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Document 62000CJ0096

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Julho de 2002.
Rudolf Gabriel.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Convenção de Bruxelas - Pedido de interpretação dos artigos 5.º, pontos 1 e 3, e 13.º, primeiro parágrafo, ponto 3 - Direito do consumidor destinatário de uma publicidade enganosa de reivindicar judicialmente o prémio alegadamente ganho - Qualificação - Acção de natureza contratual prevista no artigo 13.º, primeiro parágrafo, ponto 3 - Condições.
Processo C-96/00.

Colectânea de Jurisprudência 2002 I-06367

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:436

62000J0096

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 11 de Julho de 2002. - Rudolf Gabriel. - Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria. - Convenção de Bruxelas - Pedido de interpretação dos artigos 5.º, pontos 1 e 3, e 13.º, primeiro parágrafo, ponto 3 - Direito do consumidor destinatário de uma publicidade enganosa de reivindicar judicialmente o prémio alegadamente ganho - Qualificação - Acção de natureza contratual prevista no artigo 13.º, primeiro parágrafo, ponto 3 - Condições. - Processo C-96/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-06367


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores - Contrato que tem por objecto o fornecimento de serviços ou de bens móveis corpóreos - Acção intentada por um consumidor domiciliado num Estado-Membro destinada a obter a condenação de uma sociedade de venda por correspondência estabelecida noutro Estado-Membro a entregar-lhe um prémio aparentemente ganho em relação com uma encomenda de mercadorias - Acção de natureza contratual na acepção do artigo 13.° , primeiro parágrafo, ponto 3, da convenção

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 13.° , primeiro parágrafo, ponto 3)

Sumário


$$As regras de competência enunciadas pela convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas como significando que a acção judicial, através da qual um consumidor procura obter a condenação, no Estado contratante em cujo território tem domicílio e por aplicação da legislação deste Estado, de uma sociedade de venda por correspondência, com sede noutro Estado contratante, à entrega de um prémio, quando esta sociedade lhe tinha enviado pessoalmente uma correspondência em moldes que eram susceptíveis de lhe dar a impressão que lhe seria atribuído um prémio desde que encomendasse mercadorias num determinado valor e quando o consumidor efectuou realmente essa encomenda sem no entanto obter o pagamento do prémio em causa, é uma acção em matéria contratual na acepção do artigo 13.° , primeiro parágrafo, ponto 3, da referida convenção.

( cf. n.° 60, disp. )

Partes


No processo C-96/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), destinado a obter, na acção intentada neste órgão jurisdicional por

Rudolf Gabriel,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5._, pontos 1 e 3, e 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da convenção de 27 de Setembro de 1968, já referida (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e - texto alterado - p. 77; EE 01 F2 p. 131), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: F. Macken, presidente de secção, C. Gulmann, R. Schintgen (relator), V. Skouris e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de R. Gabriel, por A. Klauser, Rechtsanwalt,

- em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente,

- em representação do Governo alemão, por R. Wagner, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. L. Iglesias Buhigues, na qualidade de agente, assistido por B. Wägenbaur, Rechtsanwalt,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de R. Gabriel, representado por A. Klauser, e da Comissão, representada por A.-M. Rouchaud, na qualidade de agente, assistida por B. Wägenbaur, na audiência de 11 de Outubro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 15 de Fevereiro de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de Março seguinte, o Oberster Gerichtshof submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5._, pontos 1 e 3, e 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, desta convenção (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e - texto alterado - p. 77; EE 01 F2 p. 131), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1)), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

2 Esta questão foi levantada no quadro de uma acção intentada no Oberster Gerichtshof por R. Gabriel, cidadão austríaco com domicílio em Viena (Áustria), para designação do órgão jurisdicional competente ratione loci para decidir sobre uma acção que ele se propõe instaurar no Estado do seu domicílio contra uma sociedade de venda por correspondência com sede na Alemanha.

O enquadramento jurídico

A Convenção de Bruxelas

3 As regras de competência estabelecidas pela Convenção de Bruxelas constam do seu título II, constituído pelos artigos 2._ a 24._

4 O artigo 2._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que se integra na secção 1 do título II, intitulada «Disposições gerais», enuncia uma regra de princípio assim formulada:

«Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5 O artigo 3._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que consta da mesma secção, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título.»

6 Nos artigos 5._ a 18._ da Convenção de Bruxelas, que formam as secções 2 a 6 do seu título II, prevêem-se regras de competência especial, imperativa ou exclusiva.

7 Assim, nos termos do artigo 5._, que consta da secção 2, intitulada «Competências especiais», do título II da Convenção de Bruxelas:

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

1) em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; [...]

[...]

3) em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso;

[...]»

8 Sob o mesmo título II da Convenção de Bruxelas, os artigos 13._ e 14._ fazem parte da secção 4, intitulada «Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores».

9 O artigo 13._ da Convenção de Bruxelas tem a seguinte redacção:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada `o consumidor', a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4._ e no ponto 5 do artigo 5._:

1) quando se trate de empréstimo a prestações de bens móveis corpóreos;

2) quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens;

3) relativamente a qualquer outro contrato que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos se:

a) a celebração do contrato tiver sido precedida no Estado do domicílio do consumidor de uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de anúncio publicitário; e

b) o consumidor tiver praticado nesse Estado os actos necessários para a celebração do contrato.

O co-contratante do consumidor que, não tendo domicílio no território de um Estado contratante, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado contratante será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado.

O disposto na presente secção não se aplica ao contrato de transporte.»

10 Segundo o artigo 14._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas:

«O consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

11 Esta regra de atribuição de competência só pode ser derrogada se estiverem reunidas as condições enunciadas no artigo 15._ da Convenção de Bruxelas, que figura igualmente na referida secção 4 do título II desta convenção.

As disposições nacionais pertinentes

12 Nos termos do § 28, primeiro parágrafo, n._ 1, da lei austríaca de 1 de Agosto de 1895 sobre a competência em razão da matéria e sobre a competência territorial da jurisdição civil comum (Jurisdiktionsnorm, RGBl. 111), o Oberster Gerichtshof deve, a pedido de uma parte, designar, entre os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de um litígio em matéria cível, o tribunal territorialmente competente, quando o tribunal austríaco competente ratione loci não resultar das regras definidas nessa lei nem de qualquer outra norma legal, mas haja uma obrigação, resultante de uma convenção internacional, de conhecer do litígio.

13 Não oferece dúvidas que a Convenção de Bruxelas constitui uma convenção internacional para efeitos desta disposição.

14 O § 5-j da lei austríaca sobre protecção dos consumidores (BGBl. I, 1979, p. 140) tem a seguinte redacção:

«As empresas que enviem a um consumidor determinado promessas de concessão de prémios ou outras mensagens semelhantes, redigidas de modo a fazer crer ao consumidor que ganhou um certo prémio, são obrigadas a entregar o prémio a esse consumidor; o prémio pode igualmente ser exigido por via judicial.»

15 Esta disposição foi aditada à lei sobre protecção dos consumidores pelo § 4 da lei austríaca sobre contratos à distância (BGBl. I, 1999, p. 185), para transposição da Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19).

16 Essa disposição legal entrou em vigor em 1 de Outubro de 1999.

17 O Oberster Gerichtshof precisa, no seu despacho de reenvio, que o objectivo do referido § 5-j é conceder ao consumidor, induzido em erro porque foi contactado pessoalmente por um profissional que lhe deu a impressão de ter ganho um prémio, quando a realidade da operação só é explicada em letras miúdas ou num ponto pouco visível da correspondência e em termos dificilmente compreensíveis, um direito de acção em juízo para execução dessa «promessa de prémio».

O processo principal e a questão prejudicial

18 Resulta dos autos do processo principal que a Schlank & Schick GmbH (a seguir «Schlank & Schick»), uma sociedade de direito alemão com sede em Lindau (Alemanha), exerce actividades de venda por correspondência de mercadorias, designadamente na Alemanha, na Áustria, em França, na Bélgica e na Suíça.

19 Em Outubro de 1999, R. Gabriel recebeu, no seu endereço privado e em envelope fechado, várias cartas personalizadas provenientes da Schlank & Schick que afirma que eram de molde a fazê-lo crer que, na sequência de um sorteio, era o feliz contemplado com um montante de 49 700 ATS e que tinha o direito de receber este montante mediante um simples pedido, sujeito apenas à condição de encomendar simultaneamente à dita sociedade mercadorias num valor mínimo de 200 ATS, que deviam ser escolhidas através de um catálogo e inscritas num formulário de encomenda junto a essas cartas.

20 Nestes formulários figuravam designadamente as seguintes indicações: «Caro Senhor Rudolf Gabriel, ainda não reclamou o seu crédito em dinheiro [...] Quer mesmo perder o seu dinheiro? [...] Ainda tem direito ao seu crédito, mas agora terá verdadeiramente que reagir muito rapidamente. Na carta que anexamos do European Credit está tudo explicado mais em detalhe [...] PS: Para lhe servir de prova, Senhor Gabriel, junto em anexo o recibo de pagamento. Tem direito a 100% do seu crédito em dinheiro, desde que encomende igualmente, sem compromisso, mercadorias.»

21 Numa carta anexa a estas, com o timbre do «European Credit», intitulada «Confirmação oficial de pagamento», à qual tinha sido junta uma cópia de um «recibo» e o fac-símile de uma «caderneta de poupança», ambos com a indicação do nome de R. Gabriel e de um montante de 49 700 ATS, estava assim redigida: «Caro Senhor Rudolf Gabriel, confirmamos-lhe pela presente, mais uma vez, o pagamento por nossa conta de um crédito em numerário num montante total de 49 700 ATS. Juntamos em anexo, especialmente para si, a cópia de um recibo. Para não deixar passar a sorte e acelerar o pagamento do montante de 49 700 ATS, basta que nos envie a cópia do recibo em conjunto com a sua encomenda-teste sem compromisso. [...]. A partir de agora nada se opõe ao pagamento. Para poder receber o seu dinheiro o mais rapidamente possível, enviar-lhe-ei simplesmente um cheque após recepção do recibo. Poderá então receber esse cheque quando lhe aprouver em qualquer estabelecimento financeiro da sua escolha.»

22 Porém, resulta de várias menções impressas em letra muito miúda e, por vezes, no verso dos documentos enviados a R. Gabriel, que o montante de 49 700 ATS não constituía uma promessa vinculativa de prémio por parte da Schlank & Schick.

23 Assim, no verso da carta do «European Credit», precisava-se designadamente, sob a epígrafe «Condições de atribuição», que a participação no «jogo em que se ganha sempre», regida pelo direito alemão, estava dependente de uma «encomenda-teste sem compromisso», que a data-limite para esta «acção» era o dia 30 de Novembro de 1999 e que estava excluída qualquer possibilidade de acção judicial. Referia-se ainda que a tiragem à sorte tinha sido efectuada pela sociedade de venda por correspondência, que os preços em numerário estavam divididos em «diversos valores parciais» que seriam objecto de vários pagamentos fraccionados em função do número de cópias de recibos remetidos ao organizador juntamente com o formulário de encomenda devidamente preenchido e que, por motivo de custos, os «créditos» de um valor inferior a 35 ATS não seriam pagos mas seriam de novo postos em jogo numa tiragem posterior.

24 R. Gabriel preencheu devidamente e remeteu à Schlank & Schick os documentos pertinentes para reclamar o pagamento do prémio prometido e fez uma encomenda de artigos do catálogo desta sociedade num montante superior aos 200 ATS exigidos.

25 A sociedade em causa entregou-lhe igualmente as mercadorias encomendadas, sem no entanto o beneficiar com o montante de 49 700 ATS que, segundo R. Gabriel, ele tinha ganho.

26 R. Gabriel decidiu, por conseguinte, intentar uma acção judicial para obter a condenação da Schlank & Schick no pagamento da quantia em causa, acrescida de juros e das custas judiciais, com base no § 5-j da lei austríaca sobre a protecção do consumidor.

27 Como pretendia intentar essa acção na Áustria - Estado em cujo território está domiciliado - com base no artigo 14._, primeiro parágrafo, da convenção de Bruxelas, e considerando que em direito austríaco não existe qualquer regra para determinação do órgão jurisdicional nacional territorialmente competente para conhecer do litígio, R. Gabriel, antes de intentar a acção principal, requereu ao Oberster Gerichtshof a designação desse órgão jurisdicional ao abrigo do § 28, primeiro parágrafo, n._ 1, da lei austríaca de 1 de Agosto de 1985.

28 O Oberster Gerichtshof entende que, se a acção que R. Gabriel se propõe intentar parece estar coberta pelo § 5-j da lei austríaca sobre a protecção dos consumidores, a questão de saber se o pedido de designação do órgão jurisdicional nacional territorialmente competente merece acolhimento depende da natureza da acção que o requerente no processo principal pretende intentar contra a Schlank & Schick.

29 Com efeito, se esta acção disser respeito a um contrato celebrado por um consumidor, na acepção do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, essa designação é indispensável, uma vez que a convenção apenas autoriza o consumidor a submeter o litígio à jurisdição do Estado contratante em que estiver domiciliado, sem determinar directamente qual é o órgão jurisdicional desse Estado que tem competência para decidir na matéria.

30 O pedido apresentado no Oberster Gerichtshof ficaria, porém, privado de objecto se o direito de acção de R. Gabriel se referisse a matéria de natureza contratual, na acepção do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, ou natureza extracontratual, na acepção do ponto 3 deste mesmo artigo, uma vez que estas disposições indicam de modo suficientemente preciso o órgão jurisdicional territorialmente competente, isto é, o tribunal do lugar de cumprimento da obrigação contratual em causa ou o do lugar em que ocorreu o facto danoso, respectivamente.

31 Por entender que, nestas circunstâncias, a resposta ao pedido de R. Gabriel dependia da interpretação da convenção de Bruxelas, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito dos consumidores previsto no § 5-j da lei de protecção dos consumidores austríaca [...], na redacção que lhe foi dada pelo § 1, n._ 2, da lei sobre contratos à distância austríaca, [...], de exigir judicialmente às empresas o pagamento de um prémio aparentemente ganho, quando estas enviam (ou enviaram) a um consumidor determinado avisos de prémios ou outras comunicações semelhantes redigidos de modo a dar a impressão ao consumidor de ter ganho determinado prémio, constitui, na acepção da Convenção de Bruxelas [...]:

a) um direito derivado de um contrato na acepção do artigo 13._, ponto 3,

ou

b) um direito derivado de um contrato na acepção do artigo 5._, ponto 1,

ou

c) um direito derivado de responsabilidade extracontratual na acepção do artigo 5._, ponto 3?»

Quanto à questão prejudicial

32 Tendo em conta a matéria de facto do processo principal, a questão submetida deve ser entendida no sentido de que pergunta, no essencial, se as regras de competências enunciadas pela Convenção de Bruxelas devem ser interpretadas como significando que a acção judicial, através da qual um consumidor procura obter a condenação, no Estado contratante em cujo território tem domicílio e por aplicação da legislação deste Estado, de uma sociedade de venda por correspondência, com sede noutro Estado contratante, à entrega de um prémio, quando esta sociedade lhe tinha enviado pessoalmente correspondência em moldes que eram susceptíveis de lhe dar a impressão que lhe seria atribuído um prémio desde que encomendasse mercadorias num determinado valor e quando o consumidor efectuou realmente essa encomenda no Estado do seu domicílio sem no entanto obter o pagamento do prémio em causa, é uma acção em matéria contratual na acepção do artigo 5._, ponto 1, ou do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da referida convenção ou uma acção por responsabilidade extracontratual na acepção do artigo 5._, ponto 3, da mesma convenção.

33 Para responder à questão assim reformulada, importa recordar liminarmente que, segundo jurisprudência constante, o conceito de matéria extracontratual utilizado no artigo 5._, ponto 3, da convenção de Bruxelas abrange qualquer acção que tenha em vista a efectivação da responsabilidade do demandado e que não esteja relacionada com a matéria contratual na acepção do ponto 1 do artigo 5._ da mesma convenção (v., entre outros, acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Kalfelis, 189/87, Colect., p. 5565, n._ 17; de 26 de Março de 1992, Reichert et Kockler, C-261/90, Colect., p. I-2149, n._ 16, e de 27 de Outubro de 1998, Réunion Européenne e o., C-51/97, Colect., p. I-6511, n._ 22).

34 Por conseguinte, importa verificar, num primeiro tempo, se uma acção como a que está em causa no processo principal diz respeito a matéria de natureza contratual.

35 Quanto a este aspecto, note-se que o artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas se refere a matéria contratual em geral, ao passo que o artigo 13._ da convenção trata especificamente diversos tipos de contratos celebrados por um consumidor.

36 Constituindo assim o artigo 13._ da convenção de Bruxelas uma lex specialis em relação ao artigo 5._, ponto 1, da mesma convenção, há que apurar em primeiro lugar se uma acção com as características referidas na questão prejudicial, tal como esta última foi reformulada, é susceptível de caber no âmbito de aplicação da primeira destas duas disposições.

37 Segundo jurisprudência constante, os conceitos constantes do artigo 13._ da Convenção de Bruxelas devem ser interpretados de forma autónoma, por referência principalmente ao sistema e aos objectivos desta convenção, para assegurar a esta a sua plena eficácia (v., designadamente, acórdãos de 21 de Junho de 1978, Bertrand, 150/77, Colect., p. 487, n.os 14 a 16; de 19 de Janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C-89/91, Colect., p. I-139, n._ 13; de 3 de Julho de 1997, Benincasa, C-269/95, Colect., p. I-3767, n._ 12, e de 27 de Abril de 1999, Mietz, C-99/96, Colect., p. I-2277, n._ 26).

38 Resulta da própria letra desta disposição que ela só é aplicável se, de um modo geral, a acção estiver ligada a um contrato celebrado por um consumidor para uma finalidade estranha à sua actividade profissional.

39 Resulta desta formulação, tal como da função do regime especial instituído pelas disposições do título III, secção 4, da Convenção de Bruxelas, ou seja, garantir a protecção adequada do consumidor enquanto parte do contrato reputada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu co-contratante profissional, que estas disposições só se aplicam ao consumidor final privado, não envolvido em actividades comerciais ou profissionais, que esteja vinculado por um dos três tipos de contratos enumerados no artigo 13._ da referida convenção e que seja pessoalmente parte na acção judicial, em conformidade com o disposto no artigo 14._ desta (v. acórdão Shearson Lehman Hutton, já referido, n.os 19, 20, 22 e 24).

40 Quando se trate, mais especificamente, de um contrato que tenha por objecto um fornecimento de serviços - que não seja um contrato de transporte, que está excluído do âmbito de aplicação da secção 4 do título II, da Convenção de Bruxelas, segundo o disposto no seu artigo 13._, primeiro parágrafo - ou de bens móveis corpóreos, contrato este referido no artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, esta disposição prevê dois requisitos suplementares de aplicação, isto é, que a celebração do contrato tenha sido precedida no Estado do domicílio do consumidor por uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de um anúncio publicitário e que o consumidor tenha praticado nesse Estado os actos necessários à celebração do contrato.

41 Como resulta do relatório Schlosser relativo à convenção de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção de Bruxelas (JO 1979, C 59, pp. 71, 118; JO 1990, C 189, p. 184), estes dois requisitos cumulativos destinam-se a garantir a existência de um nexo estreito entre o contrato em causa e o Estado em cujo território o consumidor se encontra domiciliado.

42 No que se refere ao alcance dos conceitos a que se referem esses requisitos, P. Schlosser, na página 119 do seu relatório, remete para o relatório de M. Giuliano e P. Lagarde respeitante à convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (JO 1980, C 282, p. 1), aberta a assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (JO L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36, a seguir «Convenção de Roma»), dado que o artigo 5._ desta última convenção, respeitante aos contratos celebrados por consumidores, enuncia, no seu n._ 2, primeiro travessão, dois requisitos que utilizam termos idênticos aos constantes do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, alíneas a) e b), da Convenção de Bruxelas.

43 Resulta do relatório de M. Giuliano e de P. Lagarde que essa disposição da Convenção de Roma tem por objecto a cobertura de situações em que o comerciante fez diligências para propor à venda os seus bens móveis corpóreos ou os seus serviços no país onde reside o consumidor e, em particular, a venda por correspondência e ambulante (v. o referido relatório, pp. 23 e 24).

44 Os conceitos de «anúncio publicitário» e de «proposta que lhe foi especialmente dirigida», constantes do primeiro requisito comum às Convenções de Bruxelas e de Roma, cobrem todas as formas de publicidade feita num Estado contratante em que o consumidor tem o seu domicílio, quer essa publicidade seja divulgada de um modo geral, através da imprensa, da rádio, da televisão, do cinema ou por qualquer outra forma, quer seja directamente dirigida, por exemplo, através de catálogos especialmente enviados para esse Estado, mas também as propostas de negócios dirigidas individualmente ao consumidor, designadamente através de um agente ou de um vendedor ambulante.

45 Quanto ao segundo requisito, a expressão «actos necessários à celebração do contrato» refere-se a qualquer escrito ou diligência efectuados pelo consumidor no Estado onde tem o seu domicílio e que exprimam a sua intenção de acolher a solicitação do profissional.

46 Ora, verifica-se que todos estes requisitos se encontram satisfeitos num caso como o do processo principal.

47 Em primeiro lugar, não há dúvida que R. Gabriel tem a qualidade de consumidor final privado abrangido na previsão do artigo 13._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, visto que resulta dos autos que encomendou mercadorias propostas pela Schlank & Schick para seu uso pessoal, não estando esta operação ligada de qualquer modo à sua actividade profissional.

48 Em segundo lugar, numa situação como a do processo principal, o consumidor e o vendedor profissional estão incontestavelmente vinculados por uma relação de natureza contratual, visto que R. Gabriel encomendou mercadorias propostas pela Schlank & Schick, manifestando deste modo a sua aceitação da proposta - incluindo todas as condições inerentes a esta - que esta sociedade lhe tinha endereçado pessoalmente.

49 Além disso, este acordo de vontades entre as duas partes deu origem a obrigações recíprocas e interdependentes no quadro de um contrato que tem precisamente um dos objectos descritos no artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

50 Portanto, num caso como o do processo principal, este contrato diz particularmente respeito ao fornecimento, através de uma venda por correspondência, de bens móveis corpóreos encomendados pelo consumidor a partir de uma proposta que lhe foi feita e por um preço estipulado pelo vendedor.

51 Em terceiro lugar, os dois requisitos específicos enumerados no artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, alíneas a) e b), da Convenção de Bruxelas estão igualmente satisfeitos.

52 Com efeito, por um lado, o vendedor dirigiu-se ao consumidor no Estado contratante onde este tem o seu domicílio, endereçando-lhe pessoalmente várias cartas, às quais juntou um catálogo de venda e um formulário de encomenda, para o levar a contratar com base nessas propostas e nas condições correspondentes e, por outro, na sequência desses envios, o consumidor efectuou neste Estado as diligências necessárias à celebração do contrato, fazendo a encomenda no valor exigido pelo vendedor e enviando-lhe o formulário de encomenda com a cópia do «recibo».

53 Nestas condições, quando um consumidor foi contactado no seu domicílio através de uma ou várias cartas de um vendedor profissional para suscitar uma encomenda de mercadorias propostas em condições determinadas por este último e o consumidor procedeu efectivamente a essa encomenda no Estado contratante onde tem o seu domicílio, a acção através da qual este consumidor reivindica em juízo contra o vendedor a entrega de um prémio aparentemente ganho constitui uma acção relativa a um contrato celebrado por um consumidor na acepção do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

54 Com efeito, como resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça, o direito de acção do consumidor está intimamente ligado ao contrato celebrado entre as partes, uma vez que, numa situação como a do processo principal, a correspondência enviada pelo profissional a este consumidor estabelece um nexo indissociável entre a promessa de prémio e a encomenda das mercadorias, sendo esta última apresentada pelo vendedor como constituindo a condição prévia exigida para a concessão do prémio prometido, precisamente com o intuito de levar o consumidor a contratar. Além disso, este último celebrou o contrato de compra e venda das mercadoria essencialmente, ou mesmo exclusivamente, porque a proposta do vendedor incluía uma promessa de prémio num valor largamente superior ao montante mínimo exigido para a encomenda e o consumidor satisfez, além disso, todas as condições estipuladas pelo profissional, aceitando assim a proposta deste no seu todo.

55 Por conseguinte, a acção judicial através da qual o consumidor pretende obter a condenação, no Estado contratante em cujo território tem o seu domicílio, de uma sociedade de venda por correspondência com sede noutro Estado contratante, a entregar-lhe um prémio aparentemente ganho, deve poder ser intentada perante o mesmo órgão jurisdicional que tem competência para conhecer do contrato celebrado por esse consumidor.

56 Com efeito, não é aceitável uma interpretação do artigo 13._, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas que leve à aplicação a certos pedidos que tenham como causa um contrato celebrado por um consumidor das regras de competência dos artigos 13._ a 15._ desta convenção, ao passo que outras acções, que têm com esse contrato um nexo de tal modo estreito que são dele indissociáveis, seriam sujeitas a regras diferentes.

57 A este propósito, o Tribunal de Justiça recordou recentemente a necessidade de evitar, na medida do possível, a multiplicação dos órgãos jurisdicionais competentes relativamente ao mesmo contrato (v., por analogia, no que respeita ao artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, o acórdão de 19 de Fevereiro de 2002, Besix, C-256/00, ainda não publicado na Colectânea, n._ 27).

58 Ora, esta necessidade é tanto mais forte quanto o que está em causa é um contrato como o do processo principal. Com efeito, tendo presente que a multiplicação dos critérios de competência jurisdicional pode desfavorecer especialmente uma parte reputada fraca como o consumidor, é do interesse de uma boa administração da justiça que este último possa submeter ao mesmo tribunal - neste caso, o do seu domicílio - todas as dificuldades que pode ocasionar um contrato que o consumidor foi incitado a celebrar devido à utilização, pelo profissional, de formulações susceptíveis de induzir em erro o seu co-contratante.

59 Uma acção como a que R. Gabriel tenciona intentar perante o órgão jurisdicional nacional competente cabe assim no âmbito de aplicação do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas e, portanto, não é necessário apurar se cabe na previsão do artigo 5._, ponto 1, desta.

60 Tendo em conta quanto precede, há que responder à questão submetida que as regras de competência enunciadas pela Convenção de Bruxelas devem ser interpretadas como significando que a acção judicial, através da qual um consumidor procura obter a condenação, no Estado contratante em cujo território tem domicílio e por aplicação da legislação deste Estado, de uma sociedade de venda por correspondência, com sede noutro Estado contratante, à entrega de um prémio, quando esta sociedade lhe tinha enviado pessoalmente correspondência em moldes que eram susceptíveis de lhe dar a impressão que lhe seria atribuído um prémio desde que encomendasse mercadorias num determinado valor e quando o consumidor efectuou realmente essa encomenda sem no entanto obter o pagamento do prémio em causa, é uma acção em matéria contratual na acepção do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da referida convenção.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

61 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e alemão e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Oberster Gerichtshof, por despacho de 15 de Fevereiro de 2000, declara:

As regras de competência enunciadas pela Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas como significando que a acção judicial, através da qual um consumidor procura obter a condenação, no Estado contratante em cujo território tem domicílio e por aplicação da legislação deste Estado, de uma sociedade de venda por correspondência, com sede noutro Estado contratante, à entrega de um prémio, quando esta sociedade lhe tinha enviado pessoalmente uma correspondência em moldes que eram susceptíveis de lhe dar a impressão que lhe seria atribuído um prémio desde que encomendasse mercadorias num determinado valor e quando o consumidor efectuou realmente essa encomenda sem no entanto obter o pagamento do prémio em causa, é uma acção em matéria contratual na acepção do artigo 13._, primeiro parágrafo, ponto 3, da referida convenção.

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