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Document 62001CJ0240

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 29 de Abril de 2004.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais - Directiva 92/81/CEE - Óleos minerais utilizados como combustível.
Processo C-240/01.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-04733

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:251

Arrêt de la Cour

Processo C-240/01


Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Federal da Alemanha


«Incumprimento de Estado – Impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais – Directiva 92/81/CEE – Óleos minerais utilizados como combustível»

Conclusões do advogado-geral L. A. Geelhoed apresentadas em 8 de Maio de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 29 de Abril de 2004
    

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Estruturas dos impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais – Directiva 92/81 – Óleos minerais sujeitos a imposto especial sobre o consumo – Óleos minerais «utilizados como combustível» – Conceito – Interpretação autónoma – Conceito que engloba todas as hipóteses de consumo de óleo – Regulamentação nacional que não sujeita a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais abrangidos por esse conceito – Incumprimento

(Directiva 92/81 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2, primeiro período)

Por força do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, os óleos minerais não visados pela Directiva 92/82 ficam sujeitos ao imposto especial de consumo quando «destinados [...] a serem consumidos como combustível de aquecimento ou como carburante».

A este respeito, não se pode deduzir do facto de o legislador comunitário não ter definido as utilizações que tenha pretendido deixar aos Estados‑Membros a tarefa de as definir. Efectivamente, essa eventualidade comportaria o risco de se chegar a definições divergentes, o que prejudicaria a determinação uniforme do facto gerador do imposto de consumo levada a cabo pelo artigo em questão. Daqui resulta que a referida expressão «consumidos como combustível» deve ser interpretada de forma autónoma.

No que respeita a esta interpretação, resulta da economia da Directiva 92/81 e do objectivo prosseguido pelo imposto especial sobre o consumo dos óleos minerais enquanto imposto sobre o consumo que a expressão em causa não visa apenas os casos em que a energia térmica produzida pela combustão do óleo mineral é utilizada para fins de aquecimento, mas engloba igualmente os casos em que a energia térmica assim produzida é utilizada para outros fins e, consequentemente, visa todos os casos em que os óleos minerais são queimados e a energia térmica assim produzida serve para o aquecimento, independentemente da finalidade desse aquecimento, incluindo a de transformar ou de destruir a matéria que absorve essa energia, num processo químico ou industrial. Em todos esses casos, os óleos minerais são consumidos e devem ser sujeitos ao imposto especial sobre o consumo.

Não cumpre por isso as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81 um Estado‑Membro que, na respectiva legislação nacional, faz uma definição restrita que tem por efeito excluir do imposto especial sobre o consumo os casos nos quais a combustão do óleo mineral, no quadro de um processo homogéneo, coincide com a transformação ou a destruição do material que absorve a energia térmica libertada pela combustão e que, ao assim proceder, não sujeita a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível.

(cf. n.os 45, 46, 50, 52, 56-58, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
29 de Abril de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais – Directiva 92/81/CEE – Óleos minerais utilizados como combustível»

No processo C-240/01,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por W.-D. Plessing e M. Lumma, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao aplicar o § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da Mineralölsteuergesetz (lei da tributação dos óleos minerais), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. I, p. 2185, ber. 1993 I, p. 169), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), modificada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46), na medida em que este Estado-Membro não sujeitou a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),,



composto por: V. Skouris (relator), exercendo funções de presidente da Sexta Secção, J. N. Cunha Rodrigues, J.-P. Puissochet, R. Schintgen e F. Macken, juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,
secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 27 de Fevereiro de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 8 de Maio de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Junho de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias instaurou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao aplicar o § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da Mineralölsteuergesetz (lei da tributação dos óleos minerais), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. I, p. 2185, ber. 1993 I, p. 169, a seguir «MinöStG»), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), modificada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46; a seguir «Directiva 92/81»), na medida em que este Estado‑Membro não sujeitou a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível.


Enquadramento jurídico

A regulamentação comunitária

2
O quarto considerando da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), precisa que, «para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros».

3
Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da mesma directiva, esta «estabelece o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e outros impostos indirectos que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo desses produtos, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e dos impostos estabelecidos pela Comunidade Europeia». Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da mesma directiva, «[a]s disposições especiais relativas às taxas e às estruturas dos impostos sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo constam de directivas específicas».

4
O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12 dispõe:

«A presente directiva é aplicável, a nível comunitário, aos produtos seguintes, tal como definidos nas respectivas directivas:

óleos minerais,

[…]»

5
As directivas específicas visadas no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 92/12, adoptadas em matéria de óleos minerais, são a Directiva 92/82/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 19), modificada pela Directiva 94/74, a seguir «Directiva 92/82»).

6
De acordo com o terceiro considerando da Directiva 92/12, «para o bom funcionamento do mercado interno, é importante fixar definições comuns para todos os óleos minerais sujeitos ao regime geral de circulação dos impostos especiais de consumo».

7
O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da mesma directiva dispõe:

«1. Os Estados‑Membros aplicam aos óleos minerais um imposto especial de consumo harmonizado de acordo com o disposto na presente directiva.

2. Os Estados‑Membros fixam as suas taxas de acordo com a Directiva 92/82/CEE, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais.»

8
O artigo 2.°, n.° 2, da referida directiva tem a seguinte redacção:

«Quando destinados a utilização, colocação à venda ou a serem consumidos como combustível de aquecimento ou como carburante, os óleos minerais, com excepção dos óleos cujo nível do imposto especial de consumo se encontra estabelecido na Directiva 92/82/CEE, ficam sujeitos ao imposto especial de consumo. A taxa do imposto especial é igual, segundo a utilização, à taxa aplicável ao combustível ou carburante equivalente.»

9
O artigo 8.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 92/81 prevê:

«Para além das disposições gerais da Directiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentam os produtos a seguir referidos do imposto especial de consumo harmonizado nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar a aplicação correcta e simples destas isenções, bem como impedir as fraudes, a evasão fiscal ou as utilizações indevidas:

[…]

d)
[ó]leos minerais injectados nos altos‑fornos com vista à redução química, acrescentados ao coque utilizado como principal combustível.»

10
De acordo com o décimo oitavo considerando da Directiva 94/74, «é conveniente conceder uma isenção obrigatória a nível comunitário aos óleos minerais injectados nos altos‑fornos com vista à redução química, a fim de evitar distorções da concorrência decorrentes de regimes de tributação diferentes entre Estados‑Membros».

A legislação nacional

11
O § 4 da MinöStG, intitulado «Isenções, definições», dispõe:

«1) Sem prejuízo do disposto no § 12, o consumo de óleos minerais pode ser isento de imposto

[...]

2. quando os objectivos prosseguidos sejam os seguintes:

a) utilização como carburante ou no fabrico de carburante;

b) utilização como combustível [‘Verheizen’];

c) propulsão de turbinas a gás;

[...]»

12
As regras de aplicação do § 4, n.° 1, ponto 2, da MinöStG estão definidas na circular de 2 de Fevereiro de 1998 (III A 1 10/97, publicada na Vorschriftensammlung Bundesfinanzverwaltung de 6 de Fevereiro de 1998, N 80 98, n.° 70, a seguir «circular»), que precisa a este respeito:

«Impostos sobre os óleos minerais e delimitação da sua utilização como combustível e para outros fins na acepção do § 4, n.° 1, ponto 2, da lei da tributação dos óleos minerais

[…]

II. Quanto ao conceito de ‘utilização como combustível’

A partir desta concepção, o Bundesfinanzhof precisou o conceito de utilização como combustível em várias decisões e elaborou progressivamente os seguintes princípios:

A utilização de óleos minerais como combustível configura a produção de energia térmica.

A utilização como combustível configura a utilização intencional do poder calorífico de um material, ou seja, a combustão (total ou parcial) de um óleo mineral com vista à produção de calor, o qual é transferido (total ou parcialmente) para outro material; neste caso, a produção de calor e a sua transferência não devem revestir‑se de uma importância meramente secundária relativamente aos outros objectivos da utilização do óleo mineral.

O material para o qual é transferido o calor deve receber a qualidade de nova fonte de energia ou de calor (meio de aquecimento).

O emprego em concreto da nova fonte de calor enquanto meio de aquecimento justifica a conclusão de que o óleo mineral utilizado para a produção desta fonte de calor foi utilizado como combustível.

Resulta do exposto que, quando se trata de determinar se existe utilização como combustível, o factor decisivo é a transferência de calor. São considerados fontes de calor (meios de aquecimento), designadamente: a água quente e o vapor de água (como no caso de aquecimento de um espaço), o ar ambiente aquecido, os gases de combustão (fumos), as caldeiras, os revestimentos, etc.

III. Quanto ao conceito de ‘para outros fins’

Quanto à utilização energética do óleo mineral, resulta da jurisprudência do Bundesfinanzhof que a utilização como combustível só pode ser excluída nos seguintes casos:

Contacto directo da chama com o material a tratar, a transformar ou a destruir (a contrario das explicações acima fornecidas). Exemplos: queima de fibras têxteis, desinfestação por meio do fogo, utilização de maçaricos de oxigénio/hidrogénio, o aquecimento de metais com vista à sua moldagem, o aquecimento de cartão betumado para telhados a fim de melhorar a sua maleabilidade, etc.

Exposição ao calor do próprio material que absorve a energia resultante da combustão, de modo a servir para o fabrico de um produto com uma estrutura diferente, perdendo assim as suas características próprias.

Entende‑se que há transformação material quando os constituintes do óleo mineral utilizado entrem, pelo menos parcialmente, no produto, como acontece com a fuligem resultante do cracking térmico ou com a têmpera do aço através do processo designado por ‘cimentação’. Também nestes casos, o óleo mineral é utilizado, pelo menos parcialmente, como matéria‑prima e a sua estrutura molecular sofre uma transformação química. Como indício decisivo da existência desse fenómeno, pode citar‑se o facto de a utilização de um óleo mineral ou de fontes de energia diferentes, como o carvão ou a electricidade, não permitir cumprir o objecto da produção.

Não existe utilização do poder calorífico dos óleos minerais destinados à produção de calor quando o objecto principal reside na eliminação de gases de escape nocivos através da sua integral combustão e, para esse efeito, uma chama de presença é abastecida por óleo mineral ou o óleo mineral é misturado numa câmara de combustão com os gases de escape a eliminar e integralmente queimado.

Estes casos têm em comum que a combustão do óleo mineral, no quadro de um processo homogéneo, coincide com a transformação ou a destruição do material que absorve a energia térmica. A transferência da energia absorvida para outro material ou a sua transmissão é pois impossível.

[…]»


A fase pré‑contenciosa

13
Por notificação para cumprir de 26 de Maio de 1999, a Comissão informou a República Federal da Alemanha, nos termos do artigo 226.° CE, de que a interpretação dada pela circular ao conceito de utilização dos óleos minerais como combustível não era, sem seu entender, compatível com o artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81.

14
Por carta de 13 de Outubro de 1999, o Governo alemão respondeu que, na falta de uma definição expressa do conceito de «consumidos como combustível de aquecimento» que consta do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, cabia aos Estados‑Membros precisarem a interpretação a dar a esse conceito. Em direito alemão, a circular adoptou a interpretação consagrada na jurisprudência do Bundesfinanzhof. A referida interpretação afasta‑se do significado próprio do conceito de «utilização como combustível», bem como da prática administrativa que prevaleceu durante muito tempo. Além disso, o Governo alemão pediu à Comissão que analisasse o problema em termos genéricos, tendo em conta as práticas seguidas nos outros Estados‑Membros, por forma a alcançar uma solução comum que fosse clara.

15
Em 13 de Março de 2000, a Comissão formulou um parecer fundamentado, convidando a República Federal da Alemanha a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua notificação. Nesse parecer, a Comissão reproduzia a argumentação da notificação para cumprir, acrescentando que o facto de outros Estados‑Membros terem uma interpretação própria do conceito de «consumidos como combustível de aquecimento» não autorizava a República Federal da Alemanha a defender a sua concepção que constitui uma violação do direito comunitário.

16
Uma vez que a República Federal da Alemanha não tomou, no prazo fixado, as medidas destinadas a pôr termo à violação do direito comunitário descrita no parecer fundamentado, a Comissão instaurou a presente acção.


Quanto à acção

Argumentação das partes

17
A Comissão sustenta que, ao aplicar o § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da MinöStG, interpretado à luz da circular, a República Federal da Alemanha viola o artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/81, uma vez que este Estado‑Membro não sujeita ao imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível.

18
Em particular, segundo a circular, deve entender‑se por «utilização como combustível de aquecimento» apenas a utilização indirecta da fonte de energia constituída pelo óleo mineral como meio de aquecimento, com o auxílio de uma fonte de calor. Por outro lado, resulta dos exemplos citados no ponto III da circular que a utilização directa da energia térmica do óleo mineral para desencadear e manter processos industriais não constitui uma «utilização como combustível de aquecimento», o que é contrário ao artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 92/81.

19
Embora esta última disposição não contenha qualquer definição formal da expressão «consumidos como combustível de aquecimento», resulta do objectivo de harmonização das directivas relativas aos impostos especiais de consumo que essa expressão deve ser objecto de uma interpretação autónoma à luz do direito comunitário. O terceiro considerando da Directiva 92/81 é favorável a essa interpretação autónoma.

20
A letra da Directiva 92/81 não permite inferir uma interpretação limitativa da referida expressão. O mesmo se diga a respeito da interpretação comum do conceito de «Verheizen», que figura no § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da MinöStG. Os óleos minerais são sempre «utilizados» quando são queimados e o calor assim produzido serve para o aquecimento, independentemente da finalidade desse aquecimento.

21
O objectivo do imposto especial sobre o consumo dos óleos minerais enquanto imposto sobre o consumo milita igualmente a favor de uma interpretação lata da expressão «consumidos como combustível de aquecimento», que abranja todas as formas de consumo directo ou indirecto dos óleos minerais.

22
Uma interpretação dessa natureza resulta, de igual modo, do sistema implementado pela Directiva 92/81. O facto de o legislador comunitário ter isentado de imposto especial de consumo harmonizado a situação especial descrita no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), daquela directiva demonstra claramente que considera que o artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81 engloba todas as formas de utilização de óleos minerais com vista à produção de energia térmica. O aditamento da alínea d) ao artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 92/81 teria sido pouco útil se a expressão «consumidos como combustível de aquecimento» devesse ser entendida na acepção da circular.

23
Contudo, a derrogação prevista nesta última disposição não permite justificar todas as derrogações à obrigação de tributação previstas no ponto III da circular. Efectivamente, as isenções de impostos, enquanto derrogações ao princípio geral de tributação, devem ser interpretadas restritivamente (v. neste sentido, em matéria de IVA, acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties, 348/87, Colect., p. 1737, n.os 12 e 13).

24
O Governo alemão contesta o incumprimento que lhe é imputado. Segundo ele, a Comissão não tem razão ao considerar que os termos «combustão» («Verbrennen») e «utilização como combustível» («Verheizen») são semelhantes.

25
As expressões «destinados a», «colocação à venda» ou «serem consumidos», que figuram no artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, sublinhariam a necessidade de uma afectação subjectiva e concreta do óleo mineral pelo utilizador final ou pelo comerciante, isto é, a intenção de utilizar o óleo mineral para «aquecer» («heizen») uma substância terceira. Não existindo este elemento subjectivo da afectação, não se pode considerar que o óleo mineral é utilizado como combustível, ainda que se verifique o aquecimento de outros materiais na sequência da libertação de calor durante um processo de combustão. Esta é a interpretação que se extrai da jurisprudência do Bundesfinanzhof e que foi adoptada no ponto II, segundo travessão, da circular.

26
No que diz respeito à utilização da energia térmica do óleo mineral no desencadeamento e na manutenção de processos industriais, o Governo alemão refere que, ao contrário do que sustenta a Comissão, só os casos enunciados no ponto III da circular não são considerados constitutivos de uma «utilização como combustível» e não estão, portanto, sujeitos a imposto sobre o consumo. Fora esses casos, não há isenção de imposto especial sobre o consumo.

27
O terceiro considerando da Directiva 92/81 não reclama uma interpretação uniforme de todos os conceitos jurídicos utilizados na directiva. Ao invés, o referido considerando limita‑se a ter em conta o artigo 3.°, n.° 1, primeiro travessão, da Directiva 92/12, segundo o qual a definição de «óleos minerais» figura na directiva respectiva, a saber, a Directiva 92/81. Esta definição resulta do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 92/81, que enumera os produtos qualificados de óleos minerais na acepção da Directiva 92/81.

28
Se o legislador comunitário tivesse querido que o sentido do terceiro considerando desta última directiva correspondesse ao que foi indicado pela Comissão, teria ele próprio definido o conceito de «consumidos como combustível de aquecimento» nessa directiva. O facto de não o ter feito milita a favor da tese de que aquele conceito devia ser definido pelo direito nacional.

29
A interpretação preconizada pela Comissão pressupõe uma harmonização completa no domínio da tributação dos óleos minerais à semelhança da regulamentação do imposto sobre o volume de negócios. Ora, resulta do próprio texto da Directiva 92/12 que essa harmonização não está prevista relativamente aos impostos sobre os óleos minerais.

30
Além disso, a exigência de definições completas e autónomas, próprias da Comunidade, assenta, em matéria de imposto sobre o volume de negócios, na necessidade de financiamento da Comunidade e na repartição equitativa dos encargos financeiros entre os Estados‑Membros. Diversamente, as directivas relativas à tributação dos óleos minerais não têm essas funções.

31
A génese da Directiva 92/81 revela que o objectivo prosseguido era apenas criar uma coordenação suficiente para assegurar que produtos semelhantes sejam geralmente tributados do mesmo modo e que as disparidades de origem fiscal entre os preços desses produtos não encorajem aquisições fraudulentas ou artificiais. Assim, foi deixada aos Estados Membros uma importante margem de manobra, inclusive no que diz respeito à manutenção de diferentes condições de concorrência a nível nacional.

32
A referência da Comissão à excepção prevista no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 92/81 é irrelevante. Segundo o Governo alemão, nesse caso especial, parte do óleo mineral é igualmente utilizado como combustível. Por conseguinte, é necessária uma regulamentação para clarificar o referido caso especial, atendendo à interpretação do conceito de «combustão» utilizado em direito alemão.

Apreciação do Tribunal

33
Para se decidir a presente acção, é necessário começar por se determinar se a expressão «consumidos como combustível de aquecimento» que figura no artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81 deve ser interpretada de forma autónoma ou se a respectiva definição é da competência dos Estados‑Membros, como defende o Governo alemão.

34
Para se apreciar esta questão, importa ter em conta o objectivo e o alcance da harmonização levada a cabo pelas directivas em matéria de impostos sobre o consumo de óleos minerais.

35
A este respeito, cabe referir que as Directivas 92/12, 92/81 e 94/74 foram, todas elas, adoptadas com fundamento no artigo 99.° do Tratado CE (actual artigo 93.° CE). Esta disposição habilita o Conselho a proceder à harmonização das legislações nacionais no domínio, entre outros, dos impostos especiais de consumo, na medida em que esta harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

36
Os primeiro e quarto considerandos da Directiva 92/12 enunciam que o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno implicam a livre circulação das mercadorias, incluindo as sujeitas a impostos especiais de consumo e que, para esse efeito, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros.

37
Os quinto e sexto considerandos da Directiva 92/81 precisam que é necessário estabelecer determinadas isenções obrigatórias a nível comunitário e que é oportuno dar aos Estados‑Membros a faculdade de aplicarem, a título facultativo, outras isenções ou taxas reduzidas nos respectivos territórios, sempre que tal não dê azo a distorções de concorrência.

38
Por último, nos termos do décimo oitavo considerando da Directiva 94/74, é conveniente conceder uma isenção obrigatória a nível comunitário aos óleos minerais injectados nos altos‑fornos com vista à redução química, a fim de evitar distorções da concorrência decorrentes de regimes de tributação diferentes entre Estados‑Membros.

39
Resulta das considerações precedentes que o objectivo destas três directivas é garantir a livre circulação dos óleos minerais no mercado interno, bem como evitar as distorções da concorrência que poderiam resultar das diferentes estruturas dos impostos especiais de consumo.

40
Assim sendo, a harmonização actualmente operada é apenas parcial (v., neste sentido, acórdão de 24 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, Colect., p. I‑1129, n.° 17).

41
Todavia, o carácter parcial dessa harmonização não faz com que a definição dos conceitos utilizados na Directiva 92/81 recaia no âmbito da competência dos Estados‑Membros. Tudo depende da questão de se saber se os conceitos em causa respeitam a um domínio já harmonizado ou não.

42
Neste contexto, o terceiro considerando da Directiva 92/81 indica que, para o bom funcionamento do mercado interno, é importante fixar definições comuns para todos os óleos minerais sujeitos ao regime geral de [fiscalização] dos impostos especiais de consumo. O quarto considerando da mesma directiva enuncia que é conveniente que essas definições se baseiem nas estabelecidas na nomenclatura combinada.

43
Daí que, no artigo 2.°, n.° 1, dessa directiva, sejam definidos os óleos minerais a que a mesma se aplica mediante referência aos códigos da nomenclatura combinada. Por outro lado, no n.° 2 do mesmo artigo, é precisado que os óleos minerais ficam sujeitos ao imposto especial de consumo quando destinados a utilização, colocação à venda ou a serem consumidos como combustível de aquecimento ou como carburante.

44
Dessa forma, o legislador determinou a nível comunitário, e de modo uniforme, as utilizações dos óleos minerais que dão lugar à cobrança de um imposto de consumo e que constituem, nessa medida, o seu facto gerador. Ao fazê‑lo, pretendeu impedir que os casos de sujeição dos óleos minerais a um imposto de consumo variem de um Estado‑Membro para outro em função da sua utilização, o que poderia provocar distorções da concorrência no comércio intracomunitário, distorções essas que o regime de harmonização comunitária visa precisamente combater (v. n.° 39 do presente acórdão).

45
Nestas condições, do facto de o legislador comunitário não ter definido as utilizações mencionadas no referido artigo 2.°, n.° 2, não se pode deduzir que tenha pretendido deixar aos Estados‑Membros a tarefa de o fazer, como sustenta o Governo alemão. Efectivamente, essa eventualidade comportaria o risco de se chegar a definições divergentes, o que prejudicaria a determinação uniforme do facto gerador do imposto de consumo levada a cabo pelo mesmo artigo.

46
Daqui resulta que a expressão «consumidos como combustível de aquecimento» que figura no artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81 deve ser interpretada de forma autónoma.

47
Cabe ainda determinar se, ao interpretar o conceito de «utilização como combustível» que figura no § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da MinöStG na acepção indicada na circular, a República Federal da Alemanha violou o artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81.

48
Segundo a circular, deve entender‑se por «utilização como combustível» apenas a utilização intencional do poder calorífico de um material, ou seja, a combustão total ou parcial de um óleo mineral com vista à produção de calor, o qual é transferido total ou parcialmente para outro material, que deve receber a qualidade de nova fonte de energia ou de calor. O emprego em concreto da nova fonte de calor enquanto meio de aquecimento justifica a conclusão de que o óleo mineral utilizado para a produção desta fonte de calor foi utilizado como combustível. Ao invés, quando a combustão do óleo mineral, no quadro de um processo homogéneo, coincide com a transformação ou a destruição do material que absorve a energia térmica libertada pela combustão, o óleo mineral não é, segundo a circular, utilizado como combustível mas para outros fins e não deve, portanto, ser sujeito ao imposto especial sobre o consumo.

49
A Comissão sustenta que os óleos minerais são sempre utilizados como combustível na acepção do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, quando são queimados e o calor assim produzido serve para o aquecimento, independentemente da finalidade desse aquecimento.

50
Para se decidir o litígio que opõe as partes, importa ter em consideração a economia da Directiva 92/81 e o objectivo prosseguido pelo imposto especial sobre o consumo dos óleos minerais enquanto imposto sobre o consumo.

51
Desde logo, no tocante à economia da referida directiva, deve sublinhar‑se que o artigo 8.°, n.° 1, alínea d), desta última prevê uma isenção obrigatória especificamente para os óleos minerais injectados nos altos‑fornos com vista à redução química, acrescentados ao coque utilizado como principal combustível.

52
Essa isenção, introduzida pelo artigo 2.°, n.° 4, da Directiva 94/74, revela que, para o legislador comunitário, a expressão «consumidos como combustível de aquecimento», que figura no artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, não visa apenas os casos em que a energia térmica produzida pela combustão do óleo mineral é utilizada para fins de aquecimento, na acepção em que este termo é entendido pela circular, mas engloba igualmente os casos em que a energia térmica assim produzida é utilizada para outros fins. Efectivamente, não haveria qualquer necessidade de introduzir essa isenção se o caso por ela visado escapasse liminarmente ao artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, por o óleo mineral que serve para a redução química não ser utilizado como combustível.

53
O Governo alemão sustenta, porém, que, segundo a interpretação do conceito de «combustão» utilizado na circular, parte do óleo mineral é igualmente utilizado como combustível, nos casos em que os óleos minerais são injectados nos altos‑fornos para acelerar a redução química. Por conseguinte, era necessária uma regulamentação para clarificar esse caso especial.

54
Como o advogado‑geral referiu no n.° 62 das conclusões, é significativo que o legislador comunitário não se tenha contentado em limitar o alcance do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, tendo introduzido uma derrogação expressa ao princípio da tributação consagrado pela referida disposição ao estabelecer a isenção em questão. No plano da técnica legislativa, essa solução é utilizada sempre que a situação visada pela derrogação é, em princípio, abrangida pela regra de base e não quando se trata de precisar esta última. Além disso, mesmo admitindo que, ao adoptar a exoneração em causa, o legislador comunitário tenha querido fornecer uma «precisão», é dado assente que o artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 92/81 não abrange as utilizações dos óleos minerais que, nos termos do ponto III da circular, não devem ser sujeitas ao imposto especial sobre o consumo.

55
Consequentemente, o argumento invocado pelo Governo alemão não é susceptível de pôr em causa a constatação do n.° 52 do presente acórdão.

56
Seguidamente, como a Comissão sustentou, o objectivo do imposto sobre o consumo de óleos minerais enquanto imposto sobre o consumo milita a favor da interpretação segundo a qual a expressão «consumidos como combustível de aquecimento», que figura no artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81, visa todos os casos em que os óleos minerais são queimados e a energia térmica assim produzida serve para o aquecimento, independentemente da finalidade desse aquecimento, incluindo a de transformar ou de destruir a matéria que absorve essa energia, num processo químico ou industrial. Em todos esses casos, os óleos minerais são consumidos e devem ser sujeitos ao imposto especial sobre o consumo.

57
Na circular, o conceito correspondente ao de «utilização como combustível», retomado no § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da MinöStG, está definido de forma restrita tendo por efeito excluir do imposto especial sobre o consumo os casos enunciados no ponto III dessa circular, nos quais a combustão do óleo mineral, no quadro de um processo homogéneo, coincide com a transformação ou a destruição do material que absorve a energia térmica libertada pela combustão, quando esses casos estão abrangidos pelo artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81. Ao proceder desta forma, a República Federal da Alemanha violou essa disposição da Directiva 92/81.

58
Consequentemente, deve declarar‑se que, ao aplicar o § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da MinöStG, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81/CEE, na medida em que não sujeitou a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível.


Quanto às despesas

59
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1)
Ao aplicar o § 4, n.° 1, ponto 2, alínea b), da Mineralölsteuergesetz (lei da tributação dos óleos minerais), a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.°, n.° 2, primeiro período, da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, modificada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, na medida em que não sujeitou a imposto especial sobre o consumo todos os óleos minerais destinados a serem utilizados como combustível.

2)
A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

Skouris

Cunha Rodrigues

Puissochet

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: alemão.

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