

    5 O artigo 17._, n._ 1, do Regulamento n._ 2081/92 prevê que, «[n]o prazo de seis meses seguinte à data de entrada em vigor [deste] regulamento, os Estados-Membros comunicarão à Comissão quais são, de entre as suas denominações legalmente protegidas ou, nos Estados-Membros em que não existe um sistema de protecção, de entre as denominações consagradas pelo uso, as que desejam registar ao abrigo do [referido] regulamento». A Comissão registará as mesmas denominações que correspondam aos critérios definidos nos artigos 2._ e 4._ do regulamento. Os Estados-Membros podem manter a protecção nacional das denominações assim comunicadas até à data em que for tomada uma decisão sobre o registo.

    6 Por outro lado, o artigo 5._, n._ 5, do Regulamento n._ 2081/92 está assim redigido:

    «O Estado-Membro verificará a correcta fundamentação do pedido [de registo] e transmiti-lo-á à Comissão, juntamente com as especificações do produto referidas no artigo 4._ e com outros documentos em que tenha baseado a sua decisão, caso considere satisfeitas as exigências do presente regulamento.

    A protecção, na acepção do presente regulamento, bem como, se for caso disso, o período de adaptação, só podem ser concedidos a nível nacional e a título transitório por esse Estado-Membro à denominação assim enviada a partir da data desse envio; podem igualmente ser concedidos a título transitório nas mesmas condições no quadro de um pedido de alteração do caderno de encargos.

    A protecção nacional transitória deixa de existir a partir da data em que for tomada uma decisão sobre o registo por força do presente regulamento. Aquando desta decisão, pode ser fixado um período de adaptação, com um limite máximo de cinco anos, desde que as empresas interessadas tenham comercializado legalmente os produtos em causa, utilizando de forma contínua as denominações em questão pelo menos nos cinco anos anteriores à data de publicação prevista no n._ 2 do artigo 6._

    As consequências de uma tal protecção nacional, no caso de a denominação não ser registada nos termos do presente regulamento, são da exclusiva responsabilidade do Estado-Membro em questão.

    As medidas adoptadas pelos Estados-Membros por força do segundo parágrafo só produzirão efeitos a nível nacional e não devem afectar as trocas comerciais intracomunitárias.

    Caso o pedido diga respeito a uma denominação que designe igualmente uma área geográfica de outro Estado-Membro, este último será consultado antes de ser tomada qualquer decisão.»

    A regulamentação nacional

    7 Após a entrada em vigor do Regulamento n._ 2081/92, o Governo francês adoptou a Lei n._ 94-2, de 3 de Janeiro de 1994, relativa ao reconhecimento da qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JORF de 4 de Janeiro de 1994, p. 131, a seguir «Lei n._ 94-2»). O artigo L. 115-23-1 do code de la consommation, alterado por esta lei (a seguir «code de la consommation»), estabelece:

    «[...]

    [...] O rótulo ou o certificado de conformidade só podem referir a menção geográfica se esta última estiver registada como indicação geográfica protegida.

    Contudo, se a autoridade administrativa pediu o registo desta menção geográfica como indicação geográfica protegida, o rótulo ou o certificado de conformidade podem conter esta menção, incluindo nas características específicas, até à data da decisão relativa ao seu registo.

    [...]

    Os produtos agrícolas e os géneros alimentícios que beneficiavam, antes da publicação da Lei n._ 94-2, de 3 de Janeiro de 1994, relativa ao reconhecimento da qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, de um rótulo agrícola ou de um certificado de conformidade podem continuar a apresentar uma menção de origem geográfica sem beneficiar de uma indicação geográfica protegida durante um período de oito anos a contar da data de publicação da referida lei.»

    O procedimento pré-contencioso

    8 Em conformidade com o procedimento previsto no artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE), a Comissão, após ter convidado a República Francesa a apresentar observações, enviou-lhe, por carta de 28 de Abril de 1999, um parecer fundamentado. No referido parecer a Comissão sustentava designadamente que, ao manter a protecção jurídica nacional concedida às denominações em causa, esse Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28._ CE). Convidava a República Francesa a tomar as medidas exigidas para proceder em conformidade com o parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da respectiva recepção. Face às informações comunicadas à Comissão pelas autoridades francesas na sequência do referido parecer, esta considerou que a República Francesa não se conformava com os pedidos nele formulados e decidiu intentar a presente acção.

    Quanto ao mérito

    9 A Comissão entende que a conformidade dos rótulos instituídos pela regulamentação francesa com o direito comunitário deve ser apreciada à luz do disposto nos artigos 28._ CE e 30._ CE, interpretados, designadamente, por referência às disposições do Regulamento n._ 2081/92.

    10 No que se refere à denominação «Salaisons d'Auvergne», a Comissão realça que as autoridades francesas indicaram que esta denominação devia ser objecto de um pedido de registo como indicação geográfica nos termos do artigo 5._ do Regulamento n._ 2081/92. A Comissão duvida no entanto que essa denominação possa ser registada, na medida em que este regulamento permite o registo de um produto ou de um género alimentício determinado, e não de uma categoria de produtos como os que são abrangidos pela palavra «salaisons». De qualquer modo, na falta de pedido de registo da denominação «Salaisons d'Auvergne», as autoridades francesas não podem validamente invocar as disposições do artigo 5._, n._ 5, do referido regulamento, que lhe conferem a possibilidade de proteger transitoriamente e à escala nacional esta denominação, aguardando uma decisão comunitária relativa ao registo da mesma.

    11 No que se refere às outras denominações em causa, a Comissão lembra que o artigo L. 115-23-1 do code de la consommation, ao mesmo tempo que afirma que um rótulo «só pode referir a menção geográfica se esta última estiver registada como indicação geográfica protegida», estabelece, contudo, um período transitório de oito anos, a contar da publicação da Lei n._ 94-2, durante o qual os produtos agrícolas e os géneros alimentícios que beneficiavam de um rótulo antes da publicação da referida lei podem continuar a apresentar uma menção de origem geográfica sem beneficiar de uma indicação geográfica protegida. Observa não ignorar as possíveis dificuldades técnicas com que podem, eventualmente, ser confrontados os operadores económicos e as instâncias regionais competentes no quadro da reforma da regulamentação relativa aos rótulos. Apesar disso, não pode admitir um período transitório de oito anos, que constituiria uma violação do disposto nos artigos 28._ CE e 30._ CE.

    12 A Comissão sustenta que as disposições francesas que instituem as denominações em causa podem ter efeitos quanto à livre circulação de mercadorias entre Estados-Membros, na medida, designadamente, em que essas disposições favorecem a comercialização de mercadorias de origem nacional em detrimento de mercadorias importadas. A sua aplicação criaria e manteria só por si uma diferença de tratamento entre essas duas categorias de mercadorias.

    13 As denominações em causa destinam-se a informar o consumidor que o produto agrícola ou o género alimentício em que aparecem apostas provém de uma região determinada. No entanto, após a entrada em vigor do Regulamento n._ 2081/92, cujo objecto é precisamente definir, exclusivamente, as condições em que pode ser instituída a protecção de uma denominação que estabelece uma ligação entre, por um lado, produtos agrícolas e géneros alimentícios e, por outro, uma origem geográfica determinada, a protecção das denominações de origem e das indicações geográficas a partir de então só pode ser efectuada no quadro definido por este regulamento.

    14 Na contestação, o Governo francês não nega que, na sequência da adopção da Lei n._ 94-2, o direito nacional não estava em conformidade com o direito comunitário.

    15 Contudo, este governo sustenta, na tréplica, que a adopção de um novo enquadramento jurídico pôs termo ao incumprimento. A esse propósito, refere o seguinte:

    - a denominação «Salaisons d'Auvergne» foi suprimida pelo artigo 6._ do decreto do ministro da Agricultura, Alimentação, Pescas e Assuntos Rurais, bem como pelo secretário de Estado encarregado das PME, do Comércio, do Artesanato, das Profissões Liberais e dos Consumidores, de 12 de Agosto de 2002, que altera os decretos relativos aos rótulos regionais (JORF de 11 de Setembro de 2002, p. 15051, a seguir «decreto conjunto»);

    - no que se refere ao rótulo regional «Savoie», resulta do artigo 1._ do decreto conjunto que foram suprimidas as denominações «jésus, rosette», «pur jus de pomme de Savoie» e «plants de vigne de Savoie»;

    - se bem que não tenha sido formalmente necessária qualquer modificação para o rótulo regional «Franche-Comté», resulta do artigo 2._ do decreto conjunto que a menção «morbier au lait cru» já não figura na lista das denominações protegidas;

    - o rótulo regional «Corse» foi revogada pelo decreto do ministro da Agricultura, Alimentação, Pescas e Assuntos Rurais, de 12 de Agosto de 2002, que revogou o regulamento geral de etiqueta agrícola (JORF de 11 de Setembro de 2002, p. 15051);

    - a revogação do rótulo regional «Midi-Pyrénées» resulta do artigo 3._ do decreto conjunto;

    - no que se refere ao rótulo regional «Nord-Pas-de-Calais», apenas as denominações cujo pedido de registo como indicação geográfica estão em fase de apreciação continuam na lista das denominações protegidas nos termos do artigo 4._ do decreto conjunto;

    - as disposições relativas ao rótulo regional «Ardennes de France» foram revogadas, como resulta do artigo 5._ do decreto conjunto;

    - no que se refere ao rótulo regional «Lorraine» as denominações que resultam deste rótulo foram registadas como indicações geográficas pelo Regulamento (CE) n._ 1107/96 da Comissão, de 12 de Junho de 1996, relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17._ do Regulamento n._ 2081/92 (JO L 148, p. 1), e

    - no que se refere aos rótulos regionais «Normandie», «Limousin» e «Languedoc-Roussillon», a conformidade do direito nacional com o direito comunitário não impõe qualquer alteração do direito nacional.

    16 A este respeito, recorde-se que, segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Novembro de 2002, Comissão/Espanha, C-352/01, ainda não publicado na Colectânea, n._ 6).

    17 Ora, no caso vertente, a República Francesa não contesta que não tomou as medidas necessárias para observar o direito comunitário no prazo fixado para o efeito no parecer fundamentado.

    18 Além disso, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações que para ele decorrem do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 19 de Março de 2002, Comissão/Irlanda, C-13/00, Colect., p. I-2943, n._ 21).

    19 Assim, a acção é procedente.

    20 Por conseguinte, verifica-se que, ao não pôr termo à protecção jurídica nacional concedida às denominações em causa no prazo fixado no parecer fundamentado, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28._ CE.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    21 Por força do disposto no artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Terceira Secção)

    decide:

    22 Ao não pôr termo à protecção jurídica nacional concedida às denominações «Salaisons d'Auvergne», bem como aos rótulos regionais «Savoie», «Franche-Comté», «Corse», «Midi-Pyrénées», «Normandie», «Nord-Pas-de-Calais», «Ardennes de France», «Limousin», «Languedoc-Roussillon» e «Lorraine», no prazo fixado no parecer fundamentado, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28._ CE.

    23 A República Francesa é condenada nas despesas.

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