Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62000CJ0244

    Acórdão do Tribunal de 8 de Abril de 2003.
    Van Doren + Q. GmbH contra Lifestyle sports + sportswear Handelsgesellschaft mbH e Michael Orth.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
    Marcas - Directiva 89/104/CEE - Artigo 7.º, n.º1 - Esgotamento dos direitos conferidos pela marca - Prova - Local da primeira colocação no mercado dos produtos pelo titular da marca ou com o seu consentimento - Consentimento do titular na colocação no mercado no EEE.
    Processo C-244/00.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-03051

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:204

    62000J0244

    Acórdão do Tribunal de 8 de Abril de 2003. - Van Doren + Q. GmbH contra Lifestyle sports + sportswear Handelsgesellschaft mbH e Michael Orth. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha. - Marcas - Directiva 89/104/CEE - Artigo 7.º, n.º1 - Esgotamento dos direitos conferidos pela marca - Prova - Local da primeira colocação no mercado dos produtos pelo titular da marca ou com o seu consentimento - Consentimento do titular na colocação no mercado no EEE. - Processo C-244/00.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-03051


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    Aproximação das legislações - Marcas - Directiva 89/104 - Esgotamento do direito conferido pela marca - Regra que impõe o ónus da prova ao terceiro que invoca o esgotamento - Admissibilidade - Limites

    (Artigos 28.° CE e 30.° CE; Directiva 89/104 do Conselho, artigo 7.° , n.° 1)

    Sumário


    $$Uma regra de prova nos termos da qual o esgotamento dos direitos de marca constitui um meio de defesa para o terceiro demandado pelo titular da marca, pelo que as condições do referido esgotamento devem, em princípio, ser provadas pelo terceiro que o invoca, é compatível com o direito comunitário e, designadamente, com os artigos 5.° e 7.° da Primeira Directiva 89/104 que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE).

    Contudo, as exigências decorrentes da protecção da livre circulação de mercadorias, consagrada, designadamente, nos artigos 28.° CE e 30.° CE, podem implicar que esta regra de prova seja sujeita a adaptações.

    Assim, na hipótese de o terceiro conseguir demonstrar que se verifica um risco real de compartimentação dos mercados nacionais se o ónus dessa prova recair sobre ele próprio, em especial quando o titular da marca comercializa os seus produtos no EEE por meio de um sistema de distribuição exclusiva, competirá ao titular da marca fazer prova de que os produtos foram inicialmente colocados no mercado por ele próprio ou com o seu consentimento fora do EEE. Se for feita prova disso, competirá então ao terceiro fazer prova da existência do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no EEE.

    ( cf. n.° 42, disp. )

    Partes


    No processo C-244/00,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Van Doren + Q. GmbH

    e

    Lifestyle sports + sportswear Handelsgesellschaft mbH,

    Michael Orth,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE bem como do artigo 7.° , n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet e R. Schintgen, presidentes de secção, C. Gulmann (relator), A. La Pergola, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, juízes,

    advogada-geral: C. Stix-Hackl,

    secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação da Lifestyle sports + sportswear Handelsgesellschaft mbH e de M. Orth, por K. Seidelmann, Rechtsanwalt,

    - em representação do Governo alemão, por A. Dittrich e T. Jürgensen, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo francês, por G. de Bergues e A. Maitrepierre, na qualidade de agentes,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Banks, na qualidade de agente, assistida por I. Brinker e W. Berg, Rechtsanwälte,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da Lifestyle sports + sportswear Handelsgesellschaft mbH e de M. Orth, do Governo alemão, do Governo francês e da Comissão, na audiência de 8 de Janeiro de 2002,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 18 de Junho de 2002,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por despacho de 11 de Maio de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Junho seguinte, o Bundesgerichtshof submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE bem como do artigo 7.° , n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «directiva»).

    2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre, por um lado, a Van Doren + Q. GmbH (a seguir «Van Doren»), sociedade com sede em Colónia (Alemanha), grossista e retalhista de vestuário, e, por outro, a Lifestyle sports + sportswear Handelgesellschaft mbH (a seguir «Lifestyle»), sociedade com sede em Berlim (Alemanha), e M. Orth, gerente da mesma, a respeito da comercialização pela Lifestyle de vestuário da marca Stüssy, do qual a Van Doren é distribuidor exclusivo na Alemanha.

    Enquadramento jurídico

    3 O artigo 5.° da Directiva 89/104, intitulado «Direitos conferidos pela marca», tem a seguinte redacção:

    «1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

    a) De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

    [...]

    3. Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas [no n.° 1]:

    [...]

    b) Oferecer os produtos para venda ou colocá-los no mercado ou armazená-los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

    c) Importar ou exportar produtos com esse sinal;

    [...]»

    4 O artigo 7.° , n.° 1, da Directiva 89/104, intitulado «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», dispõe:

    «1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.»

    5 Nos termos do artigo 65.° , n.° 2, conjugado com o anexo XVII, ponto 4, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, o artigo 7.° , n.° 1, da Directiva 89/104 foi alterado para efeitos do referido acordo, tendo a expressão «na Comunidade» sido substituída pelos termos «numa parte contratante».

    6 Os artigos 5.° , n.os 1 e 3, e 7.° , n.° 1, da directiva foram transpostos para o direito alemão, respectivamente, pelos §§ 14, n.os 1 a 3, e 24, n.° 1, da Gesetz über den Schutz von Marken und sonstigen Kennzeichen (lei relativa à protecção das marcas e outros sinais), de 25 de Outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 3082, a seguir «MarkenG»).

    O litígio no processo principal e a questão prejudicial

    7 A Stussy Inc., sociedade estabelecida em Irvine (Estados Unidos), é titular da marca nominativa e figurativa Stüssy, registada para vestuário, em especial, camisas, calções, fatos de banho, T-shirts, fatos de treino, casacos e calças. Os produtos desta marca são comercializados a nível mundial. Não ostentam qualquer sinal distintivo especial que permita determinar qual é a sua zona de distribuição.

    8 A Van Doren é, por força de um contrato de distribuição celebrado em 1 de Maio de 1995, titular dos direitos exclusivos de comercialização dos produtos da Stussy Inc. na Alemanha. A Stussy Inc. autorizou a Van Doren a propor em seu nome contra terceiros acções judiciais visando a cessação da comercialização e acções de indemnização com fundamento em violações dos direitos de marca.

    9 Segundo a Van Doren, os produtos da marca Stüssy têm, em todos os países do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»), um único distribuidor exclusivo e importador geral, que é contratualmente obrigado a não ceder a mercadoria a intermediários com vista à sua comercialização fora da zona que lhe foi atribuída.

    10 A Lifestyle comercializa na Alemanha produtos da marca Stüssy que não foram adquiridos à Van Doren.

    11 A Van Doren intentou nos órgãos jurisdicionais alemães uma acção contra a Lifestyle e M. Orth. Pediu que os demandados fossem condenados a cessar a comercialização desses produtos, a prestar informações sobre as suas actividades desde 1 de Janeiro de 1995 e que fossem condenados numa indemnização a partir daquela data. Alegou que os produtos vendidos pela Lifestyle tinham sido inicialmente comercializados nos Estados Unidos e que o titular da marca não tinha autorizado a sua comercialização na República Federal da Alemanha nem noutro Estado-Membro.

    12 A Lifestyle e M. Orth contestaram estes pedidos com o fundamento de que os direitos conferidos pela marca se encontravam esgotados no que se refere às mercadorias em questão. Os requeridos adquiriram os produtos no EEE, onde tinham sido comercializados pelo titular da marca ou com o seu consentimento. O vestuário comprado à Lifestyle em Outubro de 1996 a título de teste foi adquirido por esta no EEE a um intermediário, que, segundo a Lifestyle e M. Orth supõem, o havia adquirido a um distribuidor autorizado.

    13 A Lifestyle afirma que não é obrigada a revelar o nome dos seus fornecedores enquanto a Van Doren não tiver provado a natureza absolutamente estanque do seu sistema de distribuição.

    14 O órgão jurisdicional de primeira instância julgou procedente a maior parte dos pedidos.

    15 O recurso interposto pela Lifestyle e por M. Orth levou, em contrapartida, a que as pretensões da Van Doren fossem julgadas improcedentes. O órgão jurisdicional de recurso considerou que a Van Doren deveria ter apresentado elementos que tornassem em certa medida plausível o facto de os artigos em causa terem sido importados e comercializados no EEE sem o consentimento do titular da marca.

    16 A Van Doren interpôs recurso de revista para o Bundesgerichtshof.

    17 No seu despacho de reenvio, este órgão jurisdicional refere que, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 16 de Julho de 1998, Silhouette International Schmied, C-355/96, Colect., p. I-4799, e de 1 de Julho de 1999, Sebago e Maison Dubois, C-173/98, Colect., p. I-4103), os direitos conferidos pela marca encontram-se esgotados na acepção do artigo 7.° , n.° 1, da directiva, no caso de as mercadorias terem sido colocadas no comércio no EEE sob essa marca pelo titular da mesma ou com o seu consentimento, mas não o estão no caso de a primeira colocação no mercado ter ocorrido fora do EEE.

    18 O Bundesgerichtshof considera que a reunião dos pressupostos do esgotamento do direito de marca, que constituem um meio de defesa assente no § 24, n.° 1, da MarkenG, deve, em princípio, ser provada pelo demandado, de acordo com os princípios gerais segundo os quais cabe a cada parte no processo provar os factos a que está subordinada a aplicação da norma que invoca.

    19 Segundo o Bundesgerichtshof, no direito das marcas, a inversão do ónus da prova resultante da aplicação dos referidos princípios gerais é contrária à economia do sistema, uma vez que conduz a abandonar, sem razão suficiente, o modelo tradicional do facto ilícito, segundo o qual a reunião dos factos constitutivos de uma infracção ao direito protegido constitui, regra geral, um indício de ilicitude, pelo que não é à vítima que cabe provar a ilicitude mas, normalmente, ao alegado infractor provar a inexistência da mesma. Por outro lado, a inversão do ónus da prova afectaria indevidamente o direito exclusivo do titular da marca. No que respeita ao princípio do esgotamento limitado ao território do EEE, a respectiva eficácia seria a tal ponto restringida que deixaria praticamente de ter objecto, quando o alegado infractor do direito de marca podia facilmente provar a origem dos produtos em causa.

    20 O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o § 14, n.° 2, da MarkenG proíbe a utilização por terceiros da marca «sem o consentimento do titular». Considera que, embora o titular da marca deva provar que estão reunidas as condições referidas na disposição em causa para que se declare a existência de um uso na acepção da mesma, o eventual consentimento do titular da marca deverá ser provado pelo terceiro demandado se este pretender invocar esse consentimento.

    21 O órgão jurisdicional de reenvio salienta, contudo, que, se o ónus da prova recair sobre o terceiro demandado numa acção proposta pelo titular de uma marca, corre-se o risco de ser proibida a um operador não vinculado ao titular a comercialização de produtos desta marca, mesmo quando tenham sido colocados no comércio no EEE com o consentimento do titular. Efectivamente, um operador pode, em geral, demonstrar sem dificuldade a quem adquiriu as mercadorias, mas não poderá obrigar os seus fornecedores a revelarem-lhe os seus próprios fornecedores nem determinar os restantes operadores da cadeia de distribuição. Por outro lado, na hipótese de o operador poder reconstituir a cadeia de distribuição até ao titular da marca e demonstrar que a mercadoria foi colocada no comércio no EEE com o consentimento do mesmo, poderia, com isso, ficar imediatamente sem a sua fonte de abastecimento.

    22 Nestas condições, existe o risco de o titular da marca a utilizar para compartimentar os mercados nacionais.

    23 O órgão jurisdicional de reenvio coloca, por conseguinte, a questão de saber se o artigo 28.° CE não impõe que seja prevista uma excepção à regra geral que faz recair sobre o terceiro a totalidade do ónus da prova da matéria de facto constitutiva do esgotamento do direito conferido pela marca. Em seu entender, a solução poderia consistir em só sujeitar o terceiro ao ónus da prova desses factos na condição de o titular ter desde logo feito uso, na medida do razoável, das possibilidades que lhe são oferecidas para distinguir, através da aposição de sinais, as mercadorias colocadas no mercado por ele próprio ou com o seu consentimento no EEE das mercadorias colocadas no mercado fora desta zona. Na medida em que fosse de presumir que o titular da marca procedeu sistematicamente deste modo, o terceiro seria obrigado a provar que estão reunidas as condições do invocado esgotamento, uma vez que, à primeira vista, as mercadorias só poderiam ter sido colocadas no mercado pela primeira vez fora do EEE.

    24 Considerando que, neste contexto, a solução do litígio no processo principal depende da interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE, bem como do artigo 7.° , n.° 1, da directiva, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Devem os artigos 28.° CE e 30.° CE ser interpretados no sentido de que permitem a aplicação de disposições nacionais por força das quais um infractor que, tendo sido chamado a juízo por ter comercializado mercadorias de origem de determinada marca, invoca o esgotamento do direito conferido pela marca, na acepção do artigo 7.° da Primeira Directiva 89/104/CEE [...], tem de alegar e, sendo caso disso, provar que a mercadoria em litígio foi comercializada pela primeira vez pelo titular da marca ou com o seu consentimento no interior do Espaço Económico Europeu?»

    Quanto à questão prejudicial

    25 Nos artigos 5.° e 7.° da directiva, o legislador comunitário consagrou a regra do esgotamento comunitário, ou seja, a regra por força da qual o direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados no EEE sob essa marca por si próprio ou com o seu consentimento. Ao adoptar estas disposições, o legislador comunitário não deixou aos Estados-Membros a possibilidade de preverem na sua legislação nacional o esgotamento dos direitos conferidos pela marca para produtos comercializados em países terceiros (acórdãos Silhouette International Schmied, já referido, n.° 26, e de 20 de Novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss, C-414/99 a C-416/99, Colect., p. I-8691, n.° 32).

    26 O efeito da directiva é, portanto, limitar o esgotamento do direito conferido ao titular da marca aos casos em que os produtos são comercializados no EEE e permitir ao titular comercializar os seus produtos fora desta zona sem que essa comercialização esgote os seus direitos no interior do EEE. Ao precisar que a comercialização fora do EEE não esgota o direito de o titular se opor à importação destes produtos feita sem o seu consentimento, o legislador comunitário permitiu, assim, ao titular da marca controlar a primeira colocação no mercado no EEE dos produtos que ostentam a marca (acórdãos, já referidos, Sebago e Maison Dubois, n.° 21, e Zino Davidoff e Levi Strauss, n.° 33).

    27 Na audiência, os demandados no processo principal, os Governos alemão e francês e a Comissão abordaram a eventual incidência do acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, proferido após o despacho de reenvio sobre a resposta a dar à questão prejudicial colocada no presente processo.

    28 É de notar que os processos que deram lugar ao referido acórdão apresentam diferenças em relação ao presente.

    29 Nos referidos processos, que levaram o Tribunal a examinar a questão do modo de expressão e da prova do consentimento do titular de uma marca na comercialização no EEE, era pacífico que os produtos controvertidos tinham sido comercializados fora do EEE pelo titular ou com o seu consentimento, e seguidamente importados e colocados no mercado no EEE por terceiros. Nos n.os 46, 54 e 58 do acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que, nessas circunstâncias, o consentimento do titular da marca na colocação no mercado no EEE não pode ser presumido, devendo ser expresso ou implícito e que a respectiva prova incumbe ao operador que invoca a existência do consentimento.

    30 No presente processo, a solução do litígio no processo principal depende em primeiro lugar da questão de saber se os produtos foram colocados no mercado pela primeira vez dentro ou fora do EEE. A requerente no processo principal afirma que os produtos foram inicialmente colocados no mercado pelo titular da marca fora do EEE, enquanto os demandados no processo principal afirmam que os produtos foram colocados no mercado no EEE, pelo que o direito exclusivo do titular da marca está esgotado, nos termos do artigo 7.° , n.° 1, da directiva.

    31 Nesta situação, levanta-se, designadamente, a questão do ónus da prova do local da primeira colocação no mercado dos produtos que ostentam a marca, no caso de controvérsia quanto a este aspecto.

    32 Deve recordar-se que os artigos 5.° a 7.° da directiva procedem a uma harmonização completa das disposições relativas aos direitos conferidos pela marca, definindo, assim, os direitos de que gozam os titulares de marcas na Comunidade (acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.° 39).

    33 O artigo 5.° da directiva confere ao titular da marca um direito exclusivo que lhe permite, designadamente, proibir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, importe ou comercialize produtos que ostentem a sua marca. O artigo 7.° , n.° 1, contém uma excepção a esta regra, na medida em que prevê que o direito do titular fica esgotado quando os produtos tiverem sido colocados no mercado no EEE pelo titular ou com o seu consentimento (v. acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.° 40).

    34 Afigura-se, assim, que a extinção do direito exclusivo resulta do consentimento do titular na comercialização no EEE, manifestado de modo expresso ou implícito, ou da colocação no mercado no EEE pelo próprio titular. O consentimento do titular ou a colocação no mercado por este no EEE, que equivalem a uma renúncia ao direito exclusivo, constituem, assim, um elemento determinante da extinção desse direito (v., no que se refere ao consentimento, acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.° 41).

    35 O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, segundo o direito alemão, o esgotamento dos direitos de marca constitui um meio de defesa para o terceiro demandado pelo titular da marca, pelo que as condições do referido esgotamento devem, em princípio, ser provadas pelo terceiro que o invoca.

    36 Esta regra de prova é compatível com o direito comunitário e, designadamente, com os artigos 5.° e 7.° da directiva.

    37 Contudo, as exigências decorrentes da protecção da livre circulação de mercadorias, consagrada, nomeadamente, nos artigos 28.° CE e 30.° CE, podem implicar que esta regra de prova seja sujeita a adaptações.

    38 É esse o caso quando a referida regra seja susceptível de permitir ao titular da marca a compartimentação dos mercados nacionais, favorecendo desse modo a manutenção das diferenças de preços que possam existir entre os Estados-Membros (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 11 de Novembro de 1997, Loendersloot, C-349/95, Colect., p. I-6227, n.° 23).

    39 Como esclarece o órgão jurisdicional de reenvio, verifica-se um risco real de compartimentação dos mercados nacionais, por exemplo, nas situações em que, como no processo principal, o titular da marca comercializa os seus produtos no EEE por meio de um sistema de distribuição exclusiva.

    40 Nestas situações, se o terceiro tiver de fazer a prova do local onde os produtos foram colocados no mercado pela primeira vez pelo titular da marca ou com o seu consentimento, o titular da marca pode opôr-se à comercialização dos produtos adquiridos e, para futuro, eliminar por sua iniciativa qualquer nova possibilidade de abastecimento do terceiro junto de um membro da rede de distribuição exclusiva do titular no EEE, na hipótese de o terceiro conseguir demonstrar que se abasteceu junto desse membro.

    41 Daqui decorre que, se o terceiro demandado conseguir demonstrar que existe um risco real de compartimentação dos mercados nacionais se recair sobre ele próprio o ónus da prova da colocação no mercado dos produtos no EEE pelo titular da marca ou com o seu consentimento, competirá ao titular da marca fazer prova de que os produtos foram inicialmente colocados no mercado por ele próprio ou com o seu consentimento fora do EEE. Se for feita prova disso, competirá então ao terceiro fazer prova da existência do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no EEE (v. acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.° 54).

    42 Deve, assim, responder-se à questão prejudicial que uma regra de prova nos termos da qual o esgotamento dos direitos de marca constitui um meio de defesa para o terceiro demandado pelo titular da marca, pelo que as condições do referido esgotamento devem, em princípio, ser provadas pelo terceiro que o invoca, é compatível com o direito comunitário e, designadamente, com os artigos 5.° e 7.° da directiva. Contudo, as exigências decorrentes da protecção da livre circulação de mercadorias, consagrada, designadamente, nos artigos 28.° CE e 30.° CE, podem implicar que esta regra de prova seja sujeita a adaptações. Assim, na hipótese de o terceiro conseguir demonstrar que se verifica um risco real de compartimentação dos mercados nacionais se o ónus dessa prova recair sobre ele próprio, em especial quando o titular da marca comercializa os seus produtos no EEE por meio de um sistema de distribuição exclusiva, competirá ao titular da marca fazer prova de que os produtos foram inicialmente colocados no mercado por ele próprio ou com o seu consentimento fora do EEE. Se for feita prova disso, competirá então ao terceiro fazer prova da existência do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no EEE.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    43 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e francês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Bundesgerichtshof, por despacho de 11 de Maio de 2000, declara:

    Uma regra de prova nos termos da qual o esgotamento dos direitos de marca constitui um meio de defesa para o terceiro demandado pelo titular da marca, pelo que as condições do referido esgotamento devem, em princípio, ser provadas pelo terceiro que o invoca, é compatível com o direito comunitário e, designadamente, com os artigos 5.° e 7.° da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, na redacção dada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992. Contudo, as exigências decorrentes da protecção da livre circulação de mercadorias, consagrada, designadamente, nos artigos 28.° CE e 30.° CE, podem implicar que esta regra de prova seja sujeita a adaptações. Assim, na hipótese de o terceiro conseguir demonstrar que se verifica um risco real de compartimentação dos mercados nacionais se o ónus dessa prova recair sobre ele próprio, em especial quando o titular da marca comercializa os seus produtos no Espaço Económico Europeu por meio de um sistema de distribuição exclusiva, competirá ao titular da marca fazer prova de que os produtos foram inicialmente colocados no mercado por ele próprio ou com o seu consentimento fora do Espaço Económico Europeu. Se for feita prova disso, competirá então ao terceiro fazer prova da existência do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no Espaço Económico Europeu.

    Top