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Document 62002CC0170

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 8 de Maio de 2003.
    Schlüsselverlag J.S. Moser GmbH, J. Wimmer Medien GmbH & Co. KG, Styria Medien AG, Zeitungs- und Verlags-Gesellschaft mbH, Eugen Ruß Vorarlberger Zeitungsverlag und Druckerei GmbH, "Die Presse" Verlags-Gesellschaft mbH e "Salzburger Nachrichten" Verlags-Gesellschaft mbH & Co. KG contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acção por omissão - Concorrência - Denúncia - Controlo das operações de concentração - Tomada de posição na acepção do artigo 232.º CE - Inadmissibilidade.
    Processo C-170/02 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-09889

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:266

    62002C0170

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 8 de Maio de 2003. - Schlüsselverlag J.S. Moser GmbH, J. Wimmer Medien GmbH & Co. KG, Styria Medien AG, Zeitungs- und Verlags-Gesellschaft mbH, Eugen Ruß Vorarlberger Zeitungsverlag und Druckerei GmbH, "Die Presse" Verlags-Gesellschaft mbH e "Salzburger Nachrichten" Verlags-Gesellschaft mbH & Co. KG contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acção por omissão - Concorrência - Denúncia - Controlo das operações de concentração - Tomada de posição na acepção do artigo 232.º CE - Inadmissibilidade. - Processo C-170/02 P.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-09889


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1. No presente recurso, Schlüsselverlag J. S. Moser GmbH e o. (a seguir «Schlüsselverlag e o.» ou «recorrentes») pedem a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância proferido em 11 de Março de 2002 no processo T-3/02 (a seguir «despacho recorrido») . Neste despacho, o Tribunal de Primeira Instância declarou inadmissível a acção por omissão destinada a obter a declaração de que a Comissão se absteve ilegalmente de se pronunciar sobre a compatibilidade de uma concentração com o mercado comum.

    II - A regulamentação comunitária

    2. O artigo 1.° , n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), determina o seguinte:

    «Para efeitos da aplicação do presente regulamento, uma operação de concentração é de dimensão comunitária:

    a) Quando o volume de negócios total realizado à escala mundial por todas as empresas em causa for superior a 5 mil milhões de euros

    e

    b) Quando o volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 250 milhões de euros,

    a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado-Membro.»

    3. O artigo 4.° , n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 determina:

    «As operações de concentração de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão no prazo de uma semana após a conclusão do acordo ou a publicação da oferta de compra ou de troca ou a aquisição de uma participação de controlo. Esse prazo começa a contar a partir da data em que ocorra o primeiro desses acontecimentos.»

    4. O artigo 6.° , n.° 1, deste regulamento enuncia:

    «A Comissão procederá à análise da notificação logo após a sua recepção.

    a) Se a Comissão chegar à conclusão de que a operação de concentração notificada não é abrangida pelo presente regulamento fará constar esse facto por via de decisão;

    b) Se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo presente regulamento, não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum decidirá não se opor a essa operação de concentração e declará-la-á compatível com o mercado comum;

    [...]

    c) Sem prejuízo do n.° 1-A, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada está abrangida pelo presente regulamento e suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo.»

    5. O artigo 21.° do Regulamento n.° 4064/89 dispõe que sob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas no presente regulamento.

    III - Matéria de facto e tramitação processual na primeira instância

    6. Por despacho de 26 de Janeiro de 2001, o Oberlandesgericht Wien, entidade competente nesta matéria segundo a legislação austríaca sobre concorrência, aprovou a pretendida aquisição pelo Verlagsgruppe News GmbH da Kurier-Magazine Verlags GmbH, pertencente à sociedade Zeitschriften Verlagsbeteiligungs-Aktiengesellschaft.

    7. Por carta de 25 de Maio de 2001, Schlüsselverlag e o., todas sociedades que operam no sector da imprensa austríaca, apresentaram uma denúncia na Comissão relativa a esta aquisição. Na denúncia, referiam que a concentração tinha dimensão comunitária na acepção do Regulamento n.° 4064/89 e que devia, portanto, ter sido notificada à Comissão e esta devia ter adoptado uma decisão quanto à compatibilidade dessa concentração com o mercado comum.

    8. Por carta de 12 de Julho de 2001, o director da Task Force «Controlo das concentrações» da Direcção-Geral da Concorrência informou as recorrentes de que os limiares previstos no artigo 1.° , n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89 não tinham sido alcançados, uma vez que a Kurier-Magazine Verlags GmbH realizava um volume de negócios inferior a 250 milhões de euros por ano.

    9. Em reacção à carta de 7 de Agosto de 2001, na qual Schlüsselverlag e o. contestaram este entendimento, o director da Task Force «Controlo das concentrações» declarou, em carta de 3 de Setembro de 2001, que a sua direcção não subscrevia a tese de Schlüsselverlag e o. e confirmou que a concentração não apresentava dimensão comunitária.

    10. Por carta de 11 de Setembro de 2001, Schlüsselverlag e o. convidaram a Comissão, nos termos do artigo 232.° , segundo parágrafo, CE, a tomar formalmente posição quanto ao início ou não de um processo de verificação em aplicação do Regulamento n.° 4064/89.

    11. Por carta de 7 de Novembro de 2001, o director da Task Force «Controlo das concentrações» acusou a recepção desta carta e respondeu que, pelas razões expostas na carta de 12 de Julho de 2001, os seus serviços não encaravam a possibilidade de nova análise. Além disso, chamou a atenção para o facto de que, na ausência de competência para o efeito nos termos do regulamento relativo ao controlo das concentrações, a Comissão não podia adoptar uma decisão nesse processo.

    12. Em 10 de Janeiro de 2002, Schlüsselverlag e o. intentaram uma acção por omissão. Concluíram pedindo que fosse declarado que a Comissão não cumprira as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE na medida em que, perante a denúncia que haviam apresentado relativamente à realização de uma concentração de dimensão comunitária, notificada a nível nacional e autorizada por despacho de 26 de Janeiro de 2001 do Oberlandesgericht Wien, não tomara qualquer decisão. A título subsidiário, pediram que fosse declarado que a Comissão não convidara as sociedades que participaram nessa concentração a notificarem-lhe a mesma e, por último, que a Comissão fosse condenada nas despesas.

    13. O Tribunal de Primeira Instância considerou-se suficientemente esclarecido com base nas peças dos autos e decidiu, nos termos do artigo 111.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, julgar a acção manifestamente inadmissível, pondo assim termo à instância.

    14. O Tribunal de Primeira Instância concluiu que a carta de 7 de Novembro de 2001 do director da Task Force «Controlo das concentrações» constitui a resposta da Comissão à notificação de 11 de Setembro de 2001. Concluiu ainda que esta carta constitui uma tomada de posição clara na sequência da notificação. O Tribunal de Primeira Instância considera, no n.° 26 do despacho recorrido, que não se pode afirmar que a carta de 7 de Novembro de 2001 exprime unicamente a posição da Task Force «Controlo das concentrações» e não a da Comissão. O Tribunal de Primeira Instância entende que, embora seja certo que as cartas de 12 de Julho e de 3 de Setembro indicavam que «referia[m] o entendimento da direcção de controlo das concentrações e não vincula[m] a Comissão Europeia», essa declaração já não consta da carta de 7 de Novembro de 2001, que deve, portanto, ser considerada como a tomada de posição da Comissão.

    IV - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância

    15. Em 7 de Maio de 2002, Schlüsselverlag e o. interpuseram recurso do despacho do Tribunal de Primeira Instância, solicitando a anulação do despacho recorrido e, quanto ao mérito, a procedência da acção ou, a título subsidiário, a anulação do despacho recorrido e a remessa do processo ao Tribunal de Primeira Instância; em qualquer dos casos, a condenação da Comissão nas despesas.

    16. A Comissão conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que Schlüsselverlag e o. sejam condenados nas despesas.

    V - Fundamentos

    17. As recorrentes apresentam dois fundamentos, a saber 1) a determinação incompleta da matéria de facto e 2) a apreciação errada da carta de 7 de Novembro de 2001.

    Primeiro fundamento: determinação incompleta da matéria de facto

    18. Com o primeiro fundamento, Schlüsselverlag e o. alegam que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua decisão na declaração da Comissão segundo a qual as cartas de 12 de Julho e 3 de Setembro de 2001 «referia[m] o ponto de vista da Direcção [-Geral da Concorrência] e não [podem] vincula[r] a Comissão Europeia», sem, no entanto, ter incluído o conteúdo dessa afirmação na determinação da matéria de facto.

    19. A Comissão entende que este fundamento é inadmissível, ou que não procede, uma vez que os factos apurados no despacho recorrido são suficientes para fiscalizar a apreciação jurídica do Tribunal de Primeira Instância.

    Apreciação

    20. Partilho do entendimento da Comissão. Em primeiro lugar, conforme também observou a Comissão, é jurisprudência assente que, ao abrigo do artigo 225.° CE e do artigo 51.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância só pode ter por fundamento a violação de normas jurídicas, excluindo-se qualquer apreciação dos factos.

    21. Em segundo lugar, na medida em que este fundamento aduzido por Schlüsselverlag e o. significa que a indicação dos factos é de tal modo insuficiente que não permite uma fiscalização jurisdicional da apreciação jurídica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, não pode ser acolhido. Com efeito, da leitura dos n.os 1 a 7 do despacho recorrido, em conjugação com o n.° 26, resulta sem margem para dúvidas que as cartas de 12 de Julho e de 3 de Setembro de 2001, ao contrário da carta de 7 de Novembro de 2001, formulavam efectivamente uma reserva no sentido de que apenas reproduziam o entendimento da Direcção-Geral da Concorrência. O facto de essas passagens das cartas anteriores não terem sido expressamente reproduzidas no resumo da matéria de facto não é relevante.

    Segundo fundamento: apreciação jurídica errada da carta do director da Task Force «Controlo das concentrações» de 7 de Novembro de 2001

    22. Schlüsselverlag e o. consideram que a carta de 7 de Novembro de 2001 é proveniente apenas do director da Task Force «Controlo das concentrações» e que essa carta não pode vincular juridicamente a Comissão enquanto instituição. O Tribunal de Primeira Instância cometeu, assim, um erro de direito ao entender que a Comissão adoptou nessa carta uma posição na acepção do artigo 232.° , segundo parágrafo, CE e que, nessa medida, a omissão cessou.

    23. Schlüsselverlag e o. chamam a atenção para o facto de o director, nesta carta, se ter referido expressamente às cartas de 12 de Julho de 2001 e 3 de Setembro de 2001. Estas referem que o seu serviço não encarava a possibilidade de efectuar uma análise. Nestas cartas anteriores, o director também indicou expressamente que o entendimento jurídico adoptado reproduzia apenas a opinião da Direcção-Geral da Concorrência e não vinculava a Comissão.

    24. A interpretação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a carta de 7 de Novembro de 2001 constitui um acto impugnável que é imputável à Comissão, uma vez que esta carta, em relação à qual não se pode afirmar, contrariamente às duas cartas anteriores, que não é vinculativa para a Comissão, parece arbitrária e viola o princípio da boa fé e, consequentemente, os princípios gerais do direito comunitário.

    25. Chamam igualmente a atenção para o facto de o presente processo não ser comparável ao processo que deu origem ao acórdão Air France/Comissão , no qual um comunicado de imprensa efectuado por um porta-voz da Direcção-Geral da Concorrência foi considerado uma decisão tomada em nome da Comissão.

    26. Independentemente da questão de saber se na carta de 7 de Novembro de 2001 é ou não formulada uma reserva quanto à vinculação jurídica da Comissão pelo conteúdo da carta, a Comissão entende que a acção por omissão é inadmissível. Observa que nesta carta também salientou que, de qualquer forma, nenhuma decisão podia ter sido tomada, por não haver uma base jurídica para esse efeito, o que implica, segundo a Comissão, que também não é possível concluir pela existência de uma omissão .

    27. Em primeiro lugar, a acção por omissão devia ser declarada inadmissível devido à inexistência de base jurídica para uma decisão de indeferimento na sequência de uma denúncia. A Comissão observa, a esse propósito, que ao contrário do que acontece no âmbito do Regulamento n.° 17 e do Regulamento (CE) n.° 2842/98 , baseado naquele, em particular o seu artigo 6.° , o Regulamento n.° 4064/89 e o Regulamento (CE) n.° 447/98 não prevêem um procedimento de denúncia . Além disso, um procedimento de denúncia demorado seria contrário ao objectivo principal do regulamento, que é o de garantir uma análise eficaz e a segurança jurídica em relação às empresas sujeitas ao regulamento.

    28. Em segundo lugar, a Comissão observa que mesmo que a carta de 25 de Maio de 2001 seja considerada um pedido, tendo em vista onerar as empresas envolvidas na concentração com a notificação da transacção à Comissão, para esta depois a analisar, a acção por omissão é inadmissível. A Comissão alega, a esse propósito, que o Regulamento n.° 4064/89 não lhe impõe qualquer obrigação de forçar, a pedido de terceiros, uma notificação, de analisar posteriormente a transacção notificada ou de dirigir às partes que realizaram a notificação uma decisão, nos termos do artigo 6.° , n.° 1, alínea a), do regulamento, de modo a permitir a impugnação por terceiros desta decisão. O legislador comunitário não previu tal obrigação deliberadamente. Antes de mais, a adopção de uma decisão com base no artigo 6.° , n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 pressupõe uma notificação prévia efectuada pelas partes. Depois, uma notificação provocada por um terceiro que culmine na adopção de uma decisão nos termos do artigo 6.° , n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 viola o princípio «one-stop shop» consagrado nesse regulamento, que prevê uma clara repartição de competências entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência. Isso pode levar a que tenha de recorrer-se a procedimentos paralelos. Só existiria segurança jurídica para as partes envolvidas na concentração depois de concluídos os procedimentos nacional e comunitário.

    29. Em terceiro lugar, a Comissão observa que mesmo que as recorrentes conseguissem, através de uma acção por omissão, forçar a Comissão a examinar uma decisão tomada por uma autoridade nacional da concorrência por meio de uma decisão (preparatória) que convidasse as partes a notificar a sua transacção, da subsequente análise e, finalmente, de uma decisão nos termos do artigo 6.° , n.° 1, alínea a), do regulamento, a sua posição jurídica não se alteraria. As partes não têm o direito de determinar que uma entidade fiscalizadora decida em vez da outra sobre uma concentração entre terceiros. A sua posição jurídica não pode ser afectada, uma vez que não se pode partir do princípio de que uma autoridade da concorrência utiliza critérios mais rigorosos do que a outra. Além disso, a protecção jurídica de terceiros relativamente à decisão da autoridade nacional respectiva deve ser assegurada, em primeiro lugar, por instrumentos jurídicos. A circunstância de não terem manifestamente acesso a determinados instrumentos jurídicos ao abrigo do direito nacional não pode ser determinante para esse efeito .

    30. Por último, a Comissão observa que as recorrentes só apresentaram um pedido à Comissão quatro meses após a decisão de fundo tomada pela autoridade nacional competente. Partindo do princípio que as mesmas estavam ao corrente do procedimento nacional e que só agiram quatro meses depois de terem conhecimento de que a autoridade nacional se considerava competente nesse caso, deve reputar-se a sua intervenção de tardia, designadamente no contexto do controlo das concentrações.

    31. A Comissão é da opinião de que se o Tribunal de Justiça não partilhar do seu entendimento, o recurso terá de ser julgado inadmissível, uma vez que a Comissão tomou posição na sua carta de 7 de Novembro de 2001.

    Apreciação

    32. Antes de examinar o segundo fundamento apresentado por Schlüsselverlag e o., começo por considerar as observações feitas pela Comissão.

    33. Por um lado, coloca-se a questão de saber se são admissíveis os argumentos da Comissão que não se opõem ao dispositivo do despacho recorrido, mas ao fundamento com base no qual o Tribunal de Primeira Instância chegou a esse entendimento. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância decidiu imediatamente, nos termos do artigo 111.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, pondo assim termo à instância, de modo que a Comissão não teve a oportunidade de apresentar ou de esclarecer as suas observações. Acresce que estes elementos não excluem que se possa averiguar oficiosamente se um dos argumentos da Comissão pode ou não ser acolhido. Entendo, portanto, que estes argumentos devem ser examinados.

    34. Refira-se que os primeiros três argumentos invocados pela Comissão dizem, essencialmente, respeito às suas competências ou obrigações na sequência de uma denúncia efectuada no âmbito do controlo das concentrações.

    35. A Comissão afirma, em síntese, que não existe qualquer base jurídica para um pedido de indeferimento, que não é obrigada a intervir na sequência de um pedido apresentado por terceiros e que, mesmo que estes conseguissem através de uma acção por omissão obrigar a Comissão a agir, a sua posição jurídica não seria afectada.

    36. A este propósito, observa que o legislador comunitário optou ao nível comunitário por uma fiscalização preventiva das concentrações, impondo uma comunicação prévia obrigatória e um período de espera antes de se poder realizar a concentração, com uma eventual sanção pecuniária no caso de incumprimento destas normas.

    37. Em relação às concentrações de uma certa envergadura, ou seja, as concentrações que ultrapassam os limiares do volume de negócios previstos no artigo 1.° do regulamento, as chamadas concentrações de dimensão comunitária, a Comissão é exclusivamente competente. Os Estados-Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre concorrência a estas concentrações. Este último aspecto implica uma repartição estrita das competências entre a Comissão, por um lado, e as autoridades nacionais da concorrência, por outro, no que se refere à fiscalização da concentração.

    38. Além disso, o Regulamento n.° 4064/89 caracteriza-se por procedimentos acelerados, nomeadamente para oferecer aos operadores económicos em causa uma resposta definitiva tão rápida quanto possível e, assim, segurança jurídica.

    39. No caso em apreço, coloca-se a questão de saber se a acção por omissão das recorrentes é admissível. Os primeiros três argumentos da Comissão não me convencem. A Comissão já invocou argumentos semelhantes no processo Air France/Comissão, no Tribunal de Primeira Instância . O Tribunal de Primeira Instância teve razão ao não acolher esses argumentos. O facto de a questão de admissibilidade se colocar no âmbito de um recurso de anulação é, para o efeito, irrelevante.

    40. Em primeiro lugar, os terceiros podem ter interesse em que a Comissão averigue se a concentração tem ou não uma dimensão comunitária. Esta apreciação da Comissão tem uma série de consequências jurídicas, tanto para as empresas envolvidas na concentração como para os Estados-Membros e, também, para terceiros, como é o caso dos concorrentes directos das partes envolvidas na concentração. Estes terceiros podem ser directa e individualmente afectados por essa decisão .

    41. A alegação da Comissão de que o Regulamento n.° 4064/89 não prevê um procedimento formal de denúncia, pelo que não há uma base jurídica para o indeferimento de uma denúncia, e de que só é possível concluir que falta dimensão comunitária a determinada concentração com base numa notificação efectuada pelas empresas envolvidas na concentração, não procede.

    42. O facto de o Regulamento n.° 4064/89 atribuir à Comissão competência para avaliar determinadas concentrações implica que a mesma também seja competente para analisar a sua própria competência relativamente a determinada concentração. Pode fazê-lo quer na sequência da comunicação das empresas envolvidas na concentração quer oficiosamente ou na sequência de um pedido nesse sentido apresentado por terceiros. A adopção de uma decisão nessa matéria não exige, portanto, comunicação prévia.

    43. O facto de o Regulamento n.° 4064/89 não prever um procedimento de denúncia é, para o efeito, irrelevante. Os terceiros têm legitimidade, na qualidade de interessados directos, para apresentarem à Comissão um pedido de verificação da dimensão comunitária de determinada concentração. Se a Comissão entender que determinada concentração não possui dimensão comunitária, pode fazer constar esse facto por via de decisão. Conforme o Tribunal de Primeira Instância também observou no acórdão Air France/Comissão, já referido, os terceiros podem, nesse caso, impugnar a decisão através de recurso de anulação ou, se a Comissão não deferir o seu pedido, propor uma acção por omissão.

    44. Parece-me de maior importância o argumento da Comissão assente no facto de as recorrentes só lhe terem apresentado o seu pedido quatro meses depois de a entidade nacional competente ter tomado uma decisão.

    45. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o convite a agir deve ser feito num prazo razoável a contar do momento em que se verifica que a instituição não está pronta ou não se prepara para agir. O que é razoável depende do caso concreto. Em todo o caso, resulta da jurisprudência que uma espera demasiado longa pode levar a que a acção por omissão a seguir proposta seja declarada inadmissível .

    46. No caso em apreço, a autoridade nacional competente para esse efeito proferiu uma decisão em 26 de Janeiro de 2001. O pedido dirigido à Comissão data de 25 de Maio de 2001. Segundo a Comissão, as recorrentes deviam ter levantado a questão da competência ainda na pendência do procedimento nacional ou o mais rapidamente possível após o seu termo, mas não quatro meses depois. A esse propósito, a Comissão observa que um prazo tão longo contraria o objectivo prosseguido pela fiscalização da concentração, que é o de garantir uma fiscalização eficaz e a segurança jurídica. Deste modo, as recorrentes deixaram caducar o seu direito.

    47. O que está em causa não é tanto a questão de saber se o convite, que data de 11 de Setembro de 2001, foi feito tardiamente, mas antes se o pedido apresentado em 25 de Maio de 2001 por Schlüsselverlag e o. já não é, em si mesmo, demasiado tardio, tendo como consequência a inadmissibilidade de uma acção por omissão. Compreendo o ponto de vista da Comissão. Importa referir que o escopo geral do Regulamento n.° 4064/89 se caracteriza pela exigência de rapidez (prazos rígidos) e de segurança jurídica para os operadores económicos. No meu entender, essa exigência refere-se não só aos procedimentos desencadeados na sequência de uma notificação, mas também a um pedido apresentado por um terceiro que entende que uma concentração possui uma dimensão comunitária e que a Comissão a deve, portanto, analisar. Tais pedidos de terceiros devem, pois, ser apresentados num prazo razoável, sobretudo se já tiver sido iniciado um procedimento nacional. O que é razoável pode variar de caso para caso. Contudo, no caso em apreço, as recorrentes esperaram quatro meses para invocarem a alegada competência da Comissão e consequente incompetência da autoridade austríaca. Partindo do princípio de que as recorrentes, mesmo que não tivessem conhecimento da concentração em curso e de que a mesma estava a ser objecto de análise pela autoridade nacional, foram, em todo o caso, informadas desse facto imediatamente após a decisão da referida autoridade, tal prazo não pode ser considerado razoável. Com base nisso, o Tribunal de Primeira Instância podia ter declarado inadmissível a acção por omissão.

    48. Esta conclusão não afecta, porém, a validade do despacho recorrido, uma vez que a acção proposta pelas recorrentes no Tribunal de Primeira Instância era, de qualquer forma, inadmissível. O Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente depreender da carta de 7 de Novembro de 2001 - uma vez que esta já não formulava qualquer reserva - que a mesma era imputável à Comissão e que continha uma tomada de posição na acepção do artigo 232.° , segundo parágrafo, CE. O facto de se remeter nessa carta para a carta de 12 de Julho de 2001, onde é efectivamente formulada a reserva, nada altera. Com efeito, a remissão feita na carta de 7 de Novembro de 2001 limita-se à não aplicabilidade do Regulamento n.° 4064/89 em virtude de não terem sido alcançados os limiares do volume de negócios referidos no artigo 1.° , n.° 2, desse regulamento. Considero, assim, que o segundo fundamento invocado pelas recorrentes também não pode ser acolhido.

    VI - Conclusão

    49. Com base no exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que:

    1) Negue provimento ao recurso.

    2) Condene as recorrentes nas despesas.

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