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Document 62001CC0278

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 12 de Junho de 2003.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado - Acórdão do Tribunal de Justiça que declara verificado um incumprimento - Inexecução - Artigo 228.º CE - Sanções pecuniárias - Sanção pecuniária compulsória - Qualidade das águas balneares - Directiva 76/160/CEE.
Processo C-278/01.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-14141

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:342

62001C0278

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 12de Junho de2003. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha. - Incumprimento de Estado - Acórdão do Tribunal de Justiça que declara verificado um incumprimento - Inexecução - Artigo 228.º CE - Sanções pecuniárias - Sanção pecuniária compulsória - Qualidade das águas balneares - Directiva 76/160/CEE. - Processo C-278/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página 00000


Conclusões do Advogado-Geral


1 O menos que se pode dizer é que o espinhoso problema da limpeza das águas balneares, de grande actualidade neste período pré-estival, não constitui novidade para o Tribunal de Justiça. O presente processo apresenta, porém, a particularidade de ser o primeiro que diz respeito à execução de um acórdão nesta matéria.

I - A regulamentação comunitária

2 A Directiva 76/160/CEE do Conselho, de 8 de Dezembro de 1975, relativa à qualidade das águas balneares (1) (a seguir «directiva»), visa, de acordo com o seu primeiro considerando, proteger o ambiente e a saúde pública, pela redução da poluição das águas balneares e a sua protecção contra uma degradação posterior.

3 A directiva obriga os Estados-Membros a fixar os valores aplicáveis às águas balneares no que respeita aos parâmetros físico-químicos e microbiológicos referidos no anexo da directiva, valores que não podem ser menos rigorosos que os indicados na coluna I do anexo (artigos 2._ e 3._).

4 Nos termos do artigo 4._, n._ 1, da directiva, a qualidade das águas balneares deve satisfazer os valores-limite fixados nos termos do artigo 3._, no prazo de dez anos a contar da notificação da directiva.

5 Não prevendo o artigo 395._ do Acto relativo às condições de adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos tratados (2) qualquer derrogação em favor do Reino da Espanha no que se refere à directiva, a qualidade das águas balneares espanholas devia estar conforme aos valores-limite fixados na directiva, a partir de 1 de Janeiro de 1986.

II - O acórdão Comissão/Espanha

6 No acórdão de 12 de Fevereiro de 1998 (3), o Tribunal de Justiça decidiu que, ao não adoptar as disposições necessárias para que a qualidade das águas balneares interiores em território espanhol se torne conforme aos valores-limite fixados por força do artigo 3._ da directiva, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4._ da directiva.

III - A fase escrita e as conclusões das partes

7 Na petição, a Comissão alega que a qualidade das águas balneares interiores no território espanhol ainda não obedece às normas fixadas na directiva. A este propósito, apresenta o seguinte quadro:

Ano

Número de zonas

(I) (%)

NF (%)

NC (%)

NB (%)

1998

215

73

0,9

25,6

0,5

1999

213

76,5

0,5

13,1

9,9

2000

202

79,2

1

14,9

5

C(I): percentagem de zonas balneares em que foi recolhido um número suficiente de amostras, conformes com os valores imperativos.

NF: percentagem de zonas balneares em que não foi recolhido um número suficiente de amostras.

NC: percentagem de zonas balneares em que não foram recolhidas amostras (ou em relação às quais não se dispõe de dados) ou que não estão conformes com os valores imperativos.

NB: percentagem de zonas balneares interditas durante toda a estação.

8 A Comissão observa, além disso, que o Governo espanhol reduziu, ao longo dos anos, o número de zonas balneares nas águas interiores.

9 Acrescenta que o plano de acção elaborado pelo Governo espanhol estabelece uma série de medidas de acção, previstas e em curso, indicando um calendário de execução dos trabalhos cujo termo está previsto para 2003.

10 À vista destes elementos, a Comissão considera que o demandado não adoptou as medidas necessárias para dar execução ao acórdão Comissão/Espanha, já referido.

11 A Comissão lembra que, nos termos do segundo parágrafo, segunda frase, do n._ 2 do artigo 228._ CE, a Comissão indicará o montante da quantia fixa ou progressiva correspondente à sanção pecuniária que considerar adequada às circunstâncias. Tomando por base o método de cálculo que definiu nas suas comunicações 96/C242/07, de 21 de Agosto de 1996, sobre a aplicação do artigo 171._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 228._ CE) (4) e 97/C63/02 de 28 de Fevereiro de 1997 sobre o método de cálculo da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 171._ do Tratado (5), a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que aplique uma sanção pecuniária compulsória de 45 600 euros por cada dia de atraso, para punir o incumprimento do acórdão Comissão/Espanha já referido, desde o dia da prolação do acórdão que recair no presente processo até à data em que o referido acórdão Comissão/Espanha tenha sido executado.

12 Este montante é calculado multiplicando uma base uniforme de 500 euros por um coeficiente de 4 (numa escala de 1 a 20) para a gravidade da infracção, um coeficiente de 2 (numa escala de 1 a 3) para a duração da infracção e um coeficiente de 11,4 (baseado no produto interno bruto do Estado-Membro em causa e na ponderação dos votos no Conselho) que se considera representar a capacidade de pagamento do referido Estado-Membro.

13 A título principal, o Governo espanhol considera que a acção deve ser julgada improcedente, porque a Comissão não terá aguardado o tempo suficiente para poder concluir que o acórdão Comissão/Espanha, já referido, não foi executado. A título subsidiário, alega que a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória diária não é apropriada no caso em apreço. Por último, a título ainda mais subsidiário, contesta o montante desta sanção.

14 A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

- declarar que, ao não adoptar as medidas necessárias para que a qualidade das águas balneares interiores no território espanhol esteja em conformidade com os valores limite fixados nos termos do artigo 3._ da directiva, apesar das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4._ da directiva, o Reino da Espanha não deu execução ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, e, desse modo, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228._ CE;

- condenar o Reino da Espanha a pagar-lhe, pela conta «recursos próprios da Comunidade», uma sanção pecuniária compulsória de 45 600 euros por cada dia de atraso na execução das medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, desde o dia da prolação do acórdão a proferir nos presentes autos até à data em que tenha sido executado o acórdão Comissão/Espanha, já referido;

- condenar o Reino de Espanha nas despesas.

15 O Reino de Espanha pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

- Julgar a acção improcedente, no seu todo;

- a título subsidiário, recusar a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória diária;

- a título ainda mais subsidiário, aplicar uma sanção pecuniária compulsória não superior a 11 400 euros;

- em todos os casos, condenar a Comissão nas despesas.

IV - Análise

A - Quanto à não execução do acórdão de 1998

16 O primeiro argumento que o Reino de Espanha utiliza consiste em contestar firmemente a afirmação da Comissão de que deve ser declarada a não execução do acórdão de 1998 ou, o que vem a dar no mesmo, que o demandado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

17 A este respeito, convém salientar alguns aspectos. Em primeiro lugar, recorde-se que, segundo jurisprudência constante, a directiva impõe aos Estados-Membros uma obrigação de resultado (6). Estes devem agir de modo a que todas as zonas balneares satisfaçam as normas previstas no anexo da directiva, não podendo os Estados-Membros invocar dificuldades práticas, como pretexto para se eximirem à sua obrigação.

18 Em segundo lugar, saliento que a data a ter em consideração para determinar se um Estado-Membro cumpriu, ou não, as suas obrigações é a do termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Efectivamente, o artigo 228._, n._ 2, CE, dispõe expressamente que «se o referido Estado-Membro não tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão do Tribunal de Justiça dentro do prazo fixado pela Comissão», esta pode submeter o caso ao Tribunal de Justiça. Importa ter em conta esta disposição no caso em apreço, já que as partes esgrimem muitos argumentos de facto relativos à situação posterior a essa data.

19 Estes argumentos são pertinentes, como se verá, no contexto do debate relativo a uma eventual sanção pecuniária compulsória. Em contrapartida, não podem ser tomados em consideração na fase prévia indispensável, a saber, na determinação da eventual existência, por parte do demandado, de um incumprimento da obrigação de executar o acórdão Comissão/Espanha, já referido.

20 Antes de mais, convém precisar, desde logo, os termos deste debate. O Governo espanhol não contesta não ter cumprido, no prazo pertinente, as obrigações que a directiva lhe impõe. Admite, portanto, não ter executado o acórdão Comissão/Espanha, já referido, no prazo que lhe impõe a acção da Comissão.

21 Registe-se que o demandado não poderia ter feito outra coisa. Com efeito, resulta indiscutivelmente dos números avançados pela Comissão que, na estação balnear de 2000, cerca de 20% das zonas balneares em causa não satisfaziam os critérios impostos pela directiva. Ora, o prazo de dois meses fixado no parecer fundamentado de 27 de Julho de 2000 expirava no mês de Setembro desse mesmo ano.

22 O demandado contesta firmemente um aspecto preciso da abordagem da Comissão, a saber, o tratamento das zonas em que foi imposta uma proibição de banho ou das que foram retiradas da lista de zonas balneares. De facto, ao contrário da demandante, o Governo espanhol considera que essas zonas não deviam ser contadas entre aquelas que não satisfaziam as exigências da directiva. No entanto, não coloca qualquer dificuldade em admitir que, mesmo alterando neste sentido os números da Comissão, o índice de conformidade atingido na Espanha, no período pertinente, é nitidamente inferior aos 100% exigidos pela execução da directiva e, portanto, do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

23 Por conseguinte, na presente fase do meu raciocínio, não é necessário decidir a questão das consequências das proibições de banho ou da retirada de zonas balneares, para aquilatar o índice de conformidade das zonas balneares com os critérios que decorrem do anexo da directiva, questão sobre alguns aspectos da qual já tive, aliás, ocasião de me debruçar (7).

24 Será então necessário concluir, desde já, que a Comissão demonstrou o incumprimento da obrigação de executar o acórdão Comissão/Espanha, já referido? Fazê-lo seria ignorar o sentido da argumentação do demandado. Com efeito, este alega, em substância, que a Comissão não lhe concedeu um prazo suficiente para cumprir as suas obrigações. Nestes termos, o Tribunal não podia por isso declarar a violação dessas obrigações.

25 Antes de analisar se esta tese pode vingar nas circunstâncias do caso em apreço, entendo dever pronunciar-me quanto à sua admissibilidade, em princípio. De facto, a este respeito, recorde-se que decorre de jurisprudência constante (8), invocada pelo próprio demandado, que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação quanto à oportunidade e ao momento da propositura de uma acção por incumprimento.

26 Segundo o demandado, as acções relativas à não execução de um acórdão apresentam certas especificidades. Com efeito, o Tratado, e, em especial, o artigo 228._ CE, com base no qual essas acções são instauradas, não estabelecem um prazo no termo do qual o Estado-Membro deve ter executado o acórdão do Tribunal de Justiça.

27 Haveria, portanto, que remeter para a jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual decorre que um Estado-Membro deve dispor de um prazo razoável para dar execução ao acórdão do Tribunal de Justiça, o que não terá acontecido no caso em apreço.

28 Subscrevo a análise do demandado. A este respeito, importa sublinhar que uma acção por incumprimento de um acórdão que declarou a violação de uma directiva se distingue, num aspecto importante, de uma acção pelo não cumprimento da directiva. Com efeito, como regra geral, a directiva prevê um prazo no termo do qual o Estado-Membro deve ter-lhe dado cumprimento.

29 Quando lhe é submetida uma acção por incumprimento, o Tribunal de Justiça apenas tem que verificar se o prazo expirou e se as obrigações decorrentes da directiva não foram cumpridas. Excepto em caso de força maior, o Estado-Membro não pode alegar a insuficiência do prazo.

30 Totalmente diversa é a situação presente, em que é invocada no Tribunal de Justiça a não execução de um acórdão por um Estado-Membro. Com efeito, o demandado salienta justamente que o Tratado não prevê qualquer prazo a este respeito. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre este problema, inerente à acção por não execução de um acórdão.

31 Nos termos dessa jurisprudência (9), o interesse na aplicação imediata e uniforme do direito comunitário impõe que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo possível. A utilização do termo «possível» indica que pode decorrer um certo tempo antes de a não execução do acórdão ser incontestável, pelo menos no que respeita à conclusão das medidas tomadas.

32 O facto de a jurisprudência fazer referência ao «mais breve prazo» possível constitui uma mera aplicação do princípio de que «ninguém é obrigado ao impossível» e confirma, no meu entender, a tese do demandado, segundo a qual se deve apreciar, em cada caso concreto, se um Estado-Membro dispôs do tempo razoavelmente necessário para concluir a execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

33 Esta jurisprudência implica igualmente que será de julgar improcedente uma acção da Comissão que tenha por objecto obter a declaração de não execução do acórdão após um prazo de tal modo breve que o Estado-Membro não tenha razoavelmente podido tomar as medidas exigidas pela execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

34 A este respeito, as partes fazem uma apreciação diametralmente oposta dos dois critérios que decorrem da jurisprudência, a saber, o carácter imediato do início, pelo Estado-Membro, do cumprimento do acórdão a executar, por um lado, e, por outro, a tomada de medidas para a sua conclusão o mais rapidamente possível.

35 A Comissão considera que a actuação do demandado é manifestamente insuficiente, nos dois planos. A este respeito, afirma que as primeiras respostas fornecidas pelas autoridades espanholas, nos meses seguintes ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, estiveram longe de incluir, como pretende o demandado, uma enumeração exaustiva e um plano de pormenor das acções a empreender, incluindo os respectivos aspectos orçamentais. Pelo contrário, as informações transmitidas à Comissão terão sido, no que respeita a algumas regiões do país, incompletas ou obsoletas. Designadamente, seria vão tentar encontrar nessas respostas um plano de pormenor das acções previstas.

36 Nestes termos, poder-se-á concluir que as autoridades espanholas não deram imediatamente início à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido?

37 Este primeiro argumento da demandante não parece ser determinante. Com efeito, a insuficiência dos primeiros dados fornecidos à Comissão não pode, por si só, constituir prova da inacção das autoridades espanholas. De facto, estas lacunas podem também ser explicadas pelo facto de as referidas autoridades, tendo já dado início à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, não terem ainda conseguido obter os dados mais recentes da parte de todas as autoridades regionais e locais envolvidas.

38 A Comissão sublinha também que, depois do envio do parecer fundamentado às autoridades espanholas, em Julho de 2000, bastaram a estas dois meses para lhe transmitir um plano de conjunto, apresentando de forma pormenorizada todas as acções a empreender. Segundo a Comissão, a brevidade deste período indicaria que era efectivamente possível começar a agir mais rapidamente do que o fizeram as autoridades espanholas que, na realidade, terão aguardado a recepção do parecer fundamentado antes de darem realmente início à execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido.

39 Esta tese não convence. O facto de, em Julho de 2000, as autoridades espanholas terem estado em condições de fazer chegar à Comissão, num prazo de dois meses, um plano de pormenor, não indica necessariamente que lhes teria sido possível fazer o mesmo em 1998 e que, por conseguinte, nada fizeram entre a prolação do acórdão a executar e a recepção do parecer fundamentado. Com efeito, resulta dos autos que o referido plano de pormenor foi elaborado, nomeadamente, com base em elementos recolhidos no período entre 1998 e 2000. Consequentemente, não está provado que as autoridades espanholas estivessem em condições de elaborar esse plano unicamente com base nos elementos de que dispunham nos meses seguintes ao acórdão Comissão/Espanha, já referido. Isto tanto mais que o acórdão foi proferido pouco antes do início de uma estação balnear, ou seja, de um novo período de recolha de amostras, por cujos resultados as autoridades poderão ter pretendido aguardar.

40 Além disso, decorre dos números fornecidos pela própria Comissão que, entre 1998 e 1999, se registou uma ligeira melhoria da qualidade das águas balneares em causa, pois o índice de conformidade passou de 73 para 76,5%. Ora, trata-se do período imediatamente posterior ao acórdão do Tribunal de Justiça. Estes números viriam assim contradizer a tese da inacção das autoridades espanholas, no referido período.

41 Decorre do que antecede que a Comissão não faz prova de que as autoridades espanholas não terão dado imediatamente início à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. Ora, é jurisprudência constante que, nesta matéria, o ónus da prova (10) compete à Comissão.

42 No entanto, as obrigações de um Estado-Membro não se limitam a dar imediatamente início à execução do acórdão em causa. De facto, como se viu, incumbe-lhe igualmente concluir essa execução o mais rapidamente possível. Ora, segundo a Comissão, o demandado não o fez.

43 A este respeito, a Comissão salienta que, ainda hoje, os parâmetros previstos na directiva não terão sido atingidos. Os anos de 2005 ou, eventualmente, 2003, apontados pelo Governo espanhol, na sua contestação, como datas limite para a execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, não podem ser considerados como correspondendo ao «mais breve prazo» possível, como a jurisprudência exige.

44 Segundo a Comissão, duas razões podem explicar a omissão das autoridades espanholas. A primeira é a que acabo de referir: as autoridades espanholas só terão dado verdadeiramente início à execução do acórdão depois de terem recebido o parecer fundamentado, ou seja, mais de dois anos após a prolação do acórdão. A segunda reside no facto de o Governo espanhol não ter, antes de mais, tomado as medidas úteis para reduzir o prazo de execução dos trabalhos necessários para fazer cessar o incumprimento. A prova disso seria o facto de os concursos em causa terem tido tramitação ordinária em vez de terem sido declarados urgentes, o que só aconteceu em Janeiro de 2001, ou seja, três anos após a prolação do acórdão e, mesmo assim, apenas em relação a alguns deles.

45 Quanto a este último ponto, o Governo espanhol alega que as regras comunitárias em matéria de contratos de empreitada obstaram à declaração de urgência dos projectos em causa. No entanto, não explica por que razão os projectos que, segundo a afirmação, não contestada, da Comissão, acabaram por ser declarados urgentes não o foram mais cedo.

46 Além disso, é incontestável que no termo do prazo fixado no parecer fundamentado os parâmetros ainda não tinham sido atingidos num certo número de zonas balneares. O número exacto é objecto de discussão entre as partes, porque depende do tratamento das proibições de banho. No entanto, como se viu, esta questão pouca importância tem nesta fase, já que, de qualquer modo, os números atingidos são insuficientes.

47 Esta consideração pode, por si só, parecer suficiente para declarar o incumprimento porque, a priori, se um Estado-Membro não executou o acórdão no prazo previsto no parecer fundamentado, não o fez o mais rapidamente possível. No entanto, o demandado considera que, dadas as especificidades do caso em apreço, esta conclusão não é válida. Com efeito, as dificuldades de execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido, na Espanha seriam de tal ordem que mesmo a execução mais rápida possível na acepção da jurisprudência não estaria concluída até ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Por isso, o facto de, nessa data, o acórdão ainda não ter sido executado não prova necessariamente que não foi posto em prática no mais breve prazo possível.

48 À primeira vista, esta tese pode parecer formalista, sobretudo no contexto factual do caso em apreço. De facto, não é contestado que, ainda hoje, os parâmetros da directiva não foram atingidos e que, em consequência, o acórdão Comissão/Espanha, já referido, ainda está por executar. Afigura-se, portanto, que se a Comissão tivesse, como o Governo espanhol implicitamente pede, adiado a sua acção o resultado não teria sido diferente. Pode, por isso, parecer excessivamente formalista julgar a acção improcedente com fundamento em que o incumprimento, que, com o correr do tempo, se revela cada vez mais incontestável, ainda não podia ser detectado no termo do prazo imposto no parecer fundamentado.

49 O mero enunciado desta tese é suficiente para perceber os seus limites. De facto, a evolução factual posterior não tem incidência na determinação do momento em que convém situar-se para determinar a existência do incumprimento. Ora, a obrigação de declarar a existência de um incumprimento no termo do prazo fixado no parecer fundamentado decorre incontornavelmente tanto de jurisprudência constante (11) como dos próprios termos do artigo 228._, n._ 2, CE.

50 Aliás, a mais elementar segurança jurídica impõe esta solução. Os dados do litígio devem ser estabelecidos num momento determinado, anterior ao procedimento no Tribunal de Justiça, que não pode ter como objecto uma situação em plena evolução, em que a solução do litígio venha a depender da duração da instância no mesmo.

51 Ora, seria a esta consequência que levaria a tese da Comissão de que o demandado terá disposto não só dos anos de 1998 a 2000 mas também do período subsequente, até ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, para cumprir as suas obrigações. Por isso, há que rejeitar este argumento e considerar que, como o termo do prazo fixado no parecer fundamentado ocorreu no fim do mês de Setembro de 2000, o prazo de que o demandado dispunha para dar execução ao acórdão Comissão/Espanha, já referido, era, aproximadamente, de dois anos e sete meses.

52 A jurisprudência (12) citada pela Comissão na audiência quanto à tomada em consideração, pelo Tribunal de Justiça, de factos posteriores ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado não leva a conclusão diferente. De facto, nesses processos, o Tribunal de Justiça declarou que factos ocorridos depois do prazo eram da mesma natureza que os visados no parecer fundamentado e que, portanto, consubstanciavam um mesmo comportamento. Tratava-se, por conseguinte, de associar a factos provados, ocorridos antes do prazo, factos posteriores ao termo do mesmo.

53 Ao invés, o entendimento proposto pela Comissão no caso presente é precisamente o contrário desta abordagem. Com efeito, traduz-se em apoiar-se em factos ocorridos depois do prazo para produzir prova da infracção, quando esta deve ter-se verificado antes do termo do referido prazo.

54 A Comissão alega ainda que também há que ter em conta os doze anos transcorridos entre o prazo de transposição inicialmente previsto na directiva e o acórdão a executar, o que o demandado contesta. A este respeito, é indiscutível que este período é até maior do que o de dez anos inicialmente atribuído aos Estados-Membros e que, consequentemente, o Reino de Espanha terá disposto de um prazo mais do que suficiente, antes da primeira acção da Comissão, mesmo supondo que só deu início à execução da directiva depois da sua adesão.

55 É certo que, tal como a Comissão, de resto, salienta, a obrigação de executar o acórdão do Tribunal de Justiça e a de dar execução à directiva são materialmente idênticas. No entanto, nem por isso podem ser totalmente equiparadas. É, designadamente, o que se passa quanto ao prazo de cumprimento das referidas obrigações. De facto, o prazo de execução da directiva é fixado por esta e, no caso vertente, expirou há muito.

56 Em contrapartida, o prazo para executar o acórdão do Tribunal de Justiça não pode começar a correr antes da sua notificação e o seu termo pressupõe o transcurso de um período temporal razoável, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça antes referida. O carácter razoável desse período temporal depende das medidas que o Estado-Membro ainda tem que tomar no momento da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, é susceptível de variar segundo as circunstâncias de cada caso concreto.

57 É certo que pode parecer paradoxal falar de um prazo para o cumprimento das suas obrigações, por parte de um Estado-Membro, quando passaram anos depois de um acórdão, proferido doze anos após o termo do prazo previsto na própria directiva, já ter declarado o incumprimento. No entanto, é forçoso constatar que decorre incontestavelmente e, em minha opinião, logicamente, da referida jurisprudência relativa à não execução de um acórdão que este faz correr um novo prazo, a apreciar segundo os critérios que decorrem dessa jurisprudência.

58 A este respeito, o demandado apresenta um certo número de argumentos em apoio da sua tese de que a Comissão devia ter-lhe concedido um prazo mais longo.

59 Assim, lembra, antes de mais, a extensão inusitada do período previsto na própria directiva para a sua execução pelos Estados-Membros. Esse período explicar-se-ia pelo facto de o próprio legislador comunitário reconhecer a considerável dificuldade de satisfazer os critérios fixados na directiva, só possíveis de alcançar mediante uma actuação a longo prazo.

60 Seguidamente, o demandado salienta as especificidades da situação, na Espanha, onde a execução da directiva apresentaria dificuldades muito especiais. Com efeito, as zonas balneares espanholas caracterizam-se pelo escasso débito dos rios que as servem e pela grande proporção de zonas com águas estagnadas de pequena profundidade. Essas águas têm uma capacidade de diluição limitada e a sua renovação é muito insuficientemente, o que tem como consequência não só que a mínima impureza, causada eventualmente por um acontecimento tão banal como a presença de um banhista, basta para que os parâmetros exigidos sejam ultrapassados, como também que é muito difícil remediar essas ultrapassagens constantes. Esta situação, já de si endémica, terá sido ainda mais agravada pela seca dos últimos anos.

61 No entanto, a Comissão contesta esta versão dos factos, alegando que a situação na Espanha é comparável à existente noutros Estados-Membros, tais como a República Helénica ou a República Italiana. Ao que o demandado responde, sem ser contraditado pela Comissão, que estes Estados-Membros declararam um número de zonas balneares muito menor (13) do que o Reino de Espanha declarou (14) e que só parte delas se encontra numa situação comparável à que existe na Espanha.

62 Em todo o caso, a Comissão não responde a outros aspectos da argumentação do demandado. Este salienta que convém distinguir situações diferentes. Com efeito, as obrigações de resultado que decorrem das directivas não são comparáveis. Em certos casos, a acção exigida a um Estado-Membro pode consistir na adopção de normas legislativas ou regulamentares, o que será fácil conseguir com alguma celeridade. Noutros casos, como o presente, a obrigação de resultado consiste em modificar e controlar uma realidade física que se estende a todo um país, cujo curso de água de maior débito, segundo o demandado, passaria despercebido noutro Estado-Membro, salvo na foz.

63 O demandado chama justamente a atenção para estas características do caso em apreço. Recorde-se que, segundo a jurisprudência referida, se trata de determinar se o Estado-Membro beneficiou de um prazo razoável para cumprir essas obrigações, o que só pode ser apreciado à luz da situação concreta em que o Estado em causa se encontrava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

64 A este respeito, a comparação entre este processo e outras acções por incumprimento relativas à não execução de um acórdão é instrutiva mesmo que, bem entendido, não tenha consequências jurídicas. Assim, nos casos que implicam exclusivamente alterações legislativas, o prazo transcorrido antes de a Comissão instaurar uma acção pode variar entre dois (15) e vinte anos (16). Num processo (17) mais directamente comparável com o caso em apreço, pois implicou também uma acção concreta de combate à poluição, a Comissão aguardou mais de cinco anos e meio, após a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, para intentar uma acção por incumprimento pela não execução do acórdão, embora o problema que na altura se colocou, relativo à gestão de resíduos num sector da ilha de Creta, pudesse parecer de carácter mais pontual do que aquele com que são confrontadas as autoridades espanholas.

65 O mesmo aconteceu, aliás, num outro caso citado pela Comissão (18), na audiência. Com efeito, este referia-se à situação do Reino Unido, que também foi objecto de uma acção pela não execução de um acórdão do Tribunal de Justiça e que incluía um pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória. A este respeito, vale a pena recordar que, nesse processo, a Comissão deixou passar seis anos e meio antes de enviar um parecer fundamentado. Além disso, o problema que se colocou relativamente ao Reino Unido estava circunscrito a uma zona determinada, podendo, por isso, parecer de menor envergadura do que o em causa no presente processo.

66 Seja como for, existem ainda outros indicadores da especial dificuldade de executar a directiva, dificuldade sobre a qual já tive ocasião de me pronunciar nas conclusões que apresentei no processo Comissão/Dinamarca, já referido, e que é, de resto, confirmada por muitas acções por incumprimento referentes a esta directiva (19).

67 Com efeito, um elemento assaz revelador é fornecido pelos relatórios da própria Comissão citados pelo demandado. Decorre do anexo 1 do relatório sobre a qualidade das águas balneares relativo à estação balnear de 2000 que a Comissão explica o facto de, mais de 20 anos após a adopção da directiva, certas zonas balneares não respeitarem, há anos, os valores imperativos fixados na directiva, salientando que é difícil, nomeadamente quando estão em causa fontes de poluição menos importantes e mais difusas, detectar estes problemas e resolvê-los. Acrescenta mesmo que, na maioria destes casos, são necessárias várias estações balneares antes de poderem ser detectados a fonte real ou o ciclo de poluição. Em certas situações, só pode ser encontrada uma solução por meio de longos programas de melhoria das práticas agrícolas.

68 Decorre claramente do que antecede que, em certos casos, um período nitidamente superior aos dois anos e meio concedidos ao demandado pela Comissão é, na própria opinião desta, objectivamente necessário para cumprir a directiva. Ora, não decorre de qualquer argumento da Comissão que não é este o caso. Assim, não alega que os trabalhos empreendidos antes do acórdão Comissão/Espanha, já referido, tiveram uma amplitude suficiente para que problemas deste género deixassem de existir e que, consequentemente, o cumprimento das demais obrigações era susceptível de progredir rapidamente. Também não afirma que, no caso em apreço, o demandado não estava confrontado com fontes de poluição difusas ou com escoamentos provenientes de terrenos agrícolas. Pelo contrário, não contesta as afirmações do demandado que se referem precisa e explicitamente a essas situações.

69 Nestes termos, verifica-se que os argumentos da Comissão não permitem determinar que, no caso vertente, o Estado-Membro dispôs de um prazo razoável para executar o acórdão Comissão/Espanha, já referido. Portanto, não prova que era possível, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, verificar desde logo o incumprimento das suas obrigações, por parte do demandado.

70 Importa salientar que tal situação devia ser tendencialmente excepcional. Com efeito, está ligada ao contexto factual do caso em apreço, caracterizado, por um lado, pelas especificidades da execução dessa directiva e, por outro, porque há que constatar, neste contexto, a existência de um certo zelo da Comissão, que poderia ser de louvar noutras circunstâncias.

71 Seja como for, decorre do que antecede que a acção da Comissão deve ser julgada improcedente, porque o alegado incumprimento não foi demonstrado. Por isso, só para ser exaustivo é que analisarei as teses divergentes das partes relativamente às modalidades e ao montante da sanção pecuniária compulsória.

B - Quanto ao princípio da fixação de uma sanção pecuniária compulsória e ao seu montante

72 Neste contexto, o demandado alega, em primeiro lugar, que, vistas as circunstâncias do caso concreto, a sanção pecuniária compulsória diária não é o mecanismo adequado para impor a execução do acórdão Comissão/Espanha, já referido. Com efeito, a finalidade da sanção pecuniária compulsória não é aplicar, sem mais, uma sanção ao Estado-Membro, mas incentivá-lo ao cumprimento imediato. No presente caso, o Estado-Membro devia detectar os problemas, o que já terá sido feito, elaborar planos de acção, o que também já terá sido feito, executá-los e analisar os resultados no final de cada estação balnear anual.

73 Nestes termos, o Estado-Membro pode ser confrontado com prazos irredutíveis no contexto dos quais a sanção pecuniária compulsória deixa de ter sentido, uma vez que não tornará possível o que não o é, a saber, alcançar o resultado exigido num prazo mais curto.

74 Assim, uma vez imposta pelo Tribunal de Justiça, a sanção pecuniária compulsória é exigível, sem alternativa, durante meses, até que, no final da primeira estação balnear seguinte à sua fixação (no caso da Espanha, de 15 de Abril a 23 de Outubro) seja possível verificar os valores exigidos pela directiva. O mesmo se passará noutro ano, até ser possível verificar as percentagens no final da estação balnear seguinte.

75 Para a Comissão, a possibilidade ou a impossibilidade de executar de imediato o acórdão Comissão/Espanha, já referido, não é um elemento pertinente tendo em atenção, designadamente, o facto de a aplicação da sanção pecuniária compulsória ter lugar anos depois do nascimento da obrigação cujo cumprimento se pretende, a saber, a execução do primeiro acórdão do Tribunal de Justiça.

76 A Comissão acrescenta que o carácter adequado da sanção pecuniária compulsória depende unicamente do facto de a infracção se manter ou não. Se se mantém, como no caso em apreço, o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória é o meio mais adequado para fazer cessar o incumprimento, sobretudo se se tiver em conta que, para pôr termo à infracção da directiva, o Reino da Espanha deve adoptar certas medidas concretas, tais como o controlo da poluição difusa e dos resíduos ilegais e a construção de estações de tratamento das águas residuais, que devem ser postos em prática ao longo do ano.

77 Por minha parte, reconheço de boa vontade que, em princípio, a única questão pertinente para decidir da adequação da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória consiste em saber se a infracção se mantém ou não. Se se mantém, a medida é adequada, pois visa obrigar o Estado-Membro a cumprir o mais rapidamente possível. Em contrapartida, se o incumprimento cessar antes de o Tribunal de Justiça decidir, por definição já não haverá que obrigar o Estado-Membro e a sanção pecuniária compulsória não poderá ser aplicada.

78 No caso sub judice, decorre dos últimos dados fornecidos pelas partes ao Tribunal de Justiça que os parâmetros fixados na directiva ainda não foram atingidos em todas as águas balneares interiores espanholas. Portanto, a infracção mantém-se e, com ela, a necessidade de obrigar o Estado-Membro a cumprir o mais rapidamente possível. É verdade que a sanção pecuniária compulsória não tornará possível uma execução mais rápida do acórdão, pois esta depende de toda uma série de trabalhos a empreender pelo Estado-Membro ou pelas autoridades regionais ou locais. Mas também não deixa de ser verdade que a sanção pecuniária compulsória constitui um meio de dissuadir as autoridades nacionais de afrouxarem os seus esforços, por exemplo para fazerem face a outras prioridades, adiando a execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

79 O demandado dá também a entender que a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória diária é desajustada no caso apreço pois a verificação do respeito dos parâmetros fixados na directiva é efectuada numa base anual, isto é no fim de cada estação balnear. Em consequência, a sanção pecuniária compulsória será necessariamente devida durante um período longo.

80 Entendo esta tese do demandado como significando que a aplicação da sanção pecuniária compulsória é desajustada devido ao facto de ser devida diariamente, pelo que, como a eventual verificação do termo da infracção é efectuada anualmente, aquela sanção deverá ser paga por períodos de tempo durante os quais os parâmetros previstos na directiva podem ter sido efectivamente respeitados, embora a verificação desta situação só ocorra muito mais tarde. Por conseguinte, o Estado-Membro pode ser obrigado a pagar a sanção pecuniária compulsória relativamente a períodos em que, na realidade, a infracção já não existe.

81 De facto, decorre da própria directiva que a verificação do estado das zonas balneares é efectuada numa base anual (20). Esta periodicidade faz parte integral das obrigações que decorrem da directiva e, antes da verificação, um Estado-Membro não pode considerar que já respeita a directiva e que, por conseguinte, a sanção pecuniária já não é devida.

82 Em meu entender, este argumento do Governo espanhol merece uma reflexão aprofundada. Além disso, pode-se perguntar se, em circunstâncias como as do caso em apreço, caracterizadas por um cumprimento necessariamente gradual das obrigações do Estado-Membro, a sanção pecuniária não deverá ser considerada desajustada, devido ao seu montante constante. Este montante é fixado tendo em consideração a situação no Estado-Membro no momento da decisão do Tribunal de Justiça e não é susceptível de ser reduzido à medida que o acórdão for sendo executado pelo Estado-Membro em causa.

83 Na audiência, a Comissão alegou que estes problemas não são insuperáveis. De facto, um Estado-Membro pode apresentar à Comissão um pedido, alicerçado nos elementos de prova indispensáveis, para demonstrar que realizou progressos no cumprimento das suas obrigações e que o montante da sanção pecuniária compulsória deve ser reduzido. Uma eventual recusa da Comissão ou a fixação, por esta, de um novo montante que o Estado-Membro considere ainda demasiado elevado, releva da fiscalização do Tribunal de Justiça por via de um recurso de omissão ou de anulação, consoante o caso.

84 Esta argumentação não convence. Com efeito, parece, pelo menos, duvidoso, que as partes possam, deste modo, ter na sua disponibilidade a decisão do Tribunal de Justiça relativamente ao montante da sanção pecuniária compulsória.

85 Pode-se mesmo perguntar se, no caso de a medida a tomar pelo Estado-Membro consistir na adopção de um acto legislativo ou regulamentar, a verificação do carácter adequado deste acto e o levantamento concomitante da sanção pecuniária compulsória não deveria decorrer de uma decisão do Tribunal de Justiça, uma vez que é este que verifica a infracção e impõe a sanção pecuniária compulsória. No entanto, penso que se trataria de um formalismo excessivo.

86 Em todo o caso, convém recordar que, no acórdão Comissão/Grécia, já referido, o Tribunal de Justiça salientou que o montante da sanção pecuniária compulsória deve ser «adaptado às circunstâncias». Ora, como se viu, estas caracterizam-se simultaneamente pelo carácter anual da verificação de uma adequação - ao passo que a sanção pecuniária compulsória prevista pela Comissão é diária - e pelo facto de o cumprimento pelo Estado-Membro das obrigações que lhe incumbem ser necessariamente gradual, ao passo que o montante da sanção pecuniária compulsória é fixo.

87 Ora, estas características do caso em apreço têm consequências concretas consideráveis. Assim, mesmo se se verificar que, no final de uma determinada estação balnear, as águas balneares espanholas estão quase em conformidade com as exigências da directiva, a sanção pecuniária compulsória proposta pela Comissão continuará a ser exigível na totalidade, durante todos os dias que decorrerem até à verificação anual seguinte.

88 O demandado seria, assim, condenado a pagar, durante mais um ano, uma sanção pecuniária compulsória diária, apesar de, por um lado, o número de zonas em infracção não ter qualquer proporção com o montante que continuaria a ser exigível e, por outro, como o número de zonas ainda em causa seria, por hipótese, muito reduzido, seria absolutamente plausível que a conformidade, efectivamente de facto e não de jure, fosse alcançada pouco depois e, em todo o caso, muito antes da próxima verificação anual.

89 Ora, parece difícil considerar «adaptado às circunstâncias» um mecanismo em cujo âmbito a não conformidade de duas ou três zonas, em mais de duas centenas (21), pode originar a obrigação de pagar diariamente, durante um ano inteiro ou mesmo durante mais tempo, um montante considerável, idêntico ao devido no momento em que o número de zonas não conformes era quase dez vezes maior.

90 Do que antecede resulta que, em minha opinião, o Tribunal de Justiça não deve condenar o demandado a pagar uma sanção pecuniária compulsória como a proposta pela Comissão. Antes de mais, compete ao Tribunal de Justiça analisar se deve ser aplicada uma sanção pecuniária compulsória calculada segundo outros parâmetros, tendo em consideração o facto - admitido, recorde-se, como hipótese a título subsidiário - de que o incumprimento existe e persiste.

91 A este respeito, saliento que, no acórdão Comissão/Grécia, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que as propostas da Comissão não vinculam o Tribunal de Justiça (22). Este pode fixar uma sanção pecuniária compulsória de acordo com modalidades diferentes das que a Comissão propõe, como, aliás, fez no acórdão Comissão/Grécia, já referido, em que o Tribunal de Justiça decidiu um montante inferior ao proposto pela Comissão.

92 A necessidade de reparar os inconvenientes que acabo de referir deve ditar, em minha opinião, a determinação das modalidades da aplicação da sanção pecuniária compulsória.

93 Nestes termos, entendo que o Tribunal de Justiça deveria impor ao demandado o pagamento anual de um montante calculado em função do número de zonas que ainda não satisfazem as normas da directiva. Se, como o Tribunal de Justiça fez no processo C-387/97, já referido, se tomar como apoio, a título de base de referência útil, a proposta da Comissão, verifica-se que esta considerou adequado um montante diário de 45 600 euros, num contexto em que cerca de 20% das zonas balneares ainda não estavam conformes com os critérios da directiva.

94 Este dado permite calcular um montante que reflicta, de modo razoável, o valor anual que representa 1% de zonas balneares não conformes. Com efeito, se 20% das zonas correspondem a 45 600 euros por dia, é possível calcular a quanto corresponde realisticamente 1%, por ano.

95 Utilizando este método, obtém-se um montante de 562 500 euros, por ano. Propor-se-ia assim - a título subsidiário, recorde-se - considerar «adaptado às circunstâncias», na acepção do artigo 228._ CE, condenar o Reino da Espanha no pagamento de uma quantia de 562 000 euros por ano, por cada 1% do número de zonas declaradas, cuja não conformidade com a directiva tenha sido verificada.

96 O pagamento seria devido a partir da verificação da qualidade das águas balneares na primeira estação seguinte à prolação do acórdão Comissão/Grécia, já referido, e, eventualmente, no momento das verificações anuais subsequentes.

97 O funcionamento do mecanismo proposto pode ser ilustrado por um exemplo concreto. Supondo que o Tribunal de Justiça pronuncia o seu acórdão em 2003, a primeira verificação anual pertinente será relativa à estação balnear de 2004. Se, nessa altura, se verifica que 90% das zonas balneares satisfazem as normas previstas e que, por conseguinte, 10% não satisfazem. O montante devido pelo demandado, nessa altura, será igual a dez vezes 562 500 euros. Se, no início da estação balnear seguinte, a de 2005, se verifica que 95% das zonas estão conformes, por outras palavras, 5% não estão conformes, o montante devido já não será superior a cinco vezes 562 500 euros. Por último, quando se verificar que todas as zonas estão conformes, o montante será nulo.

98 Este exemplo ilustra bem de que modo o mecanismo proposto permite ao Estado-Membro ver recompensado o fruto dos seus esforços, desde que o seu resultado se verifique, o que constitui um incentivo de natureza positiva, conforme com a razão de ser da sanção pecuniária compulsória, para o Estado-Membro cumprir dentro do mais breve prazo possível.

99 Volto agora à questão do montante da sanção pecuniária compulsória calculado pela Comissão, que o demandado contesta a título ainda mais subsidiário.

100 No que diz respeito ao factor relativo à duração da infracção, a Comissão observa que passaram mais de três anos desde a prolação do acórdão Comissão/Espanha, já referido, e propõe, consequentemente, a aplicação de um factor 2, numa escala de 1 a 3. O demandado sublinha que, entre o acórdão do Tribunal de Justiça e a propositura da acção, só decorreram três estações balneares, o que não permite a utilização de um coeficiente 2. No entanto, a Comissão alega que, se no caso em apreço fosse aplicado o coeficiente mínimo 1, não haveria qualquer diferença entre um caso em que o cálculo da sanção pecuniária compulsória pela Comissão é efectuado um ano depois do acórdão e o caso presente, em que transcorreram três anos e três meses entre o acórdão do Tribunal de Justiça e a decisão da Comissão de instaurar a acção.

101 Concordo com a análise da demandante. A partir do momento em que se admite que o prazo de que o demandado beneficiou não era insuficiente, o facto de ter sido breve não tem relação com a duração da infracção. De facto, para apreciar esta última, basta ao Tribunal de Justiça referir-se ao tempo transcorrido após o seu primeiro acórdão e à verificação de que a infracção se mantém. A duração em causa excede actualmente cinco anos e a directiva continua a não ser respeitada na Espanha, pelo que a aplicação de um coeficiente 2 numa escala de 3 não é criticável.

102 Quanto ao factor que se prende com a gravidade da infracção, a Comissão propõe aplicar um factor 4, numa escala de 1 a 20. Justifica este número pela importância das disposições comunitárias em causa, que visam proteger a saúde humana, e pela duração do prazo transcorrido após a data limite de execução prevista na directiva. Em contrapartida, teve também em consideração o grau de conformidade atingido e, em especial, os ligeiros progressos evidenciados pelos números de 1999 e 2000.

103 Ao invés, o demandado afirma que a Comissão não tomou em consideração o facto de cerca de quatro quintos das zonas estarem já conformes. Além disso, devia ter tomado como referência o período temporal transcorrido desde o acórdão e não desde o momento em que a directiva devia ter sido aplicada. Por último, ignorou também o facto de, devido à data da sua adesão, o demandado, ao contrário de outros Estados-Membros, não ter disposto de dez anos para executar a directiva.

104 No entanto, decorre dos próprios termos da petição que a Comissão teve em consideração a evolução do índice de conformidade, que salienta ter aumentado de 54,5%, em 1992, para 79,2%, em 2000. Quanto à tomada em consideração do período temporal transcorrido desde a data fixada pela directiva, também concordo com a análise da Comissão. É verdade que este período não pode ser tido em conta para determinar a duração da infracção objecto do presente processo, uma vez que a infracção consiste na não execução de um acórdão do Tribunal de Justiça, o que implica, por definição, que só pode ser contada a partir deste último. Mas não deixa de ser verdade que o referido período é pertinente para apreciar não a duração da infracção mas a sua gravidade. Com efeito, como salienta a Comissão, é objectivamente mais grave não respeitar uma directiva durante um período de tempo longo do que durante um período de tempo mais curto.

105 Finalmente, quanto ao argumento do demandado de não ter podido beneficiar de um prazo suplementar para executar a directiva, a resposta da Comissão de que o demandado podia ter pedido esse prazo, como fez a República Portuguesa, não é satisfatória. Com efeito, se é verdade que o Reino da Espanha podia ter apresentado tal pedido, por outro lado não se pode dar como adquirido que o mesmo teria sido deferido.

106 Dito isto, entendo que os outros argumentos apresentados pela Comissão, em especial a importância das disposições em causa para a saúde pública, critério que o Tribunal de Justiça aplicou no processo Comissão/Grécia (23), já referido, justificam a fixação em 4 do factor relativo à gravidade da infracção.

107 Antes de concluir, convém lembrar sucintamente o aceso debate que opõe a Comissão e o demandado quanto à questão da retirada de numerosas zonas balneares da respectiva lista. A Comissão alega, na petição, que os números de conformidade que decorrem dos seus relatórios anuais deveriam ser revistos em baixa, para ter em conta a retirada injustificada de certas zonas balneares da lista das zonas como tal qualificadas. Com efeito, certas zonas indevidamente retiradas não respeitariam as condições previstas no anexo da directiva.

108 O demandado refuta energicamente esta tese.

109 Já observei que esta questão é destituída de pertinência para efeitos da verificação da infracção. Também não é pertinente no contexto da avaliação da sanção pecuniária compulsória, pois a própria Comissão salienta tê-la calculado com base nos números que figuram nos seus relatórios anuais, que não têm em conta as zonas retiradas.

110 Não obstante, pode-se perguntar em que medida esta questão pode ser importante para o cumprimento, pelo Estado-Membro, das obrigações que lhe incumbem. Podia ser esse o caso na hipótese de o grau de conformidade com a directiva atingido nas zonas balneares ser contestado porque a Comissão considera que tal resultado só foi conseguido por meio de retiradas injustificadas de zonas da lista.

111 A este respeito, há que fazer as seguintes observações.

112 É indiscutível que um Estado-Membro pode retirar zonas balneares da lista daquelas que declara. Tal não é, de resto, contestado pela Comissão. Com efeito, não se pode considerar que a directiva impõe aos Estados-Membros determinar, ad aeternum, a utilização das águas no seu território.

113 O litígio diz respeito às consequências e às modalidades dessa retirada.

114 Relativamente às consequências de uma retirada, há que distinguir dois casos hipotéticos. O primeiro é aquele em que o Estado não proíbe simultaneamente o banho na zona em questão. Neste caso, é errado que esta zona tenha sido retirada da lista. As exigências da directiva devem continuar a ser-lhe aplicáveis. Com efeito, um Estado-Membro não pode subtrair a essas exigências uma zona ainda susceptível de ser utilizada para o banho, sem repor em questão o objectivo da saúde pública, visado pela directiva. O desenvolvimento harmonioso do mercado interno, também contemplado nos considerandos da directiva, ficaria igualmente comprometido, pois seriam falseadas as condições de concorrência entre as zonas balneares dos diferentes Estados-Membros.

115 Esta solução, ditada pelos objectivos da directiva, decorre também do acórdão Comissão/Bélgica, já referido.

116 Na segunda hipótese, a zona retirada da lista é objecto de uma proibição de banho. Decorre indiscutivelmente do artigo 1._, n._ 2, alínea a), da directiva, que esta só é aplicável às águas em que o banho é autorizado. Em consequência, as normas que prevê não podem ser aplicadas a águas que não satisfaçam esta condição.

117 Poder-se-ia alegar que tal solução, compatível com a protecção da saúde, não é, em contrapartida, necessariamente compatível com o objectivo de protecção do ambiente, igualmente visado pela directiva. No entanto, este objectivo deve ser visto no contexto do âmbito de aplicação da directiva: não pode ser invocado para alargar esse âmbito para além do que expressamente prevêem as disposições da mesma. Recorde-se, a propósito, que é jurisprudência constante que uma disposição cujo teor é absolutamente claro não pode ser objecto de interpretação.

118 Quanto às modalidades de uma retirada, coloca-se, em especial, a questão de saber a quem incumbe, na matéria, o ónus da prova. A este respeito, convém recordar a jurisprudência constante, que já anteriormente referi, por força da qual incumbe à Comissão provar o alegado incumprimento.

119 No caso em apreço, isto significa que incumbe à Comissão demonstrar que uma ou várias zonas balneares foram retiradas da lista oficial, sem que nelas tenha sido proibido o banho.

V - Conclusão

120 Em vista do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que:

- julgue improcedente a acção da Comissão

- condene a Comissão nas despesas.

(1) - JO 1976, L 31, p. 1; EE 15 F1 p. 133.

(2) - JO 1985, L 302, p. 23.

(3) - Acórdão de 12 de Fevereiro de 1998, Comissão/Espanha (C-92/96, Colect., p. I-505).

(4) - JO C 242, p. 6.

(5) - JO C 63, p. 2.

(6) - V., por exemplo, acórdão de 8 de Junho de 1999, Comissão/Alemanha (C-198/97, Colect., p. I-3257).

(7) - V. as conclusões no processo Comissão/Dinamarca (acórdão de 30 de Janeiro de 2003, C-226/01, ainda não publicado na Colectânea).

(8) - V., por exemplo, acórdão de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C-35/96, Colect., p. I-3851).

(9) - V. acórdão de 4 de Julho de 2000, Comissão/Grécia (C-387/97, Colect., p. I-5047, n._ 82 e referências aí citadas).

(10) - V., por exemplo, acórdão Comissão/Grécia, já referido, n._ 73.

(11) - V., por exemplo, acórdão de 31 de Março de 1992, Comissão/Itália (C-362/90, Colect., p. I-2353, n._ 10).

(12) - Acórdãos de 22 de Março de 1983, Comissão/França (42/82, Recueil, p. 1013) e de 4 de Fevereiro de 1988, Comissão/Itália (113/86, Colect., p. 607).

(13) - Segundo a Espanha, a Grécia terá declarado 5 zonas e só 46 zonas italianas serão comparáveis às zonas espanholas.

(14) - Em 1998, o Reino de Espanha declarou 215 zonas.

(15) - Acórdão de 6 de Novembro de 1985, Comissão/Itália (131/84, Recueil, p. 3531).

(16) - Acórdão de 7 de Março de 1996, Comissão/França (C-334/94, Colect., p. I-1307).

(17) - Acórdão Comissão/Grécia, já referido.

(18) - Processo C-85/01, Comissão/Reino Unido.

(19) - Acórdãos de 14 de Julho de 1993, Comissão/Reino Unido (C-56/90, Colect., p. I-4109); Comissão/Espanha, já referido; Comissão/Alemanha, já referido; de 25 de Maio de 2000, Comissão/Bélgica (C-307/98, Colect., p. I-3933); de 15 de Março de 2001, Comissão/França (C-147/00, Colect., p. I-2387); de 14 de Junho de 2001, Comissão/Suécia (C-368/00, Colect., p. I-4605); de 13 de Novembro de 2001, Comissão/Reino Unido (C-427/00, Colect., p. I-8535); e de 30 de Janeiro de 2003, Comissão/Dinamarca, já referido.

(20) - V. artigo 13._ da directiva, na versão alterada pelo artigo 3._ da Directiva 91/692/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1991, relativa à normalização e à racionalização dos relatórios sobre a aplicação de determinadas directivas respeitantes ao ambiente (JO L 377, p. 48).

(21) - Recorde-se que, em 1998, a Espanha declarou um total de 215 zonas balneares.

(22) - N._ 89 do acórdão.

(23) - N._ 94.

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