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Document 62002CC0151

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 8 de Abril de 2003.
    Landeshauptstadt Kiel contra Norbert Jaeger.
    Pedido de decisão prejudicial: Landesarbeitsgericht Schleswig-Holstein - Alemanha.
    Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Directiva 93/104/CE - Conceitos de tempo de trabalho e de período de descanso - Permanências (Bereitschaftsdienst) asseguradas por um médico num hospital.
    Processo C-151/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-08389

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:209

    62002C0151

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 8de Abril de2003. - Landeshauptstadt Kiel contra Norbert Jaeger. - Pedido de decisão prejudicial: Landesarbeitsgericht Schleswig-Holstein - Alemanha. - Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Directiva 93/104/CE - Conceitos de tempo de trabalho e de período de descanso - Permanências (Bereitschaftsdienst) asseguradas por um médico num hospital. - Processo C-151/02.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-08389


    Conclusões do Advogado-Geral


    1. O Landesarbeitsgericht de Schleswig-Holstein (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça quatro questões prejudiciais nas quais solicita a interpretação de algumas das disposições da Directiva 93/104/CE, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho .

    Concretamente, pretende saber-se se os períodos de permanência que os médicos cumprem nos hospitais constituem, na sua totalidade, tempo de trabalho, na hipótese de lhes ser permitido aí dormir durante os intervalos em que os seus serviços não sejam solicitados.

    I - Os factos do processo principal

    2. N. Jaeger, demandante no processo principal e recorrido no Landesarbeitsgericht que submeteu as questões prejudiciais, trabalha desde 1 de Maio de 1992 como médico no departamento de cirurgia de um hospital da cidade de Kiel. Mediante acordo complementar comprometeu-se a efectuar permanências, incluídas no escalão D do n.° 8, alínea 2, do anexo 2 C do Bundesangestelltentarifvertrag, que é a convenção colectiva aplicável ao pessoal contratado da administração federal, aplicável ao contrato por acordo das partes. Desde Abril de 1998, N. Jaeger trabalha 3/4 do período normal de trabalho, que equivalem a cerca de 29 horas semanais.

    3. Regra geral, efectua seis turnos de permanência por mês, que duram dezasseis horas, de segunda a quinta-feira; na sexta-feira, dezoito horas e meia; no sábado, vinte e cinco (entre as 8.30 h e as 9.30 h de domingo) e no domingo, vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos (entre as 8.30 h e as 7.15 h de segunda-feira), perfazendo, no total, cento e catorze horas por mês. A permanência de segunda a sexta-feira inicia-se no fim de um normal dia de trabalho de oito horas.

    4. Durante os turnos de permanência, o médico está na clínica, efectuando o trabalho que se lhe pede. Dispõe de uma divisão que partilha com dois colegas, em que pode dormir enquanto os seus serviços não são solicitados. Por força da convenção colectiva aplicável, a média do tempo de actividade nesses períodos não ultrapassa 49% no decurso de vários meses . Em contrapartida recebe, em parte, tempo livre e, em parte, complementos retributivos.

    5. N. Jaeger alega que a referida permanência no hospital é tempo de trabalho. O Landeshauptstadt Kiel, que é a entidade de gestão do hospital, demandado e recorrente no processo principal defende, por sua vez, com base na jurisprudência reiterada dos tribunais nacionais e da doutrina dominante na Alemanha, que as permanências, nos períodos em que os médicos não exerçam qualquer actividade devem ser consideradas períodos de descanso e não tempo de trabalho.

    6. Tendo a acção sido julgada procedente na primeira instância, o Landeshauptstadt Kiel interpôs recurso da decisão.

    II - A legislação alemã

    7. Segundo indica o órgão jurisdicional nacional, o tempo de trabalho e o de descanso estão regulados na lei relativa ao período de trabalho (Arbeitszeitgesetz), de 6 de Junho de 1994, adoptada para transpor a Directiva 93/104 para o direito interno.

    8. De acordo com o § 2, n.° 1, entende-se por tempo de trabalho aquele que decorre desde o início do período de trabalho até ao seu fim, sem contar com os intervalos para descanso; nos termos do § 3, esse tempo não pode ultrapassar oito horas nos dias úteis, podendo, no entanto, ser prolongado até dez horas se, no período de seis meses ou de 24 semanas, a média não ultrapassar as oito horas por dia útil.

    9. O descanso dos trabalhadores está regulado no § 5, que dispõe que, uma vez terminado o período de trabalho diário, devem dispor de um repouso ininterrupto de, pelo menos, onze horas.

    Contudo, o n.° 2 da mesma disposição permite que, em hospitais e outros estabelecimentos de tratamento, cuidados e assistência a pessoas, o descanso seja reduzido em uma hora, no máximo, desde que, em contrapartida, no mesmo mês ou no espaço de quatro semanas, lhe seja prolongado outro período de repouso até alcançar as doze horas, pelo menos.

    O n.° 3 estabelece que, nos referidos centros médicos, os intervalos de actividade nos turnos de permanência (Bereitschaftsdienst) ou de localização de urgência (Rufbereitschaft), inferiores a metade do tempo de descanso, podem ser compensados noutras alturas.

    10. Desde que se garanta a protecção da saúde do trabalhador através da correspondente contrapartida em períodos de descanso equivalentes, o § 7, n.° 2, autoriza que nas convenções colectivas ou nos acordos de empresas se acorde:

    - que, com excepção do previsto no § 5, n.° 1, quando se trate de permanência e de localização de urgência, o descanso seja adaptado às especificidades desses serviços, compensando noutra altura as reduções do descanso causadas pelos intervalos de actividade durante os turnos;

    - que, em caso de assistência médica, o disposto nos §§ 3, 4, 5, n.° 1, e 6, n.° 2, se adeque às especificidades de tal actividade e ao bem-estar das pessoas;

    - que, relativamente aos órgãos da administração e empresas do Estado, dos Länder, dos municípios e restantes corporações, estabelecimentos e fundações de direito público, bem como a outras empresas a que se apliquem as convenções colectivas em vigor para a Administração Pública ou uma convenção colectiva de conteúdo essencialmente idêntico, o disposto nos referidos §§ 3, 4, 5, n.° 1, e 6, n.° 2, se ajuste às particularidades da função desempenhada por esses organismos.

    11. Segundo o artigo 15.° da convenção colectiva do pessoal contratado da administração federal, o tempo de trabalho semanal atinge, em média, trinta e oito horas e meia, calculado para um período de oito semanas. A duração pode prolongar-se até atingir, em média, dez horas diárias ou quarenta e nove semanais, se incluir um turno de permanência obrigatória (Arbeitsbereitschaft) de, pelo menos, duas horas por dia, em média; onze horas diárias ou cinquenta e quatro semanais, em média, se o turno for de três horas, e doze horas diárias ou sessenta semanais, em média, se o trabalhador permanecer no centro, mas só trabalhar quando tal for pedido.

    Os trabalhadores são obrigados, por determinação da sua entidade patronal, a permanecer, fora da duração normal de trabalho, num local determinado onde os seus serviços, segundo as necessidades, possam ser solicitados. Só se lhes deve impor a realização de turnos de permanência quando se preveja um certo volume de actividade que, segundo a experiência, não ultrapasse a duração dos períodos de calma.

    O Governo alemão informou, nas suas observações escritas, que tal convenção permite reduzir para oito horas o tempo de descanso dos médicos. Os interlocutores sociais acordaram que o período mínimo de descanso depois de um turno de permanência em fim-de-semana seja de doze horas, apesar de, se o turno for de doze horas cumpridas após um período de trabalho de sete horas e meia, o descanso poder ser reduzido para oito horas.

    III - As questões prejudiciais

    12. O Landesarbeitsgericht refere que o conceito de permanência não está regulado na lei relativa ao período de trabalho. Trata-se da obrigação de estar presente num determinado local, aliada à disponibilidade para trabalhar de imediato em caso de necessidade. O trabalhador descansa ou trabalha, segundo as circunstâncias. Quando age, não o faz por iniciativa própria, mas somente por determinação da entidade patronal. N. Jaeger efectua permanências que correspondem a esta noção.

    Informa que, no direito alemão, a permanência conta como período de descanso e não como tempo de trabalho, com base no § 5.° , n.° 3, e do § 7.° , n.° 2, da lei relativa ao período de trabalho. O facto de as reduções do descanso causadas pelos intervalos de actividade serem compensadas noutra altura demonstra que o turno de permanência se considera descanso quando o trabalhador não tiver realizado qualquer prestação.

    Acrescenta que, nos últimos anos, o Bundesarbeitsgericht assim o tem declarado reiteradamente, embora em matéria retributiva. No seu entender, não se pode dizer que o trabalhador que dorme desempenha um serviço menor comparativamente ao desenvolvido durante o trabalho completo, uma vez que não realiza qualquer trabalho. Aplicando este raciocínio ao presente processo, impor-se-ia declarar que, enquanto dorme, o trabalhador não está à disposição da entidade patronal, na acepção da Directiva 93/104.

    13. A fim de resolver o processo quanto ao mérito, o órgão jurisdicional alemão decidiu suspendê-lo e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) O serviço de urgência interna (Bereitschaftsdienst) que um trabalhador presta num hospital deve ser considerado tempo de trabalho, na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104/CEE, mesmo que lhe seja permitido dormir durante o tempo em que não está a prestar serviço efectivo?

    2) Viola o artigo 3.° da Directiva 93/104/CE uma regulamentação nacional que considere o tempo passado em serviço de urgência interna (Bereitschaftsdienst) - no âmbito do qual o trabalhador se mantém num quarto que é posto à sua disposição, no hospital, até que seja chamado para prestar serviço efectivo - período de descanso, com excepção do tempo de serviço efectivamente prestado?

    3) Viola a Directiva 93/104/CE uma regulamentação de direito nacional que permite uma diminuição do período de descanso diário de 11 horas - previsto para os hospitais e outros estabelecimentos destinados ao tratamento, cuidado e assistência a pessoas -, ainda que o tempo de serviço efectivamente prestado durante o serviço de urgência interna (Bereitschaftsdienst) ou de chamada (Rufbereitschaft), que não excede metade do período de descanso, seja posteriormente compensado?

    4) Viola a Directiva 93/104/CE uma regulamentação de direito nacional que permite que, numa convenção colectiva de trabalho ou num acordo de empresa com base numa convenção colectiva de trabalho, se admita que, no caso de serviço de urgência interna (Bereitschaftsdienst) ou de chamada (Rufbereitschaft), os períodos de descanso sejam adaptados às especificidades desses serviços, podendo-se em especial prever que as diminuições do período de descanso causadas por prestação de serviço efectivo no âmbito desses serviços sejam posteriormente compensadas?»

    IV - A legislação comunitária

    14. A fim de dar resposta ao Landesarbeitsgericht, o Tribunal de Justiça deve interpretar as seguintes disposições da Directiva 93/104:

    Artigo 2.°

    «Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por:

    1) Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional;

    2) Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho;

    [...]»

    Artigo 3.°

    «Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso de onze horas consecutivas por cada período de vinte e quatro horas.»

    Artigo 6.°

    «Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

    [...]

    2. A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda quarenta e oito horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada período de sete dias.»

    Artigo 17.°

    «[...]

    2. Podem ser previstas derrogações por via legislativa, regulamentar ou administrativa, ou ainda por via de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excepcionais em que não seja possível, por razões objectivas, a concessão de períodos equivalentes de descanso compensatório seja concedida aos trabalhadores em causa uma protecção adequada:

    2.1. Aos artigos 3.° , 4.° , 5.° , 8.° e 16.° :

    [...]

    c) No caso de actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate:

    i) de serviços ligados à recepção, tratamento e/ou cuidados dispensados em hospitais ou estabelecimentos semelhantes, instituições residenciais e prisões;

    [...]»

    V - O processo no Tribunal de Justiça

    15. Apresentaram observações escritas neste processo, dentro do prazo estabelecido pelo artigo 20.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o Landeshauptstadt Kiel, N. Jaeger, os Governos dinamarquês, alemão, dos Países Baixos, do Reino Unido e a Comissão.

    Na audiência de 25 de Fevereiro de 2003 compareceram, a fim de expor oralmente as suas alegações, o representante do Landeshauptstadt Kiel, N. Jaeger, os agentes dos Governos alemão, francês, dos Países Baixos, do Reino Unido e da Comissão.

    VI - As observações apresentadas

    16. N. Jaeger afirma que as permanências que faz no hospital devem considerar-se, globalmente, tempo de trabalho, independentemente da frequência com que sejam solicitados os seus serviços, uma vez que é obrigado a permanecer no centro, à disposição da entidade patronal, para exercer as suas funções quando necessário. Na Alemanha a protecção da saúde e da segurança do trabalhador não é garantida, pois a compensação das permanências é limitada aos períodos de actividade. Se fosse permitido exigir de um médico até trinta horas de actividade sem interrupção, a restituição a posteriori através de tempos de descanso não o protegeria da tensão a que esteve sujeito nem dos erros cometidos no desempenho das suas funções, pelo que não se lhe concederia o período equivalente de descanso a que se refere o artigo 17.° , n.° 2, da Directiva 93/104.

    17. Na opinião do Landeshauptstadt Kiel e dos cinco Governos que se manifestaram neste processo, as permanências que um trabalhador realiza num hospital não representam, em termos gerais, tempo de trabalho na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104. Mais especificamente, se é autorizado a dormir no centro, não são assim considerados os períodos em que os seus serviços não são solicitados. Defendem que os três critérios enunciados pelo artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 para definir o tempo de trabalho são cumulativos. Por essa razão, não se pode pretender que os períodos de repouso durante as permanências os preencham, pois o trabalhador não está à disposição da entidade patronal quando dorme ou descansa, além de não executar qualquer das tarefas previstas pelo seu contrato. A obrigação de permanecer no estabelecimento representa somente uma restrição à sua liberdade de movimento e a sua disponibilidade para trabalhar não se pode equiparar ao cumprimento de uma prestação laboral. A protecção de quem faz permanências é garantida através da renovação do período de descanso de onze horas cada vez que é interrompido pela solicitação dos seus serviços. Se não for incomodado e puder dormir até onze horas, esse período conta como descanso compensatório. Quando, por circunstâncias excepcionais, a carga de trabalho no hospital ultrapassa os 50% durante as permanências, o trabalhador deve ter o dia seguinte livre, o que lhe assegura o descanso imprescindível para a protecção da saúde.

    18. A Comissão, pelo contrário, considera que as permanências são, em geral, tempo de trabalho, uma vez que os médicos são obrigados a permanecer no centro hospitalar, a fim de exercerem a sua profissão, à disposição da entidade patronal. Por outro lado, as horas que o médico dedica às permanências não fazem parte do período mínimo de descanso de onze horas consecutivas que o trabalhador deve gozar por cada vinte e quatro horas, de acordo com o artigo 3.° da Directiva 93/104.

    VII - Análise das questões prejudiciais

    A - A primeira questão

    19. Com esta pergunta, o tribunal alemão pretende saber se as permanências realizadas por um médico em regime de presença num hospital constitui, na sua totalidade, tempo de trabalho na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104, tendo em conta que se lhe permite dormir nos intervalos em que não está em actividade.

    20. O Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a finalidade da Directiva 93/104 no acórdão BECTU , assinalando que resulta do artigo 118.° -A do Tratado , que constitui a sua base jurídica, e dos primeiro, quarto, sétimo e oitavo considerandos da própria directiva, e ainda da redacção do seu artigo 1.° , n.° 1, que ela tem por objecto adoptar prescrições mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores através de uma aproximação das disposições nacionais relativas, nomeadamente, à duração do tempo de trabalho, acrescentando que, segundo estas mesmas disposições, esta harmonização comunitária em matéria de organização do tempo de trabalho tem por finalidade garantir uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, para que beneficiem de períodos mínimos de descanso e de pausas adequados.

    21. A Directiva 93/104 estabelece, pois, as prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho que se aplicam aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, às pausas, à duração máxima do trabalho semanal, bem como a certos aspectos do trabalho nocturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

    22. O conceito de tempo de trabalho está definido no n.° 1 do artigo 2.° da Directiva 93/104, segundo o qual é-o «qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional». Por exclusão, o n.° 2 qualifica de período de descanso todo o «que não seja tempo de trabalho».

    23. No acórdão proferido no processo SIMAP , o Tribunal de Justiça já considerara que os elementos característicos da noção de tempo de trabalho estavam presentes nos períodos de permanência dos médicos das equipas de urgência quando prestados no regime de presença física no estabelecimento de saúde, durante os quais eram cumpridas as duas primeiras condições, acrescentando que, ainda que a actividade efectivamente desenvolvida varie consoante as circunstâncias, a obrigação de estarem presentes e disponíveis nos locais de trabalho com vista à prestação dos seus serviços profissionais deve considerar-se inserida no exercício das suas funções.

    24. O órgão jurisdicional que submeteu a questão prejudicial conhece esta jurisprudência. Considera, contudo, que desta vez a resposta podia ser diferente, pelo facto de se permitir ao médico dormir nos intervalos em que os seus serviços não são solicitados, circunstância que não foi analisada anteriormente.

    25. Analisando a situação concreta do médico que realiza as permanências num hospital alemão, noto que se exige a sua presença física no centro de saúde de acordo com um horário predeterminado, durante o qual tem de estar disponível para exercer a sua actividade, fazendo frente às necessidades que surjam, seguindo as indicações da entidade patronal. Mesmo na hipótese de a média de tempo de trabalho efectivo, calculada para um período de vários meses, ser de 49%, a verdade é que quando está de permanência, podem solicitar-lhe os seus serviços quantas vezes forem precisos, sem que exista qualquer limite quanto a esse ponto.

    26. Tal como acontecia no processo SIMAP , os dois primeiros requisitos previstos pelo artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 estão preenchidos, na medida em que o médico está no local de trabalho à disposição da entidade patronal . A dúvida surge porque, quando realiza a permanência, lhe é permitido dormir enquanto os seus serviços não lhe são solicitados, de modo que não exerce a sua actividade de forma continuada.

    27. Na minha opinião, esta possibilidade de dormir não significa que se tenham de excluir tais momentos da consideração de tempo de trabalho, por várias razões.

    28. Em primeiro lugar, os três critérios referidos no artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 são autónomos; como demonstrou o advogado-geral A. Saggio nas conclusões que apresentou no processo SIMAP e o Tribunal de Justiça depois confirmou no n.° 48 do acórdão , para qualificar um determinado período de tempo de trabalho não é necessário que estejam todos preenchidos. Importa não esquecer que a Directiva 93/104 pretende estabelecer as prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho em todos os Estados-Membros, pelo que os conceitos do artigo 2.° são definidos de forma muito ampla, a fim de englobar todas as situações que se apresentem na prática.

    29. Claro que o preenchimento de um só dos critérios não é suficiente. Nem todas as horas que alguém passa no local de trabalho são consideradas tempo de trabalho; é possível descontar, por exemplo, o intervalo destinado à refeição; o estar à disposição da entidade patronal um número determinado de horas por dia ou certos dias da semana também não implica necessariamente tempo de trabalho ; nem sequer o exercício da actividade, se não for acompanhado de algum dos outros dois critérios, uma vez que o interessado pode exercê-la por sua própria iniciativa, de forma altruísta, fora da esfera de influência da sua entidade patronal.

    30. Na minha opinião, os períodos em que o trabalhador permanece no local de trabalho, à disposição da entidade patronal, constituem tempo de trabalho ainda que não esteja a exercer as suas funções, uma vez que a distribuição de tarefas pelo pessoal, em cada momento, é um poder da entidade patronal. O mesmo se pode dizer das alturas em que o trabalhador está no trabalho, exercendo a sua actividade, sem estar à disposição da entidade patronal por gozar de ampla autonomia para obter um resultado concreto, e aquelas em que está à disposição da entidade patronal, exercendo as suas funções, mas fora do local de trabalho.

    A coincidência de dois dos requisitos é, pois, condição necessária e, na maioria dos casos, suficiente para considerar determinados períodos como tempo de trabalho na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104.

    31. É verdade que, como salientou na audiência o representante do Reino Unido, o primeiro requisito está expresso de maneira diferente consoante a língua. Por exemplo, se em espanhol , francês ou italiano se exige que o trabalhador esteja ou permaneça no trabalho, em inglês , alemão e neerlandês é necessário que esteja a trabalhar. Contudo, este exercício comparativo não leva a lado nenhum, já que se tivesse de prevalecer a formulação utilizada por estes três últimos idiomas não haveria diferença entre o primeiro e o terceiro requisitos, sendo um deles redundante. Isto sem contar com a versão em português, que se diferencia das referidas, pois parece separar os critérios em dois grupos: ou o trabalhador está a trabalhar, ou está à disposição da entidade patronal no exercício da sua actividade ou das suas funções .

    32. Na audiência, o representante do Landeshauptstadt Kiel salientou a evolução experimentada pelo direito comunitário desde que foi adoptada a Directiva 93/104, evolução a ter em conta na interpretação da definição de tempo de trabalho que consta no seu artigo 2.° , n.° 1.

    33. O âmbito de aplicação da Directiva 93/104 sofreu, efectivamente, grandes alterações nos últimos anos. Os sectores e actividades que tinham ficado inicialmente excluídos foram incluídos com a entrada em vigor da Directiva 2000/34/CE , feita a ressalva de que as suas normas não se aplicam na medida em que outros instrumentos comunitários contenham disposições mais específicas em matéria de organização do tempo de trabalho relativamente a determinadas ocupações ou actividades profissionais.

    34. É este o caso dos trabalhadores das actividades móveis de transporte rodoviário, cujo tempo de trabalho foi regulado pela Directiva 2002/15/CE . Tal como informou o representante do demandado e recorrente no processo principal, o artigo 3.° desta directiva diferencia «tempo de trabalho» e «tempo de disponibilidade», definindo-se este último, quanto aos trabalhadores móveis que conduzem em equipa, como o tempo que passam ao lado do condutor ou numa couchette durante a marcha do veículo. Este período está excluído do tempo de trabalho, sem prejuízo da legislação dos Estados-Membros ou dos acordos negociados entre os interlocutores sociais.

    Na minha opinião, não se deve estabelecer um paralelismo entre esse «tempo de disponibilidade» dos condutores de camiões e as permanências dos médicos, por tentadora que possa ser a comparação. Com efeito, a Directiva 2002/15 tem por finalidade não só impor prescrições mínimas relativas à regulamentação do tempo de trabalho para melhorar a protecção da segurança e da saúde das pessoas que realizem actividades móveis de transporte rodoviário, mas também melhorar a segurança viária e aproximar em maior grau as condições de concorrência. Trata-se, por outro lado, de uma directiva específica, com um âmbito de aplicação pessoal limitado, perfeitamente delimitado, cuja finalidade difere da da Directiva 93/104 e que, em matéria de tempo de descanso, remete para as disposições do Regulamento (CEE) n.° 3820/85 ou, na sua falta, para o Acordo AETR. Além disso, o trabalhador conhece de antemão a duração do tempo de disponibilidade de forma que sabe que, se dormir, não é acordado antes daquele ter decorrido, o que não acontece no caso dos médicos que realizam um turno de permanência.

    35. Em segundo lugar, embora a actividade em regime de permanência seja de diferente intensidade e amplitude da que acontece durante o horário de trabalho ordinário, não é por isso que se transforma num momento de repouso para o trabalhador; por outro lado, a Directiva 93/104 não contempla qualquer categoria intermédia entre tempo de trabalho e período de descanso.

    36. Em terceiro lugar, embora, nos termos do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104, os três critérios que servem para qualificar o tempo de trabalho se concretizem através da aplicação das legislações e das práticas nacionais, essa referência não significa que os Estados-Membros tenham a possibilidade de deixar de aplicar estes critérios recorrendo à sua regulamentação interna. Para calcular o tempo de trabalho de um trabalhador importa saber se, de acordo com a lei nacional ou com a convenção colectiva, tem direito a efectuar uma pausa por cada determinado número de horas. Contudo, um Estado-Membro não se pode basear na sua própria regulamentação para considerar que um médico que realiza permanências num hospital não está à disposição da entidade patronal durante os intervalos em que, embora estando inactivo, está à espera que o chamem para a próxima intervenção.

    37. Por último, a possibilidade de que o médico durma enquanto os seus serviços não são requeridos é consequência da própria essência da permanência, serviço que responde à necessidade de manter a assistência médica ininterruptamente, embora se desenvolva em condições diferentes das condições do período diurno de segunda a sexta-feira. Ainda assim, o médico de permanência também não se limita a actuar, de forma pontual, quando lho pedem, encontrando-se entre as suas funções, além disso, a supervisão, por sua própria iniciativa, do estado e da evolução dos pacientes sob a sua responsabilidade.

    38. Que consideração mereceria uma entidade patronal que, em lugar de facilitar ao médico uma cama para que descanse durante os intervalos de inactividade, lhe proporcionasse simplesmente uma cadeira para se sentar enquanto espera que o chamem para efectuar qualquer intervenção? Pergunto-me se o juiz que submeteu esta questão consideraria que as horas de um médico sentado numa cadeira se aproximam mais do conceito de tempo de trabalho do que as que decorrem quando está deitado numa cama.

    39. Parece evidente que, também durante a permanência, um médico deve estar em condições de prestar os seus serviços de forma óptima: o facto de ter uma cama onde descansar nos intervalos entre intervenções ajuda na protecção da sua saúde e na garantia de que os cuidados prestados aos doentes são os adequados. Importa não esquecer que os turnos de permanência de segunda a sexta-feira duram dezasseis horas e iniciam-se depois de um dia de trabalho normal com oito horas, que os dos sábados se prolongam por vinte e cinco horas e os dos domingos, vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos, e que o médico efectua um total de seis turnos por mês.

    40. Tanto o Landeshauptstadt Kiel como os cinco Governos que se manifestaram neste processo afirmaram repetidamente que as permanências dos médicos em Espanha e na Alemanha se distinguem por, neste último país, se lhes permitir dormir, enquanto no primeiro estão em situação de actividade ininterrupta durante mais de trinta horas. Para fundamentar este dado baseiam-se no n.° 23 do acórdão SIMAP .

    41. Gostaria de precisar alguns aspectos a este respeito. É verdade que as condições de trabalho dos médicos de urgências em Espanha referidas nessa passagem do acórdão não coincidem com as dos médicos na Alemanha. Não se deve esquecer, no entanto, que, nesse ponto, o Tribunal de Justiça se limita a referir a descrição que consta do despacho de reenvio, decisão que, por sua vez, transcreve literalmente as alegações do demandante no processo principal, que era o Sindicato de Médicos de Asistencia Pública. Não se trata, pois, de uma relação de factos provados elaborada pelo tribunal nacional.

    42. Por outro lado, as condições em que os médicos espanhóis trabalham nem sempre são piores que as oferecidas aos alemães. Efectivamente, no n.° 24 do mesmo acórdão refere-se que os primeiros, em determinadas povoações, realizam um turno de permanência em cada onze dias, enquanto, ao que parece, N. Jaeger tem que realizar seis por mês.

    43. De qualquer forma, é público que em Espanha, como nos outros países com níveis de assistência médica semelhantes, as necessidades de assistência diminuem durante a noite. Por essa razão, é difícil admitir que se exija aos médicos mais de trinta horas de actividade ininterrupta em dias alternados, como se indica no referido n.° 23.

    É verdade que ao longo do processo prejudicial no caso SIMAP não se abordou a questão de saber de que forma os médicos empregam o tempo que decorre entre as intervenções, durante um turno de permanência. De este silêncio não se deduz, contudo, que nos momentos em não têm nada para fazer, não se possam deitar numa cama, ler ou ver televisão. Além disso, o Tribunal de Justiça demonstrou ter consciência desta realidade ao afirmar, no n.° 48 do seu acórdão, que «[...] ainda que a actividade efectivamente desenvolvida varie consoante as circunstâncias , a obrigação que é imposta a estes médicos de estarem presentes e disponíveis nos locais de trabalho com vista à prestação dos seus serviços profissionais deve considerar-se inserida no exercício das suas funções».

    44. Durante a audiência, o agente do Governo alemão chamou a atenção do Tribunal de Justiça para as graves consequências que teria para o sistema de saúde do seu país a aplicação da jurisprudência SIMAP. Indicou, por exemplo, que as necessidades de pessoal aumentariam em 24% e que necessitariam entre 15.000 e 27.000 médicos suplementares, quando na Alemanha só há cerca de 7.000 no desemprego.

    Devo dizer, a este respeito, por um lado, que o quinto considerando da Directiva 93/104 já refere que a melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objectivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica. Por outro lado, o mercado de trabalho alemão não está circunscrito ao recurso a médicos alemães, estando aberto aos diplomados nos restantes Estados-Membros que queiram exercer a sua profissão nesse país .

    45. A possibilidade oferecida ao médico de descansar enquanto os seus serviços não são solicitados não é, portanto, um factor capaz de alterar o facto de, enquanto realiza um turno de permanência, dever permanecer no centro hospitalar, à disposição da sua entidade patronal, para exercer a sua actividade, embora de forma descontínua. Ao estarem preenchidos dois dos requisitos previstos no artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 contempla, deve reconhecer-se que os períodos de permanência prestados nas condições descritas constituem, na sua totalidade, tempo de trabalho.

    B - A segunda questão

    46. Ao submeter esta questão, o órgão jurisdicional pergunta se o artigo 3.° da Directiva 93/104/CE se opõe a uma legislação nacional que qualifica de período de descanso os intervalos de inactividade de um médico durante as permanências num hospital, por permanecer este numa divisão do centro e só trabalhar quando é chamado a intervir.

    A resposta a esta questão está implícita na que acabei de propor para a anterior. Uma vez que o artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 93/104 define como período de descanso todo o que não seja de trabalho, os turnos de permanência prestados em regime presencial no hospital não podem ser computados como tempo de descanso, nem sequer em parte, pois constituem, na sua totalidade, tempo de trabalho.

    47. O artigo 3.° da directiva reconhece que, para o descanso diário, os trabalhadores devem beneficiar de um mínimo de descanso de onze horas consecutivas por cada período de vinte e quatro horas.

    48. É verdade que, utilizando uma duvidosa técnica legislativa , o artigo 17.° , n.° 2, parágrafo 2.1, alínea c), i), da Directiva 93/104 permite que, por via legislativa, regulamentar, administrativa ou por convenções colectivas, desde que sejam concedidos aos trabalhadores períodos equivalentes de descanso compensatório ou protecção semelhante, se criem excepções, entre outros, ao artigo 3.° , para as actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço em hospitais ou estabelecimentos semelhantes.

    49. Contudo, como correctamente salienta a Comissão, o artigo 17.° não refere o artigo 2.° , que contém a definição de tempo de trabalho e de período de descanso, entre as normas relativamente às quais os Estados-Membros podem criar excepções, pelo que estes dois conceitos se têm de aplicar de maneira uniforme em todos os países da União.

    50. Se fosse necessário, haveria ainda outra razão para que os intervalos de inactividade durante as permanências não sejam considerados períodos de descanso. Embora seja verdade que, por aplicação do artigo 17.° , se pode reduzir a duração do descanso diário, considero que as horas disponíveis para este fim devem ser ininterruptas, tendo em conta que a finalidade prosseguida pelo artigo 3.° é garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores.

    Ora, dada a própria natureza do serviço, não é possível prever antecipadamente os intervalos de inactividade num determinado turno de permanência presencial, nem a sua duração. Em tais circunstâncias, não são garantidas ao trabalhador um determinado número de horas de descanso seguidas, apesar de dispor de uma cama, pelo é, também contrário ao artigo 3.° da Directiva 93/104 considerar que tais intervalos fazem parte do descanso ininterrupto a que o trabalhador tem direito em cada vinte e quatro horas.

    51. O Landeshauptstadt Kiel afirmou também que, relativamente ao trabalhador, descanso não significa o mesmo que liberdade para utilizar o tempo como quiser.

    Em termos gerais posso concordar com esta apreciação. Discordo, contudo, no que respeita à interpretação de uma regulamentação que estabelece as medidas mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho. Para poder descansar, o empregado deve ter a possibilidade de se desligar do seu ambiente de trabalho durante um determinado número de horas ininterruptas, o que só se consegue afastando-se da tensão que implica permanecer no local de trabalho em situação de disponibilidade.

    52. Consequentemente, os artigos 2.° e 3.° da Directiva 93/104 opõem-se a uma regulamentação nacional que considera período de descanso os intervalos de inactividade de um médico durante as permanências num hospital, durante os quais fica numa divisão do centro enquanto os seus serviços não são requeridos.

    C - A terceira e quarta questões

    53. Com estas duas questões, que estão muito ligadas e que, na minha opinião, convém analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional alemão pretende averiguar se a Directiva 93/104 é contrária a uma regulamentação nacional, como a contida nos §§ 5, n.° 3, e 7, n.° 2, da lei relativa ao período de trabalho, considerando que, para os turnos de permanência nos hospitais ou de localização de urgência, o primeiro autoriza a compensação, noutra altura, do descanso diário de onze horas imputáveis aos períodos de actividade dos médicos, que não excedam metade do tempo de descanso, e o segundo permite que as convenções colectivas ou os acordos de empresa prevejam que os períodos de descanso se adaptem às especificidades dessas permanências, em especial, que tais reduções também sejam compensadas noutro momento.

    54. Para responder à questão assim reformulada importa distinguir as intervenções que o médico presta durante as permanências presenciais no centro hospitalar e as que realiza em situação de localização de urgência.

    55. No primeiro caso, tal como salientei nas considerações conducentes à resposta à primeira questão, todo o período que um médico dedica à permanência é tempo de trabalho na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104. Portanto, não se pode dizer que os intervalos de actividade durante o turno reduzem o descanso diário, uma vez que o médico que está nesta situação está a trabalhar e não a descansar.

    Consequentemente, o artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 opõe-se a uma regulamentação nacional que, para os turnos de permanência presencial nos hospitais, autoriza a compensação, noutra altura, das reduções do descanso diário de onze horas imputáveis aos períodos de actividade dos médicos, que não excedam metade do tempo de descanso, e que permite que as convenções colectivas ou os acordos de empresa prevejam que os períodos de descanso se adaptem às especificidades dessas permanências, em especial, que tais reduções também sejam compensadas noutro momento.

    56. Parece-me surpreendente que o órgão jurisdicional alemão tenha ampliado a terceira e quarta questões às permanências que os médicos efectuam em regime de localização de urgência. Não explica, na decisão de reenvio, as razões que o levaram a interessar-se por essa hipótese; em contrapartida, refere que a actividade controvertida de N. Jaeger consiste na prestação de permanências presenciais no hospital .

    Trata-se de uma hipótese que não está relacionada com o processo principal. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não pode dar uma resposta suficientemente útil . É conveniente, no entanto, tecer algumas considerações a este respeito.

    57. O caso dos médicos que realizam um turno de localização de urgência é muito diferente do caso dos médicos que realizam permanências. O Tribunal de Justiça salientou tal facto no n.° 50 do acórdão SIMAP , ao considerar que os médicos que levam a cabo permanências em regime de localização de urgência, sem contudo estarem obrigados a uma presença efectiva no estabelecimento de saúde, estão à disposição da sua entidade patronal, já que devem poder sempre ser localizados, mas podem gerir o seu tempo com menos constrangimentos e consagrar-se aos seus próprios interesses. Nestas condições, apenas o tempo que se relaciona com a prestação efectiva dos serviços deve ser considerado tempo de trabalho na acepção da Directiva 93/104.

    58. O artigo 17.° , n.° 2, parágrafo 2.1, alínea c), i), da Directiva 93/104 autoriza os Estados-Membros a criarem excepções à duração mínima do descanso diário de onze horas consecutivas, prevista pelo artigo 3.° , «no caso de actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço [...] ligado à recepção, tratamento e/ou cuidados dispensados em hospitais ou estabelecimentos semelhantes [...]». Mas impõe-lhes a condição de que as excepções sejam estabelecidas por via legislativa, regulamentar ou administrativa, de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais.

    Não restam dúvidas de que, em aplicação dessa norma, a duração do descanso mínimo diário de um médico pode ser reduzido ou adaptado às circunstâncias, se se cumprir essa condição, desde que se conceda um período de descanso compensatório equivalente ou, em casos excepcionais nos quais tal não seja possível, beneficie da necessária protecção.

    59. Por estas razões há que declarar que tanto a compensação noutra altura das reduções do descanso diário de onze horas imputáveis aos períodos de actividade dos médicos durante os turnos de localização de urgência, que não excedam metade do tempo de descanso, como a adaptação dos períodos de descanso às especificidades deste tipo de permanências e, em especial, a compensação, noutra altura, de tais reduções podem estar ao abrigo do artigo 17.° , n.° 2, parágrafo 2.1, alínea b), i), da Directiva 93/104.

    D - A duração máxima do tempo de trabalho semanal

    60. O órgão jurisdicional alemão não se interessou pela interpretação do artigo 6.° da directiva, segundo o qual a duração média do trabalho não pode exceder quarenta e oito horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada semana. Contudo, é interessante analisá-lo, uma vez que o artigo 15.° da convenção colectiva aplicável ao pessoal contratado da administração federal permite que o tempo de trabalho semanal atinja, em determinados casos, sessenta horas de média e que, segundo os seus próprios cálculos, N. Jaeger efectua cerca de cinquenta e uma horas por semana, incluindo as permanências.

    61. O artigo 17.° da Directiva 93/104 só autoriza que os Estados-Membros criem excepções ao artigo 6.° com base nos pressupostos contemplados no n.° 1, que são aqueles em que, [...] em virtude das características especiais da actividade exercida, «a duração do tempo de trabalho não seja medida e/ou pré-determinada ou possa ser determinada pelos próprios trabalhadores e, nomeadamente, quando se trate: a) De quadros dirigentes ou de outras pessoas que tenham poder de decisão autónomo; b) De mão-de-obra de familiares; ou c) De trabalhadores do domínio litúrgico, das igrejas e das comunidades religiosas».

    Não constando o artigo 6.° entre as normas referidas no n.° 2, que é o que se refere às actividades caracterizadas pela necessidade de garantir a continuidade do serviço prestado por hospitais e centros semelhantes, os Estados-Membros não podem basear-se no artigo 17.° para consentirem que a duração do tempo de trabalho semanal seja aumentada por causa dos serviços prestados em regime de permanência.

    62. É certo que o artigo 18.° da directiva permite que os Estados-Membros não apliquem o artigo 6.° , respeitando embora os princípios gerais de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, desde que tomem as medidas necessárias para assegurar determinados resultados, cuja lista consta no n.° 1, alínea b), i). Não se verifica, contudo, que o legislador alemão tenha recorrido a esta norma a fim de proteger o tempo de trabalho semanal no sector da assistência médica nem que tenham sido adoptadas as referidas medidas.

    63. Em tais circunstâncias entendo, tal como a Comissão, que o artigo 6.° , n.° 2, da Directiva 93/104 se opõe à regulamentação descrita, relativa aos turnos de permanência dos médicos nos centros hospitalares da Alemanha, pois permite que o tempo de trabalho semanal ultrapasse as quarenta e oito horas.

    VIII - Conclusão

    64. Tendo em conta as considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Landesarbeitsgericht Schleswig-Holstein da seguinte forma:

    «1) As permanências prestadas por um médico em regime de presença física num hospital constituem, na sua totalidade, tempo de trabalho na acepção do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, mesmo no caso de lhe ser permitido dormir nos intervalos de inactividade.

    2) Os artigos 2.° e 3.° da Directiva 93/104 opõe-se a uma regulamentação nacional que defina como período de descanso os intervalos de inactividade de um médico durante as permanências num hospital, durante os quais fica numa divisão que o centro põe à sua disposição enquanto as suas prestações não são necessárias.

    3) O artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 93/104 é contrário a uma regulamentação nacional que, para os turnos de permanência em regime de presença física nos hospitais, autoriza a compensação, noutra altura, das reduções do descanso diário de onze horas imputáveis aos períodos de actividade dos médicos, que não excedam metade do tempo de descanso, e que permite que as convenções colectivas ou os acordos de empresa prevejam que os períodos de descanso se adaptem às especificidades dessas permanências, em especial, que tais reduções também sejam compensadas noutro momento.

    Pelo contrário, o artigo 17.° , n.° 2, parágrafo 2.1, alínea b), i), da Directiva 93/104 admite, em determinadas condições, tanto a compensação noutra altura das reduções do descanso diário de onze horas causadas pelos períodos de actividade dos médicos durante os turnos de localização de urgência, que não excedam metade do tempo de descanso, como a adaptação dos períodos de descanso às especificidades deste tipo de permanências, em especial, que tais reduções sejam também compensadas noutra altura.»

    65. No caso do Tribunal de Justiça considerar conveniente analisar o artigo 6.° da Directiva 93/104, sugiro a seguinte interpretação:

    «O artigo 6.° , n.° 2, da Directiva 93/104 impede que um Estado-Membro, que não tenha recorrido ao artigo 18.° , n.° 1, alínea b), i), consinta que o tempo de trabalho semanal ultrapasse quarenta e oito horas, ao computar como períodos de descanso os intervalos de inactividade durante os turnos de permanência física dos médicos nos centros hospitalares.»

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