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Document 62000CC0438

Conclusões da advogada-geral Stix-Hackl apresentadas em 11 de Julho de 2002.
Deutscher Handballbund eV contra Maros Kolpak.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Hamm - Alemanha.
Relações externas - Acordo de associação Comunidades-Eslováquia - Artigo 38.º, n.º 1 - Livre circulação de trabalhadores - Princípio da não discriminação - Andebol - Limitação do número de jogadores profissionais nacionais de países terceiros que podem alinhar por equipa no campeonato de uma federação desportiva.
Processo C-438/00.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-04135

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:444

62000C0438

Conclusões da advogada-geral Stix-Hackl apresentadas em 11de Julho de2002. - Deutscher Handballbund eV contra Maros Kolpak. - Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Hamm - Alemanha. - Relações externas - Acordo de associação Comunidades-Eslováquia - Artigo 38.º, n.º 1 - Livre circulação de trabalhadores - Princípio da não discriminação - Andebol - Limitação do número de jogadores profissionais nacionais de países terceiros que podem alinhar por equipa no campeonato de uma federação desportiva. - Processo C-438/00.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-04135


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1. No presente processo, o debate incide sobre a limitação, no regulamento de uma federação desportiva, do número de jogadores originários de Estados terceiros em determinadas competições. Trata-se concretamente de saber se isso é compatível com o Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro, (a seguir «acordo») . Consequentemente, este processo levanta uma questão jurídica com a qual algumas jurisdições nacionais foram já confrontadas e sobre a qual já se pronunciaram .

II - Enquadramento jurídico

A - O direito comunitário

2. O artigo 38.° do acordo está redigido da seguinte forma:

«1. Sem prejuízo das condições e modalidades aplicáveis em cada Estado-Membro:

- o tratamento concedido aos trabalhadores de nacionalidade eslovaca, legalmente empregados no território de um Estado-Membro, não pode ser objecto de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, no que respeita a condições de trabalho, remunerações ou despedimentos, em relação aos nacionais daquele Estado-Membro;

- o cônjuge e os filhos legalmente residentes de um trabalhador legalmente empregado no território de um Estado-Membro, com exclusão dos trabalhadores sazonais e dos trabalhadores abrangidos por acordos bilaterais na acepção do artigo 42.° , salvo disposição em contrário dos referidos acordos, terão acesso ao mercado de trabalho desse Estado-Membro durante o período de validade da autorização de trabalho.

2. Sem prejuízo das condições e modalidades aplicáveis no seu território, a República Eslovaca concederá o tratamento referido no n.° 1 aos trabalhadores nacionais de qualquer dos Estados-Membros que estejam legalmente empregados no seu território, bem como aos respectivos cônjuges e filhos legalmente residentes no seu território.»

3. O artigo 42.° do acordo está redigido da seguinte forma:

«1. Tendo em conta a situação do mercado de trabalho nos Estados-Membros, sob reserva das respectivas legislações e do respeito das regras em vigor, nos referidos Estados-Membros, em matéria de mobilidade dos trabalhadores:

- serão preservadas e, na medida do possível, melhoradas as actuais facilidades de acesso ao emprego concedidas aos trabalhadores da República Eslovaca pelos Estados-Membros, no âmbito de acordos bilaterais,

- os outros Estados-Membros consideram favoravelmente a possibilidade de celebrarem acordos similares.

2. O Conselho de associação examinará a possibilidade de concessão de outras melhorias, incluindo facilidades de acesso à formação profissional, de acordo com as regras e procedimentos em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a situação do mercado de trabalho nos Estados-Membros e na Comunidade.»

4. O artigo 59.° , n.° 1, do acordo estabelece:

«1. Para efeitos da aplicação do título IV do presente acordo, nenhuma das suas disposições obsta à aplicação, pelas partes, das respectivas legislações e regulamentações respeitantes à entrada e à residência, ao trabalho, às condições de trabalho, ao estabelecimento de pessoas singulares e à prestação de serviços, desde que tal aplicação não anule ou comprometa as vantagens que qualquer das partes retira de uma disposição específica do presente acordo. Esta disposição não prejudica o disposto no artigo 54.° »

B - O direito nacional

5. Na versão que interessa para efeitos do presente processo, o artigo 15.° do regulamento federal de competições elaborado pela Deutsche Handballbund e. V. (a seguir «regulamento desportivo») determina nomeadamente:

«1. Após o número de jogador, é inserida a letra A nas licenças de jogadores,

a) que não possuam a nacionalidade de um Estado-Membro,

b) que não possuam a nacionalidade de um Estado terceiro associado, a cujos nacionais tenha sido reconhecida a igualdade de tratamento referida no artigo 48.° , n.° 1, do Tratado CE,

c) [...]

2. Nas equipas que fazem parte da Bundesliga e das Regionalligen (ligas regionais), podem alinhar, em cada encontro para o campeonato ou para a taça, no máximo dois jogadores titulares de uma licença com a letra A.

[...]

5. A letra A é, com efeitos ao dia 1 de Julho de cada ano, suprimida no número de jogador da licença no caso de o país de origem do jogador ter adquirido nessa data a qualidade de país associado na acepção do n.° 1, alínea b). A DHB publica e actualiza permanentemente a lista dos Estados associados referidos nas presentes disposições.»

III - Os factos e o processo principal

6. Maros Kolpak, de nacionalidade eslovaca, é guarda-redes da equipa de andebol do TSV Östringen e. V. Handball, clube da segunda divisão. Em Março de 1997, celebrou com este clube um contrato válido até 30 de Junho de 2000 e, em Fevereiro de 2000, um novo contrato válido até 30 de Junho de 2003. Aufere um salário mensal. Reside na Alemanha e é titular de um certificado de residência válido. A Deutsche Handballbund e. V. (a seguir «DHB»), Federação nacional de andebol da Alemanha, que organiza os jogos do campeonato e da taça a nível federal, atribuiu-lhe, em virtude de ser de nacionalidade estrangeira, uma licença de jogador com a letra «A». M. Kolpak, que solicita à DHB a emissão de uma licença de jogador sem a menção relativa à sua condição de cidadão estrangeiro, considerou que a aposição de tal menção funciona em seu desfavor uma vez que a República Eslovaca faz parte dos Estados terceiros cujos nacionais podem, em conformidade com o regulamento desportivo da demandada e por força da proibição da discriminação que decorre das disposições conjugadas do Tratado da União Europeia e do acordo, participar sem quaisquer restrições nas competições, nas mesmas condições que os jogadores alemães e os jogadores originários da União Europeia.

7. O Landgericht Dortmund condenou a DHB a conceder uma licença de jogador com o fundamento de que a própria interpretação do regulamento desportivo fazia transparecer que M. Kolpak não devia, com base no artigo 15.° do referido regulamento, ser tratado nas mesmas condições que um jogador nacional de um Estado terceiro. A DHB interpôs recurso desta decisão.

8. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, de acordo com o direito nacional alemão, M. Kolpak tem a faculdade de submeter a questão aos órgãos jurisdicionais alemães ordinários e que, apesar de não ser directa ou indirectamente membro da DHB, enquanto jogador da Bundesliga ligado por contrato a um clube filiado, possui, por força do regulamento desportivo e mediante certas condições, um direito autónomo à concessão da licença.

9. A este respeito, o único ponto controvertido é o de saber se, devido às disposições do artigo 15.° , n.° 1, do regulamento desportivo, só pode ser concedida a M. Kolpak uma licença condicionada pela aposição da letra «A», pelo que a única questão decisiva é, portanto, a da própria aplicação do artigo 15.° , n.° 1, no caso em apreço.

10. Para o órgão jurisdicional nacional, a questão fulcral do presente litígio é saber como deve ser interpretada a remissão para o artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) efectuada pelo artigo 15.° , n.° 1, alínea b), do regulamento desportivo.

11. O órgão jurisdicional nacional interpreta essa remissão no sentido de serem unicamente visados os jogadores que, do ponto de vista da livre circulação dos trabalhadores, são plenamente equiparados aos cidadãos da União Europeia. Portanto, M. Kolpak não se pode prevalecer do direito à obtenção de uma autorização para jogar a que não seriam estabelecidos limites, sem a aposição do sinal distintivo «A». Com efeito, a República Eslovaca não figura na lista estabelecida pela DHB, em conformidade com o artigo 15.° , n.° 5, do regulamento desportivo.

12. Para o órgão jurisdicional de reenvio, a questão que então se coloca é saber se, não obstante a regra divergente do artigo 15.° , n.° 1, alínea b), do regulamento desportivo, M. Kolpak pode reivindicar a concessão de uma licença não limitativa dado que esta disposição do regulamento desportivo viola o artigo 38.° do acordo, o qual tem igualmente um efeito directo relativamente à DHB.

13. O órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio que a DHB infringe a proibição de discriminação prevista no artigo 38.° do acordo devido à sua recusa em atribuir a M. Kolpak, por causa da sua nacionalidade, uma licença não limitativa. Deste modo, o artigo 15.° do regulamento desportivo aplica-se também ao contrato de trabalho de M. Kolpak. O seu contrato de jogador é um contrato de trabalho uma vez que M. Kolpak se obriga, mediante uma remuneração mensal fixa, a fornecer como assalariado prestações - desportivas - no âmbito do treino e dos encontros organizados pelo clube, sendo esta a sua actividade profissional principal.

14. Dado que as disposições conjuntas do artigo 15.° , n.° 1, alínea b), e n.° 2, do regulamento desportivo limitam, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as possibilidades de M. Kolpak participar nos jogos, a aplicação conjugada destas disposições provoca também um tratamento desigual no que respeita às condições de trabalho. Com efeito, o jogador tendo já acedido legalmente a um emprego e já não sendo por isso pessoalmente afectado por um entrave à contratação, não beneficia, por força desta regra, da mesma possibilidade que outras pessoas, no âmbito dessa actividade profissional, de também participar em jogos oficiais.

15. Uma vez que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, M. Kolpak está legalmente empregado no território da República Federal da Alemanha, reside na Alemanha, é titular de uma autorização de residência válida e não tem que se submeter à concessão de uma autorização de trabalho, teve, pela simples aplicação do direito nacional alemão e independentemente do próprio artigo 38.° do acordo, acesso ao mercado de trabalho alemão. Assim, a proibição de discriminação estabelecida nesta disposição aplica-se desde que a reserva do artigo 38.° do acordo relativa às «condições e modalidades aplicáveis em cada Estado-Membro» a tal não se oponha.

16. O órgão jurisdicional de reenvio entende que as regras elaboradas pela demandada, no quadro da autonomia reconhecida às associações, também não fazem parte dessas condições e modalidades pois, a não ser assim, a proibição de discriminação contida no acordo não teria objecto.

17. O órgão jurisdicional de reenvio parte, por outro lado, do princípio que o artigo 38.° do acordo - à semelhança do artigo 39.° CE - é uma disposição directamente aplicável. Ora, devemos então supor que o artigo 38.° do acordo produz também efeitos face a terceiros, pelo que não regulamenta apenas a acção das autoridades públicas, mas também se aplica às regulamentações de outra natureza que visam regular, de forma colectiva, o trabalho assalariado; a não ser assim, a supressão das barreiras de origem estatal poderia ser neutralizada por obstáculos decorrentes do exercício, por associações e organismos que não relevam do direito público, da respectiva autonomia jurídica.

18. O órgão jurisdicional de reenvio conclui, então, que o artigo 15.° , n.° 1, alínea b), do regulamento desportivo contraria o artigo 38.° do acordo e que M. Kolpak tem - atendendo a que as outras condições estão preenchidas - direito à emissão de uma licença não limitativa.

IV - A questão prejudicial

19. Por despacho de 15 de Novembro de 2000, o Oberlandesgericht Hamm apresentou ao Tribunal de Justiça o seguinte pedido de decisão prejudicial:

«O artigo 38.° , n.° 1, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro - Acta Final -, opõe-se a que uma federação desportiva aplique a um desportista profissional de nacionalidade eslovaca uma regra - por ela elaborada - segundo a qual os clubes apenas estão autorizados a fazer alinhar, em jogos para o campeonato ou para a taça, um número limitado de jogadores originários de países terceiros, não membros das Comunidades Europeias?»

20. Como bem refere a Comissão, não compete ao Tribunal de Justiça responder, no âmbito de um processo de reenvio prejudicial, a questões relativas à compatibilidade de uma regulamentação nacional com o direito comunitário. Tendo em conta as considerações do órgão jurisdicional de reenvio, a Comissão refere, além disso, que a questão prejudicial só se coloca para nacionais de Estados terceiros que não fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE).

21. À luz do acórdão análogo proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Pokrzeptowicz-Meyer , a questão deve então ser assim reformulada:

«O artigo 38.° , n.° 1, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação a um nacional eslovaco, como no caso em apreço, de uma regra elaborada por uma federação desportiva segundo a qual os clubes apenas podem fazer alinhar, em jogos para o campeonato ou para a taça, um número limitado de jogadores originários de países terceiros que não fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE)?»

V - Argumentos das partes

A - Quanto à admissibilidade

22. Segundo o Governo italiano, o despacho de reenvio está incompleto no que toca à descrição das circunstâncias factuais, especialmente no que diz respeito ao prejuízo efectiva e concretamente sofrido pelo jogador eslovaco. O despacho de reenvio também não refere se o jogador efectivamente jogou ou não, nem se a sua eventual participação, mais ou menos importante, nos jogos oficiais é realmente função da regra da federação mais do que das escolhas propriamente técnicas e discricionárias do treinador. Por estes motivos, o Governo italiano propõe que o Tribunal de Justiça declare inadmissível o reenvio prejudicial por força do artigo 92.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

23. A Comissão opõe-se a esta solução, invocando a jurisprudência segundo a qual não se trata de um caso hipotético, estando os factos suficientemente expostos.

B - Quanto à interpretação do artigo 38.° do acordo

24. Na audiência, M. Kolpak salientou que se encontrava limitado no exercício da sua profissão, em particular no caso de transferência, e que, em sua opinião, importa estabelecer uma situação conforme com o direito pertinente. É um trabalhador que beneficia da aplicabilidade directa do artigo 38.° do Acordo de associação, que também é aplicável às regras de federações desportivas. Além disso, o artigo 15.° do regulamento desportivo não atinge o seu objectivo uma vez que não é válido para todos os clubes.

25. A DHB, o Governo espanhol e o Governo italiano consideram no essencial que a disposição do regulamento desportivo, objecto do presente processo, não é contrária ao artigo 38.° , n.° 1, do acordo. Em sua opinião, não é directamente aplicável e, consequentemente, também não confere um direito (subjectivo) a um indivíduo, neste caso a um jogador. Segundo a DHB, isto resulta da jurisprudência actualmente consagrada sobre a inexistência de efeito horizontal das directivas e da circunstância de o Tribunal de Justiça não ter ainda admitido o efeito directo de uma disposição contida num acordo de associação.

26. Na audiência, a DHB chamou a atenção para a consequência que decorre da tese segundo a qual importa partir de um emprego regular mesmo na hipótese de uma autorização de trabalho limitada.

27. A DHB, o Governo espanhol e o Governo italiano sustentam que a proibição de discriminação, prevista no artigo 38.° do acordo, não contém nenhuma obrigação clara, precisa e incondicional. Esta disposição aplica-se antes «sem prejuízo das condições e modalidades aplicáveis em cada Estado-Membro». O artigo 15.° do regulamento desportivo constitui essa condição.

O Governo italiano salientou na audiência que cabe ao juiz nacional apreciar as disposições dos Estados-Membros e que considerações de natureza desportiva podem justificar a regra objecto do presente processo.

28. Além disso, o alcance limitado da proibição de discriminação prevista no artigo 38.° do acordo de associação, isto é, o facto de os trabalhadores eslovacos não serem plenamente equiparados aos cidadãos da União Europeia, é confirmado, segundo a DHB, o Governo espanhol e o Governo italiano, pelo objecto, o fim e o contexto do referido acordo que exprime uma fase de transição no processo de aproximação da República Eslovaca à União Europeia. A interpretação que o Tribunal de Justiça faz da livre circulação dos trabalhadores, referida no artigo 39.° CE, e a sua aplicação ao sector desportivo estão por isso limitadas aos cidadãos da União Europeia e aos nacionais dos Estados pertencentes ao EEE. De resto, o Acordo EEE não prevê, segundo o Governo italiano, reservas no que respeita às condições e modalidades. Na audiência, o Governo espanhol insistiu novamente sobre a importância da reserva prevista no artigo 38.° , n.° 1, do acordo de associação e salientou que a proibição de discriminação que aí figura tem um alcance menor do que a enunciada no artigo 39.° CE.

29. A DHB considera, também, que M. Kolpak nunca esteve impedido, por força dos estatutos da federação desportiva, de participar num jogo oficial e que o clube em causa pretende apenas empregar outros nacionais de Estados terceiros. Finalmente, a DHB sustenta que o acórdão proferido no processo Bosman não se opõe à disposição do regulamento desportivo, objecto do presente processo, dado que as suas finalidades são puramente desportivas e que a decisão tomada pela DHB de aprovar uma cláusula relativa aos estrangeiros está protegida pelo direito fundamental de liberdade de associação, garantido pela Constituição alemã.

30. Na audiência, o Governo grego referiu a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicabilidade directa dos acordos celebrados com Estados terceiros e ao desporto profissional. Por outro lado, sublinhou que o artigo 38.° do acordo de associação tem um alcance menor do que o artigo 39.° CE na medida em que não reconhece nenhum direito generalizado de livre circulação em favor dos trabalhadores. Como os Estados-Membros podem, por força do artigo 42.° do acordo de associação, estabelecer regulamentações e que importa equiparar as regras estabelecidas por federações desportivas às regulamentações nacionais em virtude do seu carácter normativo e colectivo, o Governo grego concluiu que a disposição do processo principal é compatível com o artigo 38.° do acordo de associação.

31. Em sentido contrário, o Governo alemão e a Comissão partem do princípio de que o artigo 38.° , n.° 1, do acordo é directamente aplicável e que M. Kolpak pode invocar esta disposição contra uma associação como a DHB. A remissão para as condições e modalidades não obsta à aplicabilidade directa da proibição de discriminação.

32. A cláusula relativa aos estrangeiros, objecto do presente processo, é, em sua opinião, discriminatória e, consequentemente, contraria o artigo 38.° do acordo que incide nomeadamente sobre as condições de trabalho. Contudo, só os trabalhadores eslovacos legalmente empregados num Estado-Membro podem invocar a aplicabilidade directa desta disposição.

33. No que diz respeito à aplicabilidade directa do artigo 38.° do acordo às federações desportivas, o governo alemão e a Comissão consideram que importa fazer apelo à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 39.° CE. De outro modo, a DHB poderia adoptar regulamentações que - enquanto intervenções das autoridades públicas - seriam contrárias ao direito comunitário. Na audiência, a Comissão salientou que a redacção do artigo 38.° do acordo de associação é idêntica à da disposição que o Tribunal de Justiça considerou directamente aplicável no processo Pokrzeptowicz-Meyer . No entanto, o artigo 38.° do acordo de associação não confere o direito pleno e integral de livre circulação como acontece com o artigo 39.° CE.

34. Segundo o Governo alemão e a Comissão, que invocam o acórdão proferido no processo Bosman, o artigo 15.° do regulamento desportivo é discriminatório no que diz respeito às condições de trabalho e não constitui uma restrição ao acesso ao mercado de trabalho, mas sim uma restrição ao acesso ao emprego em detrimento dos nacionais de Estados terceiros.

35. Em nenhuma circunstância tal restrição se poderia justificar dado que a cláusula relativa aos estrangeiros, objecto do presente processo, não é nem apropriada nem proporcionada para garantir a constituição de uma reserva de jogadores alemães de alto nível. Deste modo, os clubes alemães podem constituir equipas das quais não faz parte nenhum jogador alemão.

VI - Apreciação

A - Quanto à admissibilidade

36. Quanto às reservas formuladas pelo Governo italiano àcerca da admissibilidade da questão prejudicial, importa notar que, no processo principal, a questão não se prende com a participação ou não de M. Kolpak num determinado jogo, ou seja, com o facto de ter efectivamente jogado numa competição, mas sim com a circunstância de M. Kolpak reivindicar uma igualdade de tratamento, geral e de princípio; por outras palavras, exige uma autorização para jogar sem qualquer restrição, isto é, uma licença de jogador.

37. Mas, como o próprio Governo italiano referiu, o Tribunal de Justiça afirmou repetidamente que compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial. É, todavia, inexacto alegar que o Tribunal de Justiça não dispõe das informações necessárias que lhe permitam adoptar uma decisão apropriada.

38. Em face destas circunstâncias, a questão prejudicial é admissível.

B - Quanto à interpretação do artigo 38.° do acordo

1. Quanto à aplicabilidade directa do artigo 38.° do acordo

39. Importa desde já observar que o presente processo diz respeito à situação jurídica dos nacionais eslovacos na Comunidade Europeia. Deste modo, a resposta à questão prejudicial deve também limitar-se a esse aspecto e, portanto, ao n.° 1, do artigo 38.° do acordo. Como o presente processo também não se refere à situação jurídica dos cônjuges e filhos, a questão prejudicial apenas se relaciona com o primeiro travessão do artigo 38.° , n.° 1.

40. Assim, há que em seguida examinar se um particular pode invocar, num órgão jurisdicional nacional, o artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo, ou seja, se essa disposição é directamente aplicável.

41. Para responder a esta questão, pode-se recorrer à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à disposição semelhante contida noutro acordo europeu, disposição essa que também regula a livre circulação de trabalhadores: o artigo 37.° do acordo de associação celebrado com a Polónia. A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão várias vezes referido na audiência e proferido no processo Pokrzeptowicz-Meyer:

«Tendo em conta as considerações precedentes, cabe reconhecer que o artigo 37.° n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação tem efeito directo, o que implica que os nacionais polacos que dele se prevalecem o podem invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais do Estado-Membro de acolhimento» .

42. Uma comparação dos dois acordos bem como dos dois artigos revela pontos comuns fundamentais. Em primeiro lugar, relativamente ao seu objecto e à sua natureza, os acordos em princípio não se distinguem. Em segundo lugar, os textos dos artigos 37.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo celebrado com a Polónia, por um lado, e 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo europeu celebrado com a República Eslovaca, por outro, são fundamentalmente idênticos.

43. Consequentemente, as conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou a propósito do acordo com a Polónia também são transponíveis para o acordo celebrado com a República Eslovaca. Assim acontece, desde logo, com o carácter claro e incondicional da proibição de tratar de forma discriminatória os trabalhadores do país de associação em causa . Além disso, o artigo 59.° , n.° 1, do acordo com a República Eslovaca, comparável ao artigo 58.° , n.° 1, do acordo com a Polónia, também não pode constituir um impedimento à aplicabilidade directa .

44. Há então que concluir que o artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo é directamente aplicável.

2. Quanto à aplicabilidade do artigo 38.° do acordo a medidas adoptadas por federações desportivas

45. Importa analisar a seguir se uma federação desportiva como a do processo principal, ou seja, a DHB, faz parte do grupo dos destinatários do artigo 38.° do acordo.

46. Quanto a este aspecto, como bem referiu a Comissão, há que recorrer à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à disposição análoga contida no Tratado CE, o artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE), bem como à proibição de discriminação prevista no artigo 12.° do Tratado CE (actual artigo 6.° CE).

47. Segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE), não regula «apenas a actuação das autoridades públicas, mas abrange também as regulamentações de outra natureza destinadas a disciplinar, de forma colectiva, o trabalho assalariado» .

48. Além disso, o Tribunal de Justiça «considerou que a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços entre os Estados-Membros seria comprometida se a abolição das barreiras de origem estatal pudesse ser neutralizada por obstáculos resultantes do exercício da sua autonomia jurídica por associações ou organismos de direito privado» .

49. «Além disso, observou que as condições de trabalho nos diversos Estados-Membros são regidas tanto por via de disposições de carácter legislativo ou regulamentar como por convenções ou outros actos celebrados ou adoptados por pessoas privadas. Por conseguinte, limitar o objecto do artigo 48.° do Tratado aos actos das autoridades públicas acarretaria o risco de criar desigualdades quanto à sua aplicação» .

50. Uma vez que está assente segundo uma jurisprudência constante que os particulares podem também invocar a proibição de discriminação prevista no artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) contra federações desportivas, importa então analisar se esta interpretação pode ser transposta para o artigo 38.° do acordo.

51. Neste contexto, basta relembrar as conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou no processo Pokrzeptowicz-Meyer a propósito do acordo de associação com a Polónia. A fundamentação em que se baseou o Tribunal de Justiça para transpor a jurisprudência relativa ao artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) para a disposição equivalente contida no acordo de associação com a Polónia é igualmente pertinente no presente processo.

52. Assim, o Tribunal de Justiça considera que «uma simples semelhança da redacção de uma disposição de um dos tratados que instituem as Comunidades e de um acordo internacional [...] não basta [...]». Pelo contrário, segundo o Tribunal de Justiça, é determinante analisar «a finalidade prosseguida por cada uma das disposições no quadro que lhe é próprio. A este respeito, a comparação dos objectivos e do contexto do acordo, por um lado, e dos do Tratado, por outro, reveste-se de uma importância considerável» .

53. O Tribunal de Justiça concluiu então que o artigo 37.° do acordo de associação com a Polónia institui a favor dos trabalhadores da nacionalidade do país da associação, desde que se encontrem legalmente empregados no território de um Estado-Membro, um direito de igualdade de tratamento quanto às condições de trabalho com o mesmo alcance que aquele que é reconhecido pelo artigo 48.° , n.° 2, do Tratado .

54. Isto significa, em definitivo, que a interpretação do artigo 48.° , n.° 2, do Tratado CE acolhida nos acórdãos proferidos nos processos Walrave e Bosman , pode ser transposta, no caso em apreço, para o artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo.

3. Quanto ao conteúdo do artigo 38.° do acordo

a) O círculo dos beneficiários

55. Importa agora analisar se M. Kolpak, isto é, se de uma maneira geral um desportista profissional como o do processo principal, faz parte do círculo dos beneficiários do artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo. Há que salientar que esta disposição apenas se aplica aos trabalhadores que residem legalmente no território do Estado em questão. Resulta dos autos que M. Kolpak é titular de um certificado de residência válido e que não precisa de uma autorização de trabalho.

56. Quanto à qualidade de trabalhador de M. Kolpak, importa recordar o acórdão proferido no processo Lehtonen, em que o Tribunal de Justiça afirmou o seguinte:

«Quanto ao conceito de trabalhador, importa lembrar que, nos termos da jurisprudência constante, o mesmo não pode ser objecto de uma interpretação que varie de acordo com os direitos nacionais, revestindo, antes, um alcance comunitário. Este conceito deve ser definido de acordo com critérios objectivos que caracterizem a relação de trabalho, tendo em consideração os direitos e os deveres das pessoas em causa. Ora, a característica essencial da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direcção, as prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração» .

57. Decorre da matéria de facto apurada pelo órgão jurisdicional de reenvio, assim como dos documentos apresentados ao Tribunal de Justiça, que M. Kolpak celebrou um contrato de trabalho com um clube, o TSV Ostringen e. V. Handball, exercendo na qualidade de assalariado deste clube as funções de guarda-redes.

58. Resulta assim das circunstâncias acima referidas que M. Kolpak pertence ao círculo dos beneficiários.

b) A existência de um entrave à livre circulação dos trabalhadores

59. Resta analisar se a limitação de jogadores originários de Estados terceiros, prevista no artigo 15.° do regulamento desportivo, constitui um entrave à livre circulação dos trabalhadores ou, noutros termos, se o artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo se opõe a uma disposição como a do regulamento desportivo.

60. A este respeito, importa, em primeiro lugar, determinar se o artigo 15.° do regulamento desportivo versa sobre as condições de trabalho. Tal como justamente salientou a Comissão, assim acontece dado que os nacionais de Estados terceiros - com excepção dos nacionais dos Estados pertencentes ao EEE - apenas dispõem de possibilidades limitadas de participar em determinados desafios, ou seja, nos jogos do campeonato e nos da taça da Bundesliga e das Regionalligen (ligas regionais).

61. Como o Tribunal de Justiça referiu no acórdão Bosman, «a participação nesses encontros constitui o objecto essencial da actividade» de um jogador profissional; consequentemente, «uma regra que a limita restringe igualmente as possibilidades de emprego do jogador em causa» .

62. Resulta portanto claramente da jurisprudência que uma regra como a do caso em apreço constitui um entrave à livre circulação dos trabalhadores .

63. Uma vez que nenhuma restrição desta natureza se aplica aos nacionais dos Estados pertencentes ao EEE e, portanto, aos nacionais da União, os nacionais eslovacos são aqui vítimas de uma discriminação.

64. Resta agora analisar se o entrave à livre circulação dos trabalhadores pode justificar-se objectivamente.

65. Importa desde já salientar que a regra aqui em causa não constitui nem uma regra de selecção que não contém qualquer cláusula de nacionalidade, como no processo Deliège , nem uma regra que responde ao objectivo de garantir a regularidade das competições desportivas, como no processo Lehtonen , mas antes uma regra que limita o número de jogadores nacionais de outros Estados, ou seja, em substância, uma regra semelhante à que estava em causa no processo Bosman , embora nesse processo fossem visados os nacionais de outros Estados-Membros.

66. De resto, não se demonstrou ao longo do processo que o artigo 15.° do regulamento desportivo é adequado à prossecução de fins puramente desportivos.

67. Mesmo que se considerasse que o artigo 15.° do regulamento desportivo era apropriado à prossecução de um objectivo de interesse geral, isso não fazia com que passasse a ser proporcionado. As medidas tomadas pelas federações desportivas não devem portanto exceder o necessário para atingir esse objectivo . Neste sentido, não se pode sobretudo esquecer a objecção segundo a qual os clubes podem fazer alinhar nos jogos nacionais dos Estados pertencentes ao EEE, aí incluídos os Estados-Membros da União Europeia.

68. Quanto ao argumento invocado ao longo do processo, segundo o qual o artigo 15.° do regulamento desportivo na versão aplicável ao processo principal é especialmente necessário, por razões exclusivamente desportivas, para criar uma reserva de jogadores nacionais suficiente, importa salientar que o Tribunal de Justiça rejeitou expressamente este argumento no processo Bosman .

69. Por fim, há que salientar que os jovens jogadores alemães não estão limitados a apenas jogar num clube alemão. Têm também a possibilidade de se iniciarem no desporto de alta competição enquanto jogadores no estrangeiro.

70. Resulta das considerações que antecedem, que uma regulamentação como a do processo principal entrava o exercício do direito à livre circulação inscrito no artigo 38.° , n.° 1, primeiro travessão, do acordo.

VII - Conclusão

71. Propomos assim ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à questão prejudicial reformulada:

«O artigo 38.° , n.° 1, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro, artigo este de aplicabilidade directa, opõe-se a que a um nacional eslovaco se aplique, como no caso em apreço, uma regra estabelecida por uma federação desportiva segundo a qual os clubes só podem fazer alinhar nos jogos do campeonato e da taça um número limitado de jogadores originários de países terceiros que não pertençam ao Espaço Económico Europeu (EEE).»

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