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Document 62001TJ0325
Judgment of the Court of First Instance (Fifth Chamber) of 15 September 2005.#DaimlerChrysler AG v Commission of the European Communities.#Competition - Fine.#Case T-325/01.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 15 de Septembro de 2005.
DaimlerChrysler AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Artigo 81.º CE - Acordos - Contrato de agência - Distribuição de veículos automóveis - Unidade económica - Medidas destinadas a restringir o comércio paralelo de veículos automóveis - Fixação dos preços - Regulamento (CE) nº 1475/95 - Coima.
Processo T-325/01.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 15 de Septembro de 2005.
DaimlerChrysler AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Artigo 81.º CE - Acordos - Contrato de agência - Distribuição de veículos automóveis - Unidade económica - Medidas destinadas a restringir o comércio paralelo de veículos automóveis - Fixação dos preços - Regulamento (CE) nº 1475/95 - Coima.
Processo T-325/01.
Colectânea de Jurisprudência 2005 II-03319
ECLI identifier: ECLI:EU:T:2005:322
Processo T‑325/01
DaimlerChrysler AG
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência – Artigo 81.° CE – Acordos – Contrato de agência – Distribuição de veículos automóveis – Unidade económica – Medidas destinadas a restringir o comércio paralelo de veículos automóveis – Fixação dos preços – Regulamento (CE) n° 1475/95 – Coima»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 15 de Setembro de 2005
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Conceito – Comportamentos bilaterais ou multilaterais – Inclusão – Comportamento unilateral – Exclusão
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
2. Concorrência – Regras comunitárias – Empresa – Conceito – Unidade económica – Pessoas jurídicas distintas ligadas por um contrato de agência – Condições de existência da unidade económica
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
3. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Isenção por categorias – Regulamento n.º 1475/95 – Conceito de «revenda»
(Regulamento n.º 1475/95 da Comissão, artigo 10.º, n.º 12)
4. Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo obrigatório – Respeito dos direitos de defesa
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 19.º, n.º 1; Regulamento n.º 99/63 da Comissão, artigos 2.º e 4.º)
5. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prática concertada – Conceito – Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação de cada empresa determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
6. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Prova da infracção a cargo da Comissão – Prova apresentada de uma participação em reuniões com objecto anticoncorrencial – Prova de distanciamento relativamente às decisões tomadas, que incumbe à empresa
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
7. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Decisões de associações de empresas – Decisão não vinculativa de uma associação, aplicada pelos seus membros – Inclusão
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
8. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Afectação do comércio entre Estados‑Membros – Acordo que produz efeitos em todo o território de um Estado‑Membro – Afectação automática
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
9. Concorrência – Regras comunitárias – Infracção cometida por uma filial – Imputação à sociedade‑mãe – Condições – Irrelevância da existência de uma personalidade jurídica distinta da filial – Relevância da detenção da totalidade do capital da filial – Obrigação de a sociedade‑mãe ilidir a presunção de exercício efectivo de um poder de direcção sobre a sua filial
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
1. A proibição estabelecida no artigo 81.º, n.º 1, CE, diz exclusivamente respeito a comportamentos coordenados bilateral ou multilateralmente, sob a forma de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas ou de práticas concertadas. Daqui resulta que o conceito de acordo, na acepção desta disposição, baseia-se na existência de uma concordância de vontades entre, pelo menos, duas partes. Por conseguinte, quando uma decisão de uma empresa constitui um comportamento unilateral desta, essa decisão escapa à proibição contida neste artigo.
(cf. n.os 83-84)
2. Para efeitos de aplicação das regras da concorrência, a separação formal entre duas sociedades, resultante das suas personalidades jurídicas distintas, não é determinante, sendo o importante a unidade, ou não, do seu comportamento no mercado. Pode, portanto, tornar‑se necessário determinar se duas sociedades com personalidades jurídicas distintas formam ou dependem de uma só e mesma empresa ou entidade económica que adopta um comportamento único no mercado.
Essa situação não se limita a casos em que as sociedades mantêm relações de sociedade‑mãe e filial, englobando igualmente, em certas circunstâncias, as relações entre uma sociedade e o seu representante comercial ou entre o comitente e o comissário. Com efeito, quando se trata de aplicar o artigo 81.° CE, a questão de saber se o comitente e o seu intermediário ou «representante comercial» formam uma unidade económica, sendo o segundo um órgão auxiliar integrado na empresa do primeiro, é importante para determinar se um comportamento cai sob a alçada deste artigo. Assim, se um intermediário exerce uma actividade em benefício do seu comitente, pode em princípio ser considerado como um órgão auxiliar integrado na empresa deste, obrigado a seguir as instruções do comitente e formando assim com esta empresa, à semelhança do empregado comercial, uma unidade económica.
Já o mesmo não sucede se os contratos celebrados entre o comitente e os seus agentes conferem ou deixam a estes funções que se aproximam economicamente das de um negociante independente, pelo facto de preverem a assunção pelos referidos agentes dos riscos financeiros ligados à venda ou ao cumprimento dos contratos celebrados com terceiros. Por conseguinte, os agentes só são susceptíveis de perder a sua qualidade de operador económico independente quando não suportam nenhum dos riscos resultantes dos contratos negociados para o comitente e operam como auxiliares integrados na empresa do comitente. Por conseguinte, quando um agente, ainda que tendo personalidade jurídica distinta, não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica as instruções que lhe são fixadas pelo seu comitente, as proibições impostas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, são inaplicáveis nas relações entre o agente e o seu comitente com o qual forma uma unidade económica.
(cf. n.os 85-88)
3. Resulta da definição do termo «revenda» prevista no artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95, da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.º] [CE] a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, que a possibilidade de um fornecedor proibir aos distribuidores que forneçam pessoas singulares ou colectivas equiparadas a «revendedores» se limita ao caso em que estes últimos alienam veículos automóveis em estado novo. Esta equiparação à revenda dos contratos de locação financeira que incluem uma transferência de propriedade ou uma opção de compra antes do termo do contrato, tem como finalidade permitir ao fornecedor assegurar a integralidade da rede de distribuição evitando que um contrato de locação financeira seja utilizado para facilitar a aquisição, fora da rede de distribuição exclusiva, da propriedade de um veículo quando este ainda está em estado novo.
(cf. n.o 153)
4. A Comissão deve comunicar as acusações que faz contra as empresas e associações interessadas e apenas pode ter em conta nas suas decisões as acusações relativamente às quais estas tenham tido a oportunidade de se pronunciar utilmente sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão.
A comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são censurados pela Comissão. É só com esta condição que a comunicação de acusações pode preencher a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários e que consiste em fornecer às empresas todos os elementos de informação necessários para lhes permitir que se defendam utilmente antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva. Esta exigência é respeitada quando a decisão não imputa aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e atende unicamente a factos sobre os quais os interessados tenham tido ocasião de se explicar. A decisão final da Comissão não deve todavia constituir necessariamente uma cópia da exposição das acusações.
Quando a comunicação de acusações fornece uma indicação clara da natureza da infracção ao direito da concorrência censurada à empresa em causa e dos factos essenciais invocados a esse respeito, esta pode responder à acusação feita e defender os seus direitos. Uma apresentação posterior das acusações na decisão adoptada pela Comissão que qualifica um acordo económico como «vertical» ou «horizontal» não constitui uma modificação material das acusações tal como foram apresentadas na comunicação de acusações.
(cf. n.os 188-189, 192)
5. Para que exista um acordo, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportar no mercado de um modo determinado.
Os critérios de coordenação e cooperação, que não requerem de modo algum a elaboração de um verdadeiro «plano», devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual cada operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que tenciona seguir no mercado comum. Embora esta exigência não prive os operadores económicos do direito de se adaptarem inteligentemente ao comportamento constatado ou previsível dos seus concorrentes, no entanto, impede rigorosamente qualquer contacto directo ou indirecto entre esses operadores que tenha por objecto ou efeito influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial ou revelar a tal concorrente o comportamento que eles próprios tenham decidido adoptar ou tencionem adoptar no mercado.
(cf. n.os 199-200)
6. Em caso de litígio quanto à existência de uma infracção às regras da concorrência, compete à Comissão apresentar a prova das infracções por ela verificadas e produzir os elementos probatórios adequados à demonstração juridicamente suficiente da existência dos factos constitutivos da infracção.
Todavia, a partir do momento em que foi provado que uma empresa participou em reuniões entre empresas de natureza manifestamente anticoncorrencial, incumbe a esta apresentar indícios susceptíveis de demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões se tinha verificado sem qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nas mesmas numa óptica diferente da destes. Na falta dessa prova de distanciamento, o facto de essa empresa não agir em conformidade com os resultados das reuniões em causa não é susceptível de a isentar da sua plena responsabilidade decorrente da sua participação no acordo.
(cf. n.os 201-202)
7. Um acto pode ser qualificado de decisão de associação de empresas na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, sem necessariamente ter um carácter obrigatório para os membros em causa, pelo menos, na medida em que os membros visados por essa decisão lhe dêem cumprimento.
(cf. n.o 210)
8. Um acordo que abrange todo o território de um Estado‑Membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar compartimentações de carácter nacional, obstando assim à interpenetração económica pretendida pelo Tratado.
(cf. n.o 212)
9. A circunstância de uma empresa filial ter uma personalidade jurídica distinta da sua sociedade‑mãe não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade‑mãe, nomeadamente quando a filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, antes aplicando, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe.
A este respeito, embora a detenção de 100% do capital da filial pela sociedade‑mãe não permita, por si só, demonstrar o exercício efectivo, por esta última, de um poder de direcção, o qual condiciona a imputação do comportamento a uma ou a outra, a Comissão pode basear a sua decisão relativa a essa imputação, na circunstância de a sociedade‑mãe não contestar que teve possibilidade de influenciar de modo determinante a política comercial da sua filial e não apresentar provas que alicercem as suas afirmações relativas à autonomia desta última. Com efeito, perante a detenção da totalidade do capital da filial, a Comissão pode legitimamente supor que a sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial, especialmente se a sociedade‑mãe se apresentou no procedimento administrativo como o único interlocutor das sociedades do grupo.
Nestas condições, compete à sociedade‑mãe ilidir essa presunção através da apresentação de elementos de prova suficientes.
(cf. n.os 218-220)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
15 de Setembro de 2005 (*)
«Concorrência – Artigo 81.° CE – Acordos, decisões e práticas concertadas – Contrato de agência – Distribuição de veículos automóveis – Unidade económica – Medidas destinadas a restringir o comércio paralelo de veículos automóveis – Fixação dos preços – Regulamento (CE) n° 1475/95 – Coima»
No processo T‑325/01,
DaimlerChrysler AG, com sede em Estugarda (Alemanha), representada por R. Bechtold e W. Bosch, advogados,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Mölls, na qualidade de agente, assistido por H.‑J. Freund, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrida,
que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 2002/758/CE da Comissão, de 10 de Outubro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.264 – Mercedes‑Benz) (JO 2002, L 257, p. 1), e, a título subsidiário, a redução da coima aplicada pela referida decisão,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),
composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,
secretário: I. Natsinas, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 25 de Maio de 2004,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do litígio
1 O presente recurso tem por objecto a anulação da Decisão 2002/758/CE da Comissão, de 10 de Outubro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.264 – Mercedes‑Benz) (JO 2002, L 257, p. 1, a seguir «decisão litigiosa»).
2 A DaimlerChrysler AG (a seguir «recorrente») é a sociedade‑mãe de um grupo de sociedades que se dedica, designadamente, à produção e à venda de veículos automóveis.
3 Em 21 de Dezembro de 1998, a Daimler‑Benz AG fundiu‑se com a recorrente com base num acordo de fusão de empresas assinado em 7 de Maio de 1998. A recorrente sucedeu, portanto, à Daimler‑Benz AG, tendo‑lhe sido transferidos todos os direitos, activos, compromissos e obrigações desta.
4 Antes desta fusão, a Daimler‑Benz AG era a empresa líder do grupo Daimler‑Benz que operava à escala mundial através das suas filiais. Além disso, em 26 de Maio de 1997, a Mercedes‑Benz AG, filial da Daimler‑Benz AG, fundiu‑se com esta última. Desde esta data, esta é a divisão responsável pelo sector «veículos automóveis» da Daimler‑Benz AG. Nos termos da decisão litigiosa, o nome «Mercedes‑Benz» é utilizado no presente acórdão para se referir, quer se trate da Daimler‑Benz AG (até 1989), da Mercedes‑Benz AG (até 1997), da Daimler‑Benz AG (1997/98) quer da recorrente (a partir de 1998).
5 A Comissão recebeu, desde o início de 1995, várias cartas de consumidores relativas a obstáculos à exportação de veículos automóveis novos da marca Mercedes‑Benz levantados pelas empresas do grupo Daimler‑Benz AG em vários Estados‑Membros.
6 A Comissão dispunha de um determinado número de elementos que indicavam que as empresas pertencentes a este grupo compartimentavam o mercado em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Em 4 de Dezembro de 1996, a Comissão adoptou várias decisões nas quais ordenava que se procedesse a diligências de instrução, nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Estas diligências de instrução foram efectuadas em 11 e 12 de Dezembro de 1996 nas empresas Daimler‑Benz AG em Estugarda (Alemanha), Mercedes‑Benz Belgium SA/NV na Bélgica, Mercedes‑Benz Nederland NV em Utrecht (Países Baixos) e Mercedes‑Benz España, SA, em Espanha.
7 Em 21 de Outubro de 1998, a Comissão dirigiu um pedido de informações à Daimler‑Benz AG, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, tendo recebido a respectiva resposta em 10 de Novembro de 1998. Em 15 de Junho de 2001, a Comissão enviou também um pedido de informações à recorrente, tendo recebido a resposta em 9 de Julho de 2001. Na sequência das diligências de instrução efectuadas em 11 e 12 de Dezembro de 1996, a Comissão encontrou e elaborou numerosos documentos que, juntamente com os pedidos de informações enviados à recorrente e com as observações desta última, constituem o fundamento da decisão litigiosa.
8 Em 10 de Outubro de 2001, a Comissão adoptou a decisão litigiosa.
Decisão litigiosa
9 Na decisão litigiosa, a Comissão considera que a Mercedes‑Benz AG, cometeu, em nome próprio ou através das suas filiais, a Mercedes‑Benz España SA (a seguir «MBE») e a Mercedes‑Benz Belgium SA (a seguir «MBBel»), infracções ao disposto no artigo 81.°, n.° 1, CE. Segundo a Comissão, as medidas referidas na decisão litigiosa dizem respeito à venda a retalho de automóveis da marca Mercedes‑Benz (v. considerandos 143 a 149).
10 A Comissão descreve, na decisão litigiosa, as empresas em causa e a sua rede de distribuição. Refere que a distribuição de automóveis da marca Mercedes‑Benz na Alemanha é essencialmente levada a cabo através de uma rede de sucursais pertencentes ao grupo, de agentes com o estatuto de agentes comerciais (como é definido no § 84, n.° 1, do Código Comercial alemão), que actuam como intermediários, e de concessionários (v. considerando 15). Menciona que a rede de distribuição na Bélgica compreende um importador, a MBBel, que, desde data não precisada, era uma filial detida a 100% pela Daimler‑Benz AG que, desde 21 de Dezembro de 1998, é ela própria uma filial detida a 100% pela recorrente e que vende veículos novos por intermédio de duas sucursais, de concessionários e de agentes e/ou oficinas que também podem servir de intermediários de contratos de venda de veículos novos (v. considerandos 17 e 19). A distribuição em Espanha é feita através de uma rede que compreende três sucursais da MBE e concessionários. A Comissão observa que certos agentes e/ou oficinas não vendem veículos automóveis, agindo unicamente como intermediários nas encomendas. Precisa que a MBE é uma filial a 100% da holding nacional Daimler‑Benz España, SA, a qual, por seu turno, foi uma filial a 99,88% da Daimler‑Benz AG. Desde 21 de Dezembro de 1998, esta holding é uma filial a 100% da recorrente (v. considerando 20).
11 A Comissão verifica que, contrariamente ao sustentado pela recorrente no procedimento administrativo, o artigo 81.°, n.° 1, CE aplica‑se aos contratos celebrados entre a Mercedes‑Benz e os agentes alemães na mesma medida em que é aplicável a um contrato com um comerciante autorizado. Segundo a Comissão, «[a]s limitações que lhes são impostas [devem], por isso, considerar‑se limitações de um comerciante independente» (v. considerando 168).
12 A Comissão afirma, a este respeito, em primeiro lugar, que os agentes alemães da Mercedes‑Benz devem assumir uma série de riscos inerentes à exploração de uma empresa que são indissociáveis da sua actividade de intermediários por conta da Mercedes‑Benz e que levam a que o artigo 81.° CE seja aplicável aos acordos celebrados entre a Mercedes‑Benz e os agentes (v. considerandos 153 a 160).
13 Refere, designadamente, que os agentes alemães da Mercedes‑Benz assumem uma parte significativa do risco do preço associado aos automóveis cuja venda negoceiam. Segundo a Comissão, se, relativamente à venda de veículos novos, um agente efectua reduções de preço, com o acordo da Mercedes‑Benz, estas são integralmente deduzidas da sua comissão (v. considerandos 155 e 156).
14 A Comissão refere que o agente alemão suporta ainda o risco dos custos de transporte de veículos novos, nos termos do n.° 4 do artigo 4.° do contrato de agência alemão. Este último, à semelhança de um distribuidor independente, deve repercutir no cliente os custos e o risco do transporte, em conformidade com o direito das obrigações (v. considerando 157).
15 O agente consagra também uma parte considerável dos seus recursos financeiros à promoção das vendas. Segundo a Comissão, deve, nomeadamente, adquirir os automóveis de demonstração por sua própria conta (artigo 4.°, n.° 7, do contrato de agência alemão). A Mercedes‑Benz impõe condições especiais na venda de automóveis de demonstração e de empresa. Estes devem ser utilizados durante um período mínimo de três a seis meses e ter percorrido pelo menos 3 000 km. Posteriormente, os agentes podem revender os automóveis em segunda mão, assumindo também o risco de venda relativamente a este número significativo de veículos (v. considerando 158).
16 A Comissão afirma também que a actividade de um agente da Mercedes‑Benz está associada necessariamente a uma série de outros riscos inerentes à exploração de uma empresa. A assunção destes riscos constitui um dos requisitos para que uma empresa possa ser um desses agentes. Nos termos do artigo 13.° do contrato de agência, o agente deve executar reparações, no prazo da garantia, nos veículos automóveis que tenham garantia do construtor. Os agentes alemães devem instalar uma oficina por sua própria conta e aí prestar serviço pós‑venda e de garantia e assegurar, quando solicitado, o serviço de assistência permanente e de reparação urgente de avarias (artigo 12.° do contrato de agência). Além disso, os agentes devem manter, por conta própria, um armazém de peças sobressalentes para a reparação dos automóveis na sua oficina (artigo 14.° do contrato de agência) (v. considerando 159).
17 Em segundo lugar, a Comissão refere que, do ponto de vista económico, o volume de negócios que o agente alemão realiza no exercício da sua actividade empresarial própria excede em muito as receitas que aufere enquanto intermediário da venda de veículos automóveis novos. Sublinha que «[p]ela actividade de intermediação, […] [o agente] recebe uma comissão composta, no caso de automóveis de passageiros, de uma comissão de base de 12,2% e de uma comissão de prestação de serviços que pode ascender a 3,6%. Estas comissões que podem ir até ao máximo de 15,8% constituem o volume de negócios da actividade de agente. Desta comissão, o agente tem que financiar os descontos que concede aos compradores de automóveis. O volume real de negócios da actividade de agente é, por isso, inferior aos referidos 15,8%.» Afirma ainda que (v. considerando 159) «o volume de negócios da actividade de intermediação constitui cerca de 50% do volume total de um agente, considerando‑se os preços dos veículos parte deste volume. O volume real de negócios dos agentes resultante da intermediação como tal é, porém, a comissão acima referida. Comparada com o volume de negócios dos agentes decorrente das actividades associadas à intermediação, nas quais o agente assume integralmente o risco, resulta que, apenas cerca de 1/6 do volume total de negócios assenta na actividade de agente propriamente dita».
18 A Comissão considera que não é possível, atendendo ao número e à dimensão dos riscos que devem ser suportados pelos agentes, aceitar a objecção da recorrente de que estes riscos são típicos de verdadeiros representantes comerciais. Afirma que «a situação seria diferente se os agentes pudessem escolher, nomeadamente, entre assumir os riscos consideráveis decorrentes dos veículos automóveis de demonstração e de empresa, da execução da garantia, da criação de instalações de manutenção e de reparação, bem como do negócio com peças sobressalentes, e levar a cabo apenas a intermediação de contratos de veículos novos». Ora, não é este o caso (v. considerando 160).
19 A recorrida contesta, por não ser pertinente, o argumento da recorrente segundo o qual os agentes alemães estão integrados na sua empresa. A este respeito, a recorrente apoia‑se «nas exigências que o agente deve respeitar, tanto na perspectiva pessoal como na da sua empresa (regra geral, distribuição exclusiva de veículos automóveis Mercedes‑Benz, agir exclusivamente como ‘agente da Mercedes‑Benz’, exigências relativas à instalação e ao equipamento da empresa, do ponto de vista pessoal e material, à publicidade, à imagem, à obrigação de defesa dos interesses da [recorrente] e ao respeito das orientações de identificação da Mercedes‑Benz)» e no facto de que um agente é um «agente exclusivo» que apenas pode vender veículos Mercedes‑Benz (v. considerando 162). No entanto, a Comissão considera que, na decisão litigiosa, a par da repartição de riscos, a «integração» não é uma característica susceptível de distinguir um agente comercial de um comerciante em nome próprio (v. considerando 163). A Comissão compara as disposições dos contratos de agência alemães, referidas pela recorrente, com as dos contratos de concessão estrangeiros para demonstrar a «integração» dos agentes alemães (v. considerando 164). Considera que esta comparação demonstra que as obrigações impostas aos agentes alemães são idênticas às impostas aos representantes comerciais estrangeiros e que estes dois tipos de distribuição estão «integrados» em igual medida no sistema de distribuição da Mercedes‑Benz (v. considerando 165).
20 A Comissão alega que a Mercedes‑Benz criou obstáculos à concorrência através de quatro medidas diferentes.
21 Em primeiro lugar, alega que, na sequência do lançamento da nova série de automóveis W 210 (nova classe E), foram dadas, designadamente numa comunicação de 6 de Fevereiro de 1996, instruções muito claras a todos os membros da rede de distribuição alemã, incluindo aos agentes, no sentido de «que se ativessem às suas áreas contratuais». As instruções diziam respeito não apenas a esta série mas também mais geralmente a todas as transacções de automóveis novos. No final desta comunicação, a Mercedes‑Benz ameaçou que: «não hesitaremos em recusar o fornecimento de automóveis da série W 210 se verificarmos que a capacidade de escoamento de determinadas áreas não justifica as quantidades atribuídas». Deste modo, as instruções foram especialmente reforçadas.
22 Segundo a Comissão, o objectivo destas instruções foi tentar que os distribuidores apenas vendessem as suas quotas de veículos automóveis da série W 210, bem como de outras séries, exclusivamente nas suas áreas concessionadas e que não efectuassem fornecimentos aos clientes de passagem que não pertencessem à clientela das respectivas áreas concessionadas. Como refere a própria comunicação, pretendeu‑se limitar a «concorrência interna», ou seja, a «concorrência intramarca» entre os agentes alemães e entre estes e as sucursais alemãs e estrangeiras e comerciantes estrangeiros. A comunicação de 6 de Fevereiro de 1996 teve, portanto, por finalidade restringir a concorrência «intramarca».
23 Em segundo lugar, a Comissão refere que, em quase todos os casos é exigido o adiantamento de 15% do preço de compra aos clientes de passagem de outros Estados‑Membros. Considera que esta prática dificulta ainda mais o comércio paralelo, uma vez que restringe a liberdade de os agentes poderem prosseguir a sua política comercial e, por exemplo, de prescindir desses adiantamentos no caso de clientes de passagem conhecidos. Observa que, ainda que este tipo de adiantamentos possa fazer sentido do ponto de vista comercial em determinados casos, não é exigido qualquer adiantamento relativamente às vendas no território alemão, embora também neste contexto pudessem existir interesses de protecção comparáveis. Consequentemente, esta regra opera uma discriminação contra as transacções do comércio paralelo relativamente às vendas alemãs de veículos automóveis (v. considerando 174).
24 Em terceiro lugar, a Comissão considera que a proibição do fornecimento às sociedades de locação financeira externas, sempre que não exista um cliente identificado, que consta nos contratos de agência alemães [v. artigo 2.°, n.° 1, alínea d)] e nos contratos de concessão espanhóis [v. artigo 4.°, alínea d)], tem por finalidade limitar a concorrência entre as sociedades de locação financeira do grupo Mercedes‑Benz e as sociedades de locação financeira externas na Alemanha e em Espanha. Com efeito, estas últimas apenas podem adquirir automóveis Mercedes caso a caso, nomeadamente quando exista um cliente muito concreto, e nunca para aprovisionamento. Deste modo, é‑lhes impossível fornecer rapidamente um veículo. Segundo a Comissão, as regras relativas à venda de veículos às sociedades de locação financeira levam também a que as sociedades de locação financeira externas não beneficiem das mesmas condições vantajosas de preços na compra de automóveis para locação financeira como outros que exploram frotas de automóveis. Globalmente, as cláusulas em questão agravam as condições em que as sociedades de locação financeira externas podem adquirir automóveis Mercedes e, por conseguinte, as possibilidades de entrar em concorrência no mercado da locação financeira com as sociedades de locação financeira do grupo Mercedes‑Benz. As regras relativas à locação impostas aos agentes e concessionários conduzem a uma restrição da concorrência de preços e condições de entrega de veículos para locação financeira (v. considerando 176).
25 Em quarto lugar, a Comissão observa que o acordo celebrado em 20 de Abril de 1995 entre a MBBel e a associação de concessionários Mercedes‑Benz da Bélgica, que consiste em limitar os descontos a 3% e mandar verificar o nível de descontos autorizados para a classe E por uma agência externa, acarretando os descontos mais elevados reduções nas quotas de veículos da nova classe E, tem por objectivo restringir a concorrência através dos preços na Bélgica.
26 Após ter referido que as medidas em causa afectavam de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros e que não podiam ser excluídas da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, a Comissão considerou que era necessário aplicar uma coima à recorrente enquanto responsável por todas as infracções às regras de concorrência praticadas pela Daimler‑Benz AG e pela Mercedes‑Benz AG, ou pelas filiais Daimler‑Benz MBBel e MBE.
27 A este respeito, a Comissão entendeu que as medidas destinadas a criar obstáculos à exportação constituem uma infracção única composta por dois elementos (as instruções de não vender fora da área concessionada e a regra do adiantamento de 15%) que vigoraram simultaneamente durante um determinado período. Segundo a Comissão, esta infracção é particularmente grave, pelo que é adequada uma coima de um montante de base de 33 milhões de EUR. No que respeita à duração da infracção, a Comissão afirma que, considerando ambos os elementos da infracção em causa, verifica‑se que esta teve início em 12 de Setembro de 1985 e ainda não cessou. De acordo com a Comissão, trata‑se, portanto, de uma infracção de longa duração. Contudo, considera que os efeitos potenciais da regra do adiantamento foram significativamente menores do que o impacto das instruções dirigidas directamente contra as exportações. Estas últimas vigoraram apenas entre 6 de Fevereiro de 1996 e 10 de Junho de 1999, ou seja, durante três anos e quatro meses. Por esta razão, a Comissão considera adequado aumentar o montante de base em apenas 42,5%, ou seja, em 14,025 milhões de EUR. O montante de base é, assim, de 47,025 milhões de EUR.
28 A Comissão entende que a proibição da venda de veículos a sociedades de locação financeira para constituição de stock, prevista no contrato de agência alemão e no contrato de concessão espanhol, deve ser considerada grave. Considera adequado um montante de base de coima de 10 milhões de EUR. Segundo a Comissão, a infracção teve início em 1 de Outubro de 1996 e ainda não cessou. A sua duração é, portanto, de cinco anos, o que corresponde a uma duração média. Considera adequado um aumento em 50% do montante de base em função da duração da infracção, ou seja, um aumento de 5 milhões de EUR do montante de base, elevando‑o, assim, a 15 milhões de EUR.
29 Segundo a Comissão, as medidas relativas à determinação do preço de venda na Bélgica adoptadas com a participação activa da MBBel constituem, pela sua natureza, uma violação muito grave das regras de concorrência. Considera que esta infracção é globalmente grave e que é adequado um montante de base da coima de 7 milhões de EUR. A Comissão afirma que essas medidas foram aplicadas de 20 de Abril de 1995 a 10 de Junho de 1999, ou seja, durante um período de duração média e que é adequado aumentar o montante de base em 40%, ou seja, de 2,8 milhões de EUR, para 9,8 milhões de EUR.
30 A Comissão não refere, na decisão litigiosa, a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Por conseguinte, adicionados os montantes referidos acima, obtém‑se uma coima global no montante de 71,825 milhões de EUR.
31 Com base nestas considerações, a Comissão adoptou a decisão litigiosa, cujo dispositivo é o seguinte:
«Artigo 1.°
[A Mercedes‑Benz], em nome próprio ou através das suas filiais [MBE] e [MBBel], comete[u] infracções ao disposto no n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE, na medida em que tom[ou] as seguintes medidas com o fim de restringir o comércio paralelo:
– a partir de 6 de Fevereiro de 1996, foram dadas instruções a todos os agentes na Alemanha no sentido de fornecerem, na medida do possível, os veículos novos que lhes foram entregues, nomeadamente os da série W 210, exclusivamente a clientes da sua área concessionada e de evitar a concorrência interna; estas medidas vigoraram até 10 de Junho de 1999,
– a partir de 12 de Setembro de 1985, foram dadas instruções aos seus agentes na Alemanha no sentido de exigirem um adiantamento de 15% do preço dos automóveis nas encomendas de veículos novos feitas por clientes [de passagem]; ainda não foi posto termo a esta medida,
– restringiram, desde 1 de Outubro de 1996 até hoje, o fornecimento de automóveis às sociedades de locação financeira para efeitos de constituição de ‘stocks’,
– participaram em acordos destinados a restringir a concessão de descontos na Bélgica; estes acordos foram celebrados em 20 de Abril de 1995 e suprimidos em 10 de Junho de 1999.
Artigo 2.°
[A Mercedes‑Benz] deve, imediatamente após a notificação da presente decisão, pôr termo às infracções referidas no artigo 1.° na medida em que estas continuem a existir, não devendo substituí‑las por restrições que tenham o mesmo objectivo ou efeito; deve, o mais tardar, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão:
– anular, por circular dirigida a todos os agentes e comissionários alemães, a parte da circular n.° 52/85 de 12 de Setembro de 1985 em que é exigido um adiantamento de 15% aos clientes [de passagem] que encomendam automóveis,
– suprimir, dos contratos de agência alemães e dos contratos de concessão espanhóis, as disposições que proíbem a venda de veículos novos a sociedades de locação financeira para efeito de constituição de ‘stocks’ […].
Artigo 3.°
É aplicada à [Mercedes‑Benz] uma coima no montante de 71,825 milhões de EUR relativamente às infracções referidas no artigo 1.°
[…]»
32 Resulta da decisão litigiosa que a Comissão considera, no essencial, que o termo «cliente de passagem» é utilizado pelo grupo Mercedes‑Benz nos documentos encontrados através das diligências de instrução (v. n.° 7, supra) para designar, no âmbito das vendas transfronteiriças, os consumidores finais provenientes de um outro Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu.
Tramitação processual e pedidos das partes
33 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Dezembro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.
34 Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, pediu às partes que respondessem a certas questões escritas antes da audiência. As partes satisfizeram esse pedido.
35 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 25 de Maio de 2004.
36 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– a título principal, anular a decisão litigiosa;
– a título subsidiário, reduzir o montante da coima aplicada no artigo 3.° da decisão litigiosa;
– condenar a Comissão nas despesas.
37 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas.
Questão de direito
38 A recorrente apresenta quatro fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro é relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e a um erro manifesto na apreciação dos acordos celebrados com os agentes da Mercedes‑Benz na Alemanha. O segundo fundamento, que respeita às primeira e terceira medidas referidas pela Comissão na decisão litigiosa, é relativo à violação do artigo 81.° CE e do Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis (JO L 145, p. 25). O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e a um erro manifesto na apreciação das segunda e quarta medidas referidas pela Comissão na decisão litigiosa. O quarto fundamento respeita à fixação incorrecta do montante da coima aplicada pelo artigo 3.° da decisão litigiosa.
Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e a um erro manifesto na apreciação dos acordos celebrados com os agentes da Mercedes‑Benz na Alemanha
Argumentos das partes
39 A recorrente contesta as conclusões da Comissão, apresentadas na decisão litigiosa, relativamente à qualificação jurídica do estatuto dos agentes alemães. Alega que os contratos de agência comercial alemães não estão sujeitos à proibição de acordos, decisões e práticas concertadas prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE, na medida em que são relativos à actividade dos seus agentes que consiste na venda de veículos novos Mercedes‑Benz. Os agentes não suportam qualquer dos riscos associados à venda de veículos. Além disso, estão completamente integrados na empresa Mercedes‑Benz e comportam‑se juridicamente em relação a esta como trabalhadores assalariados. Preenchem, portanto, as condições formuladas pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência assente quanto à inaplicabilidade da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas aos contratos de agência comercial.
40 A recorrente alega, a título liminar, que explora a sua própria rede de distribuição na Alemanha, por intermédio de sucursais ou de agentes comerciais que agem em nome e por conta da Mercedes‑Benz e de concessionários que agem em seu próprio nome embora por conta da Mercedes‑Benz. Considera que os agentes da rede alemã de vendas da Mercedes‑Benz não são, jurídica ou economicamente, concessionários de veículos novos. Estes negoceiam por conta da Mercedes‑Benz contratos de compra e venda de veículos novos de acordo com as exigências desta. A recorrente alega que o facto de os agentes não comprarem os veículos novos à Mercedes‑Benz e de não disporem de entrepostos, tem uma importância económica considerável. Os riscos associados à venda de veículos novos, incluindo a armazenagem e a imobilização do capital que dela resulta, são suportados exclusivamente pela Mercedes‑Benz. Segundo a recorrente, os agentes apenas suportam o risco decorrente da sua actividade de intermediário. A recorrente é portanto juridicamente livre de decidir se, e sob que condições, pretende celebrar contratos de compra e venda. As instruções e obrigações contratuais dos agentes relativas à celebração e ao teor dos contratos de compra e venda não são abrangidas pelas regras aplicáveis aos acordos, decisões e práticas concertadas.
41 A recorrente alega que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 81.°, n.° 1, CE aplica‑se aos contratos de agência apenas quando estejam preenchidas cumulativamente duas condições, que são, por um lado, a integração do agente comercial na rede de vendas do construtor e, por outro, o exercício da sua actividade de intermediário e de representante por conta exclusiva do mandante (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, e de 24 de Outubro de 1995, Volkswagen e VAG Leasing, C‑266/93, Colect., p. I‑3477).
42 Quanto à condição relativa à «integração», a recorrente entende que a abordagem seguida pela Comissão na decisão litigiosa é incoerente e incompatível com a jurisprudência na matéria, designadamente quando afirma que a integração não é, tal como a repartição de riscos, uma característica susceptível de distinguir um agente comercial de um comerciante em nome próprio (v. considerando 163 da decisão litigiosa).
43 A recorrente considera que a Comissão, ao excluir o elemento «integração» e ao aumentar a importância do critério relativo à «repartição dos riscos», alarga o âmbito da proibição dos acordos, decisões e práticas concertadas à agência comercial de uma forma que até agora nunca foi preconizada. Entende, porém, que resulta do acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, que o Tribunal de Justiça subordina a «integração» não apenas ao facto de o agente assumir os riscos, mas também à sua incorporação nos interesses do comitente.
44 Além disso, a recorrente alega que, contrariamente ao referido pela Comissão na decisão litigiosa (v. considerandos 164 e 165 da decisão litigiosa), o facto de os concessionários estrangeiros, que não sejam agentes comerciais, se apresentarem em relação a terceiros de forma semelhante aos agentes nacionais da Mercedes‑Benz, não é relevante. Por um lado, é necessário que se verifique também uma partilha correlativa dos riscos. Por outro lado, a analogia não se justifica uma vez que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a «integração» não depende apenas de características exteriores que remetem para a forma como o distribuidor se apresenta perante terceiros em geral e clientes em particular, mas também da característica «interior» associada à partilha de riscos e à implicação total do agente nos interesses do comitente.
45 Critica igualmente o facto de a Comissão, na decisão litigiosa, considerar que é suficiente, para apreciar os contratos celebrados entre um construtor e um agente comercial à luz das regras aplicáveis aos acordos, decisões e práticas concertadas, determinar se o agente comercial deve suportar os riscos inerentes à exploração de uma empresa que são «indissociáveis» da sua actividade de intermediário (v., neste sentido, considerando 153 da decisão litigiosa). A recorrente defende que a posição adoptada pela Comissão na decisão litigiosa e nas suas Orientações relativas às restrições verticais (JO 2000, C 291, p. 1, a seguir «Orientações»), constitui uma reviravolta objectivamente injustificada da sua posição a respeito da aplicabilidade do artigo 81.° CE. Considera também que ela não é compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria.
46 A recorrente admite que os agentes da Mercedes‑Benz suportam determinados custos e riscos.
47 Em primeiro lugar, observa que um agente deve assumir, em qualquer caso, um risco «de comissão». A comissão é normalmente fixada em percentagem do volume de vendas realizadas por intermédio do agente. Este aumenta, portanto, as suas hipóteses de receber comissões quando o volume de vendas é elevado e inversamente. Segundo a recorrente, quando o mandante, que decide em última instância se um contrato deve ser celebrado nas condições exigidas pelo comprador, concede reduções de preço, diminui deste modo não apenas as suas próprias receitas, mas também a comissão do agente comercial. A recorrente sublinha que os agentes da Mercedes‑Benz não participam, contudo, nos riscos associados ao preço e contesta a apreciação segundo a qual a dedução de «concessões quanto aos preços» da comissão do agente constitui um «risco de preço».
48 Na realidade, o montante das comissões obtidas pelo agente é determinado pelo contrato comercial. Este varia segundo a venda seja efectuada isoladamente ou com base num acordo com um grande cliente ou com um «consumidor». A recorrente alega que é convencionada com o agente uma comissão menor no caso de vendas a grandes clientes e a certos consumidores, uma vez que estas vendas a clientes que têm uma relação contratual especial com a Mercedes‑Benz (e não com o agente) sob a forma de acordos de descontos sobre o volume ou de descontos em função da categoria não requerem, em geral, os mesmos investimentos que outros tipos de vendas, em particular as efectuadas aos novos clientes. Consequentemente, é objectivamente justificado conceder a um agente uma comissão mais baixa. Acrescenta que não existe qualquer princípio jurídico segundo o qual os agentes comerciais têm sempre direito às mesmas comissões independentemente do tipo de venda.
49 A recorrente sublinha que o concessionário automóvel realiza, relativamente aos veículos novos, investimentos consideravelmente mais elevados do que o agente da Mercedes‑Benz, em particular quanto ao pré‑financiamento dos veículos e ao risco inerente à venda. Este último refere‑se, no caso do concessionário automóvel, ao preço total do veículo automóvel, ao passo que o agente da Mercedes‑Benz apenas suporta o risco de que as suas previsões de comissão não se realizem. De resto, os casos de «risco de provisão» estão limitados, quanto ao agente comercial, ao montante da comissão. Segundo a recorrente, o risco de vender um veículo automóvel com prejuízo é suportado pelo concessionário, mas é excluído no caso do agente. Por último, a recorrente alega que o facto de um agente poder optar pela concessão de um benefício de preço, nos termos de um acordo especial celebrado com um cliente, em detrimento da sua comissão, não é contrário à existência de um contrato de agência comercial à luz das regras aplicáveis aos acordos, decisões e práticas concertadas. Considera, pelo contrário, essa possibilidade uma liberdade concedida pela Mercedes‑Benz ao agente.
50 Em segundo lugar, o agente da Mercedes‑Benz faz face a despesas profissionais decorrentes, principalmente, da actividade de angariação que realiza com o fim de negociar com êxito o maior número possível de vendas. Em terceiro lugar, o agente assegura, em seu próprio nome e por sua conta e risco, a actividade de reparação na oficina e a venda de peças sobressalentes.
51 A recorrente contesta a afirmação feita pela Comissão na decisão litigiosa segundo a qual o privilégio associado à actividade de intermediário de comércio não se pode aplicar aos agentes da Mercedes‑Benz, por estes, designadamente, estarem contratualmente obrigados a fornecer prestações de serviço pós‑venda nas suas próprias oficinas, a executar reparações nos termos da garantia e a dispor permanentemente de peças sobressalentes nos seus próprios entrepostos (v. n.° 16, supra).
52 Refere que, no acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, o Tribunal de Justiça declarou a existência de uma participação dos concessionários nos riscos associados às operações efectuadas por conta da VAG Leasing enquanto agentes comerciais, em razão da obrigação de reaquisição de veículos, no termo dos contratos de locação financeira, ao preço previamente convencionado. O Tribunal de Justiça não reconheceu, além disso, a existência de actividades paralelas de venda e de colocação de veículos na clientela e referiu a actividade de serviço pós‑venda exercida pelos distribuidores em nome e por conta própria. Contudo, daqui não resulta que o Tribunal de Justiça tenha atribuído um significado autónomo à actividade de serviço pós‑venda, a qual só tem relevância em associação com a actividade de venda. O acórdão não contém qualquer indício que permita concluir que a coexistência de uma actividade de intermediário de comércio e de uma actividade de prestação de serviço pós‑venda conduz a uma relação ambivalente que exclui qualquer privilégio à luz das regras aplicáveis aos acordos, decisões e práticas concertadas.
53 A recorrente afirma também que a obrigação imposta ao agente, por força do artigo 13.°, n.° 1, do contrato de agência, «de realizar reparações de garantia em veículos automóveis fornecidos pela Daimler‑Benz, seja qual for o local de venda e a pessoa por intermédio da qual foram vendidos», constitui uma condição prévia para a isenção nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1475/95. Se a Mercedes‑Benz não tivesse imposto, consequentemente, uma obrigação de garantia aos seus agentes, a Comissão teria daí provavelmente retirado o argumento de que os contratos de agência não preenchiam as condições do Regulamento n.° 1475/95.
54 A recorrente considera ser infundada a presunção da Comissão segundo a qual o agente apenas recebe em contrapartida das suas reparações de garantia uma «remuneração de garantia» calculada em função de tarifas médias de remuneração do agente e que, não cobre, portanto, «necessariamente» as tarifas que este poderia negociar livremente e obter de terceiros. Com os casos de garantia, os agentes obtêm mais do que o mero reembolso das suas despesas, designadamente igual à remuneração que tenham acordado com um terceiro pela mesma reparação. Os preços praticados neste âmbito compreendem a cobertura das suas despesas e lucro. O agente efectua as prestações no âmbito da sua actividade normal de manutenção e, nessa medida, age em seu nome pessoal e por conta própria. A diferença em relação às reparações «normais» reside «apenas no facto de o cliente não ser o proprietário do veículo, mas a Mercedes‑Benz que recorre ao agente para executar a obrigação de garantia que só a si diz respeito».
55 O mesmo acontece, segundo a recorrente, relativamente à abertura de oficina e de um entreposto de peças sobressalentes que incumbem ao agente. Estas actividades são exercidas pelo agente em seu próprio nome e por conta própria. Consequentemente, é normal que o mesmo financie estes investimentos.
56 A recorrente alega que os agentes não participam nas despesas de transporte (v., neste sentido, considerando 157 da decisão litigiosa). Admite que resulta do artigo 4.°, n.° 4, do contrato de agência que o agente deve celebrar um acordo relativo às despesas de transporte com o cliente. No entanto, tal não é interpretado pela recorrente como um risco, mas antes como uma oportunidade suplementar de o agente comercial obter lucro. O agente participa num sistema de transporte organizado pela Mercedes‑Benz, com os concessionários de transporte contratados, em virtude do qual lhe é proposto o transporte de veículos automóveis a um preço determinado que é refacturado aos clientes com as suas prestações relativas à preparação e matrícula do veículo e um suplemento. Além disso, mesmo considerando‑se que na rede de distribuição da Mercedes‑Benz os agentes comerciais alemães não estão completamente libertos do risco associado às despesas de transporte, está apenas em causa um risco «negligenciável», independentemente de ser apreciado global ou isoladamente.
57 A recorrente esclarece que a participação dos agentes na promoção das vendas não decorre da participação nos riscos ligados às diferentes operações de venda, mas da obrigação que lhes incumbe de organizar e financiar pessoal e materialmente a actividade de intermediário comercial que assumem. Sublinha que o agente não participa na publicidade nacional ou regional, mas apenas na promoção relacionada com a sua própria actividade. Os agentes comerciais assumem as despesas dessa promoção e os riscos dela resultantes relativamente à sua comissão. Considera infundada a tese da Comissão segundo a qual os veículos de demonstração são amostras ou a documentação referida no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO L 382, p. 17). Esta directiva nunca faz referência às amostras mas à documentação, isto é, material produzido especificamente para fins publicitários e não veículos utilizados no âmbito de demonstrações e vendidos posteriormente pelo agente em condições que não lhe ocasionam qualquer prejuízo.
58 Segundo a recorrente, o facto de os agentes da Mercedes‑Benz possuírem uma grande quantidade de veículos de demonstração não demonstra que participem nos riscos ligados à venda de veículos novos, mas apenas que a sua actividade de intermediário necessita de investimentos consideráveis no que respeita à angariação de clientes. A este respeito, a recorrente contesta a afirmação da Comissão na decisão litigiosa segundo a qual «os veículos de demonstração e os veículos comerciais das agências representaram, em média, mais de 21,66% do volume de negócios dos agentes». Observa que esta percentagem reflecte «o volume de negócios nacional respeitante aos veículos de turismo da Mercedes‑Benz». Não se trata do volume de negócios relativo aos agentes.
59 Em contrapartida, segundo a recorrente, «se relacionarmos a referida percentagem com os agentes não utilizando unicamente como denominador […] as comissões que recebem, mas o volume de negócios da Mercedes‑Benz a título das vendas realizadas por seu intermédio, esta reduz‑se a apenas 8% relativamente aos veículos de turismo e a 9,8% se lhe acrescentarmos os veículos utilitários». Além disso, «se relacionarmos a parte dos veículos de demonstração e dos veículos comerciais com o volume de negócios real do agente […], obtém‑se apenas em relação aos veículos de turismo uma percentagem de 15,8% que passa a 19,3% quando se acrescentam os veículos utilitários».
60 A recorrente acrescenta que a Comissão não pode considerar a venda de veículos de demonstração, em relação aos quais o agente beneficia de condições privilegiadas, um risco que este último suporta (v. considerando 158 da decisão litigiosa). Segundo a mesma, este risco geralmente nunca se concretiza. A recorrente alega que a actividade associada aos veículos de demonstração gera, pelo contrário, receitas suplementares para o agente. No entanto, ainda que o agente comercial não esteja em condições de escoar os veículos de demonstração a preços superiores ao preço de compra, suportando, por isso, custos acrescidos, esse facto não constitui um argumento pertinente. Com efeito, o agente comercial financia exclusivamente com o seu dinheiro pessoal as prestações associadas à negociação de vendas que lhe incumbem por força do contrato de agência comercial, suportando unicamente os riscos directamente ligados às referidas prestações.
61 A recorrente considera que a afirmação da Comissão na decisão litigiosa segundo a qual, no volume de negócios total de uma agência comercial típica, «apenas cerca de 1/6 do volume de negócios total é imputável à actividade de intermediário propriamente dita» não é juridicamente pertinente. Afirma também que o método de cálculo utilizado pela Comissão na decisão litigiosa é incorrecto e que há que ter em conta «o volume de negócios externo realizado pelo [agente] sem se limitar ao montante das comissões por este recebidas». A actividade de intermediário representa «pelo contrário cerca de 55% do total da empresa do agente comercial segundo os cálculos da Mercedes‑Benz».
62 A Comissão alega que, atendendo à natureza e à extensão dos custos e dos riscos que a recorrente impõe aos seus agentes, bem como à importância do volume de negócios realizado pelo agente graças à sua actividade de independente comparada com o que este efectua enquanto intermediário na venda de automóveis novos, o artigo 81.°, n.° 1, CE se aplica aos contratos celebrados entre a recorrente e os seus agentes alemães, do mesmo modo que se aplica a um contrato celebrado com um distribuidor contratual.
63 Observa que o contrato entre um agente e o seu comitente é um contrato celebrado entre duas empresas diferentes, pelo que está, em princípio, sujeito às regras de concorrência. As diferentes cláusulas contratuais apenas são, portanto, subtraídas à aplicação destas regras na medida em que não tenham objectivos ou efeitos anticoncorrenciais.
64 A Comissão considera que a recorrente não tem em atenção simultaneamente a natureza dos riscos que os seus agentes devem suportar e as consequências jurídicas dessa transferência de riscos para os seus agentes.
65 A Comissão observa que, segundo a recorrente, a jurisprudência subordina a não aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE aos contratos de agência à verificação cumulativa de duas condições: por um lado, a repartição dos riscos característica dessa relação contratual e, por outro lado, a «integração» do agente na empresa do comitente. Alega que a recorrente defende a aplicação mais alargada da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas às relações de agência, do que a Comissão, na medida em que esta só recusa ao agente o seu estatuto privilegiado no âmbito das regras de concorrência se este for obrigado a suportar riscos financeiros e comerciais que não sejam negligenciáveis sem exigir, além disso, que esteja integrado – independentemente da definição deste termo – na empresa do seu comitente. A este respeito, a Comissão retira do acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, que o Tribunal de Justiça já não atribui ao critério da «integração» um significado independente do baseado na repartição dos riscos. Segundo a Comissão, resulta do acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, e designadamente dos n.os 538 a 542 desse acórdão, que o Tribunal de Justiça entendeu que um agente não podia ser considerado «integrado» na empresa do seu comitente se assumisse certos riscos.
66 Além disso, a transposição, para o presente processo, da fundamentação desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, mostra que, no caso de «relação ambivalente», designadamente, quando o intermediário é simultaneamente agente e comerciante independente, a proibição de acordos, decisões e práticas concertadas não se aplica apenas à actividade que este exerce em nome próprio, mas também à que exerce em nome e por conta do comitente. No caso em apreço, os agentes alemães da recorrente exercem actividades independentes consideráveis e, ainda que a recorrente e os seus agentes não comercializem as mesmas mercadorias no âmbito de cada uma das suas funções, contrariamente aos factos que estiveram na base do acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, existe uma relação objectiva estreita entre a venda de automóveis novos, a exploração de uma oficina e o serviço pós‑venda. As actividades associadas à garantia dos veículos e ao serviço pós‑venda, bem como a venda de peças sobressalentes, são impostas ao agente precisamente com a finalidade de vender veículos novos, exactamente como os outros riscos que este deve assumir. Esta ligação aponta no sentido de um tratamento uniforme da relação contratual, incluindo no que respeita à aplicabilidade das regras de concorrência.
67 A Comissão entende que o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1987, Vlaamse Reisbureaus (311/85, Colect., p. 3801), não é relevante para a solução do presente litígio, uma vez que os factos que originaram esse acórdão são diferentes dos do caso em apreço.
68 A Comissão refere também o acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, no qual o Tribunal de Justiça confirmou que o agente comercial perde o seu estatuto privilegiado nos termos das regras de concorrência quando suporte apenas um dos riscos resultantes dos contratos negociados em nome do seu comitente. Considera, por conseguinte, que o facto de os agentes alemães não suportarem integralmente mas apenas uma parte dos riscos associados às operações nas quais servem de intermediários não põe em causa a aplicabilidade da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas às medidas de restrição do comércio paralelo que foram com eles fixadas.
69 A Comissão contesta a interpretação feita pela recorrente do acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra (v. n.° 52, supra). Considera que esta última tenta dar a impressão de que a decisão litigiosa vai para além desta jurisprudência, quando, pelo contrário, a referida decisão interpretou restritivamente o acórdão. Esta apenas teve em conta a efectuação pelos agentes de diferentes actividades que implicam riscos comerciais, designadamente, as prestações efectuadas a título da garantia do construtor, o serviço pós‑venda e a venda de peças sobressalentes, na medida em que constitui um complemento, julgado indispensável pelo construtor, da actividade parcial na qual o agente actua apenas como intermediário. A este respeito, a Comissão considera incompreensível a opinião da recorrente segundo a qual a actividade de serviço pós‑venda não deve ter qualquer relevância, no caso em apreço, na apreciação das medidas restritivas da concorrência adoptadas no âmbito do contrato de agência.
70 A Comissão explica que certas obrigações que o comitente impõe ao seu agente podem exceder a obrigação de defesa recíproca dos interesses e revelar‑se, portanto, desproporcionadas. Importa, assim, verificar, em cada caso específico, se a obrigação em questão, que restringe a concorrência, é verdadeiramente exigida pela natureza da relação e se é necessária à protecção da «figura jurídica do agente».
71 A Comissão entende que as obrigações que visam limitar a concorrência «intramarca» no mercado dos produtos e restringir a concorrência através dos preços e das condições de entrega de veículos destinados a locação financeira não eram exigidas pela natureza da relação entre as partes ou inerentes ao sistema da venda por intermédio de agentes comerciais. Seria esse o caso quanto às condições nos termos das quais a recorrente restringiu a liberdade de manobra desses agentes, impondo‑lhes que exigissem um adiantamento de 15% aos clientes comunitários e dando‑lhes instruções para apenas venderem, na medida do possível, veículos novos a clientes residentes na sua própria área concessionada e para evitarem a concorrência interna. A Comissão contesta a argumentação da recorrente segundo a qual a proibição de acordos, decisões e práticas concertadas só se aplica aos contratos de agência quando o agente suporta os riscos e os custos resultantes da conclusão ou do cumprimento dos contratos de compra e venda que celebra ou negoceia para a empresa e não quando exerce uma actividade económica independente no que respeita às actividades para as quais o comitente o designou. Este argumento não tem em conta o conteúdo dos comportamentos denunciados pela Comissão. De resto, considera de forma insuficiente as realidades económicas ao basear‑se unicamente nos riscos assumidos a jusante pelo agente, pelo facto de comprar a mercadoria para revenda. Por um lado, o peso dos riscos retirados à recorrente e impostos ao agente por essa aquisição depende das circunstâncias de cada caso concreto. Por outro, os riscos ligados à venda a jusante decorrem frequentemente do facto de essas vendas exigirem uma infra‑estrutura específica no mercado independentemente da aquisição dos produtos pelo agente. A este respeito, a Comissão refere as actividades relativas à prestação da garantia do construtor, que se sobrepõe em larga medida à garantia do próprio revendedor, bem como o serviço pós‑venda e a compra, a apresentação e a revenda de veículos de demonstração. No que respeita ao risco de venda, enquanto tal, os concessionários Mercedes liberam a recorrente de uma forma limitada, uma vez que esta fabrica os seus veículos «à medida» e não com o fim de os armazenar. Segundo a Comissão, uma empresa que recorre a agentes comerciais para distribuir os seus produtos e que para eles transfere os riscos específicos dos contratos ou do mercado deve aceitar que a proibição de acordos, decisões e práticas concertadas se aplica às suas relações com os seus agentes. A assunção obrigatória dos riscos económicos pelo agente deve coexistir com a liberdade de manobra em virtude da qual o agente poderá fazer face a esses riscos e a limitação desta margem de manobra seria contrária às regras de concorrência uma vez que restringe de forma sensível a concorrência.
72 A Comissão entende que os argumentos da recorrente relativos à análise da repartição dos diferentes riscos na decisão litigiosa devem ser julgados improcedentes excepto as suas observações quanto ao lugar de execução do contrato.
73 Quanto ao risco do preço, a Comissão sustenta que a recorrente transfere uma parte do risco de comercialização dos seus veículos para os seus agentes. Com efeito, qualquer desconto de preço efectuado pelo agente é integralmente imputado na sua comissão. Segundo a Comissão, os agentes comerciais são, por conseguinte, partes envolvidas no risco de venda da recorrente, o que conduz à aplicabilidade da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas (v., nesta acepção, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra), independentemente de o agente renunciar ou não à sua comissão no âmbito de um acordo individual sobre os preços ou no quadro de acordos estandardizados relativos às condições que a recorrente celebra com os seus grandes clientes. Em ambos os casos, a recorrente usa a comissão do agente como um incentivo à venda e obriga assim este último a participar nos custos e nos riscos associados à venda dos veículos. Refere, a este respeito, que o montante da comissão do agente pode diminuir até 6% quando este venda um veículo a um cliente com o qual a recorrente tenha celebrado um acordo relativo às condições aplicáveis. Além disso, a recorrente apenas suporta os descontos de preço concedidos aos grandes clientes na medida em que ultrapassem os 6%. A Comissão entende que a situação dos concessionários e dos agentes é economicamente comparável. Acrescenta que, em conformidade com a Directiva 86/653, a remuneração de um agente é geralmente calculada em percentagem do volume de contratos que negociou.
74 Quando este volume diverge do inicialmente previsto, o agente comercial normalmente apenas assume o risco que implica a aplicação da percentagem de comissão acordada sobre esse volume reduzido. Em geral, não compete ao agente evitar sistematicamente que o seu comitente sofra as consequências das variações em volume, através de mecanismos como a renúncia à sua comissão em consonância com a redução do preço. Consequentemente, é impossível interpretar o facto de o agente assumir mais ou menos amplamente o risco de comercialização da recorrente em todos os tipos de contratos como significando simplesmente que não existe um acordo que proíba aos agentes repercutir a sua comissão.
75 A Comissão afirma que os agentes suportam também o risco associado às despesas de transporte. Segundo o contrato de agência, o agente é obrigado a entregar ao cliente o veículo comprado novo e a acordar com ele uma remuneração por esse serviço. A possibilidade de realizar um lucro suplementar em virtude da diferença entre o montante a pagar ao transportador e a remuneração acordada com o cliente não altera em nada o facto de que o agente corre o risco de não receber o pagamento do cliente. Caso o cliente não receba o veículo, os custos de transporte já pagos ficam a cargo do agente. A Comissão acrescenta que, quando a recorrente invoca as obrigações do agente comercial típicas e inerentes ao sistema, deve‑se responder que o direito alemão aplicável aos agentes comerciais prevê que a entrega das mercadorias é da responsabilidade do comitente e não do agente. Por último, a Comissão declara que é supérfluo indagar sobre o carácter eventualmente «negligenciável» dos riscos relativos aos custos de transporte, na medida em que os agentes devem também suportar um grande número de outros riscos comerciais.
76 A Comissão esclarece que, nos termos do contrato de agência, o agente deve utilizar uma parte considerável dos seus recursos financeiros na promoção das vendas e que assume o risco de venda relativamente a uma quantidade importante de veículos (v. n.° 58, supra). A este respeito, referindo‑se ao volume de 15,8% alegado pela recorrente (v. n.° 59, supra), conclui que, comparadas com as comissões recebidas pelos agentes em resultado da sua actividade de intermediário na venda de automóveis novos, o volume de negócios decorrente da revenda de automóveis de demonstração e de automóveis da empresa é considerável. A Comissão afirma que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a obrigação financeira e o risco que esta última impõe aos seus agentes não podem ser examinados separadamente da sua actividade de intermediário, uma vez que os automóveis de demonstração constituem investimentos específicos do mercado impostos pela recorrente aos seus agentes e têm uma utilidade directa para a venda ao cliente final. A Comissão entende que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 86/653, o comitente deve colocar gratuitamente à disposição do agente comercial os automóveis de demonstração que considera serem equivalentes a «amostras» ou a «documentação» necessária ao exercício da sua actividade. Por conseguinte, a recorrente encarrega os seus agentes das suas próprias tarefas. Consequentemente, a recorrente obriga os seus agentes a assumir as funções, os riscos e os custos financeiros relacionados com a comercialização dos seus produtos que lhe são impostos pelo legislador. Ao exigir aos seus agentes que estes se comportem em larga medida como distribuidores independentes de veículos (de demonstração), a recorrente cria «falsos» agentes comerciais, o que conduz à aplicação das regras de concorrência.
77 A Comissão alega que os agentes devem assegurar a garantia do construtor oferecida pela recorrente quanto aos automóveis novos, instalar uma oficina, manter um armazém de peças sobressalentes e disponibilizar um serviço pós‑venda e de prestações sob garantia por conta própria (v. considerando 159 da decisão litigiosa). Considera que esses investimentos específicos do mercado em causa, que são exigidos aos agentes comerciais, significam que estes participam nos custos e nos riscos ligados à comercialização de automóveis novos da recorrente.
78 A recorrida contesta a distinção que a recorrente efectua entre actividade de intermediário e serviço pós‑venda, afirmando que esta é artificial e não corresponde à realidade económica. Com efeito, a actividade de serviço pós‑venda visa promover as vendas da recorrente tendo em conta a expectativa do cliente final que pretende dispor de uma rede de manutenção para o veículo que adquire. Por outro lado, a própria recorrente concebe a actividade comercial e o serviço pós‑venda como uma unidade económica. Nos termos do artigo 6.° do contrato de agência, quando o veículo vai para a área concessionada de outro agente num determinado prazo, uma parte da comissão do primeiro agente deve ser transferida para o segundo. Consequentemente, a actividade de intermediário não pode ser considerada separadamente dos custos e dos riscos que o agente deve suportar no âmbito das suas prestações sob garantia, do seu serviço pós‑venda e da disponibilização das peças sobressalentes. Recorda ainda o paralelismo entre o presente processo e os processos dos acórdãos Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, e Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra. Segundo a Comissão, os direitos à remuneração adquiridos pelo agente em resultado das suas prestações sob garantia e do serviço pós‑venda não têm qualquer significado, uma vez que este deve suportar os custos e os riscos ligados à sua actividade. O Regulamento n.° 1475/95, citado pela recorrente, não é aplicável quando se trate de uma simples «intermediação» relativa à venda de veículos novos, uma vez que o elemento «revenda», como é definido no artigo 10.°, n.° 12, não existe. A recorrente pode perfeitamente permitir que os verdadeiros intermediários sejam livres de fornecer ou não prestações em matéria de garantia e de serviço pós‑venda. Por último, a Comissão considera que os riscos assumidos pelo agente em caso de defeito do produto se explicam principalmente pela sua integração na rede de garantia da recorrente e que o mesmo acontece com o serviço pós‑venda.
79 Quanto à censura que lhe faz a recorrente por ter comparado o volume de negócios realizado pelo agente graças à sua comissão com o efectuado em seu nome e por sua conta própria, a Comissão alega que, mesmo utilizando o ponto de referência escolhido pela recorrente, uma parte considerável da actividade económica do agente insere‑se em actividades independentes que lhe são impostas pela recorrente e que essa parte não deve ser negligenciada aquando da apreciação, à luz das regras de concorrência, das relações contratuais entre a recorrente e os seus agentes.
80 A Comissão contesta o argumento da recorrente segundo o qual os agentes devem ser tratados como sucursais. Considera que, efectivamente, a qualidade de independente de um agente comercial não depende da questão de saber se este defende os mesmos interesses que o seu comitente ou também os de terceiros. Segundo a mesma, a proibição de acordos, decisões e práticas concertadas é aplicável se o agente deve suportar os riscos específicos dos contratos ou do mercado, o que acontece no caso em apreço.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
81 Segundo jurisprudência assente, quando lhe é submetido um recurso de anulação de uma decisão de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, o Tribunal deve exercer de forma geral um controlo completo sobre a questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., nesta acepção, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62).
82 Nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE:
«São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum [...]»
83 Resulta dos termos deste artigo que a proibição prevista diz exclusivamente respeito a comportamentos coordenados bilateral ou multilateralmente, sob a forma de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas ou de práticas concertadas. Daqui resulta que o conceito de acordo na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, como foi interpretado pela jurisprudência, baseia‑se na existência de uma concordância de vontades entre, pelo menos, duas partes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão, T‑41/96, Colect., p. II‑3383, n.os 64 e 69, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colect., p. I‑23).
84 Por conseguinte, quando uma decisão de um fabricante constitui um comportamento unilateral da empresa, essa decisão escapa à proibição contida no artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.° 38, e de 17 de Setembro de 1985, Ford/Comissão, 25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725, n.° 21, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colect., p. II‑441, n.° 56).
85 Resulta também de jurisprudência assente que a noção de empresa, no contexto das regras de concorrência, deve ser entendida como designando uma unidade económica do ponto de vista do objecto do acordo em causa ainda que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, DSG/Comissão, T‑234/95, Colect., p. II‑2603, n.° 124). O Tribunal de Justiça sublinhou que, para efeitos de aplicação das regras da concorrência, a separação formal entre duas sociedades, resultante das suas personalidades jurídicas distintas, não é determinante, sendo o importante a unidade, ou não, do seu comportamento no mercado. Pode, portanto, tornar‑se necessário determinar se duas sociedades com personalidades jurídicas distintas formam ou dependem de uma só e mesma empresa ou entidade económica que adopta um comportamento único no mercado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 140).
86 A jurisprudência mostra que essa situação não se limita a casos em que as sociedades mantêm relações de sociedade‑mãe e filial, englobando igualmente, em certas circunstâncias, as relações entre uma sociedade e o seu representante comercial ou entre o comitente e o comissário. Com efeito, quando se trata de aplicar o artigo 81.° CE, a questão de saber se o comitente e o seu intermediário ou «representante comercial» formam uma unidade económica, sendo o segundo um órgão auxiliar integrado na empresa do primeiro, é importante para determinar se um comportamento cai sob a alçada deste artigo. Assim, já foi decidido que «se [um] […] intermediário exerce uma actividade em benefício do seu comitente, pode em princípio ser considerado um órgão auxiliar integrado na empresa deste, obrigado a seguir as instruções do comitente e formando assim com esta empresa, à semelhança do empregado comercial, uma unidade económica» (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.° 480).
87 Já o mesmo não sucede se os contratos celebrados entre o comitente e os seus agentes conferem ou deixam a estes funções que se aproximam economicamente das de um negociante independente, pelo facto de preverem a assunção pelos referidos agentes dos riscos financeiros ligados à venda ou ao cumprimento dos contratos celebrados com terceiros (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, n.° 541). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça já decidiu que os agentes só são susceptíveis de perder a sua qualidade de operador económico independente quando não suportam nenhum dos riscos resultantes dos contratos negociados para o comitente e operam como auxiliares integrados na empresa do comitente (v., neste sentido, acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, n.° 19).
88 Por conseguinte, quando um agente, ainda que tendo personalidade jurídica distinta, não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica as instruções que lhe são fixadas pelo seu comitente, as proibições impostas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, são inaplicáveis nas relações entre o agente e o seu comitente com o qual forma uma unidade económica.
89 Importa salientar que, no âmbito do presente recurso, as partes se opõem à análise efectuada pela Comissão na decisão litigiosa do estatuto jurídico dos agentes alemães da Mercedes‑Benz com vista à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE e designadamente do grau de risco suportado por estes agentes nos termos do contrato de agência e da questão da sua integração na Mercedes‑Benz.
90 À luz das considerações precedentes, compete, portanto, ao Tribunal examinar o mérito da apreciação efectuada pela Comissão, na decisão litigiosa, da relação jurídica entre a recorrente e os seus agentes comerciais na Alemanha.
91 Há que observar que esta relação se rege, designadamente, por um contrato de agência estandardizado celebrado entre a Mercedes‑Benz e os seus agentes e pelo Código Comercial alemão. Nas suas respostas às questões escritas colocadas pelo Tribunal (v. n.° 34, supra), a recorrente referiu que a versão do contrato de agência estandardizado tido em conta na decisão litigiosa foi a de Junho de 1997. Confirmou também que essa versão era, no essencial, idêntica às versões em vigor durante todo o período ao qual se refere a decisão litigiosa. Resulta dos autos que os termos e as condições do contrato de agência estandardizado são unilateralmente determinados pela Mercedes‑Benz. Além disso, é incontroverso que o contrato de agência celebrado entre a Mercedes‑Benz e os seus agentes alemães é um contrato de agência nos termos do direito comercial alemão. No âmbito do presente litígio, a Comissão não alegou que existem diferenças materiais entre os diversos contratos de agência celebrados pela Mercedes‑Benz com agentes individuais.
92 Importa sublinhar que as partes não contestam que as funções formalmente atribuídas ao agente nos termos do contrato de agência estão em conformidade com o modo como esse contrato de agência é executado na prática. Por conseguinte, não é contestado que é a Mercedes‑Benz, e não os seus agentes alemães, que vende, nos termos do contrato de agência e na prática, automóveis novos Mercedes‑Benz na República Federal da Alemanha directamente aos clientes e que os agentes estão proibidos de os venderem em seu nome e por sua própria conta.
93 O Tribunal conclui que o contrato de agência está redigido de tal forma que o agente alemão não possui qualquer autoridade ou poder para vender veículos Mercedes‑Benz. A função desse agente alemão está, com efeito, limitada aos pedidos de encomendas dos potenciais clientes que transmite à Mercedes‑Benz para aprovação e execução. A este respeito, o artigo 4.°, n.os 1 e 3, do contrato de agência prevê que o agente negoceia as vendas dos veículos pelas tarifas fixadas pela Mercedes‑Benz e segundo as suas directivas, só entrando em vigor o contrato de compra e venda a partir do momento em que a Mercedes‑Benz aceita a encomenda transmitida pelo agente.
94 Além disso, resulta dos autos que, na negociação do contrato de compra e venda com um cliente, o agente não tem qualquer autoridade quanto ao preço do veículo a receber pela Mercedes‑Benz. Com efeito, nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, a recorrente confirmou que o agente não está autorizado a conceder descontos por conta da Mercedes‑Benz sem o acordo desta última. A mesma acrescentou, contudo, que o agente está autorizado a conceder descontos imputados na sua própria comissão sem esse acordo e confirmou que o contrato de agência não contém nenhuma disposição que proíba uma renúncia parcial à comissão. Segundo a recorrente, se o agente concede descontos ao cliente, na venda de um automóvel novo, deve imputá‑los na sua comissão.
95 Importa, no caso em apreço, verificar se a afirmação, contida na decisão litigiosa, segundo a qual o agente alemão participa de forma considerável no risco do preço em relação aos veículos cuja venda negoceia quando concede reduções de preço que são integralmente imputadas na sua comissão (v. considerando 155) está correcta.
96 Resulta dos autos que o agente alemão, ao contrário dos concessionários Mercedes‑Benz de outros países, não compra veículos novos à Mercedes‑Benz para os revender a clientes e verifica‑se que o agente não é obrigado a possuir veículos novos em armazém (v. considerando 156 da decisão litigiosa). Com efeito, nos termos do contrato de agência, o agente só pode comprar veículos novos Mercedes‑Benz para as suas próprias necessidades ou para fins de demonstração (artigo 9.°, n.° 2).
97 De facto, uma vez que o agente alemão da Mercedes‑Benz não é obrigado a dispor de automóveis em armazém, não é correcto equipará‑lo, no plano económico, ao distribuidor de automóveis que recebe, a título de remuneração, uma margem do construtor, que lhe permite não só financiar a sua actividade de venda de automóveis novos em geral, mas também, sobretudo, conceder descontos aos compradores de automóveis (v. considerando 156 da decisão litigiosa). O Tribunal observa, a este respeito, que o agente da Mercedes‑Benz não é obrigado pelo contrato de agência nem na prática a ceder uma parte da sua comissão para vender um veículo que tem em armazém, o que constituiria um verdadeiro risco de preço, uma vez que este já teria suportado os custos associados à compra e à armazenagem do veículo. Com efeito, o agente, diferentemente do concessionário, não suporta o risco de não serem vendidos os automóveis que tem em armazém. Por conseguinte, se o agente não pretende ceder uma parte da sua comissão, não aceita a encomenda do automóvel.
98 A este respeito, resulta dos termos dos contratos de concessão Mercedes‑Benz celebrados na Bélgica e em Espanha que os concessionários devem ter permanentemente veículos em armazém. O volume dessa quantidade é determinado, designadamente, de comum acordo entre as partes [v. artigo 8.° do contrato de concessão belga e artigo 15.°, alínea a), do contrato de concessão espanhol]. Consequentemente, no que diz respeito à venda de veículos, a posição do agente da Mercedes‑Benz na Alemanha difere consideravelmente da dos concessionários Mercedes‑Benz na Bélgica e em Espanha. Com efeito, estes últimos suportam uma parte substancial do risco relativo à venda de veículos, ao passo que na Alemanha esse risco é assumido, no essencial, pela Mercedes‑Benz. Por conseguinte, o Tribunal considera que a Comissão equipara incorrectamente o agente no plano económico ao distribuidor de automóveis no respeitante ao risco de preço (v. considerando 156 da decisão litigiosa).
99 O Tribunal considera que, nas circunstâncias do caso em apreço, o facto de o agente alemão da Mercedes‑Benz estar autorizado – sem, no entanto, a tal estar obrigado – a conceder descontos que são imputados na sua comissão e exercer a sua liberdade comercial quando cede uma parte da sua comissão sobre as vendas individuais, com a finalidade de eventualmente melhorar a sua comissão global ao vender mais veículos, não pode ser qualificado de «risco de preço».
100 Resulta destes elementos que é a Mercedes‑Benz que é o vendedor dos veículos e que toma, caso a caso, a decisão de aceitar ou não as encomendas negociadas pelo agente. Com efeito, a liberdade comercial dos agentes alemães da Mercedes‑Benz quanto à venda dos veículos Mercedes‑Benz é muito limitada, pelo que não é susceptível de influenciar a concorrência no mercado em causa, a saber o mercado da venda a retalho de automóveis da marca Mercedes (v. considerando 143 da decisão litigiosa).
101 Por conseguinte, quando um cliente encomenda um veículo cuja venda não se realiza, as implicações financeiras e, portanto, os riscos associados a essa transacção ficam a cargo da recorrente. De facto, na audiência, esta confirmou que assumia exclusivamente todos os riscos respeitantes, designadamente, à não entrega, à entrega defeituosa e à insolvência do cliente.
102 Em suma, o Tribunal considera que resulta dos elementos expostos supra que, em relação ao mercado em causa no caso em apreço, é a Mercedes‑Benz, e não os seus agentes, que determina as condições de cada venda de veículo, designadamente o preço de venda, e que assume os principais riscos relativos a essa actividade, sendo o agente alemão impedido pelas disposições do contrato de agência de comprar e de manter veículos em armazém para venda. Nestas condições, importa concluir que os agentes mantêm, relativamente à recorrente, uma relação que se caracteriza pela circunstância de realizarem a venda de veículos Mercedes‑Benz, no essencial, sob a direcção da recorrente, pelo que devem ser equiparados a empregados e considerados integrados nessa empresa, com a qual formam um unidade económica. Consequentemente, o agente alemão da Mercedes‑Benz, quando opera no mercado em causa, não constitui só por si uma «empresa» na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.
103 Importa examinar se essa conclusão é infirmada pela alegação da Comissão, contida na decisão litigiosa, segundo a qual a recorrente obriga os seus agentes a assumir, nos termos do contrato de agência, outros custos e riscos sem lhes permitir qualquer escolha.
104 A este respeito, a Comissão declarou, na decisão litigiosa, que, nos termos do contrato de agência, a Mercedes‑Benz não assume o risco ligado às despesas de transporte, impondo‑o, pelo contrário, ao agente (v. considerando 157). Este último, tal como um distribuidor independente, deve suportar o risco ligado às despesas de transporte dos veículos novos e transferir estas despesas para o cliente, nos termos do contrato.
105 O Tribunal declara, a este respeito, que o artigo 4.°, n.° 4, do contrato de agência prevê que, «quando o próprio cliente não receber o veículo à saída da fábrica, o agente procede à sua entrega, mediante o pagamento de uma remuneração acordada com o cliente». Ora nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, a recorrente confirmou que na Alemanha 35% dos automóveis tinham sido recebidos na fábrica pelos clientes em 2003. Importa concluir que, ainda que estes dados não sejam relativos ao período abrangido pela decisão litigiosa, mostram, contudo, que a possibilidade de o cliente, nos termos do contrato de agência, receber um automóvel na fábrica está longe de ser puramente teórica quando o agente e o cliente não chegam a acordo sobre as despesas ou condições de entrega. Além disso, na audiência, a Comissão confirmou ser pouco provável que o risco ligado às despesas de transporte se concretize. Na prática, o cliente é informado da data da entrega do veículo antes de o transporte se realizar e, caso não possa ser contactado, o veículo não sai da fábrica.
106 O Tribunal considera que resulta destes elementos que a Comissão acentuou substancialmente o grau de risco suportado pelo agente quanto às despesas de transporte.
107 Do mesmo modo, na decisão litigiosa, a Comissão precisa que, nos termos do contrato de agência, o agente deve adquirir os automóveis de demonstração por sua própria conta (v. considerando 158), efectuar reparações no âmbito da garantia do construtor [v. considerando 159, alínea a)], instalar uma oficina por sua própria conta, e aí prestar serviço pós‑venda e garantia, e assegurar, quando solicitado, serviços de assistência permanente e de emergência de avarias e manter, por conta própria, um armazém de peças sobressalentes [v. considerando 159, alíneas b) e c)]. A Comissão considera, na decisão litigiosa, que não é possível, atendendo ao número e à dimensão dos riscos que devem ser suportados pelos agentes, aceitar a objecção da Mercedes‑Benz segundo a qual os riscos a assumir pelos agentes alemães são típicos do verdadeiro agente comercial (v. considerando 160).
108 A este respeito, o Tribunal afirma que, nos termos do artigo 4.°, n.° 7, do contrato de agência, o próprio agente é obrigado a suportar as despesas dos veículos de demonstração e a Mercedes‑Benz tem o direito, sendo caso disso, de determinar o número de veículos que considera necessários. Por conseguinte, quando os veículos de demonstração são comprados pelo agente, este corre um certo risco. A título de exemplo, é possível que estes veículos possam ser difíceis de revender com lucro. O Tribunal observa, no entanto, que, mesmo aceitando a existência desse risco, não é menos verdade que, como a própria Comissão conclui no considerando 158 da decisão litigiosa, os veículos foram comprados a um preço preferencial e podem ser revendidos três a seis meses mais tarde se tiverem uma quilometragem de, pelo menos, 3 000 km. Esta consideração tende a relativizar consideravelmente a importância dada pela Comissão, na decisão litigiosa, à obrigação relativa aos automóveis de demonstração e, consequentemente, à extensão do risco em questão.
109 Consequentemente, a análise efectuada pela Comissão no considerando 158 da decisão litigiosa exagera consideravelmente a importância dos riscos associados ao dever de os agentes adquirirem veículos de demonstração.
110 Quanto às observações feitas pela Comissão relativamente à obrigação de os agentes efectuarem reparações no âmbito da garantia, resulta dos autos que o agente recebe da Mercedes‑Benz uma prestação de garantia por todas as reparações autorizadas abrangidas pela garantia e que essa prestação corresponde, no que respeita ao preço da mão‑de‑obra, à tarifa média ponderada em função do volume de negócios – tarifa que o agente comunica antecipadamente à Mercedes‑Benz no início de cada semestre – e, no que respeita aos custos em material, ao preço de custo das peças do agente acrescido do suplemento de custo dos materiais para a Mercedes‑Benz (v. artigo 13.°, n.° 3, do contrato de agência).
111 O Tribunal considera que a Comissão não demonstrou que a prestação de garantia é comercialmente inadequada e que existe, consequentemente, para o agente um risco financeiro real associado à obrigação de efectuar reparações no âmbito da garantia. Há que considerar que não resulta da decisão litigiosa que essa actividade associada à venda de automóveis Mercedes‑Benz envolve, de facto, riscos excepcionais mesmo que seja verdade que, se não for gerida correcta e efectivamente, pode ser deficitária e reduzir, mesmo eliminar, os lucros do agente associados à venda de automóveis. De resto, deve considerar‑se que a Comissão não provou que as obrigações impostas ao agente de instalar uma oficina para reparações, de propor um serviço pós‑venda e de adquirir e manter em armazém peças sobressalentes comportam riscos económicos sensíveis.
112 A Comissão limita‑se, na realidade, a enumerar as obrigações impostas nos termos do contrato de agência e relacionadas com a venda dos veículos e a precisar a alegada importância do volume de negócios realizado pelo agente graças às actividades que estão contratualmente ligadas à venda de veículos comparada com a que realiza com a própria venda de veículos sem demonstrar em que medida essas obrigações constituem riscos substanciais a cargo do agente. A Comissão não apreciou correctamente o alcance dessas obrigações no plano prático. O Tribunal considera que elas não representam um risco comercial que permita qualificar o agente da Mercedes‑Benz de operador independente.
113 Consequentemente, a qualificação do estatuto de agente alemão da Mercedes‑Benz nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, exposta no n.° 102, supra, não é infirmada pelo facto de os agentes alemães da Mercedes‑Benz serem obrigados a assumir um certo número de actividades e de obrigações financeiras nos termos do contrato de agência. Importa sublinhar também que se trata de actividades exercidas em mercados diferentes do mercado em causa no caso em apreço. Com efeito, ainda que se deva admitir que essas obrigações implicam determinados riscos limitados para os agentes, deve considerar‑se que não são susceptíveis por si só de modificar a qualificação da relação entre a recorrente e os seus agentes nos termos das regras de concorrência quanto ao mercado em causa no caso em apreço.
114 Por outro lado, a Comissão afirma, na decisão litigiosa, que determinadas disposições do contrato de agência alemão coincidem com as dos contratos de concessão da Mercedes‑Benz celebrados na Bélgica e em Espanha e conclui daí que «as obrigações impostas aos agentes alemães são idênticas às impostas aos distribuidores contratuais estrangeiros e que esses dois tipos de distribuição estão também amplamente ‘integrados’ em igual medida no sistema de distribuição da Mercedes‑Benz» e que essas «características não são, assim, um critério adequado para distinguir um agente comercial de um distribuidor independente» (v. considerando 165).
115 As disposições em questão respeitam designadamente às obrigações de utilizar todos os meios para distribuir as mercadorias, de defender os interesses da recorrente quanto ao uso do nome e da marca Mercedes‑Benz e às regras relativas à criação de estabelecimentos secundários e de locais de exposição fora do estabelecimento principal. O Tribunal considera que essas disposições dizem essencialmente respeito a aspectos acessórios e comuns a cada tipo de contrato de distribuição e, em conformidade com o argumento da própria Comissão, não permitem distinguir o agente comercial do distribuidor independente.
116 Deve concluir‑se que, contrariamente ao que a Comissão afirma no considerando 165 da decisão litigiosa, essas disposições não são susceptíveis de demonstrar que os distribuidores belgas e espanhóis estão tão amplamente integrados no sistema de distribuição da Mercedes‑Benz como os seus agentes alemães. A este respeito, o Tribunal considera que esta conclusão da Comissão está manifestamente errada e não tem em conta as diferenças fundamentais entre os agentes alemães e os distribuidores belgas e espanhóis relativamente à venda de veículos da marca Mercedes‑Benz.
117 Com efeito, as disposições dos contratos‑tipo de distribuição da Mercedes‑Benz na Bélgica e em Espanha prevêem, ao contrário do contrato de agência alemão, designadamente que o concessionário é responsável pela distribuição dos veículos e pela negociação das vendas. O concessionário compra os seus produtos e vende‑os aos seus clientes por sua conta própria e risco e em seu nome (v. artigo 2.° do contrato belga e artigo 6.° do contrato espanhol). De resto, os contratos‑tipo de distribuição da Mercedes‑Benz na Bélgica e em Espanha prevêem que a Mercedes‑Benz e os seus concessionários conservam a sua independência. O concessionário não é um agente ou um mandatário da Mercedes‑Benz e as partes não podem obrigar‑se mutuamente (v. artigo 2.° do contrato belga e artigo 6.° do contrato espanhol). Além disso, os concessionários belgas e espanhóis devem manter de forma permanente um armazém de veículos novos – para além dos veículos de demonstração – destinados a serem expostos nos seus estabelecimentos e a serem entregues aos seus clientes [artigo 8.° do contrato belga e artigo 15.°, alínea a), do contrato espanhol]. Importa observar que, à semelhança do contrato de agência alemão, as condições de venda constam dos anexos dos contratos belga e espanhol, embora, nestes últimos se trate de condições relativas à venda de automóveis pelo grupo Mercedes‑Benz ao concessionário (artigo 12.° do contrato belga e artigo 8.° do contrato espanhol).
118 Por conseguinte, o Tribunal considera que, contrariamente ao que concluiu a Comissão, estes elementos sublinham a distinção importante entre, por um lado, a função do agente alemão que está integrado na empresa do seu comitente, a Mercedes‑Benz, e, por outro, a do distribuidor independente na Bélgica e em Espanha. Importa recordar que o mercado em causa no caso em apreço é o da venda a retalho de automóveis Mercedes. O distribuidor independente pode determinar ou, pelo menos, influenciar as condições em que as vendas são realizadas, uma vez que é ele que é o vendedor, que suporta o risco principal do preço do veículo e que guarda os veículos em armazém. É esta margem de negociação do distribuidor que existe entre o produtor e o cliente que expõe o distribuidor a um risco de aplicação do artigo 81.° CE no que respeita à sua relação com o produtor. Com efeito, o papel e o estatuto do agente alemão da Mercedes‑Benz no caso em apreço são muito diferentes.
119 Consequentemente, não foi juridicamente demonstrada a existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.
120 Importa, portanto, julgar procedente o primeiro fundamento.
Quanto ao segundo fundamento relativo à violação do artigo 81.° e do Regulamento n.° 1475/95 relativamente às primeira e terceira medidas referidas pela Comissão na decisão litigiosa
121 O segundo fundamento está dividido em duas partes. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não provou, na decisão litigiosa, que a Mercedes‑Benz celebrou acordos com os seus agentes comerciais na Alemanha, impedindo estes últimos em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE de vender veículos a utilizadores finais estrangeiros. Considera que as instruções dadas aos agentes apenas diziam respeito às vendas a revendedores não autorizados, pelo que estão isentas nos termos do artigo 3.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1475/95. Em segundo lugar, a recorrente afirma que as restrições ao abastecimento das sociedades de locação financeira em Espanha e na Alemanha não constituem restrições da concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE e estão, de qualquer forma, isentas nos termos do Regulamento n.° 1475/95.
122 Resulta das conclusões do Tribunal relativas ao primeiro fundamento que os contratos de agência comercial celebrados pela Mercedes‑Benz com os seus agentes na Alemanha não estão sujeitos à proibição de acordos, decisões e práticas concertadas prevista pelo artigo 81.°, n.° 1, CE. Por conseguinte, as eventuais instruções dadas pela Mercedes‑Benz aos seus agentes na Alemanha para não venderem aos clientes situados fora da sua área contratual e as alegadas restrições ao abastecimento das sociedades de locação financeira na Alemanha não são abrangidas pelo campo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Consequentemente, não é necessário examinar a primeira parte do presente fundamento nem a segunda parte do mesmo, na medida em que esta respeita às obrigações que incumbem aos agentes alemães relativas às vendas de veículos novos às sociedades de locação financeira.
Argumentos das partes
123 A recorrente alega que a afirmação da Comissão, feita na decisão litigiosa, segundo a qual as restrições ao abastecimento das sociedades de locação financeira em Espanha «para fins de reserva» têm como finalidade limitar a concorrência, é incorrecta. Invoca que as disposições dos contratos de concessão espanhóis não violam o artigo 81.°, n.° 1, CE por várias razões. Em primeiro lugar, quanto aos preços vantajosos ou descontos, a recorrente considera que tanto as sociedades de locação financeira do grupo Mercedes‑Benz como as que não pertencem a este grupo são tratadas rigorosamente da mesma maneira. Com efeito, as sociedades de locação financeira do grupo Mercedes‑Benz não obtêm condições de compra diferentes das concedidas aos clientes finais. Além disso, não é exacto que os grandes clientes tenham automaticamente direito a descontos de preço. Segundo a recorrente, compete à Mercedes‑Benz decidir sobre a concessão de descontos a clientes importantes, não resultando as eventuais desigualdades de tratamento das sociedades de locação financeira e as «grandes contas» de acordos restritivos da concorrência. De resto, a decisão de conceder ou de recusar descontos de preço a uma certa categoria de clientes é um acto unilateral e não um acordo previsto no artigo 81.°, n.° 1, CE. Em segundo lugar, segundo a recorrente, ao contrário do que afirma a Comissão na decisão litigiosa, a proibição de abastecimento de sociedades de locação financeira terceiras «para fins de reserva» não tem por objectivo limitar a concorrência. Na realidade, o fornecimento de um automóvel a um locatário de um contrato de locação financeira não é mais rápido, uma vez que os clientes da Mercedes‑Benz pretendem geralmente um modelo por eles escolhido e equipado a seu gosto. Acrescenta que os quadros reproduzidos nos considerandos 14 e 22 da decisão litigiosa mostram que as sociedades de locação financeira terceiras estão em concorrência com as suas próprias sociedades. Refere igualmente que a parte de mercado das sociedades de locação financeira terceiras na locação financeira de veículos Mercedes‑Benz evoluiu de 28%, em 1996, para 36%, em 2000.
124 A recorrente alega que, mesmo que se tenha verificado uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, esta está de qualquer forma isenta. Refere que até 30 de Setembro de 1996, a proibição em questão está isenta ao abrigo do Regulamento (CEE) n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado [CE] a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis (JO L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150).
125 A recorrente alega também que a proibição de abastecimento das sociedades de locação financeira para fins de armazenamento está isenta pelo Regulamento n.° 1475/95 a partir de 1 de Outubro de 1996, data da entrada em vigor deste regulamento. Considera que as sociedades de locação financeira que encomendam veículos automóveis independentemente dos contratos de locação financeira já celebrados ou que estão concretamente em vias de o ser, com a finalidade de constituir reservas, agem na prática como revendedores no momento da locação financeira dos referidos veículos.
126 Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento n.° 1475/95 aplica‑se aos contratos de concessão comercial de veículos automóveis em que a função do concessionário é descrita em relação à «revenda». O termo «revenda» é definido no artigo 10.°, n.° 12, deste regulamento como «a cessão de um veículo automóvel que o revendedor adquiriu em seu próprio nome e por sua própria conta». O Regulamento n.° 1475/95 estabelece uma distinção entre os revendedores e os clientes finais. A recorrente acrescenta que, nos termos do artigo 3.°, n.° 10, do referido regulamento, pode ser proibido ao distribuidor o fornecimento dos revendedores. Esta proibição tem como efeito proteger o sistema de distribuição selectiva.
127 A recorrente alega que, embora o artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 preveja «como caso de revenda um contrato de locação financeira do adquirente do concessionário com um locatário que prevê uma transferência de propriedade ou uma opção de compra», este regulamento não comporta qualquer indicação que permita saber se as sociedades de locação financeira, que ainda não tenham celebrado qualquer contrato de agência concreto relativo ao veículo automóvel em causa com um terceiro, devem ser qualificadas de «revendedor» ou de «cliente final». Contudo, contrariamente ao sustentado pela Comissão, é absurdo interpretar o artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 no sentido de que só pode ser qualificado de «revenda» o contrato de locação financeira que contenha uma opção de compra que tornasse o locatário proprietário antes do termo do contrato. Segundo a recorrente, a disposição tem antes por objectivo equiparar o contrato de locação financeira à revenda, uma vez que o locatário tem a opção de compra desde a celebração do contrato ou durante a sua vigência. Refere que o artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 se aplica a todos os contratos de locação financeira que prevêem uma transferência de propriedade ou uma opção de compra.
128 Além disso, esta disposição tem consequências muito diferentes nos Estados‑Membros segundo a forma contratual usual que a locação financeira de veículos preveja em cada país. Com efeito, segundo o direito espanhol, os contratos de locação financeira não são celebrados sem opção de compra no termo do prazo do contrato. Consequentemente, uma empresa espanhola de locação financeira é sempre um «revendedor».
129 A recorrente precisa que, nos termos da Lei espanhola n.° 26/1988, de 29 de Julho de 1988, relativa à regulamentação e ao controlo das instituições de crédito (a seguir «Lei 26/1988»), um contrato de locação financeira pressupõe por definição que a opção de compra seja instituída em benefício do locatário. Não havendo esta opção de compra, o contrato deve ser qualificado de contrato de locação. Ora, é proibido às sociedades de locação financeira celebrar contratos de locação por razões de controlo administrativo. Consequentemente, em Espanha, as sociedades de locação financeira limitam‑se a realizar verdadeiras operações de locação financeira que prevêem uma opção de compra em benefício do locatário. Assim, todos os contratos de locação financeira celebrados nesse país preenchem as condições do artigo 10.°, n.° 12, segundo período, do Regulamento n.° 1475/95 e devem ser qualificados de operações de revenda.
130 A recorrente considera que, quando não está provado o destino concreto do veículo automóvel, deve ter «pelo menos uma oportunidade para proteger o sistema de distribuição selectiva contra as revendas não autorizadas que já não sejam susceptíveis de controlo ou verificação».
131 Alega que, se as sociedades de locação financeira pudessem, além da função de financiamento, actuar no mercado como comerciantes independentes, as mesmas teriam a possibilidade de dispor rapidamente de modelos de veículos e de reduções comerciais consideráveis em virtude do volume das suas compras sem obrigação de efectuar investimentos e despesas consideráveis para responder às exigências do serviço pós‑venda e de se responsabilizar pelos trabalhos de manutenção e de garantia dos automóveis vendidos. O armazenamento pelas sociedades de locação financeira não assegura o nível de qualidade do sistema de distribuição selectiva que permite que os veículos novos sejam armazenados em condições tecnicamente irrepreensíveis e que só sejam entregues aos clientes após um controlo efectuado por especialistas. Segundo a recorrente, o respeito deste nível de qualidade é indispensável para garantir a reputação da marca Mercedes‑Benz.
132 A recorrente considera que as restrições dos fornecimentos destinados a abastecer os armazéns das sociedades de locação financeira têm por objectivo impedir que a proibição de fornecimento aos revendedores seja contornada e que é deste modo que a Comissão define, de resto, a finalidade do Regulamento n.° 1475/95. Acrescenta que a Comissão, ao considerar que as restrições destes fornecimentos não estavam isentas pelo Regulamento n.° 1475/95, ignora os princípios definidos pelo Tribunal de Justiça a propósito do Regulamento n.° 123/85 no acórdão Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, e no acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke (C‑70/93, Colect., p. I‑3439). Alega que, segundo essa jurisprudência, as sociedades de locação financeira devem ser consideradas revendedores, uma vez que não se limitam a comprar veículos para satisfazer os pedidos dos seus clientes, mas armazenam o produto «que oferecem a uma clientela atraída para esse efeito».
133 A Comissão contesta a argumentação da recorrente segundo a qual as medidas em questão não restringem a concorrência.
134 Considera que a recorrente queria impedir os intermediários de realizar vendas de maior amplitude, correspondentes ao volume da procura das sociedades de locação financeira, e, portanto, de repercutir de maneira planeada nas sociedades em questão, que estão em concorrência com as sociedades de locação financeira da Mercedes‑Benz, as economias de escala que acompanham normalmente as compras de grandes quantidades.
135 A Comissão coloca em questão a análise feita pela recorrente do Regulamento n.° 1475/95, considerando que este não isenta a proibição dos fornecimentos a sociedades de locação financeira para o armazenamento ou a constituição de reservas. Segundo a mesma, este Regulamento autoriza o construtor a proibir aos seus concessionário vender veículos novos a revendedores que não pertençam à sua rede de distribuição, sem perder o benefício da isenção. O artigo 10.°, n.° 12, do regulamento precisa as circunstâncias em que a celebração do contrato de locação financeira deve ser qualificada de revenda. É o que acontece quando o contrato «inclui uma transferência de propriedade ou uma opção de compra antes do termo do prazo do contrato». Em todos os outros casos, a sociedade de locação financeira deve ser tratada como um cliente final e não se podem proibir ou limitar as vendas a essas sociedades. Consequentemente, a Comissão considera que a interpretação realizada pela recorrente do artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 é demasiado extensiva. A este respeito, alega que as regras em causa, que constam dos contratos de concessão espanhóis, não distinguem consoante o contrato de agência utilizado pela sociedade de locação financeira preveja uma possibilidade de compra do veículo antes ou após o termo do prazo do contrato (v. considerando 110 da decisão litigiosa), mas proíbem os fornecimentos às sociedades de locação financeira independentemente desse elemento, quando a encomenda tenha por finalidade o armazenamento. Ora, este tipo de encomenda não transforma a sociedade de locação financeira em revendedor.
136 Segundo a Comissão, o risco de as sociedades de locação financeira venderem automóveis provenientes directamente das suas reservas ou antes do termo do prazo do contrato a clientes interessados pode ser coberto por disposições contratuais apropriadas e não autoriza a recorrente a proibir os fornecimentos a essas sociedades quando os automóveis se destinam ao armazenamento.
137 O artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 visa impedir contornar a proibição de fornecimento aos revendedores que cedem veículos novos. Esta disposição reconhece a existência do contorno da proibição sempre que o locatário do contrato de locação financeira obtém o direito de adquirir a propriedade do veículo fornecido em locação financeira antes do termo do prazo do mesmo contrato. Ora, a existência desse contorno da proibição depende do momento em que a propriedade do veículo é considerada transferida para o locatário ou lhe possa ser transferida, e não da data em que o locatário tem a opção de compra no termo do contrato. Acrescenta que os acórdãos Volkswagen e VAG Leasing, n.° 41, supra, e Bayerische Motorenwerke, n.° 132, supra, são relativos à situação jurídica criada pelo Regulamento n.° 123/85 que não continha qualquer regra que regule expressamente os contratos de locação financeira. Esclarece que esta lacuna foi integrada pelo Regulamento n.° 1475/95 que estabeleceu que só existe revenda quando o locatário pode adquirir a propriedade do veículo antes do termo do prazo do contrato de locação financeira em virtude da opção de compra.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
138 O Tribunal refere que, na decisão litigiosa, a Comissão observa designadamente que a recorrente tinha, ela própria ou por intermédio da MBE, restringido, desde 1 de Outubro de 1996 até à adopção da referida decisão, os fornecimentos de automóveis a sociedades de locação financeira em Espanha para armazenamento e que essa restrição não estava isenta nos termos do Regulamento n.° 1475/95.
139 No âmbito da segunda parte do presente fundamento, a recorrente alega, por um lado, que o artigo 4.°, alínea d), do contrato de concessão espanhol não viola o artigo 81.°, n.° 1, CE e, por outro, que, de qualquer forma, a proibição de fornecer automóveis às sociedades de locação financeira em Espanha para armazenamento está isenta pelo Regulamento n.° 1475/95.
140 A este respeito, no considerando 196 da decisão litigiosa, a Comissão conclui que «[a] restrição do fornecimento a sociedades de locação financeira externas dirige‑se directamente contra as empresas de locação financeira que pretendam adquirir um grande número de automóveis ou uma ‘frota’ para locação financeira e para os quais não têm ainda um cliente identificável». No considerando 176, conclui, designadamente, que as disposições relativas à actividade de locação financeira dos agentes e concessionários visam restringir a concorrência através dos preços e condições de venda de veículos destinados à locação financeira. Baseando‑se em jurisprudência assente, afirma que a consideração dos efeitos das medidas em causa é irrelevante, uma vez que, para a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, basta que essas medidas tenham por objectivo restringir a concorrência (v. considerando 178).
141 O Tribunal observa, em primeiro lugar, que, na decisão litigiosa, a Comissão não distingue entre o mercado alemão e o mercado espanhol no que respeita às alegadas restrições aos fornecimentos a sociedades de locação financeira. A mesma presume, com efeito, que o artigo 4.°, alínea d), do contrato de concessão espanhol originou as mesmas restrições da concorrência que o artigo 2.°, n.° 1, alínea d), do contrato que vincula os agentes alemães [v., designadamente, considerandos 105 a 111 e 176].
142 Ora, resulta dos argumentos apresentados pela recorrente no âmbito da segunda parte do presente fundamento que, distintamente da situação na Alemanha, as relações contratuais em matéria de locação financeira em Espanha são regidas por uma lei específica, a saber a Lei 26/1988.
143 Importa referir que a disposição adicional n.° 7 da Lei 26/1988 prevê designadamente:
«1. São consideradas operações de locação financeira os contratos que tenham como objecto exclusivo a cessão do uso de bens móveis ou imóveis, comprados para esse fim segundo as especificações do futuro utilizador, tendo como contrapartida o pagamento periódico do aluguer ou renda a que se refere o n.° 2 da presente disposição. O utilizador só pode afectar os bens que constituem objecto da cessão às suas explorações agrícolas, haliêuticas, industriais, comerciais, artesanais, de serviços ou profissionais. O contrato de locação financeira compreende necessariamente uma opção de compra, no termo do prazo do contrato, pelo utilizador.
Quando, por qualquer razão, o utilizador não chega a adquirir o bem que constitui o objecto do contrato, o locador pode cedê‑lo a um novo utilizador, sem que se deva considerar que o facto de o bem não ter sido comprado em conformidade com as especificações do novo utilizador seja contrário ao princípio fixado no parágrafo anterior.
2. Os contratos a que se refere a presente disposição têm uma duração mínima de dois anos quando forem relativos a bens móveis e de dez anos quando forem relativos a bens imóveis ou a estabelecimentos industriais. Contudo, para evitar práticas abusivas, o governo pode fixar outros prazos mínimos de duração dos contratos em função das características dos diferentes bens que podem constituir o objecto dos referidos contratos.»
144 Com produção de efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996, o n.° 2 da disposição adicional n.° 7 da Lei 26/1988 foi substituído pelo artigo 128.°, n.° 2, da Lei 43/1995, de 27 de Dezembro de 1995, relativa ao imposto sobre as sociedades (BOE n.° 310, de 28 de Dezembro de 1995, p. 37072), que prevê:
«2. Os contratos a que se refere o número anterior têm uma duração mínima de dois anos quando forem relativos a bens móveis e de dez anos quando forem relativos a bens imóveis ou a estabelecimentos industriais. Contudo, para evitar práticas abusivas, podem ser fixados por regulamento outros prazos mínimos de duração dos contratos em função das características dos diferentes bens que podem constituir o objecto dos referidos contratos.»
145 Destas disposições resulta que os contratos de locação financeira celebrados em Espanha estão submetidos a certas condições específicas, designadamente:
– devem ter uma duração mínima de dois anos no que respeita aos bens móveis, incluindo os veículos automóveis;
– devem necessariamente compreender uma opção de compra, no termo do prazo do contrato, a favor do locatário;
– os bens móveis, incluindo os veículos automóveis, que constituem o objecto dos contratos de locação financeira são comprados para esse fim pela sociedade de locação financeira segundo as especificações do locatário.
146 Consequentemente, a lei espanhola que regula os contratos de locação financeira exige que toda a sociedade de locação financeira já deva ter um locatário identificado para o contrato de locação financeira no momento da aquisição do veículo.
147 Por conseguinte, a presunção tácita feita pela Comissão quanto ao efeito idêntico das cláusulas que figuram nos contratos de concessão alemães e espanhóis não é fundada, o que gera duas consequências no âmbito do presente fundamento.
148 Em primeiro lugar, qualquer contrato de locação financeira celebrado em Espanha deve ter uma duração mínima de dois anos e a opção de compra só pode ser exercida no termo do prazo do contrato. A opção de compra só pode, portanto, ser exercida após o termo de um período mínimo de dois anos. Consequentemente, o locatário do contrato de locação financeira em Espanha não pode, ao exercer a opção de compra, obter a alienação de um veículo em estado novo.
149 A este respeito, importa recordar que o Regulamento n.° 1475/95 isentava da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE os acordos nos quais uma parte (o fornecedor) se obriga perante a outra (o distribuidor), numa parte definida do mercado comum, a fornecer só a esta ou só a esta e a um número determinado de empresas da rede de distribuição, para fins de revenda dos veículos automóveis novos determinados e, em ligação com estes, as respectivas peças sobressalentes (artigo 1.°).
150 Nos termos do artigo 3.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1475/95, a isenção aplicava‑se igualmente quando a obrigação supra‑referida estivesse ligada à obrigação de o distribuidor só fornecer a um revendedor produtos contratuais se este revendedor fosse uma empresa da rede de distribuição. O termo «revenda» era definido no artigo 10.°, n.° 12, do referido regulamento como «qualquer transacção através da qual uma pessoa singular ou colectiva – ‘o revendedor’ – aliena no estado novo um veículo automóvel que adquiriu anteriormente em seu próprio nome e por sua própria conta, independentemente da qualificação jurídica do ponto de vista do direito civil ou das modalidades da transacção que concretiza essa revenda». O mesmo número equiparava à revenda «qualquer contrato de locação financeira que inclua uma transferência de propriedade ou uma opção de compra antes do termo do prazo do contrato».
151 Este regulamento permitia designadamente ao fornecedor, no âmbito de acordos que regem a sua rede de distribuição exclusiva, impor aos distribuidores uma proibição de fornecimento a um comprador que seja revendedor na acepção do seu artigo 10.°, n.° 12, incluindo um comprador equiparado a um revendedor pelo facto de alienar veículos novos no âmbito de contratos de locação financeira tais como definidos pela mesma disposição.
152 A este respeito, importa referir que resulta claramente do artigo 4.°, alínea d), do contrato de concessão espanhol que a proibição imposta aos concessionários não abrangia todos os fornecimentos a sociedades de locação financeira não pertencentes ao grupo Mercedes‑Benz, mas apenas aqueles em relação aos quais essas sociedades não tinham um cliente identificado.
153 Ora, resulta da definição do termo «revenda» prevista no artigo 10.°, n.° 12, do Regulamento n.° 1475/95 que a possibilidade de um fornecedor proibir aos distribuidores que forneçam pessoas singulares ou colectivas equiparadas a «revendedores» se limita ao caso em que estes últimos alienam veículos automóveis em estado novo. Esta equiparação do contrato de locação financeira à revenda tem como finalidade permitir ao fornecedor assegurar a integralidade da rede de distribuição evitando que um contrato de locação financeira que inclui uma transferência de propriedade ou uma opção de compra antes do termo do contrato seja utilizado para facilitar a aquisição, fora da rede de distribuição exclusiva, da propriedade de um veículo quando este ainda está em estado novo.
154 Consequentemente, ao contrário do que alega a recorrente, não resulta da Lei 26/1988 que qualquer contrato de locação financeira espanhol preenche automaticamente as condições de isenção previstas pelo artigo 2.°, n.° 10, do Regulamento n.° 1475/95.
155 Das considerações precedentes resulta que o argumento da recorrente relativo à aplicação das normas de isenção do Regulamento n.° 1475/95 é improcedente.
156 Em segundo lugar, atendendo ao facto de a lei espanhola exigir que qualquer sociedade de locação financeira seja logo obrigada a ter um locatário identificado no momento da aquisição do veículo, as restrições nomeadas pela Comissão no considerando 176 da decisão litigiosa resultam, portanto, desde logo da legislação aplicável, independentemente do artigo 4.°, alínea d), do contrato de concessão espanhol. Noutros termos, através do simples efeito dessa legislação, as sociedades externas ao grupo Mercedes‑Benz encontram‑se na mesma situação que as que pertencem a este grupo. Consequentemente, o argumento da recorrente segundo o qual as restrições ao abastecimento das sociedades de locação financeira em Espanha não constituem restrições da concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE é procedente.
157 Por conseguinte, o artigo 1.°, terceiro travessão, da decisão litigiosa deve ser anulado, na medida em que se refere à alegada infracção cometida em Espanha.
Quanto ao terceiro fundamento relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e ao erro manifesto na apreciação das segunda e quarta medidas referidas pela Comissão na decisão litigiosa
158 O terceiro fundamento está dividido em duas partes. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não provou a existência de um acordo celebrado com os seus agentes alemães referente à exigência por estes imposta de um adiantamento de 15% do preço de venda do veículo aos clientes de passagem. Considera também que, de qualquer forma, esse adiantamento era objectivamente justificado e que tinha o direito de pedir aos seus agentes que o exigissem. Em segundo lugar, a recorrente entende que a Comissão considerou erradamente, na decisão litigiosa, que a reunião de 20 de Abril de 1995 dos novos membros da associação dos concessionários Mercedes‑Benz da Bélgica com a direcção da MBBel demonstrava a existência de um acordo entre estes destinado a restringir a concorrência através dos preços na Bélgica.
159 Resulta da apreciação do Tribunal relativa ao primeiro fundamento que o artigo 81.°, n.° 1, CE não se aplica à ordem dada pela Mercedes‑Benz aos seus agentes alemães, através da circular n.° 52/85, de 12 de Setembro de 1985, para exigirem aos seus clientes de passagem estrangeiros um adiantamento de 15% do preço do veículo. Consequentemente, não é necessário examinar a primeira parte do presente fundamento.
Argumentos das partes
160 A recorrente alega que a Comissão considerou erradamente, na decisão litigiosa, que a reunião de 20 de Abril de 1995 dos novos membros da associação dos concessionários Mercedes‑Benz da Bélgica com a direcção da MBBel demonstrava a existência de um acordo entre esta associação e a MBBel destinado a restringir a concorrência através dos preços na Bélgica. A associação dos concessionários belgas não pode tomar nenhuma decisão vinculativa para os seus membros, mas unicamente formular recomendações. Por outro lado, segundo a recorrente, a intervenção de um concessionário, o Sr. Kalscheuer, nessa reunião, referindo «que as relações entre concessionários melhoraram graças à acção contra a redução dos preços», mostra que a medida em questão já tinha sido decidida pelos concessionários.
161 A recorrente não contesta que a MBBel tenha participado na reunião de 20 de Abril de 1995 e que, por sua própria iniciativa, a associação dos concessionários belgas tenha proposto fixar a taxa das reduções comerciais em 3% no máximo para a nova série W 210. Contudo, alega que a MBBel não participou horizontal ou verticalmente num acordo de fixação dos preços de venda e que a MBBel não tinha adoptado qualquer medida de implementação dessa proposta, que também não aprovou. Em contrapartida, a MBBel manifestou sempre a sua oposição a esse tipo de propostas. Apenas esteve presente como observador e importador. Com efeito, não foi invocada qualquer intervenção oral de um representante da MBBel. O facto de apenas a MBBel ser competente para aplicar as diminuições de fornecimentos de veículos não prova que esta tenha efectivamente adoptado esse comportamento.
162 A este respeito, a recorrente contesta que a MBBel tenha representado os interesses das sucursais na reunião e refere que estas não eram ainda, na época, membros activos da associação. No entanto, segundo a recorrente, não é evidente que as sucursais pudessem ter interesse em limitar a taxa das reduções comerciais. Isso é demonstrado pelo facto de o concessionário Goossens, como o prova a acta da associação, ter censurado as sucursais de terem praticado «vendas a preço vil». Além disso, segundo a recorrente, a acusação que figura na decisão litigiosa relativa à restrição horizontal (v. considerando 141), que não é referida na comunicação de acusações, não deveria, portanto, ser tida em conta. Quanto ao argumento da Comissão exposto no n.° 177, infra, a recorrente considera que esta efectua uma citação selectiva da sua comunicação de acusações (v. n.° 186 dessa comunicação). De resto, refere que a acção «contra a redução dos preços», realizada antes de 20 de Abril de 1995, só podia ser qualificada de acordo «horizontal» na medida em que fora decidida entre os concessionários. Embora a Comissão tenha declarado no n.° 168 da comunicação de acusações que a MBBel tinha participado nessa acção contra a redução dos preços, não há nenhuma prova de que a MBBel tenha participado nela como concorrente dos concessionários.
163 A recorrente contesta também que a carta de 17 de Outubro de 1995 enviada pela MBBel à Mercedes‑Benz AG (v. considerando 119 da decisão litigiosa) prove o interesse da MBBel no sentido da moderação das reduções de preços praticadas pelos concessionários belgas. Com efeito, a MBBel evocou as tarifas médias publicadas e não os preços de venda efectivamente facturados pelos concessionários. Além disso, contesta que a carta da MBBel de 14 Março de 1996, chamando à ordem um concessionário belga de Charleroi que se apresentou abusivamente a um cliente como sendo representante de um concessionário de Namur, prove o desacordo da MBBel quanto à redução concedida em relação a um W 210 «de 6%».
164 A recorrente considera que as alegações da Comissão relativas à participação da MBBel são contraditórias na medida em que sustenta simultaneamente que a MBBel está «disposta a apoiar activamente» uma limitação das reduções de preço (v. considerando 115 da decisão litigiosa) e que a MBBel «participou» nessa limitação (v. considerando 120). A seguir, a Comissão admitiu que a reunião de 20 de Abril de 1995 foi o resultado de uma certa iniciativa da parte dos concessionários, mas precisa, todavia, que a MBBel tomou claramente a direcção na reunião (v. considerando 233 da decisão litigiosa).
165 A recorrente alega que o facto de a Mercedes‑Benz ter ocasionalmente verificado que os concessionários cumpriam integralmente a sua missão de intermediário enviando‑lhe falsos clientes não tem qualquer relação com a alegada fixação dos preços de venda. Alega que essas visitas, às quais as outras marcas automóveis também recorreram, eram perfeitamente legítimas, uma vez que os concessionários se obrigam no seu contrato de concessão comercial a uma actuação de alta qualidade no mercado. Além disso, a recorrente afirma que as práticas tarifárias dos concessionários eram apenas um aspecto entre muitos tidos em conta nessa avaliação.
166 A recorrente contesta a existência de uma relação entre a reunião de 20 de Abril de 1995 e a que se realizou em Antuérpia em 27 de Março de 1996 (v. considerando 117 da decisão litigiosa). Com efeito, na acta da reunião de 20 de Abril de 1995 estava em causa controlar as vendas até ao «final de 1995» e as visitas evocadas na acta da reunião de 27 de Março de 1996 realizaram‑se manifestamente até 1996.
167 A recorrente nega que o fax da MBBel de 26 de Novembro de 1996, no qual esta encarregava a sociedade Tokata de enviar visitantes aos concessionários e a certas agências, permitia à MBBel investigar sobre as reduções praticadas nos modelos de veículos break 220 D e 250 TD da classe C. Recorda que as informações recolhidas eram anónimas e que não era possível tomar medidas contra concessionários específicos, que se tratava de um inquérito completo relativo a todo o serviço à clientela e não unicamente sobre as reduções de preços e que se tratava não só de visitas aos concessionários mas também a treze importadores paralelos. Consequentemente, através do modo pelo qual esse processo foi conduzido não se pode presumir que estivesse em causa impor aos concessionários as tarifas publicadas. Além disso, o fax não continha qualquer indicação segundo a qual os interessados teriam preferido uma redução máxima de 3%. A recorrente acrescenta que a acta da reunião de 20 de Abril de 1995 era relativa a séries de veículos diferentes das referidas no fax da MBBel de 26 de Novembro de 1996 à sociedade Tokata.
168 A recorrente contesta que a alegada fixação dos preços de venda na Bélgica tenha influenciado de forma sensível o comércio interestadual. Refere que, se se aceitar que houve efectivamente um acordo sobre as reduções comerciais, este apenas diria respeito às vendas efectuadas na Bélgica. O volume das vendas transfronteiriças não se teria ressentido. Além disso, contesta que a alegada violação tenha durado de 20 de Abril de 1995 até à circular de 10 de Junho de 1999. Afirma que a Comissão não precisou se a infracção foi sempre cometida com a mesma intensidade. A recorrente sustenta que a acção «contra a redução dos preços» evocada na acta da reunião de 20 de Abril de 1995 era provisória, que apenas respeitava ao modelo W 210 e se devia aplicar unicamente durante a fase de lançamento do novo modelo, ou seja, até ao fim de 1995. A este respeito, resulta da acta da reunião de 27 de Março de 1996 que os concessionários de Antuérpia referiram que não havia consenso quanto às reduções de preços. Além disso, os outros documentos citados pela Comissão não provam que a acção proposta tenha sido prolongada para além de 1995. Estes apenas se referem às visitas que constituíam uma prática habitual cujos resultados não foram identificados, pelo que não foi possível aplicar quaisquer sanções aos concessionários.
169 A recorrente considera que não é justificado que lhe seja imputada a fixação dos preços de venda na Bélgica.
170 A título preliminar, alega que a Comissão se afastou, no caso em apreço, da sua prática relativa à aplicação de coimas a uma sociedade ou ao grupo ao qual pertence. A Comissão deveria ter tido em conta vários elementos, designadamente o âmbito da autonomia de decisão da filial, em que medida a sociedade‑mãe conhecia as actividades da filial contrárias às regras relativas à proibição de acordos, decisões e práticas concertadas, a participação dessa sociedade na infracção, a influência concreta da sociedade‑mãe na política comercial da filial e a eventual identidade da composição dos órgãos sociais da sociedade‑mãe e da sua filial [v. Decisão 87/1/CEE da Comissão, de 2 de Dezembro de 1986, relativa a um processo nos termos do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/31.128 – Ácidos gordos) (JO L 3, p. 17); Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/31.149 – Polipropileno) (JO L 230, p. 1); Decisão 85/617/CEE da Comissão, de 16 de Dezembro de 1985, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/30.839 – Sperry New Holland) (JO L 376, p. 21); Decisão 84/388/CEE da Comissão, de 23 de Julho de 1984, relativa a um processo de aplicação nos termos do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/30.988 – Acordos e práticas concertadas no sector do vidro plano nos países do Benelux) (JO L 212, p. 13); Decisão 78/155/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1977, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado que cria a Comunidade Económica Europeia (IV/29.146 – BMW Belgium SA e concessionários belgas BMW) (JO 1978, L 46, p. 33). A recorrente precisa que, no sector automóvel, as filiais de venda nacionais em causa foram consideradas responsáveis quando era possível localizar a infracção no Estado‑Membro correspondente [Decisão 2001/146/CE da Comissão, de 20 de Setembro de 2000, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.653 – Opel) (JO 2001, L 59, p. 1).
171 A recorrente sustenta que a alegação da Comissão segundo a qual ela é responsável pelo comportamento da MBBel, uma vez que a sua participação é de cerca de 100%, é improcedente. Segundo a recorrente, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925, n.os 28 e segs.), que uma participação de 100% não é, por si só, suficiente para imputar a responsabilidade à sociedade‑mãe à luz das regras aplicáveis aos acordos, decisões e práticas concertadas. A Comissão deve demonstrar através de outros factos que a recorrente também exerceu efectivamente influência no comportamento da MBBel. A recorrente nega ter tido conhecimento das actividades da MBBel e tê‑las apoiado activamente. Alega que a Comissão não apresentou a prova de que foi informada da reunião da associação de concessionários de 20 de Abril de 1995. Explica que, mesmo que a MBBel tenha participado na acção «contra a redução dos preços», tal terá ocorrido sem o seu acordo. A recorrente acrescenta, na réplica, que a Comissão considera erradamente que lhe compete provar que esta infracção não lhe é imputável, pelo facto de a Mercedes‑Benz se ter apresentado no procedimento administrativo como o único interlocutor da Comissão quanto à infracção cometida no território belga. Segundo a mesma, a Comissão deve provar que a Mercedes‑Benz foi informada das alegadas medidas de fixação dos preços de venda e que as «incentivou activamente».
172 A Comissão alega que a MBBel participou, em 20 de Abril de 1995, juntamente com a associação dos concessionários belgas num acordo de limitação dos descontos autorizados de 3%, cuja inobservância conduzia a uma redução da quota dos veículos atribuídos. Considera que a recorrente é responsável por essa violação das regras de concorrência, na medida em que constituía com a MBBel uma unidade económica.
173 A Comissão entende que não pode haver a mínima dúvida em relação ao facto de que os participantes na reunião de 20 de Abril de 1995 adoptaram medidas «contra a redução dos preços», uma vez que na acta dessa reunião, o seu redactor, o Sr. Rauw, distinguiu claramente entre as declarações, os pedidos mais ou menos firmes, os conselhos e as recomendações e as apreciações, censuras e declarações de intenção dos participantes. Por outro lado, o parágrafo relativo às compras fictícias, o comportamento das sucursais de Bruxelas da MBBel em matéria de preços e o recurso à redução de quotas em caso de descontos superiores a 3% demonstra que as discussões eram precisamente sobre a adopção das medidas, o que aconteceu com a participação da MBBel.
174 Além disso, quanto aos argumentos da recorrente baseados no facto de a acta não mencionar a menor intervenção da MBBel, de que esta última participou na reunião como importador e não como representante das suas sucursais e de que a associação dos concessionários não tinha o poder necessário para adoptar decisões vinculativas, a Comissão não os considera relevantes. Acrescenta que qualquer pessoa que participa numa reunião na qual sejam celebrados acordos anticoncorrenciais deve exprimir o seu desacordo para indicar claramente que não é parte no acordo. Ora, a acta da reunião de 20 de Abril de 1995 não menciona a mínima oposição da MBBel. Esta última terá inclusive aprovado a limitação dos descontos a 3%. Se tal não fosse o caso, o Sr. Rauw não teria podido indicar que em caso desse limite ser ultrapassado a quota de veículos seria reduzida, sabendo que apenas a MBBel podia adoptar essa medida.
175 Contrariamente ao afirmado pela recorrente (v. n.° 162, supra), a MBBel teria interesse em pôr fim à redução dos preços. Segundo a Comissão, a manutenção pela MBBel dos preços médios num nível elevado não faz qualquer sentido se os concessionários concedessem descontos cada vez mais importantes e desacreditassem assim os preços de tabela. Além disso, considera que, como importador, a MBBel não fornece unicamente os concessionários belgas, o que gera uma relação vertical, mas também os clientes finais, por intermédio das suas sucursais de Bruxelas, o que origina a relação horizontal, contestada pela recorrente, entre a MBBel e os seus concessionários.
176 A Comissão alega que o Sr. Goossens, da associação de concessionários belgas, não julgou manifestamente necessário, para acusar as sucursais de redução de preços, que os representantes destas sucursais tivessem participado também na reunião de 20 de Abril de 1995, para além dos numerosos quadros da MBBel. É evidente, segundo a Comissão, que a MBBel estava em causa, não apenas como fornecedor, mas também como concorrente dos concessionários e que participou no acordo relativo à restrição dos descontos nessas duas qualidades.
177 A Comissão alega que, contrariamente ao sustentado pela recorrente (v. n.° 162, supra), a comunicação de acusações não se limitava à concorrência vertical. Considera ter esclarecido (no n.° 222 da comunicação de acusações) que a acção acordada entre a MBBel e os concessionários, para lutar contra a redução de preços e controlar os descontos consentidos com redução das quotas de veículos em caso de descontos superiores a 3%, tinha por objectivo restringir a concorrência através dos preços na Bélgica. A MBBel não estava, portanto, exclusivamente em causa como parte num acordo que tem por objecto aplicar uma convenção de restrição de descontos através da redução de quotas, mas, de uma forma geral, como empresa que participou num acordo destinado a limitar os descontos, a controlar o comportamento dos concessionários em matéria de descontos e a reduzir as quotas em caso de descontos superiores a 3%. Por outro lado, a Comissão considera que a recorrente não pode qualificar de nova a apreciação jurídica da participação da MBBel no acordo, uma vez que, na comunicação de acusações, referiu que a MBBel já tinha participado num acordo relativo aos preços, principalmente horizontal, antes de 20 de Abril de 1995, designadamente na acção «contra a redução dos preços». A Comissão recorda que não é obrigatório que o acordo seja vinculativo nos termos do direito civil para constituir um acordo na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 Janeiro de 1990, Sandoz Prodotti Farmaceutici/Comissão, C‑277/87, Colect., p. I‑45, n.° 13) (v. n.° 160, supra).
178 Segundo a Comissão, a decisão litigiosa prova que os concessionários belgas deviam contar com as compras fictícias anunciadas e que para a MBBel era importante que os concessionários conservassem os seus preços de revenda efectivos no nível mais elevado possível (v. considerandos 117 e 119 da decisão litigiosa). Contesta o argumento da recorrente segundo o qual as apreciações individuais relativas aos diferentes concessionários eram anónimas. Com efeito, o anonimato dessas apreciações já não foi respeitado na acta da reunião de 27 de Março de 1996, uma vez que o concessionário Van Steen NV foi referido pelo nome. Acrescenta que os descontos individuais que os cinco concessionários controlados estavam dispostos a conceder não tinham que ser referidos em detalhe na acta, dado ser evidente que cada concessionário tinha proposto um desconto superior aos 3% permitidos pela associação. Em seu entender, as alegadas diferenças de opinião posteriores entre os concessionários relativamente ao montante dos descontos são irrelevantes, tanto mais que o acordo em causa os obrigava perante a MBBel.
179 A Comissão refere que o mandato concedido à sociedade Tokata em 26 de Novembro de 1996 demonstra que o comportamento dos concessionários em matéria de descontos tinha um papel importante no âmbito das compras fictícias, ao contrário do que afirma a recorrente que o considera apenas um aspecto entre outros (v. n.° 165, supra). Esclarece que o verdadeiro objectivo do mandato era verificar a reacção dos 47 concessionários belgas face ao pedido de um desconto de 7%.
180 Segundo a Comissão, a recorrente nega qualquer relação entre, por um lado, o acordo de 20 de Abril de 1995 e, por outro, as compras fictícias efectuadas a cinco concessionários em Antuérpia na Primavera de 1996 e o mandato de Novembro de 1996 destinado à realização das compras fictícias a todos os concessionários belgas (v. n.° 166, supra). A Comissão sustenta que o limite temporal fixado no final de 1995 e imposto pelo acordo de 20 de Abril de 1995 se refere apenas à sanção específica convencionada, isto é, a redução das quotas, e não à fixação do limite dos descontos em 3%. Não considera que as compras fictícias ocorreram em conformidade com a decisão de 20 de Abril de 1995, mas refere que essas compras demonstram que os concessionários deviam contar com esse tipo de acções. A Comissão acrescenta que, em 14 de Março de 1996, a MBBel exprimiu o seu descontentamento perante o facto de o vendedor de um concessionário de Charleroi ter vendido um veículo da série W 210 com um desconto de 6%.
181 Quanto à restrição sensível do comércio intracomunitário contestada pela recorrente (v. n.° 168, supra), a Comissão refere que a criação e a manutenção de uma zona artificial de preços elevados podem gerar correntes comerciais diferentes das correntes normais. Afirma que a jurisprudência mostra que as práticas restritivas da concorrência que se estendem a todo o território de um Estado‑Membro são, pela sua própria natureza, susceptíveis de consolidar compartimentações de carácter nacional (acórdão Bayerische Motorenwerke, n.° 131, supra, n.° 20; acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 95; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 179).
182 A Comissão censura à recorrente só ter posto fim à fixação dos preços de venda na Bélgica com a circular de 10 de Junho de 1999 (v. considerando 223 da decisão litigiosa). Reitera que a data que figura na acta da reunião de 20 de Abril de 1995, designadamente o final de 1995, respeitava unicamente à sanção constituída pela redução de quotas e não ao acordo de limitação dos descontos a 3%. Refere que o comportamento dos concessionários em matéria de descontos foi também controlado em 1996 (v. considerandos 117 e 118 da decisão litigiosa). Além disso, esse controlo não se limitava apenas aos veículos da série W 210, mas incluía também outras categorias de veículos, a classe C no caso concreto. A continuação das compras fictícias com o objectivo principal de controlar os descontos concedidos pelos concessionários, como foi decidido em 20 de Abril de 1995, a integração de outras séries de veículos na acção e as críticas feitas à concessão de descontos excessivos (v. considerando 119 da decisão litigiosa) provam que o acordo de 20 de Abril de 1995, cuja acta refere que este já tinha antecedentes, não foi em caso algum uma medida única, isolada e transitória. No mesmo sentido, a Comissão refere o argumento da recorrente segundo o qual o acordo sobre os preços se destinava a melhorar a rentabilidade dos concessionários. Segundo a Comissão, este objectivo não podia ser alcançado com uma medida cuja duração era apenas de alguns meses.
183 A Comissão considera que os argumentos da recorrente apresentados nos n.os 69 a 171, supra, relativos à sua responsabilidade no caso em apreço são improcedentes. Refere que a responsabilidade da recorrente pelo comportamento da MBBel decorre do simples facto de esta sociedade pertencer quase integralmente à recorrente e que, em virtude da sua dependência em relação à sociedade‑mãe, não podia seguir uma política de distribuição própria e constituía uma unidade económica com a recorrente.
184 A Comissão esclarece, em primeiro lugar, que, quando, como no caso em apreço, a sociedade‑mãe detém uma participação de 100% na sua filial, não lhe compete provar que a sociedade‑mãe dá efectivamente à filial instruções que esta aplica. Refere que o acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 171, supra, que a recorrente menciona, mostra que, nesse caso, é legítimo pressupor que a sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial, particularmente quando esta se apresentou como sendo o único interlocutor da Comissão a respeito da infracção em causa. Nestas condições, compete à recorrente ilidir esta presunção através de elementos de prova suficientes. A Comissão alega que, no caso em apreço, a recorrente também se apresentou como o único interlocutor da Comissão a respeito da infracção cometida no território belga. A recorrente também não contestou que podia exercer uma influência dominante no comportamento desta filial no mercado. Por último, afirma que a recorrente não forneceu qualquer prova de que a MBBel podia comportar‑se de forma autónoma.
185 A Comissão precisa também que a recorrente foi informada dos esforços da MBBel para manter os preços médios num nível elevado (v. considerando 119 da decisão litigiosa).
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
186 A título preliminar, o Tribunal refere que a recorrente critica o facto de a Comissão ter alegado pela primeira vez na decisão litigiosa, quanto à infracção relativa à fixação do preço de venda na Bélgica, que a MBBel tinha participado numa restrição horizontal da concorrência. Com efeito, na decisão litigiosa, é mencionado que «a MBBel agiu simultaneamente como concorrente dos concessionários, uma vez que explorava duas sucursais, e como seu fornecedor». Além disso, a Comissão considerou, na decisão litigiosa, que este elemento vertical foi o que manifestamente constituiu o «ponto fulcral do acordo» (v. considerando 141).
187 Embora a recorrente não o alegue expressamente, o Tribunal considera que este argumento deve ser interpretado como uma acusação relativa à violação dos direitos de defesa.
188 Resulta da leitura conjugada do artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 e dos artigos 2.° e 4.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), que a Comissão deve comunicar as acusações que faz contra as empresas e associações interessadas e apenas pode ter em conta nas suas decisões as acusações relativamente às quais estas tenham tido a oportunidade de se pronunciar utilmente sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 9, e do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colect., p. II‑2667, n.° 33).
189 É jurisprudência assente que a comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são censurados pela Comissão. É só com esta condição que a comunicação de acusações pode preencher a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários que consiste em fornecer às empresas todos os elementos de informação necessários para lhes permitir que se defendam utilmente antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 63; Enso Española/Comissão, T‑348/94, Colect., p. II‑1875, n.° 83; e Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 42). É, por outro lado, jurisprudência assente que esta exigência é respeitada quando a decisão não imputa aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e atende unicamente a factos sobre os quais os interessados tenham tido ocasião de se explicar (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 94, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 113). A decisão final da Comissão não deve, todavia, constituir necessariamente uma cópia da exposição das acusações (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 67, e acórdão ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 91).
190 É à luz destes princípios que deve ser apreciada a acusação relativa à violação dos direitos de defesa da recorrente.
191 No caso em apreço, importa averiguar se a acusação segundo a qual a MBBel participou numa alegada restrição horizontal da concorrência foi exposta na comunicação de acusações em termos suficientemente claros que permitam à recorrente tomar dela conhecimento efectivo.
192 O Tribunal considera que, quando a comunicação de acusações fornece uma indicação clara da natureza da infracção ao direito da concorrência censurada à empresa em causa e dos factos essenciais invocados a esse respeito, esta pode responder à acusação feita e defender os seus direitos. Uma apresentação posterior das acusações na decisão adoptada pela Comissão que qualifica um acordo económico como «vertical» ou «horizontal» não constitui uma modificação material das acusações tal como foram apresentadas na comunicação de acusações.
193 Importa referir que a Comissão não invocou de forma explícita o elemento horizontal ou o elemento vertical da infracção em causa na comunicação de acusações e, por conseguinte, não qualificou a alegada infracção como «horizontal» ou «vertical». A recorrente não contesta, todavia, que a Comissão expôs sucintamente na comunicação de acusações as razões pelas quais censurava à MBBel a celebração de um acordo relativo à fixação do preço de venda dos veículos Mercedes na Bélgica com os concessionários belgas. Consequentemente, os factos e as críticas essenciais do comportamento da MBBel tidos em conta pela Comissão na decisão litigiosa foram expostos na comunicação de acusações. Importa também recordar que a Comissão considerou, na decisão litigiosa, que o elemento vertical da alegada infracção era fulcral, tendo invocado o elemento horizontal da mesma apenas de forma completamente acessória.
194 Nestas circunstâncias, há que considerar que não era necessário, com vista ao respeito dos direitos de defesa, que a Comissão tivesse qualificado explicitamente a infracção em causa de vertical e de horizontal na sua comunicação de acusações.
195 Para ser exaustivo, o Tribunal refere a que recorrente se limita a apresentar esta acusação sem indicar em que medida o facto de a Comissão não ter evocado o elemento «horizontal» da infracção em causa antes da adopção da decisão litigiosa lhe teria causado prejuízo. Por um lado, resulta dos autos que a recorrente respondeu às críticas efectuadas pela Comissão na comunicação de acusações relativas à fixação do preço de venda na Bélgica. Ora, a recorrente não alegou no seu recurso que a resposta à comunicação de acusações teria sido materialmente diferente se a palavra «horizontal» dela constasse. Por outro lado, importa referir que resulta da leitura da parte da decisão litigiosa relativa à aplicação da coima pela infracção em causa que a Comissão não se baseou explicitamente no elemento horizontal da infracção ao proceder a essa aplicação (v. considerandos 245 a 248).
196 Resulta da decisão litigiosa que a Comissão considerou que foi celebrado um acordo destinado a restringir a concorrência de preços na Bélgica em 20 de Abril de 1995 entre a MBBel e a associação dos concessionários da Mercedes‑Benz da Bélgica destinado a limitar os descontos a 3% e a controlar o nível de descontos autorizados para a classe E através de uma agência externa, acarretando os descontos mais elevados reduções nas quotas de veículos dessa classe (v. considerandos 113 e 177).
197 O Tribunal refere que, segundo a acta da reunião em questão, na secção intitulada «acção contra a redução dos preços», considerou‑se o seguinte: «as relações entre concessionários melhoraram em virtude desta acção. [Um concessionário – o Sr. Goossens] acusa as sucursais de Bruxelas de praticarem reduções dos preços. Vai recorrer‑se a uma agência externa para efectuar ‘ghost shopping’ com o fim de testar os níveis de descontos sobre o modelo W 210. No caso de os descontos concedidos serem superiores a 3%, a quantidade de veículos atribuídos até ao final de 1995 será reduzida».
198 A recorrente admite que, na reunião de 20 de Abril de 1995, à qual a MBBel assistiu, a associação dos concessionários Mercedes‑Benz da Bélgica mencionou o recurso a uma agência encarregada de efectuar visitas por intermédio de clientes falsos. A recorrente considera, no entanto, que a associação não pode tomar decisões vinculativas para os seus membros, apenas podendo formular «recomendações». Refere igualmente que a MBBel não adoptou qualquer medida de execução dessas recomendações e que também não as aprovou. Alega que a MBBel esteve presente unicamente como observador e importador não tendo feito qualquer intervenção oral na reunião. Além disso, segundo a recorrente, ainda que tivesse sido efectuada uma limitação das reduções comerciais, esta não teria tido repercussões sensíveis no comércio interestadual.
199 Resulta de jurisprudência assente que, para que exista um acordo, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportar no mercado de um modo determinado (acórdão ACF Chemiefarma/Comissão, n.° 189, supra, n.° 112; acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 86; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, dito «PVC II», T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 715).
200 Os critérios de coordenação e cooperação formulados pela jurisprudência, que não requerem de modo algum a elaboração de um verdadeiro «plano», devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual cada operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que tenciona seguir no mercado comum. Esta exigência de autonomia não priva os operadores económicos do direito de se adaptarem inteligentemente ao comportamento constatado ou previsível dos seus concorrentes, no entanto, impede rigorosamente qualquer contacto directo ou indirecto entre esses operadores que tenha por objecto ou efeito influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial ou revelar a tal concorrente o comportamento que eles próprios tenham decidido adoptar ou tencionem adoptar no mercado (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 41, supra, n.os 173 e 174, e acórdão PVC II, n.° 199, supra, n.° 720).
201 Importa recordar que, em caso de litígio quanto à existência de uma infracção às regras da concorrência, compete à Comissão apresentar a prova das infracções por ela verificadas e produzir os elementos probatórios adequados à demonstração juridicamente suficiente da existência dos factos constitutivos da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 58).
202 Todavia, a partir do momento em que foi provado que uma empresa participou em reuniões entre empresas de natureza manifestamente anticoncorrencial, incumbe a esta apresentar indícios susceptíveis de demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões se tinha verificado sem qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nas mesmas numa óptica diferente da destes (v., nesta acepção, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.° 155, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.° 181). Na falta dessa prova de distanciamento, o facto de essa empresa não agir em conformidade com os resultados das reuniões em causa não é susceptível de a isentar da sua plena responsabilidade decorrente da sua participação no acordo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 135, e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 1389).
203 O Tribunal declara que é incontestável que a MBBel esteve presente na reunião da associação dos concessionários de 20 de Abril de 1995, no decurso da qual se verificou a persistência da «redução dos preços» e a intenção de implementar medidas para detectar e dissuadir descontos superiores a 3%. Com efeito, importa referir que vários altos responsáveis da MBBel estiveram presentes nessa reunião e que a acta desta foi redigida pelo Sr. Rauw, responsável pelo desenvolvimento da rede de concessionários da MBBel (v., nomeadamente, considerando 115 da decisão litigiosa). Consequentemente, os argumentos da recorrente segundo os quais a MBBel desempenhou um papel menor na reunião em causa (v. n.° 161, supra) não são confirmados pelos elementos dos autos. O Tribunal considera que a participação dos representantes da MBBel na reunião em causa demonstra que, ao contrário do que alega a recorrente, a MBBel teve um papel central nas discussões.
204 Por conseguinte, uma vez que a MBBel não provou que se distanciou das discussões sobre os descontos de preços, a Comissão podia considerar que a MBBel, através da sua presença sem reservas na reunião de 20 de Abril de 1995 no decurso da qual o objectivo «contra a redução dos preços» foi claramente evocado, participou no concurso de vontades que conduziu à aprovação das medidas destinadas a detectar e a dissuadir os descontos em questão.
205 Por outro lado, o facto de as sucursais da MBBel não serem, nessa época, membros activos da associação de concessionários, conforme alega a recorrente, não é relevante na medida em que foi demonstrada a participação da MBBel no acordo anticoncorrencial.
206 Há que referir também que, em conformidade com o que afirma a Comissão, apenas a MBBel podia pôr em prática a ameaça proferida na reunião de 20 de Abril de 1995 de reduzir a quota de veículos atribuídos. O seu silêncio nessa ocasião só pode ser interpretado como a aprovação da e a adesão à acção «contra a redução dos preços», que já tinha sido decidida pelos concessionários belgas, uma vez que, nomeadamente, a ameaça de redução da quota de veículos atribuídos até ao final de 1995 no caso de descontos superiores a 3% proferida na reunião em causa necessitava da participação activa da MBBel na qualidade de fornecedor dos concessionários e reforçou o acordo em questão.
207 Consequentemente, a presença da referida empresa na reunião, sem que esta se tenha distanciado publicamente do seu conteúdo, fez com que os outros participantes pensassem que a mesma subscrevia o seu resultado e que pretendia contribuir com o seu próprio comportamento para os objectivos comuns prosseguidos por todos os participantes. O Tribunal considera também que o facto de a acção «contra a redução dos preços» ter sido executada antes da reunião não constituía obstáculo à afirmação da Comissão de que a MBBel tinha participado numa decisão tomada em 20 de Abril de 1995 relativa aos preços futuros e estava disposta a apoiar activamente a fixação dos preços, o controlo dos preços aplicados pelos concessionários e, eventualmente, a aplicação de sanções no caso de incumprimento das instruções a partir da referida data.
208 O Tribunal considera que não é convincente e deve ser rejeitado o argumento da recorrente segundo o qual o facto de a MBBel ter ocasionalmente avaliado se os concessionários cumpriam integralmente a sua missão de intermediário (v. n.° 65, supra) era perfeitamente legítimo, na medida em que os concessionários se comprometem no seu contrato de concessão comercial a uma actuação de alta qualidade no mercado. Com efeito, a recorrente admite no seu recurso que as práticas tarifárias dos concessionários constituíam um dos aspectos – entre muitos outros – dessa avaliação (v. n.° 165, supra). O Tribunal considera, portanto, que os preços facturados pelos concessionários não têm qualquer relação com a qualidade das suas prestações. Além disso, a MBBel não tenta justificar esses controlos de práticas tarifárias nos termos do artigo 11.° do contrato de concessão belga que prevê que a MBBel pode fixar um preço máximo, mas não um preço mínimo.
209 Há que rejeitar igualmente o argumento da recorrente segundo o qual as informações recolhidas eram anónimas (v. n.° 168, supra) e que não era possível tomar medidas contra concessionários específicos. Resulta claramente da acta da reunião dos concessionários Mercedes da região de Antuérpia de 27 de Março de 1996 que foram identificados por compradores fictícios e referidos na reunião em questão descontos concedidos por um concessionário específico, concretamente a Van Steen NV.
210 Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a associação dos concessionários não podia tomar qualquer decisão vinculativa para os seus membros, apenas podendo formular «recomendações», importa recordar que, segundo jurisprudência assente, um acto pode ser qualificado de decisão de associação de empresas na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, sem necessariamente ter um carácter obrigatório para os membros em causa, pelo menos, na medida em que os membros visados por essa decisão lhe dêem cumprimento (v. por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 20, e Van Landewyck e o./Comissão, n.° 199, supra, n.os 88 e 89; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Eurofer/Comissão, T‑136/94, Colect., p. II‑263, n.° 15). Essa hipótese é suficientemente demonstrada, no caso em apreço, pelo facto de os membros da associação dos concessionários na Bélgica e a MBBel terem decidido, na reunião de 20 de Abril de 1995, examinar, por intermédio de compras fictícias efectuadas por uma agência externa, o nível dos descontos autorizados para o modelo de veículo W 210 e de compradores fictícios terem efectivamente visitado os concessionários. Estes factos mostram que a linha de conduta decidida na reunião de 20 de Abril de 1995 foi executada.
211 Em relação ao argumento da recorrente apresentado no n.° 162, supra, e segundo o qual não é evidente que as sucursais da MBBel tenham tido interesse em limitar a percentagem das reduções comerciais, o Tribunal considera que, uma vez que a participação da MBBel no acordo está demonstrada, não é necessário examinar se esta e as suas sucursais tinham interesse em nele participar. De qualquer forma, o Tribunal considera que, em conformidade com o que alega a Comissão, a MBBel e, consequentemente, as suas sucursais tinham interesse em pôr fim à redução dos preços, nomeadamente porque esta fornece não apenas os concessionários mas também os clientes finais por intermédio de certas sucursais. Importa referir que a carta de 17 de Outubro de 1995 enviada pela MBBel à Mercedes‑Benz AG, na qual a MBBel declara fazer «tudo o que está ao [seu] alcance para realizar[...] correctamente o [seu] trabalho (evita[r] as exportações) e procurar[...] manter os [seus] preços médios a um nível elevado», demonstra igualmente, como refere a Comissão no considerando 119 da decisão litigiosa, o interesse de que os concessionários na Bélgica apenas concedam descontos moderados. A este respeito, o Tribunal considera que o argumento da recorrente segundo o qual a MBBel evocou, na carta de 17 de Outubro de 1995, as tarifas médias publicadas e não os preços de venda efectivamente facturados pelos concessionários não é convincente e deve ser rejeitado.
212 Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a fixação dos preços de venda na Bélgica não influenciou de maneira sensível o comércio interestadual, dado que apenas respeitava às vendas nesse país, não sendo afectadas as vendas transfronteiriças, o Tribunal considera que deve ser rejeitado. Com efeito, segundo jurisprudência assente, um acordo que abrange todo o território de um Estado‑Membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar compartimentações de carácter nacional, obstando assim à interpenetração económica pretendida pelo Tratado (acórdão Wouters e o., n.° 181, supra, n.° 95; acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect., p. 333, n.° 29; Remia e o./Comissão, n.° 81, supra, n.° 22; e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C‑35/96, Colect., p. I‑3851, n.° 48). Ora, a recorrente não contesta que a reunião de 20 de Abril de 1995 e, assim, a infracção em causa, dizia respeito a toda a Bélgica, como a Comissão afirma no considerando 197 da decisão litigiosa.
213 A recorrente considera igualmente que a Comissão não provou que a violação alegada tenha durado desde 20 de Abril de 1995 até à circular de 10 de Junho de 1999 na qual a recorrente indicava, nomeadamente, que os concessionários deviam ter a liberdade de fixar o preço e as condições de venda relativamente aos seus clientes. Alega que a Comissão devia ter considerado o final de 1995 como data‑limite porque a acção «contra a redução dos preços» evocada na acta da reunião de 20 de Abril de 1995 era provisória e apenas dizia respeito ao lançamento do novo modelo W 210.
214 Como resulta da jurisprudência, compete à Comissão provar não apenas a existência do acordo mas também a sua duração (v. acórdãos Dunlop Slazenger/Comissão, n.° 84, supra, n.° 79, e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 202, supra, n.° 2802).
215 O Tribunal refere que existem indícios concordantes no caso em apreço que sugerem que a infracção perdurou para além do final de 1995. Deve concluir‑se que, como alega correctamente a Comissão, resulta da acta da reunião de 20 de Abril de 1995 que o limite temporal fixado no final de 1995 se refere apenas à sanção convencionada e não à fixação do limite dos descontos em 3%. Além disso, decorre da acta da reunião de 27 de Março de 1996 que foram efectuadas compras fictícias relativas ao modelo E 290 TD, designadamente, em cinco concessionários na Bélgica em 1996. A este respeito, o Tribunal considera que, contrariamente ao alegado pela recorrente (v. n.° 166, supra), existe uma relação entre a reunião dos concessionários de 20 de Abril de 1995 e a de 27 de Março de 1996. Além disso, numa carta de 14 de Março de 1996, a MBBel exprimiu claramente o seu descontentamento perante o facto de um veículo da série W 210 ter sido vendido com um desconto de 6%. A este respeito, o Tribunal considera que a utilização de um ponto de exclamação a seguir a esta percentagem – «6%!» – não deixa qualquer dúvida quanto ao facto de o desconto em questão ser considerado condenável. Consequentemente, atendendo às objecções apresentadas pela MBBel contra os descontos superiores a 3% concedidos pelos concessionários na Bélgica e à prática contínua de compras fictícias, os concessionários deviam contar com repercussões no caso de detecção de descontos mesmo após o final de 1995. O Tribunal considera que, nestas circunstâncias, a Comissão considerou correctamente que o acordo de 20 de Abril de 1995 que fixa o preço dos veículos na Bélgica não era uma medida transitória, tendo pelo contrário perdurado até à sua supressão expressa pela circular de 10 de Junho de 1999.
216 O Tribunal considera que, através do seu argumento segundo o qual a Comissão não precisou se a infracção relativa à fixação dos preços na Bélgica tinha sempre sido cometida com a mesma intensidade (v. n.° 168, supra), a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação quanto à gravidade da infracção durante certos períodos. Ora, o Tribunal considera que a Comissão avaliou correctamente a duração (v. n.° 215, supra) e a gravidade da infracção em causa. A gravidade da infracção não é de resto contestada pela recorrente. Com efeito, uma vez que a infracção perdurou durante o período estabelecido na decisão litigiosa, não compete à Comissão provar que esta foi cometida com a mesma intensidade não havendo prova de que tenha cessado.
217 A recorrente acusa a Comissão de lhe ter imputado o comportamento da MBBel, sua filial na Bélgica, exclusivamente por a sua participação na referida filial se aproximar dos 100%.
218 A este respeito, importa recordar que a circunstância de uma filial ter uma personalidade jurídica distinta não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade‑mãe, nomeadamente quando a filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, antes aplicando, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça, ICI/Comissão, n.° 85, supra, n.os 132 e 133; de 14 de Julho de 1972, Geigy/Comissão, 52/69, Recueil, p. 787, n.° 44, Colect., p. 293; e de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 15). Ora, a detenção de 100% do capital da filial não pode, por si só, ser suficiente para demonstrar a existência desse controlo pela sociedade‑mãe. A imputação à sociedade‑mãe do comportamento da sua filial depende sempre da verificação do exercício efectivo de um poder de direcção (v., nesta acepção, acórdãos ICI/Comissão, n.° 85, supra, n.os 132 a 141; de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão, 32/78 e 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, n.° 24; e Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 171, supra, n.° 23).
219 Ora, como o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 171, supra (n.° 28), se a detenção de 100% do capital não permite, por si só, imputar a responsabilidade à sociedade‑mãe, a Comissão pode igualmente basear a sua decisão relativa à imputação à sociedade‑mãe do comportamento da sua filial na circunstância de a sociedade‑mãe não contestar que teve possibilidade de influenciar de modo determinante a política comercial da sua filial e não apresentar provas que alicercem as suas afirmações relativas à autonomia desta última. Com efeito, perante a detenção da totalidade do capital da filial, a Comissão pode legitimamente supor que a sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial, especialmente se a sociedade‑mãe se apresentou no procedimento administrativo como o único interlocutor das sociedades do grupo.
220 Nestas condições, compete à sociedade‑mãe ilidir essa presunção através da apresentação de elementos de prova suficientes.
221 No caso em apreço, resulta dos autos que a recorrente não contesta que a Mercedes‑Benz detinha a totalidade do capital da MBBel na época da infracção em causa e admite que esta se apresentou no procedimento administrativo como o único interlocutor da Comissão em relação à infracção belga. Além disso, a recorrente limita‑se a afirmar que não teve conhecimento das actividades da MBBel e nega tê‑las apoiado activamente sem apresentar a menor prova de que não tinha possibilidade de influenciar de modo determinante a política comercial da MBBel ou elementos de prova quanto à autonomia desta última. Consequentemente, a recorrente não ilidiu a presunção de que exercia efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial MBBel através de elementos de prova suficientes.
222 Por conseguinte, a parte do fundamento em causa deve ser rejeitada e, consequentemente, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.
Quanto ao quarto fundamento relativo à fixação incorrecta do montante da coima aplicada pelo artigo 3.° da decisão litigiosa
Argumentos das partes
223 A recorrente considera que a coima aplicada pelo artigo 3.° da decisão litigiosa carece de qualquer fundamento atendendo à inexistência de infracção nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE. Acrescenta que, mesmo que se tivesse provado essa infracção, a coima é excessiva.
224 Quanto aos comportamentos relativos ao mercado alemão, a recorrente alega, no essencial, que a coima deve ser declarada ilegal, uma vez que as medidas censuradas à Mercedes‑Benz foram adoptadas com base em contratos de agência comercial que, por conterem unicamente restrições aplicáveis aos agentes comerciais, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE.
225 A recorrente alega que a proibição de venda que afecta as sociedades de locação financeira em Espanha, na medida em que pode violar o artigo 81.°, n.° 1, CE, está, em qualquer caso, isenta da sua aplicação pelo Regulamento n.° 1475/95, o que impede a aplicação de uma coima. Considera que, ainda que o juiz comunitário não aceite a sua argumentação, há que ter em conta o facto de poder alegar fundamentos jurídicos consideráveis para apoiar a sua tese segundo a qual essas práticas preenchem as condições de isenção.
226 No que respeita à fixação dos preços de venda na Bélgica, a recorrente alega que, embora a Comissão afirme (v. considerando 245 da decisão litigiosa) que esta respeitou exclusivamente ao modelo W 210, também considera, porém, que depois a prática de redução dos preços foi controlada em relação a outros modelos. Esta última observação refere‑se manifestamente às «visitas mistério» efectuadas pela sociedade Tokata a propósito dos modelos da classe C. A recorrente considera que essas visitas não têm qualquer relação com a alegada fixação dos preços (v. n.° 167, supra). Não concorda com o facto de a Comissão tomar em conta a circunstância agravante de estarem em causa vários modelos. Além disso, a afirmação contida nos considerandos 223 e 225 da decisão litigiosa segundo a qual a fixação dos preços de venda esteve em vigor de 20 de Abril de 1995 a 10 de Junho de 1999 não resiste à análise segundo a qual a acta da reunião de 20 de Abril de 1995 se aplicava unicamente até ao final de 1995 (v. n.° 174, supra). Por último, a recorrente contesta que a MBBel tenha tido um papel importante na alegada limitação das reduções de preços. Pelo contrário, segundo a recorrente, esta medida já tinha sido aplicada pelos concessionários antes da reunião de 20 de Abril de 1995. Considera que, mesmo que a MBBel tenha posteriormente participado nessa medida, não assumiu a sua direcção. Caso a MBBel tenha participado na medida em causa, não o fez, segundo a recorrente, para defender os seus próprios interesses, mas para melhorar a rentabilidade dos concessionários.
227 Quanto à infracção que consiste na fixação dos preços de venda na Bélgica, a Comissão alega que os argumentos da recorrente devem ser julgados improcedentes. Recorda, em primeiro lugar, que, de acordo com as reflexões apresentadas no considerando 245 da decisão litigiosa, apenas considera a violação em causa «globalmente grave» e fixa o montante de base da coima em 7 milhões de euros, o que corresponde aproximadamente a um terço da coima máxima de 20 milhões de euros prevista pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3) no caso de infracções graves. Acrescenta que a recorrente é acusada de ter controlado os descontos feitos pelos concessionários não apenas quanto ao modelo W 210 mas também em relação a outros modelos de veículos. Além disso, ainda que a infracção em causa se limitasse ao modelo W 210, a Comissão podia ter esse facto em conta no âmbito do efeito dissuasivo da coima.
228 A Comissão considera que já refutou as objecções da recorrente relativas à duração da infracção (v. n.° 182, supra).
229 Além disso, alega que não se baseou num possível papel fulcral da MBBel na limitação dos descontos para calcular o montante da coima, apenas tendo constatado uma participação activa da MBBel nas medidas de fixação dos preços de venda na Bélgica. Não havendo essa participação activa, a sanção prevista no caso de o limite dos descontos ser excedido não poderia ser aplicada. A Comissão sublinha que resulta da acta da reunião de 20 de Abril de 1995 que a acção «contra a redução dos preços» existia anteriormente. No entanto, alega que a limitação dos descontos a um máximo de 3% foi decidida nessa reunião, com a participação activa da recorrente e que, portanto, não se pode afirmar que a MBBel tenha sido confrontada com essa medida a posteriori. Quanto ao interesse próprio da MBBel, a Comissão alega que a limitação dos descontos se destinava a preservar a política de preços elevados do importador. Por último, a apreciação do caso não seria diferente se a MBBel tivesse querido efectivamente preservar a rentabilidade dos concessionários (acórdão AEG/Comissão, n.° 84, supra, n.os 40 a 42 e 71 a 73).
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
230 A título liminar, importa recordar que resulta da apreciação dos fundamentos precedentes que a coima prevista no artigo 3.° da decisão litigiosa deve ser anulada na medida em que foi imposta à recorrente em virtude das instruções dadas aos agentes alemães para fazerem todo o possível para vender os veículos novos fornecidos apenas aos clientes da sua área concessionada e para evitarem a concorrência interna e exigirem, em relação às encomendas de veículos novos efectuadas por clientes de passagem, o pagamento de um adiantamento de 15% do preço do veículo. Consequentemente, a coima de um montante inicial de 71,825 milhões de euros deve, em primeiro lugar, ser reduzida para 47,025 milhões de euros (v. considerando 242).
231 Resulta igualmente da apreciação dos fundamentos precedentes que a coima prevista no artigo 3.° da decisão litigiosa deve ser anulada na medida em que foi imposta à recorrente em virtude da restrição dos fornecimentos de automóveis às sociedades de locação financeira para armazenamento na Alemanha e em Espanha. Consequentemente, a coima de um montante inicial de 71,825 milhões de euros deve, em segundo lugar, ser reduzida para 15 milhões de euros (v. considerando 244).
232 Quanto à infracção que consiste na fixação dos preços na Bélgica, o Tribunal considera que a recorrente invoca erradamente o argumento segundo o qual a Comissão teve em conta a circunstância agravante de que estavam em causa vários modelos. Resulta claramente do considerando 248 da decisão litigiosa que a Comissão, na aplicação da coima, não teve em conta qualquer circunstância agravante. De qualquer modo, embora a Comissão tenha referido, na decisão litigiosa, que, em 26 de Novembro de 1996, a MBBel encarregou a sociedade Tokata de realizar compras fictícias em 47 concessionários belgas e de controlar os descontos concedidos relativamente aos modelos da classe C, essa circunstância demonstra, como defende a Comissão, que as compras fictícias constituíam uma prática corrente da MBBel e que esta não se limitava a um modelo específico.
233 Quanto ao argumento da recorrente respeitante à duração da infracção relativa à fixação dos preços na Bélgica, deve recordar‑se que o Tribunal considera que esta foi correctamente estabelecida pela Comissão (v. n.° 215, supra). Além disso, o Tribunal conclui que a MBBel desempenhou um papel central na fixação dos preços de venda de veículos na Bélgica (v. n.° 209, supra). Consequentemente, não há que reduzir a coima aplicada pela infracção em causa.
234 Atendendo às considerações precedentes, importa anular a parte da coima na medida em que se refere às infracções cometidas na Alemanha e em Espanha. Os outros argumentos invocados pela recorrente em apoio do seu pedido de anulação da coima ou de redução do seu montante devem ser julgados improcedentes. O Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição, confirma o montante da coima pela infracção relativa à fixação dos preços na Bélgica em 9,8 milhões de euros.
Quanto às despesas
235 Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço, há que decidir que a Comissão suportará as suas próprias despesas e 60% das da recorrente.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
decide:
1) O artigo 1.° da Decisão 2002/758/CE da Comissão, de 10 de Outubro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.264 – Mercedes‑Benz), é anulado excepto na medida em que refere que a sociedade DaimlerChrysler AG e as sociedades Daimler‑Benz AG e Mercedes‑Benz AG, às quais sucedeu, cometeram, elas próprias ou por intermédio da sua filial Mercedes‑Benz Belgium SA, uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE pela sua participação em acordos destinados a restringir os descontos concedidos na Bélgica que foram decididos em 20 de Abril de 1995 e suprimidos em 10 de Junho de 1999.
2) O artigo 2.° é anulado com excepção do seu primeiro período.
3) O artigo 3.° da Decisão 2002/758 é anulado na medida em que fixa o montante da coima imposta à recorrente em 71,825 milhões de euros.
4) O montante da coima imposta pelo artigo 3.° da Decisão 2002/758 pela infracção relativa à fixação dos preços na Bélgica é fixado em 9,8 milhões de euros.
5) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
6) A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas e 60% das da recorrente. A recorrente suportará 40% das suas próprias despesas.
Lindh |
García‑Valdecasas |
Cooke |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 2005.
O secretário |
O presidente |
H. Jung |
P. Lindh |
** Língua do processo: alemão.