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Document 62002CC0004

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 22 de Maio de 2003.
    Hilde Schönheit contra Stadt Frankfurt am Main (C-4/02) e Silvia Becker contra Land Hessen (C-5/02).
    Pedidos de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Frankfurt am Main - Alemanha.
    Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Aplicação do artigo 119.º do Tratado CE (os artigos 117.º a 120.º do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.º CE a 143.º CE) e do artigo 141.º, n.os 1 e 2, CE, bem como da Directiva 86/378/CEE ou da Directiva 79/7/CEE - Conceito de remuneração - Regime de aposentação dos funcionários - Cálculo da pensão de velhice dos funcionários a tempo parcial - Desigualdade de tratamento relativamente aos trabalhadores a tempo inteiro - Discriminação indirecta baseada no sexo - Condições de eventual justificação por razões objectivas alheias a qualquer discriminação baseada no sexo - Protocolo relativo ao artigo 119.º do Tratado CE (actual Protocolo relativo ao artigo 141.º CE) - Efeito no tempo.
    Processos apensos C-4/02 e C-5/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-12575

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:309

    62002C0004

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 22de Maio de2003. - Hilde Schönheit contra Stadt Frankfurt am Main (C-4/02) e Silvia Becker contra Land Hessen (C-5/02). - Pedidos de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Frankfurt am Main - Alemanha. - Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Aplicação do artigo 119.º do Tratado CE (os artigos 117.º a 120.º do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.º CE a 143.º CE) e do artigo 141.º, n.os 1 e 2, CE, bem como da Directiva 86/378/CEE ou da Directiva 79/7/CEE - Conceito de remuneração - Regime de aposentação dos funcionários - Cálculo da pensão de velhice dos funcionários a tempo parcial - Desigualdade de tratamento relativamente aos trabalhadores a tempo inteiro - Discriminação indirecta baseada no sexo - Condições de eventual justificação por razões objectivas alheias a qualquer discriminação baseada no sexo - Protocolo relativo ao artigo 119.º do Tratado CE (actual Protocolo relativo ao artigo 141.º CE) - Efeito no tempo. - Processos apensos C-4/02 e C-5/02.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-12575


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1. Nos presentes processos, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main apresentou onze questões prejudiciais sobre a compatibilidade da legislação alemã relativa ao regime de pensão dos funcionários, em especial a redução aí prevista das pensões dos funcionários que trabalharam a tempo parcial, com o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no mercado de trabalho, consagrado no artigo 141.° CE e no direito comunitário derivado.

    II - Enquadramento jurídico

    A - Direito comunitário

    O Tratado

    2. O artigo 119.° , primeiro e segundo parágrafos, do Tratado prevê:

    «Cada Estado-Membro garantirá, durante a primeira fase, e manterá em seguida a aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual.

    Por remuneração deve entender-se, para efeitos do disposto no presente artigo, o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.»

    3. Entretanto, o Tratado de Amesterdão substituiu o artigo 119.° , primeiro e segundo parágrafos, do Tratado CE pelo artigo 141.° , n.os 1 e 2, primeiro parágrafo, CE. O artigo 141.° , n.os 1 e 2, CE tem a seguinte redacção:

    «1. Os Estados-Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

    2. Para efeitos do presente artigo, entende-se por remuneração o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

    [...]».

    4. O protocolo relativo ao artigo 119.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia (actual protocolo relativo ao artigo 141.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia; a seguir «protocolo Barber») prevê:

    «Para efeitos da aplicação do artigo 119.° , as prestações ao abrigo de um regime profissional de segurança social não serão consideradas remuneração se e na medida em que puderem corresponder a períodos de trabalho anteriores a 17 de Maio de 1990, excepto no que se refere aos trabalhadores ou às pessoas a seu cargo que tenham, antes dessa data, intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente nos termos da legislação nacional aplicável.»

    Directiva 79/7

    5. Segundo o artigo 3.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (a seguir «Directiva 79/7»), esta directiva aplica-se aos regimes legais que assegurem uma protecção contra, designadamente, a velhice.

    6. O artigo 4.° , n.° 1, da Directiva 79/7 estipula:

    «O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

    - ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

    - à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas,

    - ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações».

    Directiva 86/378

    7. Nos termos do artigo 2.° , n.° 1, da Directiva 86/378/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais de segurança social , com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/97/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1996 (a seguir «Directiva 86/378»):

    «Consideram-se regimes profissionais de segurança social os regimes não regulados pela Directiva 79/7/CEE que tenham por objectivo proporcionar aos trabalhadores, assalariados ou independentes, de uma empresa ou de um grupo de empresas, de um ramo de actividade económica ou de um sector profissional ou interprofissional, prestações destinadas a completar as prestações dos regimes legais de segurança social ou a substituir estas últimas, quer a inscrição nesses regimes seja obrigatória ou facultativa.»

    8. Nos termos do artigo 4.° da Directiva 86/378:

    «A presente directiva aplica-se:

    a) Aos regimes profissionais que assegurem uma protecção contra os seguintes riscos:

    [...]

    - velhice, incluindo nos casos de reforma antecipada,

    [...]».

    9. O artigo 5.° , n.° 1, da Directiva 86/378 tem a seguinte redacção:

    «Nas condições estabelecidas nas disposições seguintes, o princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, por referência, nomeadamente ao estado civil ou familiar, especialmente no que respeita:

    - ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

    - à obrigação, de pagar as quotizações e ao cálculo destas,

    - ao cálculo das prestações, incluindo as majorações devidas na qualidade de cônjuge e por pessoas a cargo, e às condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

    10. O artigo 6.° , n.° 1, da Directiva 86/378 prevê:

    «As disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento incluem as que, directa ou indirectamente, nomeadamente por referência ao estado civil ou familiar, se baseiam no sexo para:

    [...]

    h) Fixar níveis diferentes para as prestações excepto, na medida do necessário, para atender a elementos de cálculo actuarial que sejam diferentes para os dois sexos em caso de regimes de contribuições definidas;

    No caso de prestações definidas financiadas por capitalização, determinados elementos (de que constam exemplos em anexo) podem ser desiguais se a desigualdade dos montantes resultar dos efeitos da utilização de factores actuariais que eram diferentes consoante o sexo na época em que foi instituído o regime de financiamento;

    [...]».

    Directiva 97/80

    11. Segundo o artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo (a seguir «Directiva 97/80»):

    «Para efeitos do princípio da igualdade de tratamento referido do n.° 1, verifica-se uma situação de discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra afecte uma proporção consideravelmente mais elevada de pessoas de um sexo, salvo quando essas disposições, critérios ou práticas sejam adequadas e necessárias e possam ser justificadas por factores objectivos não relacionados com o sexo.»

    12. O artigo 4.° da Directiva 97/80 estipula:

    «1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respectivos sistemas jurídicos, para assegurar que quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação directa ou indirecta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

    2. A presente directiva não obsta a que os Estados-Membros imponham um regime probatório mais favorável à parte demandante.

    3. Os Estados-Membros poderão não aplicar o disposto no n.° 1 aos processos em que a averiguação dos factos incumba ao tribunal ou a outra instância competente.»

    B - Direito nacional

    13. O Beamtenversorgungsgesetz (lei alemã sobre as pensões dos funcionários) de 24 de Agosto de 1976 (a seguir «BeamtVG»), na versão publicada em 16 de Março de 1999, determina no § 6, intitulado «Tempo de serviço regular válido para efeitos de reforma»:

    «(1) É válido para efeitos de reforma o tempo de serviço que o funcionário prestou com o estatuto de funcionário, a partir do dia da sua primeira nomeação com esse estatuto, ao serviço de um empregador público no território nacional. Não se considera o tempo

    [...]

    5. de uma licença sem vencimento

    [...]

    Os períodos de trabalho a tempo parcial apenas entram no cálculo da pensão de reforma na proporção que o horário de trabalho reduzido assume face ao horário normal [...].»

    14. A Fünfte Gesetz zur Änderung dienstrechtlicher Vorschriften (quinta lei de alteração das disposições sobre a função pública) de 25 de Julho de 1984 (a seguir «alteração legislativa 1984») introduziu no § 14, n.° 1, primeira frase, segunda parte da frase, da BeamtVG, intitulado «Montante da pensão de reforma», uma redução da pensão nos casos de licença sem vencimento e de redução do horário de trabalho por razões de ordem familiar e com base no regulamento de licenças especiais.

    15. O § 14, n.° 1, da BeamtVG, na redacção que lhe foi dada pela alteração legislativa 1984, em vigor entre 1 de Agosto de 1984 e 31 de Dezembro de 1991 [a seguir «§ 14 da BeamtVG (versão antiga)»], dispunha:

    «(1) Para os primeiros dez anos de serviço válido para efeitos de reforma, a pensão de reforma ascende a 35% e aumenta por cada ano de serviço adicional: em 2%, até ao final do vigésimo quinto ano de serviço, e, a partir daí, em 1% até ao máximo de 75% [...]; no caso de trabalho a tempo parcial, redução do horário de trabalho ou licenças, a percentagem de pensão obtida sem estas ausências do serviço é reduzida, segundo o primeiro membro de frase, antes da aplicação do limite máximo, na proporção do tempo de serviço válido para efeitos de pensão em relação ao tempo que, sem estas ausências, seria atingido como tempo de serviço para efeitos de pensão, [...] não podendo ser inferior a 35% nem superior a 75% [...]».

    16. A redução da pensão introduzida pela alteração legislativa 1984, que era aplicável à tabela de pensão degressiva prevista no § 14 BeamtVG (versão antiga), foi suprimida pelo § 14, n.° 16, da Fünfte Gesetz zur Änderung besoldungsrechtlicher Vorschriften (quinta lei de alteração das disposições legais de remuneração) de 28 de Maio de 1990 (a seguir «quinta alteração legislativa 1990»).

    17. Paralelamente, a tabela de pensão degressiva do § 14 da BeamtVG (versão antiga) foi substituída por um sistema linear.

    18. Assim, o § 14, n.° 1, da BeamtVG, intitulado «Montante da pensão de reforma», na redacção em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1992 [a seguir «§ 14 da BeamtVG (nova versão)»], estipula o seguinte:

    «(1) A pensão ascende a 1,875% do vencimento por cada ano de tempo de serviço válido [...], não podendo, no entanto, ultrapassar um máximo de 75% [...]».

    19. O § 85 da BeamtVG, intitulado «Percentagem de pensão para os funcionários ao serviço em 31 de Dezembro de 1991», determina:

    «(1) Se o estatuto de funcionário [...] já existia em 31 de Dezembro de 1991, a percentagem de pensão atingida até este momento permanece garantida. Neste caso, o cálculo do tempo de serviço válido para efeitos de pensão e da percentagem de pensão rege-se pelo direito aplicável até 31 de Dezembro de 1991; o § 14, n.° 1, primeira frase, segunda e terceira partes da frase, não é neste caso aplicável. A partir de 1 de Janeiro de 1992, a percentagem de pensão obtida segundo a primeira e a segunda frases aumenta em 1% por cada ano de tempo serviço válido para efeitos de reforma, segundo o direito aplicável a partir deste momento, até ao montante máximo de 75%; [...].

    [...]

    (4) A percentagem de pensão obtida segundo os n.os 1, 2 e 3 serve de base ao cálculo da pensão quando seja mais elevada que a percentagem que resulta desta lei para a totalidade do tempo de serviço válido para efeitos de reforma. A percentagem de pensão resultante do n.° 1 não deve ultrapassar a percentagem de pensão que resultaria do direito aplicável até 31 de Dezembro de 1991.»

    III - Matéria de facto e tramitação processual

    Processo C-4/02

    20. Hilde Schönheit, nascida em 12 de Julho de 1939, trabalhou desde 1966 como assistente social para a Stadt Frankfurt am Main, primeiro como contratada e, a partir de 1 de Janeiro de 1984, como funcionária.

    21. Até 30 de Junho de 1992, exerceu as suas funções a tempo inteiro; de 1 de Julho de 1992 a 31 de Dezembro de 1995, desempenhou-as a meio tempo. Em seguida, esteve meio ano em licença sem vencimento (de 1 de Janeiro de 1996 a 30 de Junho de 1996), após o que voltou a trabalhar a meio tempo.

    22. Em 8 de Março de 1999, Hilde Schönheit requereu a reforma antecipada devido a problemas de saúdes graves. A Stadt Frankfurt am Main aposentou-a - antecipadamente - por incapacidade para o trabalho, por decisão de 12 de Julho de 1999.

    23. Ainda por decisão de 12 de Julho de 1999, a Stadt Frankfurt am Main fixou a pensão de Hilde Schönheit em 65,80% do seu vencimento válido para efeitos de reforma.

    24. A Stadt Frankfurt am Main calculou a pensão da seguinte forma:

    25. Primeira fase: começou por calcular o tempo de serviço nos termos do § 6 da BeamtVG, ou seja, reduziu o tempo de serviço válido para efeitos de reforma em função dos períodos de trabalho a tempo parcial («tempo de serviço efectivo»). O resultado foi 30 anos e 142,5 dias (30,39 anos). Este tempo de serviço elegível para efeitos de reforma foi multiplicado por 1,875%, nos termos do § 14 da BeamtVG (nova versão), o que deu lugar a uma pensão de 30,39 x 1,875% = 56,98125%, arredondada para 56,99%.

    26. Segunda fase: uma vez que Hilde Schönheit já era funcionária a 31 de Dezembro de 1991, efectuou, em seguida, um cálculo alternativo à luz do § 85 da BeamtVG. No que diz respeito ao período compreendido entre 1 de Abril de 1965 e 31 de Dezembro de 1992, o tempo de serviço válido para efeitos de reforma, calculado em 26 anos e 219 dias com base no § 6 da BeamtVG, foi arredondado para 27 anos. Segundo o § 14 da BeamtVG (versão antiga), o direito à pensão situava-se nos 67%, embora sem atender à redução da pensão ainda prevista até então. Para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 de Julho de 1999, o tempo de serviço válido para efeitos de reforma, ao abrigo do § 6 da BeamtVG, era de 3 anos e 228,5 dias (3,79 anos), o que dava direito a uma pensão correspondente a 3,79% A pensão total era, pois, de 67% + 3,79% = 70,79%.

    27. Dado que a pensão segundo este cálculo alternativo era superior à resultante do cálculo linear previsto nas disposições então aplicáveis, a Stadt Frankfurt am Main, à luz do § 85, n.° 4, da BeamtVG, relacionou-a com a pensão calculada com base na aplicação exclusiva do § 14 da BeamtVG (versão antiga), tendo, portanto, também em consideração uma redução da pensão.

    28. Terceira fase: começou por calcular a pensão hipotética, ou seja, aquela a que Hilde Schönheit teria direito se tivesse realizado toda a sua carreira a tempo inteiro («tempo de serviço hipotético»). Este tempo de serviço hipotético era de 34 anos e 66 dias (34,18 anos). A ele correspondia uma pensão de 74%, percentagem que era depois reduzida em função da relação existente entre o tempo de serviço efectivo e o tempo de serviço hipotético: 30,39 : 34,18 x 74% = 65,80%.

    29. Em 3 de Agosto de 1999, Hilde Schönheit reclamou da fixação do montante da pensão.

    30. Por despacho 4 de Janeiro de 2000, a Stadt Frankfurt am Main indeferiu a reclamação.

    31. Hilde Schönheit interpôs recurso contencioso no Verwaltungsgericht Frankfurt am Main em 7 de Fevereiro de 2000. Pede a anulação da decisão de 12 de Julho de 1999 e do despacho de 4 de Janeiro de 2000. Pede ainda que a Stadt Frankfurt am Main calcule a sua pensão em, pelo menos, 70,79%.

    Processo C-5/02

    32. Silvia Becker, nascida a 15 de Julho de 1951, esteve ao serviço do Estado federado de Hessen como professora especializada com o estatuto de funcionária desde 23 de Agosto de 1971. Entre 1 de Agosto de 1981 e 31 de Julho de 1989, trabalhou a tempo parcial durante alguns períodos de diferente duração. De 1 de Agosto de 1989 a 31 de Julho de 1995, esteve em licença sem vencimento e, a partir de 1 de Agosto de 1995, retomou as suas funções a tempo parcial. A 1 de Fevereiro de 2000, o empregador reformou-a por incapacidade para o serviço.

    33. Por decisão de 5 de Janeiro de 2000, o Regierungspräsidium Darmstadt fixou a pensão de Silvia Becker em 52,18% do seu vencimento válido para efeitos de reforma.

    34. O Regierungspräsidium Darmstadt calculou a pensão da seguinte forma.

    35. Primeira fase: começou por calcular o tempo de serviço válido para efeitos de reforma de Silvia Becker nos termos do § 6 da BeamtVG. Chegou assim a 25 anos e 83,58 dias (25,23 anos). Este tempo de serviço válido para efeitos de reforma foi depois multiplicado por 1,875%, nos termos do § 14, n.° 1, da BeamtVG (nova versão), o que deu lugar a uma pensão de 25,23 x 1,875% = 47,30625%, arredondada para 47,31%.

    36. Segunda fase: uma vez que Silvia Becker já era funcionária a 31 de Dezembro de 1991, efectuou, em seguida, um cálculo alternativo à luz do § 85 da BeamtVG. No que diz respeito ao período até 31 de Dezembro de 1991, o tempo de serviço válido para efeitos de reforma, calculado em 18 anos e 228,32 dias com base no § 6 da BeamtVG, foi arredondado para 19 anos. Segundo o § 14 da BeamtVG (versão antiga), o direito à pensão situava-se nos 53,00%, embora sem atender à redução da pensão. Para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 de Julho de 1999, o tempo de serviço válido para efeitos de reforma, ao abrigo do § 6 da BeamtVG, era de 4 anos e 341,93 dias (4,94 anos), o que dava direito a uma pensão correspondente a 4,94%. A pensão total era, pois, de 53% + 4,94% = 57,94%.

    37. Terceira fase: por último, calculou a pensão nos termos do § 85, n.° 4, da BeamtVG, tendo já em conta a redução da pensão. Começou por calcular a pensão hipotética. O tempo de serviço hipotético de Silvia Becker era de 32 anos e 78,68 dias (32,22 anos). A ele correspondia uma pensão de 72%. Em seguida, aplicou a redução da pensão: 25,23 (tempo de serviço efectivo) : 32,22 (tempo de serviço hipotético) x 72% (pensão hipotética), o que dava uma pensão de 52,18%.

    38. Em 8 de Fevereiro de 2000, Silvia Becker reclamou da fixação do montante da pensão.

    39. Por despacho de 30 de Novembro de 2000, o Regierungspräsidium Darmstadt indeferiu a reclamação.

    40. Silvia Becker interpôs recurso contencioso em 21 de Dezembro de 2000. Pede a anulação da decisão do Regierungspräsidium Darmstadt de 5 de Janeiro de 2000, na versão do despacho que recaiu sobre a reclamação de 30 de Novembro de 2000. Pede ainda que a sua pensão seja calculada em, pelo menos, 57,94%.

    Questões prejudiciais

    41. Por despacho de 12 de Novembro de 2001 proferido no processo C-4/02, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main apresentou nove questões prejudiciais e, por despacho também de 12 de Novembro de 2001 proferido no processo C-5/02, apresentou onze questões prejudiciais.

    42. De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, ambos os recursos são procedentes. Em seu entender, o disposto no § 14 da BeamtVG (versão antiga) em matéria de redução da pensão no caso de trabalho a tempo parcial é incompatível com o artigo 141.° CE, por configurar uma discriminação indirecta em razão do sexo.

    43. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que as estatísticas oficiais revelam serem sobretudo mulheres que trabalham a tempo parcial. Por conseguinte, na fixação do montante da pensão, a redução da mesma afecta um número significativamente superior de mulheres.

    44. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não existem factores objectivos claros susceptíveis de justificar a diferença de tratamento. O objectivo prosseguido pela autoridade pública, a saber, a limitação das despesas através da introdução de uma redução da pensão, não pode enquanto tal justificar a diferença de tratamento.

    45. No entanto, a esta tese contrapõe-se a do Bundesverwaltungsgericht. Este tribunal considera que a redução da pensão em função ao tempo de serviço, nos casos de trabalho a tempo parcial e de licença sem vencimento, não configura uma discriminação indirecta inadmissível das mulheres, apesar de as mulheres recorrerem efectivamente a este tipo de dispensas em bastante maior número do que os homens. A atribuição da pensão numa base exclusivamente proporcional ao tempo de serviço resulta da menor prestação de serviços, à semelhança da redução ou supressão do vencimento, pelo que se justifica objectivamente. A priori não constitui, pois, uma violação da proibição de discriminação directa ou indirecta em razão do sexo consagrada no direito comunitário . Segundo esta jurisprudência, o § 14, n.° 1, primeira frase, segunda parte da frase, da BeamtVG (versão antiga) visava corrigir o tratamento relativamente mais favorável que era reservado aos trabalhadores que não tinham trabalhado a tempo inteiro com base na anterior tabela de pensão degressiva.

    46. Dada a divergência de posições em matéria de interpretação do direito comunitário relevante, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    - Nos processos C-4/02 e C-5/02

    «1) A concessão da pensão de reforma segundo as disposições da BeamtVG está abrangida pelo disposto no artigo 119.° do Tratado CE agora substituído pelo artigo 141.° , n.os 1 e 2, CE, em conjugação com a Directiva 86/378/CEE ou com as disposições da Directiva 79/7/CEE?

    2) As prestações previstas na BeamtVG constituem um regime na acepção do artigo 6.° , n.° 1, alínea h), da Directiva 86/378/CEE, com a consequência de que, independentemente do seu financiamento por meios orçamentais, é lícita a consideração de elementos de cálculo actuarial ou de elementos semelhantes para diferenciação do nível da prestação?

    3) As condições previstas no artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 97/80/CE que podem justificar uma aparente discriminação indirecta em razão do sexo são válidas para a aplicação do artigo 119.° do Tratado CE, actual artigo 141.° , n.os 1 e 2, CE, bem como da Directiva 86/378/CEE, independentemente de num processo judicial se colocar a questão de uma facilitação do ónus da prova, ou esta questão não é relevante à luz do princípio da instrução oficiosa aplicável ao processo judicial?

    4) A necessidade de utilizar um critério aparentemente neutro no que diz respeito às normas de direito aprecia-se exclusivamente à luz dos motivos ou fundamentos resultantes dos trabalhos preparatórios que culminaram na adopção da norma, em especial na medida em que esses motivos ou fundamentos tenham ficado expressamente formulados nos documentos de trabalho e possa considerar-se que foram decisivos para a adopção da norma?

    5) Na medida em que, paralelamente (questão 4) ou a título complementar, possam ser tidos em conta outros objectivos legítimos desta legislação, enquanto factores de justificação na acepção do artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 97/80/CE ou da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de discriminação indirecta em razão do sexo, pode um tribunal nacional investigar, ele próprio, quais os objectivos legítimos de uma norma de direito e, se necessário, empregá-los para justificar uma diferença de tratamento, especialmente quando esta se baseia em considerações jurídico-sistemáticas? A resposta é a mesma caso tais considerações efectuadas no decurso dos trabalhos preparatórios não tenham ficado expressamente formuladas nos documentos de trabalho que culminaram na adopção do diploma?

    6) Pode um aparente tratamento desvantajoso de antigas funcionárias a tempo parcial resultante da fixação da sua percentagem de pensão com base no último vencimento ser justificado como necessário para alcançar um objectivo legítimo, quando permita compensar uma pensão mínima relativamente aos primeiros dez anos de serviço, que não tem em consideração a diminuição do horário de trabalho, apesar de as prestações de pensão dos funcionários serem exclusivamente custeadas por meios gerais do orçamento geral, sem qualquer contributo das funcionárias? Pode ser tido em consideração como justificação da necessidade - eventualmente a título subsidiário - o facto de a pensão ser um subsídio de sobrevivência e um princípio tradicional do funcionalismo público, de acordo com o artigo 33.° , n.° 5 da Grundgesetz (Constituição)?

    7) Na medida em que se afirme a necessidade a que se refere a questão 6, pode uma redução da pensão dos funcionários e funcionárias com uma certa idade que trabalharam a tempo parcial e cujas prestações estejam bastante acima da pensão mínima, correspondente a, pelo menos, dez anos de serviço válidos para efeitos de cálculo, ser ainda classificada de adequada (proporcionada), quando não só tem linearmente em conta a totalidade do tempo de trabalho reduzido, como considera a duração do trabalho a tempo inteiro relativamente ao trabalho a tempo parcial em detrimento dos interessados, apesar de a pensão mínima, porventura desproporcionalmente favorável, que não atende à diminuição do tempo de trabalho já não ser aplicável aos funcionários e funcionárias com uma certa idade? Não seria, neste contexto, adequado (mais adequado) prescindir da diminuição desproporcional da pensão relativamente aos funcionários e funcionárias com uma certa idade e mais tempo de serviço e, em vez disso, aplicar exclusivamente uma diminuição proporcional da pensão mínima?

    8) Pode o aumento dos custos administrativos com o pessoal resultante do pretendido recrutamento de pessoal suplementar ocasionado por um alargamento do trabalho a tempo parcial relativamente ao até então dominante trabalho a tempo inteiro, mantendo-se, em princípio, o mesmo número de postos de trabalho, justificar a necessidade de repercutir estes custos nos trabalhadores a tempo parcial, através de uma diminuição desproporcional da sua pensão, como prevê o § 14, n.° 1, primeira frase, segunda e terceira partes da frase, da BeamtVG, na versão em vigor até 31 de Dezembro de 1991?

    9) A necessária consideração destes custos (questão 8) é adequada quando o aumento dos custos administrativos com o pessoal seja repercutido apenas nos anteriores trabalhadores a tempo parcial, preponderantemente mulheres, apesar de o alargamento das possibilidades de trabalho a tempo parcial operado pela alteração legislativa ter prioritariamente como objectivo diminuir o desemprego geral, através da gradual eliminação do excedente de candidatos e candidatas à função pública?»

    - No processo C-5/02

    «10) O Protocolo relativo ao artigo 119.° do Tratado CE, como parte do Tratado da União Europeia de 1992 (JO 1992, C 191, p. 68), exclui toda e qualquer apreciação das modalidades de cálculo de períodos de trabalho anteriores a 17 de Maio de 1990 à luz do critério do artigo 141.° , n.os 1 e 2, CE (ex-artigo 119.° do Tratado CE)? A proibição de apreciação também se aplica quando as disposições aplicáveis ao cálculo dos períodos de trabalho cumpridos antes da data de referência de 17 de Maio de 1990 tenham sido alteradas após essa data e estas alterações apenas prevejam ajustamentos parciais das exigências do artigo 119.° do Tratado CE e prescindam de um ajustamento favorável semelhante para determinadas categorias?

    11) Para efeitos de fixação da data de referência de 17 de Maio de 1990, a data a considerar como data de promulgação das leis é a do dia da publicação no órgão oficial de publicação ou é determinante a data da conclusão das deliberações nos órgãos legislativos, nomeadamente quando a lei necessita da ratificação do Governo federal?»

    D - Tramitação no Tribunal de Justiça

    47. Por despacho de 8 de Fevereiro de 2002, o presidente do Tribunal de Justiça apensou os processos. Foram apresentadas ao Tribunal de Justiça observações escritas pelas recorrentes nos processos principais, Hilde Schönheit (processo C-4/02) e Silvia Becker (C-5/02), pelo Governo alemão e pela Comissão. A 6 de Março de 2003, realizou-se a audiência, no decurso da qual Hilde Schönheit e Silvia Becker esclareceram as suas posições.

    IV - Apreciação

    Observações preliminares

    48. Estas questões dizem respeito ao regime alemão de pensões dos funcionários, mais concretamente à redução da pensão dos funcionários a tempo parcial aí prevista.

    49. Antes de abordar estas questões, é oportuno descrever o funcionamento prático do sistema alemão com os contornos que tinha inicialmente, uma vez aplicada a redução, e na versão actual. Embora caiba ao órgão jurisdicional alemão, na sua qualidade de juiz do mérito, interpretar e aplicar estas disposições, gostaria de me deter brevemente neste assunto, a fim de tornar inteligíveis e compreensíveis as considerações que se seguem.

    50. Inicialmente, até finais de 1991, o sistema caracterizava-se por uma tabela de aumentos degressiva, com uma percentagem mínima de 35% para os primeiros dez anos, um aumento de 2% por ano de serviço durante os quinze anos seguintes e um aumento adicional de 1% para os restantes anos de serviço, até ao máximo de 75%.

    51. Em 1992, esta tabela de aumentos degressiva foi substituída por uma tabela linear baseada numa carreira de 40 anos, valendo cada ano de serviço 1,875%, até ao máximo de 75%.

    52. O eventual cumprimento a tempo parcial de parte do tempo de serviço é tido em conta nos termos do § 6 da BeamtVG. Por exemplo, um funcionário que tenha trabalhado 30 anos a tempo parcial tem direito a uma pensão correspondente a quinze anos.

    53. A redução da pensão controvertida data do início dos anos oitenta. Foi introduzida no quadro de uma política de emprego que previa o alargamento das possibilidades de os funcionários trabalharem a tempo parcial. O trabalho a tempo parcial era inicialmente tido em conta através de uma redução fixa de 0,5 por cada ano de trabalho a tempo parcial. Em 1984, a redução da pensão foi introduzida também nos casos de licença sem vencimento e de redução do horário de trabalho por razões de ordem familiar e com base no regulamento de licenças especiais. Simultaneamente, a dedução fixa foi substituída por uma diminuição proporcional da pensão, com base na seguinte fórmula: (tempo de serviço efectivo : tempo de serviço hipotético) x pensão hipotética. A diferença entre a pensão hipotética e a pensão calculada com base nesta fórmula equivalia à redução da pensão. Contudo, a pensão não pode, após a redução, ser inferior a 35%.

    54. Segundo as fontes citadas no despacho de reenvio, a introdução da redução da pensão visava, essencialmente, compensar os custos administrativos com o pessoal associados à maior oferta de trabalho a tempo parcial.

    55. Conforme referido anteriormente, a quinta alteração legislativa 1990 substituiu, a partir de 1 de Janeiro de 1992, a tabela de pensão degressiva do § 14 da BeamtVG por uma tabela de pensão linear. Concomitantemente, foi suprimida a redução da pensão, que era alvo de violentas críticas. A passagem de um sistema degressivo a um sistema linear tornou necessário um regime de transição para os funcionários que já se encontravam ao serviço em 31 de Dezembro de 1991. Esse regime está consagrado no § 85 da BeamtVG.

    56. De acordo com esta disposição, os funcionários que já se encontravam ao serviço em 31 de Dezembro de 1991 conservam os direitos de pensão adquiridos até esse momento. A fixação do montante definitivo da pensão dos funcionários que já se encontravam ao serviço em 31 de Dezembro de 1991 exige uma série de cálculos comparativos.

    57. Primeiro, o montante é calculado com base no novo regime. O tempo de serviço efectivamente cumprido a tempo parcial é tomado como ponto de partida e multiplicado por 1,875%.

    58. Em seguida, realiza-se um segundo cálculo, baseado parcialmente na tabela degressiva em vigor até 31 de Dezembro de 1991, conforme previsto no § 14 (versão antiga), embora sem a redução da pensão, e parcialmente no novo direito aplicável ao tempo de serviço válido para efeitos de reforma cumprido após essa data. Caso o resultado deste segundo cálculo seja mais elevado, é ele que vale. Porém, não pode ultrapassar - em relação aos funcionários que trabalharam a tempo parcial - o resultado do terceiro cálculo comparativo (§ 85, n.° 4, segunda frase, da BeamtVG).

    59. Neste terceiro cálculo comparativo, já é tida em conta a redução da pensão que era prevista pela antiga versão. Começa por calcular-se a pensão hipotética, ou seja, aquela a que o interessado teria direito se tivesse trabalhado a tempo inteiro durante toda a sua carreira. Depois, é calculada a percentagem de pensão com base no tempo de serviço efectivo.

    60. A título ilustrativo, refira-se o seguinte exemplo. Um funcionário que tenha trabalhado 30 anos a tempo parcial tem uma pensão fictícia (como se tivesse trabalhado 30 anos a tempo inteiro) de 35% para os primeiros dez anos, 30% para os quinze anos seguintes (15 x 2%) e 5% para os últimos cinco anos (5 x 1%), o que perfaz 70%.

    61. Uma vez aplicada a redução da pensão, chega-se a uma pensão de (70% x 15/30) 35%.

    62. Se não se aplicasse a redução da pensão e esta fosse calculada apenas nos termos do § 6 da BeamtVG, o funcionário em causa teria trabalhado quinze anos a tempo inteiro, o que lhe daria direito a 45% (35% para os primeiros dez anos e 2% para os anos seguintes).

    63. Um funcionário que tivesse trabalhado quinze anos a tempo inteiro teria igualmente direito a uma percentagem de pensão de 45%.

    64. Resumindo, o trabalho a tempo parcial é tido em conta na fixação da pensão de dois modos. Em primeiro lugar, para determinar o número de anos de serviço válidos para efeitos de reforma. Depois, na aplicação da redução da pensão ora controvertida.

    65. As questões terceira a nona dizem sobretudo respeito aos factores de justificação da alegada discriminação indirecta resultante da redução da pensão. Serão a seguir abordadas em conjunto.

    66. A primeira e a segunda questões prendem-se, nomeadamente, com o direito comunitário aplicável. No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional nacional observou que, em seu entender, o regime alemão de pensões dos funcionários é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 141.° CE. Acrescentou que, para apreciar o tratamento desfavorável que a redução da pensão inflige às mulheres, é indiferente que o regime de pensão não configure uma remuneração na acepção do artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE), mas antes um sistema legal de protecção contra a velhice na acepção do artigo 3.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 79/7. Com efeito, trata-se de uma discriminação proibida pelo artigo 4.° , n.° 1, da directiva. A situação não se alteraria se a Directiva 86/378 fosse aplicável ao regime de pensão, já que o artigo 5.° , n.° 1, desta directiva proíbe qualquer discriminação directa ou indirecta em razão do sexo, designadamente no cálculo das prestações.

    67. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio colocou ainda, no processo C-5/02, duas questões relativas à interpretação do denominado protocolo Barber.

    As duas primeiras questões prejudiciais nos processos C-4/02 e C-5/02

    68. Segundo as recorrentes nos processos principais, o Governo alemão e a Comissão, a atribuição de uma pensão de reforma na acepção da Beamtenversorgungsgesetz é abrangida pelo artigo 141.° CE. A este propósito, remete-se para os acórdãos Gerster , Beune , Griesmar e Evrenopoulus .

    69. A Comissão e o Governo alemão referem ainda que a Directiva 79/7 não é aplicável ao caso em apreço. Alegam que a pensão a que se refere a Beamtenversorgungsgesetz não constitui uma prestação de reforma no quadro de um regime legal de segurança social na acepção do artigo 3.° desta directiva.

    70. Quanto à Directiva 86/378, a Comissão observa que a mesma não pode limitar o alcance do artigo 141.° CE. De acordo com o Governo alemão, esta directiva é aplicável ao regime alemão de pensões dos funcionários, pois este corresponde à definição dada no artigo 2.° dessa directiva para regime profissional de segurança social. É possível que a aplicação de algumas disposições da directiva fique excluída devido à especificidade das relações de serviço de direito público, mas o Governo alemão entende que a proibição de discriminação do artigo 5.° da directiva não é uma delas.

    71. Na opinião do Governo alemão e da Comissão, a excepção prevista no artigo 6.° , n.° 1, alínea h), da Directiva 86/378 não é aplicável aos casos em apreço. A este propósito, o Governo alemão refere que a redução da pensão dos funcionários que trabalharam a tempo parcial não assenta num cálculo actuarial na acepção deste artigo, mas resulta do regime alemão de pensões dos funcionários.

    Apreciação

    72. Subscrevo as posições, em grande parte coincidentes, das recorrentes nos processos principais, da Comissão e do Governo alemão. No meu entender, não há dúvida de que o regime alemão de pensões dos funcionários é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 141.° CE. O Tribunal de Justiça já o confirmou nos acórdãos anteriormente referidos, relativamente aos regimes de pensão dos funcionários neerlandês, francês e grego, e mais recentemente no acórdão Niemi , relativamente ao regime finlandês de pensões dos funcionários. Resulta desta jurisprudência que o elemento determinante para qualificar um regime de pensão é saber se a pensão é atribuída ao trabalhador com base na relação de trabalho existente entre o próprio e o seu antigo empregador, ou seja, com base no critério do emprego extraído do artigo 141.° CE. O regime alemão de pensões controvertido preenche este critério. Trata-se de uma regime aplicável a uma categoria especial de trabalhadores, o montante das prestações é fixado em função do tempo de serviço cumprido pelos titulares do direito e baseia-se no último vencimento. Assim se determina a relação entre a prestação de pensão e a relação de trabalho. A Directiva 79/7 não se aplica, pois, às prestações de pensão em causa, já que estas não são atribuídas no quadro de um regime legal de segurança social.

    73. Concordo, aliás, com a Comissão quando esta defende que a remissão para essa directiva constante da primeira questão prejudicial faz pouco sentido, uma vez que a mesma não pode limitar o alcance do artigo 141.° CE, conforme o Tribunal de Justiça declarou expressamente, a fim de ser exaustivo, no já antes referido acórdão Beune, n.° 64.

    74. A resposta à segunda questão pode ser muito breve. Conforme o próprio Governo alemão já explicou, o regime de redução controvertido é totalmente independente dos elementos do cálculo actuarial a que se refere o artigo 6.° , n.° 1, alínea h), da Directiva 86/378. Assim, esta disposição não pode servir de base a qualquer argumento susceptível de justificar montantes de prestação divergentes.

    Questões prejudiciais terceira a nona

    75. O Governo alemão sublinha que, ainda que as mulheres sejam mais prejudicadas pela redução da pensão, como afirma o órgão jurisdicional de reenvio, isso não significa automaticamente que a redução da pensão dos antigos funcionários a tempo parcial configure uma discriminação, pois é justificada por factores objectivos alheios ao sexo.

    76. De acordo com o Governo alemão, os factores objectivos susceptíveis de justificar uma discriminação indirecta, enunciados no artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 97/80, são independentes da repartição do ónus da prova e da questão de saber se o processo nacional reserva ao juiz uma competência oficiosa ou um papel mais passivo. Com efeito, o artigo 2.° , n.° 2, da Directiva 97/80 sintetiza a jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio da discriminação indirecta, que é independente da repartição do ónus da prova ou da natureza do processo nacional.

    77. Em segundo lugar, o Governo alemão defende que a discriminação indirecta também pode ser justificada com base noutras considerações, para além das referidas no preâmbulo da lei. Faz assentar a sua conclusão no acórdão Finalarte . O órgão jurisdicional de reenvio deve, pois, averiguar se existem outros factores de justificação.

    78. A este propósito, o Governo alemão sustenta que pode deduzir-se das disposições nacionais que a redução da pensão constitui um mecanismo de correcção inerente ao sistema que tem por objectivo evitar que os funcionários que trabalharam a tempo parcial sejam beneficiados pelo antigo sistema degressivo.

    79. A redução da pensão justifica-se, pois, objectivamente, já que o legislador nacional, ao introduzi-la, não optou por um sistema de dedução rígido, mas por uma fórmula de cálculo individual, que reproduz a relação entre o tempo de serviço efectivamente válido para efeitos de reforma e o tempo de serviço que seria válido para efeitos de reforma se não tivesse sido cumprido a tempo parcial. De acordo com esta fórmula, a redução da pensão (nos casos de trabalho a tempo parcial ou de licença sem vencimento) é tanto menor quanto mais longo for o período de trabalho efectuado a tempo inteiro durante toda a carreira.

    80. Além disso, o financiamento dos custos administrativos suplementares com o pessoal na sequência do alargamento da possibilidade de trabalhar a tempo parcial não foi determinante para a introdução da redução da pensão, a qual teve sobretudo em vista garantir o equilíbrio interno do regime alemão de pensões dos funcionários.

    81. As recorrentes nos processos principais observam que a redução da pensão implica uma diminuição do montante da pensão, no seu caso em cerca de 5%, relativamente ao funcionário a tempo inteiro que tenha efectuado o mesmo tempo de serviço válido para efeitos de reforma. É uma redução que afecta principalmente as mulheres, pois são sobretudo estas que trabalham a tempo parcial na função pública alemã. Este dado é pacífico. Por conseguinte, resta saber se existe uma justificação objectiva.

    82. De acordo com as recorrentes, não existe semelhante justificação objectiva. O argumento do favorecimento defendido pelo Governo alemão não é por elas partilhado. Só em circunstâncias bem determinadas se pode falar em vantagem. Porém, do ponto de vista prático, isso é negligenciável. É certo que, ao abrigo da regra dos 35% da antiga tabela de pensão degressiva, tanto o funcionário a tempo parcial como o funcionário a tempo inteiro acumulavam a mesma percentagem durante os primeiros dez anos, o que podia ser considerado favorável ao funcionário a tempo parcial. Se o mesmo funcionário a tempo parcial trabalhasse mais dez anos a tempo parcial, essa vantagem diluir-se-ia significativamente, na medida em que só a sua actividade a tempo parcial seria tida em conta no cálculo. Assim, após 20 anos, continuaria a ter direito a 35%, enquanto o funcionário que trabalhara a tempo inteiro chegaria aos 55%. Além disso, este funcionário a tempo inteiro beneficiava da regra dos 35% caso abandonasse o serviço ao fim de cinco anos.

    83. A Comissão considera que o § 85 da BeamtVG, em conjugação com o § 14, n.° 1, primeira frase, segunda e terceira partes da frase, da BeamtVG (versão antiga), cria uma discriminação indirecta em razão do sexo se, com base nestas disposições, a redução afectar a fixação da pensão de mais mulheres do que homens e os funcionários a tempo parcial sofrerem uma redução das suas pensões mais importante do que a que resultaria de uma regra pro rata temporis.

    84. A Comissão refere ainda que a introdução da redução da pensão foi inspirada em considerações pecuniárias. Remetendo para o acórdão Roks , a Comissão observa que os Estados-Membros podem efectuar cortes nos respectivos regimes de segurança social por razões de ordem orçamental, desde que não o façam de um modo que contrarie o direito comunitário. Uma norma nacional que seja introduzida apenas por razões de ordem orçamental e que leve a uma desigualdade de remuneração entre homens e mulheres viola o artigo 141.° CE.

    85. A Comissão chama igualmente a atenção para o facto de o Governo alemão ter alegado que a introdução da redução da pensão era uma correcção necessária da regra dos 35%. A Comissão entende, porém, que não se justifica aplicar esta redução apenas aos funcionários a tempo parcial.

    86. A Comissão refere, em seguida, que o direito comunitário não se opõe a que os trabalhadores a tempo parcial aufiram uma pensão pro rata temporis. Em contrapartida, o direito comunitário opõe-se a uma medida como a redução da pensão que conduza a uma diminuição desproporcional da pensão e configure, assim, uma discriminação em razão do sexo.

    Apreciação

    87. Segundo jurisprudência assente, a proibição do artigo 141.° CE abrange a discriminação em razão do sexo quer directa quer indirecta. Existe discriminação indirecta quando uma disposição ou regulamentação (nacional), embora formulada de modo neutro, prejudica de facto mais homens do que mulheres, a menos que essa diferença de tratamento se justifique por factores objectivos estranhos à discriminação em razão do sexo.

    88. No caso em apreço, o § 85, n.° 4, da BeamtVG, conjugado com o § 14, n.° 1, primeira frase, segunda parte da frase, da BeamtVG (versão antiga), tem uma formulação neutra. Não obstante, pode existir discriminação se estas disposições afectarem significativamente mais mulheres do que homens.

    89. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio observou que as estatísticas revelam existirem bastante mais mulheres do que homens a trabalhar a tempo parcial, pelo que a redução da pensão afecta principalmente as funcionárias. À primeira vista, existe, pois, discriminação indirecta.

    90. Se assim for, é necessário averiguar se essa discriminação se justifica por factores objectivos estranhos à discriminação em razão do sexo.

    91. Cabe, em última análise, ao órgão jurisdicional nacional apurar se tais factores objectivos se encontram reunidos no caso que lhe é submetido. Contudo, isso não impede o Tribunal de Justiça de fornecer indicações, com base nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais das partes, que possam ser úteis ao órgão jurisdicional de reenvio .

    92. Segundo jurisprudência assente, o Estado-Membro que foi o autor da disposição alegadamente discriminatória é que deve demonstrar que essa disposição responde a um objectivo legítimo e que os meios utilizados são necessários e proporcionados. A jurisprudência do Tribunal de Justiça confere aos Estados-Membros uma ampla margem de apreciação relativamente à necessidade de prosseguir objectivos sociais e de emprego . Esta margem é, no entanto, limitada, pois não pode ter como efeito esvaziar de conteúdo a aplicação de um princípio fundamental do direito comunitário como é o da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos .

    93. Depreende-se das fontes oficiais citadas no despacho de reenvio que a redução da pensão foi introduzida por razões orçamentais. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, as considerações de ordem orçamental, apesar de poderem estar na base de uma opção política desse tipo, não podem constituir, em si mesmas, o objectivo dessa política, pelo que não são susceptíveis de justificar uma discriminação em detrimento de um dos sexos .

    94. Caso venha a provar-se que a redução da pensão só foi introduzida numa preocupação de limitar as despesas, considero que não existem razões justificativas.

    95. Todavia, o Governo alemão alegou ainda, mediante remissão para a jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht, que a redução da pensão visava corrigir o tratamento relativamente favorável de que beneficiavam os funcionários que não haviam trabalhado a tempo inteiro com base na antiga tabela de pensão degressiva. Semelhante situação de favorecimento não podia ser evitada se se tivesse apenas em conta o trabalho a tempo parcial nos termos do § 6, n.° 1, da BeamtVG. Por conseguinte, a medida justificava-se.

    96. Embora as razões referidas não resultem expressamente dos trabalhos preparatórios da disposição relativa à redução da pensão, a introdução de semelhante mecanismo de correcção pode ser legítima. Coloca-se, porém, a questão de saber se esta disposição é necessária e proporcionada.

    97. Antes de mais, cumpre observar que a simples afirmação geral de que a redução da pensão controvertida tem uma finalidade correctora não é suficiente para demonstrar que a mesma é alheia a qualquer discriminação em razão do sexo nem fornece dados que permitam, razoavelmente, concluir que os meios escolhidos eram indicados para a consecução do objectivo.

    98. Observo ainda que, embora em determinadas circunstâncias a percentagem mínima de 35%, válida ao abrigo do sistema degressivo, pudesse favorecer os funcionários a tempo parcial, o mesmo acontecia relativamente aos funcionários que haviam trabalhado a tempo inteiro. No entanto, a redução da pensão só foi introduzida para o trabalho a tempo parcial.

    99. A eventual desproporcionalidade da redução pode ser apurada através de um cálculo simples e é ilustrada, designadamente, pelo exemplo dado nos n.os 58 a 63.

    100. Na prática, a introdução da redução da pensão no caso de trabalho a tempo parcial reconduz-se à aplicação antecipada do sistema linear actualmente em vigor para uma carreira de 40 anos . No entanto, cria uma diferença de tratamento entre funcionários que trabalharam a tempo parcial e funcionários que trabalharam a tempo inteiro. Com efeito, o montante da pensão é diferente para o mesmo tempo de serviço válido para efeitos de reforma .

    101. Embora esta redução da pensão tenha sido suprimida com a entrada em vigor do sistema de cálculo linear, em 1992, continua a ser aplicada, por força do regime transitório, aos funcionários que efectuaram parte da sua carreira a tempo parcial. Estes funcionários continuam a ser alvo desta redução e, por conseguinte, a ser prejudicados relativamente a funcionários que também já se encontravam ao serviço a 31 de Dezembro de 1991, mas a tempo inteiro, com o mesmo tempo de serviço válido para efeitos de reforma.

    102. Conforme a Comissão também observou, o direito comunitário não se opõe a uma pensão calculada pro rata temporis no caso de trabalho a tempo parcial . Semelhante diminuição pro rata temporis está prevista no § 6 da BeamtVG. Todavia, a aplicação do § 14, n.° 1, primeira frase, segunda parte da frase, da BeamtVG (versão antiga) conduz (ainda) a uma redução adicional do montante da pensão. Se, para além de atender ao trabalho a tempo parcial no cálculo do tempo de serviço válido para efeitos de reforma, for igualmente aplicada uma redução - desproporcionada - da pensão adicional, existe discriminação indirecta em razão do sexo que não pode ser justificada com base em factores como o menor tempo de serviço ou a necessidade de corrigir um alegado favorecimento dos trabalhadores a tempo parcial.

    Questões prejudiciais décima e décima primeira

    103. Estas questões prendem-se com o protocolo Barber. Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se - contrariamente ao que prevê o protocolo - o tempo de serviço cumprido antes da data em que foi proferido o acórdão Barber, a saber, 17 de Maio de 1990, pode ser tido em conta caso as disposições que eram aplicáveis ao tempo de serviço cumprido antes dessa data tenham sido alteradas a partir dessa data, mas sem eliminarem a desigualdade de tratamento de determinado grupo.

    104. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o protocolo se baseia no acórdão Barber, no qual o Tribunal de Justiça limitou no tempo os efeitos da sua decisão. O Tribunal de Justiça, ao decretar essa limitação, baseou-se sobretudo no princípio da confiança legítima. O órgão jurisdicional de reenvio duvida que o princípio da confiança legítima possa ser invocado no presente processo, dado que o legislador, apesar de consciente do efeito discriminatório da redução da pensão, levou a cabo uma alteração que permitiu que esse efeito subsistisse em determinadas situações.

    105. Nas observações escritas, a Comissão sublinhou que o Tribunal de Justiça baseou a limitação no tempo não apenas no princípio da confiança legítima e no princípio da segurança jurídica, mas também no facto de a invocação de direitos com efeitos retroactivos poder desequilibrar financeiramente uma série de regimes de pensões. Assim, a Comissão propõe nas observações escritas, em conformidade com esse acórdão, que se declare que o direito à igualdade de tratamento não pode ser invocado relativamente a períodos anteriores a 17 de Maio de 1990.

    106. Na audiência, a Comissão, bem como o representante de Silvia Becker, chamaram, no entanto, a atenção para a existência de uma diferença entre o presente processo e o processo Barber. A Comissão refere que, neste último processo, estava em causa um regime já com dezenas de anos, enquanto a redução da pensão ora controvertida foi mantida pela quinta alteração legislativa 1990 para os direitos de pensão adquiridos no período anterior à entrada em vigor dessa lei. Se, antes do acórdão Barber, os Estados-Membros ainda podiam razoavelmente considerar que o artigo 141.° CE não era aplicável aos regimes de pensão, o mesmo já não acontece relativamente ao período seguinte, ou seja, posterior a 17 de Maio de 1990. A este propósito, a Comissão sublinha que a alteração legislativa foi publicada em 28 de Maio de 1990, logo alguns dias após o acórdão Barber. A Comissão entende pois que, na realidade, a Alemanha não pode invocar o protocolo Barber no que diz respeito à redução da pensão aplicada a Silvia Becker. O princípio da confiança legítima não tem qualquer utilidade no caso em apreço e, por outro lado, a segurança jurídica não exige que a redução se mantenha relativamente aos períodos anteriores.

    107. Silvia Becker também considera que o Governo alemão não pode invocar o princípio da confiança legítima, uma vez que, conforme referiu o órgão jurisdicional de reenvio, o legislador estava consciente da discriminação indirecta. Em seu entender, a não aplicação da redução da pensão incompatível com o artigo 141.° CE teria, além disso, consequências financeiras insignificantes. Por último, chama a atenção para o facto de não ter podido impugnar mais cedo a redução da pensão mantida no direito transitório. Essa impugnação só é possível uma vez proferida a decisão definitiva, não sendo admitida pelo direito alemão a título de providência cautelar.

    Apreciação

    108. A posição defendida pela Comissão e por Silvia Becker não encontra apoio quer no texto do protocolo quer nos seus trabalhos preparatórios ou na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    109. No acórdão Barber, o Tribunal de Justiça declarou que as pensões de empresas eram abrangidas pelo conceito de remuneração do artigo 141.° CE, pelo que na atribuição dessas pensões não podia haver discriminação em razão do sexo. Por os Estados-Membros e os grupos de interessados não terem, nessa altura, obrigação de conhecer semelhante interpretação e numa preocupação de evitar que o reconhecimento de direitos de natureza financeira pudesse ter consequências desastrosas para os fundos de pensões, o Tribunal de Justiça limitou a referida interpretação no tempo. Mais tarde, o Tribunal de Justiça esclareceu que esta jurisprudência também é válida para os regimes complementares de pensão, para as pensões de sobrevivência, para a transferência dos direitos à pensão e para os regimes de pensão dos funcionários .

    110. Em jurisprudência ulterior, o Tribunal de Justiça esclareceu ainda que a igualdade de tratamento no domínio destas pensões só pode ser invocada em relação às prestações devidas relativamente a períodos de trabalho posteriores a 17 de Maio de 1990, data do acórdão Barber . Prevê-se, no entanto, uma excepção a favor dos trabalhadores ou dos seus sucessores que tenham, antes dessa data, intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente nos termos da legislação nacional aplicável. O Tribunal de Justiça respeitou rigorosamente essa data e a respectiva excepção. A redacção do protocolo Barber também é clara a esse respeito. Este protocolo retoma a data do acórdão Barber. Se as partes contratantes tivessem querido abrir determinadas excepções relativamente a períodos de trabalho anteriores a essa data, para além da excepção de que beneficiam aqueles que já tinham intentado uma acção judicial, tê-lo-iam feito. Não deve, pois, abrir-se uma excepção a favor de Silvia Becker relativamente aos períodos cumpridos antes de 17 de Maio de 1990.

    V - Conclusão

    111. Com base no exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais do Verwaltungsgericht Frankfurt am Main:

    «- A pensão de reforma prevista na Beamtenversorgungsgesetz é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 141.° CE.

    - O artigo 141.° CE opõe-se a um regime nacional como o previsto no § 85, n.° 4, da Beamtenversorgungsgesetz, em conjugação com o § 14, n.° 1, segunda frase, da Beamtenversorgungsgesetz (versão antiga), se estas disposições, que levam a uma redução da pensão dos trabalhadores a tempo parcial superior à que resultaria da aplicação de uma regra pro rata temporis, afectarem a fixação da pensão de mais mulheres do que homens.

    - Cabe ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar a matéria de facto e para interpretar a legislação nacional, estabelecer se e em que medida é que uma disposição legislativa aplicável independentemente do sexo do trabalhador, mas que atinge de facto uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, se justifica por factores objectivos e estranhos a qualquer discriminação em razão do sexo.

    - Resulta do protocolo relativo ao artigo 141.° CE que o efeito directo do artigo 141.° CE só pode ser invocado para exigir uma igualdade de tratamento em matéria de pensões em relação às prestações devidas relativamente a períodos de trabalho posteriores a 17 de Maio de 1990, sem prejuízo da excepção prevista a favor dos trabalhadores ou dos seus sucessores que tenham, antes dessa data, intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente nos termos da legislação nacional aplicável.»

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