Conclusions
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 19 de Junho de 2003(1)
Processo C‑277/00
República Federal da Alemanha
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«»
Índice
Matéria de facto e tramitação processual |
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O procedimento administrativo e a decisão impugnada |
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Tramitação processual no Tribunal de Justiça |
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A qualificação das subvenções pagas pela THA à SMI como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum |
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A qualificação do empréstimo de 70,3 milhões de DEM concedido à SMI pelo Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível
com o mercado comum |
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A não aplicação da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), e a insuficiente fundamentação quanto a este ponto |
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A violação dos artigos 87.°, n.° 1, e 88.° CE |
A qualificação da subvenção de 1,8 milhões de DEM paga à SMI para operações de transferência como um auxílio estatal incompatível
com o mercado comum |
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A qualificação do empréstimo concedido à SiMI pelo Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível com o mercado comum |
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A qualificação da subvenção paga pela BvS à SiMI como auxílio estatal incompatível com o mercado comum |
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A ordem de recuperação dos auxílios de empresas que não sejam a SMI |
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A recuperação dos auxílios concedidos à SiMI |
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A recuperação dos auxílios concedidos à SMI |
1.
Por recurso interposto em 11 de Julho de 2000, a República Federal da Alemanha pediu, ao abrigo do artigo 230.° CE, a anulação
da Decisão 2000/567/CE da Comissão Europeia, de 11 de Abril de 2000, «relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha
a favor da System Microelectronic Innovation GmbH, Frankfurt/Oder (
Land de Brandeburgo)» (a seguir «decisão impugnada»)
(2)
.
Matéria de facto e tramitação processual Matéria de facto
2.
Antes da reunificação da Alemanha, a empresa do povo VEB/Kombinat Halbleiterwerk, com sede em Frankfurt/Oder (
Land de Brandeburgo), exercia a sua actividade principal de fabrico por medida de circuitos integrados e detinha, neste sector
económico, a liderança do mercado em toda a área do Comecon. A esta empresa sucedeu a Mikroelektronik und Technologie GmbH
(a seguir «MTG»), cuja propriedade era da Treuhandanstalt, um organismo alemão de direito público encarregado da reestruturação
das empresas da antiga República Democrática Alemã (a seguir «THA»).
3.
Em Janeiro de 1993 (com efeitos a partir de Março desse mesmo ano) a THA cedeu à empresa norte‑americana Synergy Semiconductor
Corporation (a seguir «Synergy») 49% do capital da MTG, que adoptou nesse contexto a denominação de Halbleiter Electronic
Frankfurt (O) GmbH (a seguir «HEG»); essa denominação foi posteriormente alterada em Dezembro de 1993 para System Mikroelektronik
GmbH (a seguir «SMI»). Em 28 de Junho de 1994, a THA transferiu a sua participação no capital da SMI (de 51%) para o
Land de Brandeburgo.
4.
No período de 1993 a 1997, a SMI recebeu financiamentos da THA e do
Land de Brandeburgo num montante global de 135,1 milhões de DEM, repartidos do seguinte modo:
- –
- subvenções da THA de 64,8 milhões de DEM, dos quais: 45 milhões para investimentos; 18 para fazer face às exigências de liquidez
da empresa; e 1,8 para operações de transferência
(3)
;
- –
- um empréstimo de 70,3 milhões de DEM, repartido em duas prestações de 35 e 35,3 milhões de DEM, por parte do Land de Brandeburgo.
5.
Devido às dificuldades encontradas no exercício da sua actividade, em 25 de Abril de 1997 a SMI foi obrigada a apresentar‑se
à falência, adoptando por conseguinte a denominação de SMI in Gesamtvollstreckung (SMI em liquidação; a seguir «SMI i.G.»).
Em 30 de Junho de 1997, a SMI i.G. cessou a sua actividade e, no dia seguinte, o Amtsgericht Frankfurt/Oder decretou o início
do processo de falência, procedendo à nomeação de um administrador. No mesmo dia, a fim de permitir a prossecução da actividade
da SMI (que nessa época contava com 370 trabalhadores), o administrador da falência criou duas empresas de acantonamento:
a Silicium Microelektronik Integration GmbH (a seguir «SiMI»), detida a 100% pela SMI i.G.; e a Microelectronic Design & Development
GmbH (a seguir «MD & D»), detida a 100% pela SiMI. A SiMI, com um capital social de 50 000 DEM e 105 trabalhadores, deveria
continuar a exercer a actividade da SMI, utilizando a título oneroso os activos desta. A MD & D, com o mesmo capital, deveria,
pelo contrário, operar nas áreas de consultoria, marketing, concepção e desenvolvimento de produtos e serviços no sector da
microelectrónica.
6.
Sempre com o objectivo de permitir a prossecução da actividade da SMI, em 29 de Julho de 1997, o
Land de Brandeburgo concedeu à SiMI um empréstimo de 4 milhões de DEM com uma taxa de juro 3% mais elevada que a taxa normal de
mercado. A Bundesanstalt für vereinigungsbedingte Sonderaufgaben (sucessora da THA; a seguir «BvS») concedeu, além disso,
à SiMI um empréstimo posterior de 1 milhão de DEM para compensar as perdas previstas nos primeiros doze meses de actividade.
7.
O
Land de Brandeburgo, de acordo com o administrador da falência, tentou encontrar um investidor privado que adquirisse a SiMI.
Na sequência de algumas negociações infrutíferas, em 28 de Junho de 1999, 80% das acções da MD & D foram vendidas à empresa
norte‑americana Megaxess Inc. (a seguir «Megaxess»), e os restantes 20% foram cedidos a três trabalhadores da própria MD & D.
Em 14 de Julho de 1999, a MD & D adquiriu, pois, as participações da SiMI, no valor nominal de 50 000 DEM, e os activos da
SMI i.G., pelo preço de 1,7 milhões de DEM.
O procedimento administrativo e a decisão impugnada
8.
Depois de ter tido conhecimento através da imprensa de um projecto de auxílios em benefício da SMI, em 2 de Setembro de 1996
e em 23 de Janeiro de 1997, a Comissão dirigiu‑se às autoridades alemãs para obter informações adicionais a esse respeito.
Não tendo recebido nenhuma comunicação oficial em resposta a esses pedidos, por ofício de 5 de Agosto de 1997, a Comissão
informou o Governo alemão da sua decisão de dar início a um processo em conformidade com o artigo 88.°, n.° 2, CE
(4)
. Nesse ofício, a Comissão exprimia, em especial, as suas dúvidas: a) quanto à compatibilidade com o mercado comum dos presumidos
auxílios estatais, num montante global de 131 milhões de DEM, concedidos à SMI pela THA e pelo
Land de Brandeburgo; b) quanto ao cumprimento das normas comunitárias em matéria de auxílios por ocasião da venda das participações
da HEG à Sinergy. A Comissão ordenava, além disso, ao Governo alemão que transmitisse todos os documentos, informações e elementos
necessários para lhe permitir apreciar a compatibilidade dos auxílios já pagos ou a pagar pela SMI, indicando que, caso contrário,
adoptaria uma decisão com base apenas nas informações à sua disposição.
9.
No decurso do processo, as autoridades alemãs comunicaram várias vezes elementos informativos à Comissão e apresentaram as
suas observações. Apenas um terceiro interessado (a Swedish Electronic Component Manufacturers Association) apresentou observações
à Comissão, apoiando a sua decisão de dar início ao processo.
10.
Com base nas informações obtidas no decurso do processo, em 11 de Abril de 2000 a Comissão adoptou a decisão impugnada, na
qual:
- –
- declarou que as subvenções pagas pela THA a favor da SMI num montante total de 64,8 milhões de DEM e o empréstimo de 70,3
milhões de DEM concedido à mesma empresa pelo Land de Brandeburgo constituíam auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum (artigo 1.°);
- –
- declarou igualmente que a subvenção de 1 milhão de DEM paga pela BvS à SiMI e o empréstimo de 4 milhões de DEM concedido à
mesma empresa pelo Land de Brandeburgo constituíam auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum (artigo 2.°);
- –
- e ordenou à Alemanha que tomasse todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários esses auxílios pagos
indevidamente (acrescidos dos juros entretanto vencidos), nos termos das disposições do direito alemão, precisando para esse
fim que «o termo ‘beneficiário’ abrange a SiMI, a SMI e a Microelectronic Design & Development GmbH (MD & D), bem como qualquer
outra empresa que tenha recebido ou venha a receber activos da SMI, da SiMI ou da MD & D com o fim de contornar as consequências
da [...] decisão» (artigo 3.°).
11.
Na fundamentação da decisão, a Comissão explicou antes de mais as razões pelas quais: a) as medidas em questão constituíam
auxílios estatais nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE (n.
os 26 e 27); b) esses auxílios eram incompatíveis com o mercado comum, não podendo beneficiar de nenhuma das derrogações referidas
nos n.
os 2 e 3 do artigo 87.° (n.
os 29 a 40). Nesse contexto, para o que aqui interessa, a Comissão esclareceu também que, ao contrário do que entenderam as
autoridades alemãs, as subvenções pagas pela THA à SMI não estavam abrangidas pelas decisões em que a Comissão autorizou o
segundo e o terceiro regimes de auxílios da THA
(5)
. A esse propósito, a Comissão sublinhou, em especial, que as subvenções em questão apenas poderiam ser abrangidas nesses
regimes se a SMI fosse privatizada e que, para esse fim, não era suficiente a cessão de 49% do capital dessa empresa à Sinergy
(6)
, porque «uma instituição pública manteve uma participação maioritária na empresa e um controlo ilimitado sobre a sua actividade
enquanto que os accionistas privados apenas detinham uma participação minoritária»
(7)
.
12.
Uma vez estabelecido que as medidas em questão eram qualificadas como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum,
e dado que esses auxílios foram concedidos ilegalmente, a Comissão considerou oportuno fornecer algumas indicações sobre a
consequente obrigação de recuperação, «tendo em conta as recentes alterações introduzidas a nível dos beneficiários do auxílio»
(8)
.
13.
A esse respeito, a Comissão começou por esclarecer em termos gerais que «o auxílio tem de ser recuperado da empresa que o
recebeu efectivamente. Caso o beneficiário tenha sido alienado subsequentemente, o auxílio tem de ser recuperado do comprador,
independentemente do facto de os respectivos montantes terem sido considerados ou não nas condições de venda»
(9)
. Aplicando o referido princípio ao auxílio concedido à SiMI, a Comissão indicou, portanto, que «as suas participações foram
vendidas à MD & D em 14 de Julho de 1999», retirando daí a consequência que «este auxílio [tinha] de ser recuperado da MD & D»
(10)
.
14.
É mais complexo, no entanto, o raciocínio desenvolvido pela Comissão no que respeita à recuperação do auxílio concedido à
SMI.
15.
A esse propósito, a Comissão observou antes de mais que «é possível ou até mesmo provável, que no decurso da liquidação subsequente
a um processo de falência, todos os activos restantes da empresa sejam vendidos, o que, em si, não deve ser considerado como
problemático, dado que a venda se realizou sob o controlo de um administrador da falência que é suposto agir no interesse
dos credores, destinando‑se o produto da venda dos activos a satisfazer as exigências dos credores. Se bem que esse produto
possa não ser suficiente para extinguir todas as dívidas da empresa e para assegurar um reembolso total, a liquidação não
deixa de ser interessante em termos de condições de concorrência. As empresas concorrentes susceptíveis de terem sofrido prejuízos
resultantes de auxílios estatais incompatíveis, devem poder ocupar o nicho de mercado deixado pela empresa em processo de
liquidação e adquirir os activos vendidos e utilizá‑los mais eficazmente. A fim de evitar, além disso, que a sua decisão seja
contornada e para excluir quaisquer distorções da concorrência, a Comissão pode, se for caso disso, exigir que o processo
de recuperação não esteja limitado ao beneficiário inicial dos auxílios, alargando‑o à empresa que prossegue a actividade
do beneficiário inicial com os meios de produção que lhe foram transferidos, caso determinados aspectos da transferência em
ambas as empresas permitam a comprovação da continuação da actividade económica»
(11)
.
16.
Em seguida, quanto ao caso em análise, a Comissão indicou que «os activos imobilizados da SMI foram alienados em conjunto
com as participações da SiMi à MD & D. A alienação dos activos imobilizados foi necessária para permitir que a MD & D prosseguisse
a actividade da SiMI, dado que a SiMI havia utilizado os activos da SMI, tendo beneficiado assim do auxílio concedido formalmente
à SMI. A alienação dos activos imobilizados teve lugar pouco depois de 28 de Junho de 1999 quando o mesmo administrador vendeu
80% das participações da MD & D à Megaxess e os restantes 20% a trabalhadores da MD & D». Segundo a Comissão, era, portanto,
evidente «que todas estas transacções [estavam] interligadas, tendo por fim colocar todos os activos que estavam na posse
da SMI e eram utilizados pela SiMI, sob o controlo dos novos accionistas da MD & D, de modo a protegê‑los da operação de recuperação
de auxílios estatais ilegalmente concedidos». Nessas circunstâncias, em seu entender, «o preço pago pelas participações da
MD & D, por um lado, e o preço pago pelos activos da SMI e pelas participações da SiMI, por outro, não [tinha] qualquer peso
na apreciação da transacção na sua globalidade»
(12)
.
17.
Tendo em conta igualmente que a «Megaxess e os outros compradores da MD & D e obviamente a MD & D estavam perfeitamente a
par da existência deste processo e deveriam tê‑lo tomado em consideração», a Comissão chegou, portanto, à conclusão que «o
termo ‘beneficiário’ [abrangia] não só a SiMI e a SMI, mas igualmente a MD & D e qualquer outra empresa que [tivesse] recebido
ou [viesse] a receber activos da SMI; da SiMI ou da MD & D com o fim de contornar as consequências da [...] decisão»
(13)
.
Tramitação processual no Tribunal de Justiça
18.
Por recurso interposto em 11 de Julho de 2000, a República Federal da Alemanha pediu a anulação da decisão impugnada e a condenação
da Comissão nas despesas do processo. A Comissão contestou obviamente esses pedidos, pedindo, por sua vez, a condenação da
recorrente nas despesas. Concluída a fase escrita, no decurso da qual foram apresentadas igualmente uma réplica e uma tréplica,
as partes foram ouvidas em audiência em 21 de Novembro de 2002.
Análise jurídica Introdução
19.
No requerimento de interposição do presente recurso, o Governo alemão apresentou quatro fundamentos, designadamente:
i)
violação dos direitos da defesa e do artigo 88.°, n.° 2, CE, devido ao facto de a ordem de recuperação se dirigir também à
SiMI, à MD & D e a outras empresas não referidas, sem que a Comissão tenha dado início a qualquer processo de inquérito relativamente
a essas empresas;
ii)
violação de formalidades essenciais, devido, por um lado, a erro no apuramento dos factos (relativamente à privatização da
SMI, ao facto de o empréstimo concedido à SiMI pelo
Land de Brandeburgo poder ou não ser abrangido num regime de auxílios autorizado e à transferência de vantagens para a SiMI, a
MD & D ou para terceiros) e, por outro, a falta de fundamentação [relativamente à privatização da SMI e à possível aplicação
da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), CE];
iii)
violação dos artigos 87.°, n.
os 1 e 2, alínea c), e 88.° CE, devido a erro na qualificação das medidas controvertidas como auxílios estatais incompatíveis
com o mercado comum;
iv)
diversos vícios relativos à ordem de recuperação dos auxílios junto de empresas que não a SMI e, em especial: incompetência
da Comissão; violação sob diversos aspectos dos artigos 87.°, n.° 1, e 88, n.° 2, CE; violação de formalidades essenciais
por insuficiente apuramento dos factos e falta de fundamentação; violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.
20.
Como é fácil verificar, estes fundamentos (ou as partes em que se articulam) têm por objecto pontos diferentes da decisão
impugnada: com efeito, o primeiro, uma parte do segundo e o quarto fundamentos referem‑se à ordem de recuperação dos auxílios
(artigo 3.° da decisão), e algumas partes do segundo e o terceiro fundamentos dizem respeito à qualificação das medidas controvertidas
como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum (artigos 1.° e 2.°). Por motivos de clareza e de ordem de exposição,
na análise dos referidos fundamentos convirá, portanto, começar pelos que põem em causa a qualificação das diversas medidas
controvertidas (consideradas separadamente) como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum e, em seguida, passar
a analisar os que dizem respeito à ordem de recuperação.
A qualificação das subvenções pagas pela THA à SMI como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum Argumentos das partes
21.
À parte as críticas de carácter geral relativas à não aplicação da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c)
(14)
e à insuficiente fundamentação da decisão quanto a este ponto, que dizem respeito indistintamente a todas as medidas controvertidas,
as críticas especificamente formuladas pelo Governo recorrente quanto à qualificação das subvenções pagas pela THA à SMI como
auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum partem das referidas decisões em que a Comissão autorizou o primeiro e
o segundo regimes de auxílios da THA.
22.
Em especial, sublinha o Governo alemão, a decisão relativa ao primeiro regime da THA precisou que, em caso de privatização
de uma empresa por parte dessa entidade, o preço de venda não continha elementos de auxílio se a empresa interessada tivesse
sido cedida à melhor oferta ou ao único adquirente no quadro de um processo de venda aberta e incondicionada. Na decisão relativa
ao segundo regime da THA, a Comissão esclareceu depois que um preço de venda negativo (ou seja, em substância, uma subvenção
à empresa cedida ou ao adquirente) não constituía um auxílio estatal no caso de a liquidação da empresa ter sido mais onerosa.
Segundo essa decisão, continua o Governo alemão, a venda de uma empresa a um preço negativo devia ser notificada à Comissão
e ser analisada por esta apenas se a empresa em questão empregasse mais de mil trabalhadores e se: a venda não tivesse ocorrido
no âmbito de um processo aberto e incondicionado; a empresa não tivesse sido cedida à melhor oferta; ou a liquidação da empresa
tivesse sido menos onerosa. Em todos os outros casos de privatização, a concessão de financiamentos não deveria ter sido considerada
um auxílio estatal, ou pelo menos deveria ter sido considerada um auxílio concedido no âmbito de um regime autorizado pela
Comissão.
23.
Entendendo que no caso vertente estavam reunidas todas as condições previstas pela decisão de autorização do segundo regime
da THA, o Governo recorrente critica, assim, a Comissão por não ter considerado aplicável a referida decisão (porque, na opinião
da referida instituição, não tinha sido realizada uma privatização) e, portanto, de ter qualificado erradamente as subvenções
pagas pela THA como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum. A esse respeito, refere, designadamente:
- –
- violação de formalidades essenciais por insuficiência e erro no apuramento da matéria de facto, porque a Comissão não teve
em devida conta as condições da venda de 49% do capital da SMI à Sinergy e entendeu erradamente que não tinha sido transferido
para a Sinergy o controlo da empresa, chegando assim à conclusão errada de que esta venda não implicava uma privatização na
acepção do segundo regime da THA;
- –
- falta de fundamentação, devida ao facto de na decisão terem sido completamente ignorados os argumentos desenvolvidos pelas
autoridades alemãs para explicar que os contratos relativos à cessão à Sinergy de 49% do capital da SMI implicavam uma privatização
na acepção do segundo regime da THA;
- –
- violação dos artigos 87.°, n.° 1, e 88.° CE, devido ao facto de a Comissão ter entendido erradamente que a venda de 49% do
capital da SMI à Sinergy ou a venda subsequente dos restantes 51% desse capital ao Land de Brandeburgo não implicavam uma privatização na acepção do segundo regime da THA e, por conseguinte, ter qualificado erradamente
as medidas controvertidas como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum.
24.
Concentrando‑nos, pelas razões que veremos em breve, na crítica relativa à insuficiência e erro no apuramento da matéria de
facto, os argumentos das partes podem ser sintetizados do seguinte modo.
25.
Por um lado, o Governo alemão sustenta que na decisão impugnada não foram tidas em consideração as circunstâncias de facto
relativas à cessão à Sinergy de 49% do capital da SMI e que a Comissão nem sequer apreciou, em concreto, se a Sinergy tinha
adquirido ou não a direcção ou o controlo da empresa. A Comissão limitou‑se simplesmente a verificar que a Sinergy tinha adquirido
apenas a parte minoritária da SMI, daí deduzindo aprioristicamente que a THA tinha mantido o controlo da empresa e que, por
conseguinte, não tinha sido realizada uma privatização efectiva.
26.
Essa dedução errada teria sido evitada, segundo aquele Governo, se a Comissão tivesse analisado os contratos relativos à operação
de privatização, para os quais, aliás, tinha chamado a sua atenção nas suas comunicações de 6 de Outubro de 1997 e de 7 e
14 de Fevereiro de 2000. Desses contratos resulta, com efeito, que a Sinergy tinha adquirido a direcção e o controlo da SMI,
considerando em especial que lhe tinha sido reconhecido o direito de nomear dois dos três administradores, metade dos membros
do conselho de fiscalização e o presidente do referido conselho. A posição de controlo da Sinergy, segundo o Governo alemão,
teria sido, além disso, confirmada: a) pelo facto de os acordos parassociais atribuírem a essa empresa uma opção de compra
das restantes participações sociais e ao administrador delegado nomeado para gerir as participações da THA uma correspondente
opção de venda; b) pelo facto de todas as decisões importantes deverem ser tomadas com o consentimento da Sinergy, porque
para estas os estatutos da SMI previam uma maioria de 85% dos votos. No mesmo sentido depõe, em seguida, igualmente o facto
de apenas serem reconhecidos ao administrador delegado das participações da THA poderes secundários e limitados de fiscalização.
27.
Por outro lado, a Comissão objecta que, não obstante o pedido de informações dirigido ao Governo alemão com o ofício que o
informava da abertura do processo, este só lhe comunicou os elementos de facto relevantes de modo reticente e incompleto,
obrigando‑a assim a adoptar uma decisão com base apenas nas informações disponíveis
(15)
. Em especial, a Comissão afirma que não pôde ter em consideração as circunstâncias materiais e jurídicas relativas à cessão
à Synergy de 49% do capital da SMI, porque: a) dos contratos concluídos no âmbito dessa cessão só lhe foi dado conhecimento
pela primeira vez com o recurso; b) é inexacta a afirmação segundo a qual o conteúdo destes contratos já lhe tinha sido exposto
nas três comunicações referidas pelo Governo alemão. A Comissão acrescenta, em seguida, que, de qualquer modo, dado o conceito
jurídico de privatização que perfilha, não havia razão para se interessar de modo mais aprofundado pela transferência da direcção
e do controlo da SMI à Sinergy.
Apreciação
28.
Deste modo, expostas em síntese as posições das partes, e chegando à apreciação da crítica em análise, devo antes de mais
recordar que na decisão impugnada a Comissão entendeu que as subvenções pagas pela THA não estavam abrangidas no segundo e
terceiro regimes de auxílios da THA, porque a cessão à Sinergy de 49% do capital da SMI «não [podia] ser [encarada] como uma
‘privatização’ na acepção dos regimes [referidos]». Em apoio desta afirmação, a Comissão precisou, em especial, que «ao abrigo
destes regimes, [estavam] previstas subvenções no caso de uma privatização precisamente devido ao papel único e singular da
THA, ou seja, a realização da passagem de uma economia estatal para uma economia de mercado. Tais auxílios, contudo, só podem
atingir o seu objectivo se
as empresas públicas forem vendidas e o seu controlo passar para investidores privados». No caso em apreço, pelo contrário, segundo a Comissão, «
uma instituição pública manteve uma participação maioritária na empresa e um controlo ilimitado sobre a sua actividade enquanto
que os accionistas privados apenas detinham uma participação minoritária»
(16)
.
29.
Do texto da decisão resulta, portanto, claramente que a Comissão excluiu que no caso vertente tivesse sido realizada uma «privatização»,
referindo o facto de, além da maioria da SMI, a THA ter mantido «
um controlo ilimitado sobre a sua actividade». Parece, de resto, um dado adquirido que, como sublinha o Governo alemão sem ser contrariado pela Comissão, essa apreciação
colidia com a realidade dos factos, porque os contratos relativos à cessão de 49% do capital da SMI conferiam à Sinergy o
controlo dessa empresa. Daí pode facilmente deduzir‑se que a apreciação da Comissão quanto à qualificação das medidas controvertidas
como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum se baseava efectivamente num erro no apuramento da matéria de facto.
30.
Esta conclusão, no entanto, não é suficiente para acolher a crítica em análise, porque há ainda que apreciar se, como sustenta
a Comissão, este erro no apuramento da matéria de facto é na realidade imputável não à instituição demandada, mas ao próprio
Governo recorrente. Ou seja, há que determinar se esse erro no apuramento da matéria de facto não dependia do comportamento
do Governo alemão, o qual, embora tenha recebido em 15 de Agosto de 1997 uma ordem formal na acepção da jurisprudência Boussac,
já referida, não forneceu à Comissão as informações solicitadas, autorizando‑a assim a apreciar as medidas controvertidas
«baseando‑se nos elementos de que [dispunha]»
(17)
.
31.
No entanto, duvido que a questão se coloque nestes termos. Como observou com razão o Governo recorrente, com efeito, longe
de se prevalecer da faculdade oferecida pela jurisprudência Boussac, a Comissão continuou a discutir com as autoridades alemãs
e a solicitar‑lhes informações no âmbito de um procedimento que durou dois anos e oito meses, durante os quais esta instituição
teve com certeza possibilidade de esclarecer um aspecto especialmente importante para a economia da sua própria decisão, como
é o controlo da SMI na sequência da cessão de 49% do seu capital à Sinergy.
32.
Mas, sobretudo, parece‑me decisivo o facto de na realidade a Comissão ter sido informada da cessão do controlo da SMI à Sinergy.
Em resposta, com efeito, a um seu pedido de informações de 13 de Janeiro de 2000, em 14 de Fevereiro seguinte as autoridades
alemãs precisaram que, com a venda de 49% do capital da SMI «cessou a responsabilidade da THA [por essa empresa], porque o
controlo e a direcção desta se mantiveram nas mãos da Sinergy, que decidiu o plano de reestruturação e a gestão». É verdade
que com essa comunicação não foram esclarecidas as modalidades da transferência para a Sinergy do controlo da SMI e que não
se anexavam os contratos respectivos, mas é evidente que se existissem dúvidas a esse respeito a Comissão deveria ter pedido
explicações às autoridades alemãs. Em qualquer caso, não pode com certeza considerar‑se correcto o comportamento desta instituição,
que ignorou completamente e sem fundamento a comunicação das autoridades alemãs e baseou a sua decisão no pressuposto errado
de que, na sequência da cessão de 49% do capital da SMI, a THA mantinha «um controlo ilimitado sobre a sua actividade».
33.
Parece‑me igualmente improcedente, de resto, o argumento desenvolvido pela Comissão na tréplica. Nesse articulado, a instituição
demandada sustentou, em especial, que não era necessário apreciar se a Sinergy tinha ou não adquirido o controlo da SMI, visto
que, de qualquer modo, nem sequer a transferência de 49% do capital de uma empresa e do controlo da mesma implicavam uma privatização
na acepção do segundo e terceiro regimes da THA; para esse fim seria necessário, ao invés, a cessão da maioria do capital.
A esse respeito, no entanto, é fácil objectar que não é este o motivo pela qual na decisão impugnada se negou a realização
de uma privatização. Como vimos, com efeito, a Comissão chegou a essa conclusão referindo apenas o facto de que, além da maioria
da SMI, a THA tinha mantido «um controlo ilimitado sobre a sua actividade». Por outro lado, parece‑me evidente que, se tivesse
querido seguir a tese exemplificada na tréplica, já na decisão a Comissão deveria ter explicado porque é que a venda de 49%
do capital de uma empresa, com a cessão nesse contexto do controlo, não implicava uma privatização na acepção do segundo e
terceiro regimes da THA, quando para atingir esse resultado seria suficiente a venda de 51% do capital social.
34.
À luz das considerações precedentes, entendo, portanto, que o presente fundamento é procedente e que, por conseguinte, a decisão
impugnada deve ser anulada na parte em que qualificou as subvenções pagas pela THA à SMI como auxílios estatais incompatíveis
com o mercado comum, sem que seja necessário analisar as outras críticas relativas a esse aspecto.
A qualificação do empréstimo de 70,3 milhões de DEM concedido à SMI pelo Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível
com o mercado comum
35.
Relativamente à qualificação do empréstimo de 70,3 milhões de DEM concedido à SMI pelo
Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível com o mercado comum, o Governo recorrente critica: por um lado, tal como
relativamente a todas as medidas controvertidas, a não aplicação da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), CE e a insuficiente
fundamentação da decisão quanto a este ponto; por outro, a violação dos artigos 87.°, n.° 1, e 88.° CE, devido ao facto de
a Comissão não ter considerado que o empréstimo em questão tinha sido concedido no âmbito da privatização da SMI e, por conseguinte,
estava abrangido pela decisão de autorização do segundo regime da THA.
i) A não aplicação da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), e a insuficiente fundamentação quanto a este ponto
36.
No que respeita a este primeiro aspecto, o Governo alemão critica, em substância, a Comissão por ter excluído erradamente,
sem apreciação e fundamentação adequadas, a aplicabilidade da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), CE, segundo o qual
são compatíveis com o mercado comum «os auxílios atribuídos a certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela
divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão». O Governo
recorrente sublinha, em especial, que a Comissão deveria ter apreciado se, na acepção da disposição em causa, a cidade de
Frankfurt/Oder (situada na fronteira com a Polónia) era uma «região» afectada pela divisão da Alemanha e se as diversas medidas
em favor da SMI e da SiMI, ambas estabelecidas nesta região, eram necessárias para compensar a desvantagem decorrente do seu
isolamento económico. Se tivesse sido correctamente efectuada, continua o Governo alemão, essa apreciação deveria necessariamente
ter conduzido a Comissão a aplicar a derrogação em questão e, por conseguinte, a declarar os auxílios compatíveis com o mercado
comum.
37.
Por seu lado, a Comissão objecta que no decurso do processo as autoridades alemãs não apresentaram nenhum argumento relativo
à possível aplicação da derrogação em questão e que, portanto, não tinha nenhuma razão para analisar aprofundadamente esse
aspecto. De resto, segundo a Comissão, nem sequer no recurso teriam sido fornecidos elementos a favor da aplicação da derrogação
em questão, dado que o Governo alemão não conseguiu demonstrar, como exige a jurisprudência
(18)
, que o mencionado isolamento económico da cidade de Frankfurt/Oder derivava da criação de uma fronteira política no interior
da Alemanha, em 1948. Especificamente em relação à alegada falta de fundamentação, a Comissão sublinha, em seguida, que o
Governo recorrente conhecia bem a interpretação estrita da derrogação em questão constantemente acolhida na prática da Comissão,
pelo que no caso vertente era suficiente mencionar a referida derrogação e verificar a sua aplicabilidade.
38.
No que me diz respeito, afirmo desde logo que considero convincente a argumentação da Comissão e que, portanto, considero
improcedentes as críticas em análise. Isto pelas seguintes razões.
39.
Recordo antes de mais que, ao prever «uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade com o mercado comum dos auxílios
de Estado», o artigo 87.°, n.° 2, alínea c), CE «deve ser objecto de interpretação estrita»
(19)
. Aplicando este critério interpretativo, o Tribunal de Justiça esclareceu que «a expressão ‘divisão da Alemanha’ refere‑se,
historicamente, ao estabelecimento da linha de fronteira entre as duas zonas de ocupação, em 1948. Por conseguinte, as ‘desvantagens
económicas causadas por esta divisão’ apenas abrangem as desvantagens económicas resultantes do isolamento gerado, em certas
regiões alemãs, pelo estabelecimento desta fronteira física, tais como a ruptura de vias de comunicação ou a perda de mercados
na sequência da interrupção das relações comerciais entre as duas partes do território alemão»
(20)
. O Tribunal de Justiça sublinhou, além disso, que a derrogação em questão não permite «compensar integralmente o atraso económico
[...] de que sofrem os novos
Länder» dado que «as diferenças de desenvolvimento entre os antigos e os novos
Länder se explicam por outras causas que não o corte geográfico resultante da divisão da Alemanha e, designadamente, pelos regimes
político‑económicos diferentes instituídos em cada parte da Alemanha»
(21)
.
40.
Tendo em consideração, portanto, o âmbito de aplicação estrito e específico da derrogação em questão, devo concordar com a
Comissão que, na falta de qualquer indicação a esse respeito por parte das autoridades alemãs, a Comissão podia limitar‑se
a verificar que as medidas controvertidas não eram necessárias para compensar as desvantagens económicas provocadas pela divisão
da Alemanha. Por outras palavras, embora seja verdade que (como sustentou a Comissão sem ser contrariada pelo Governo recorrente)
no decurso do processo as autoridades alemãs nunca invocaram a derrogação em questão, nem indicaram nenhum elemento que pudesse
indicar que esta se considerava aplicável, creio que não se pode censurar a instituição recorrida por não ter analisado de
modo mais aprofundado essa questão e por se ter pronunciado a esse respeito com base nos elementos disponíveis
(22)
.
41.
O que se disse é válido, por maioria de razão, se for tido em conta que, como sublinhou com razão a Comissão, o Governo recorrente
não forneceu ao Tribunal de Justiça nenhum elemento de prova que possa indicar que se considera aplicável a derrogação em
causa. Com efeito, longe de demonstrar que as medidas controvertidas eram necessárias para compensar as desvantagens económicas
decorrentes de um isolamento da cidade de Frankfurt/Oder causado pela criação da fronteira histórica no interior da Alemanha,
o Governo recorrente limitou‑se a sublinhar a vizinhança da referida cidade com a fronteira da Polónia e a invocar genericamente
um isolamento económico presumível e impreciso.
42.
Parece‑me útil, além disso, acrescentar que uma fundamentação detalhada sobre este ponto não se tornava estritamente necessária
no caso vertente até porque, como sublinhou a Comissão, o Governo recorrente conhecia bem a prática decisória desta instituição
e as condições especiais a que subordinava a aplicação da derrogação em causa. Recordo, com efeito, que num caso muito semelhante
ao vertente, no qual o Governo alemão criticava a Comissão por não ter fundamentado suficientemente a não aplicação da derrogação
em questão relativamente a um determinado regime de auxílios, o Tribunal de Justiça teve de sublinhar que a decisão impugnada
podia ser «fundamentada de forma sumária» porque «foi adoptada num contexto bem conhecido do Governo alemão» e «que se [situava]
na linha de uma prática decisória constante, designadamente em relação a este»
(23)
.
43.
À luz das considerações precedentes, entendo, portanto, que os fundamentos em análise devem ser declarados improcedentes.
ii) A violação dos artigos 87.°, n.° 1, e 88.° CE
44.
Com o fundamento relativo à violação dos artigos 87.°, n.° 1, e 88.° CE, o Governo alemão critica a Comissão por ter qualificado
erradamente o empréstimo de 70,3 milhões de DEM concedido à SMI pelo
Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível com o mercado comum, porque, em sua opinião, esse empréstimo foi concedido
no âmbito da privatização da SMI e, portanto, ficou abrangido no segundo regime da THA. O Governo recorrente reconhece que
a decisão da Comissão relativa a esse regime autorizava intervenções financeiras da THA, enquanto aqui se trata de intervenções
do
Land. O Governo alemão entende, todavia, que a referida decisão deve ser interpretada no sentido de abranger também intervenções
de entidades públicas diferentes da THA, quando, como no caso vertente, as intervenções estejam ligadas a uma privatização
executada pela THA e sirvam para equilibrar o orçamento desta. Em apoio desta interpretação, o Governo alemão sustenta, em
especial, que a Comissão não pode determinar com que recursos públicos a Alemanha deve financiar certas medidas, sem interferir
indevidamente em decisões que são da exclusiva competência das autoridades nacionais.
45.
Por seu lado, a Comissão objecta antes de mais que no caso vertente não foi realizada uma privatização na acepção do segundo
regime de auxílios da THA. A esse respeito, a Comissão chama a atenção, aliás, para as contradições do raciocínio do Governo
recorrente, que, primeiro, sustenta que a SMI saiu completamente do controlo da THA o mais tardar no momento da venda de 51%
do seu capital ao
Land de Brandeburgo e, depois, tenta justificar o empréstimo subsequentemente concedido por esse
Land com base no segundo regime da THA. Independentemente da ligação do empréstimo em questão com a privatização da SMI, a Comissão
sustenta, em seguida, que a decisão de autorização do segundo regime da THA deve ser interpretada em sentido estrito e não
pode, portanto, abranger auxílios concedidos por outros organismos públicos.
46.
Este último argumento da Comissão parece‑me determinante para a improcedência do presente fundamento.
47.
Concordo, com efeito, com a Comissão que, na medida em que constituem uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade
dos auxílios de Estado com o mercado comum, as decisões de autorização dos regimes da THA devem ser interpretadas em sentido
estrito
(24)
. Tendo em conta, portanto, que as referidas decisões se referem exclusivamente às medidas adoptadas pela THA para facilitar
a transição dos novos
Länder alemães de uma economia planificada para uma economia de mercado, não creio que essas decisões possam abranger também medidas
de entidades públicas diversas, como o
Land de Brandeburgo, que se venham juntar às da THA.
48.
Isto não quer obviamente dizer que medidas adoptadas por outras entidades públicas a fim de facilitar a complexa missão da
THA não possam ser equiparadas pela Comissão às da própria THA; quer dizer simplesmente que tais medidas não entram no âmbito
de aplicação das decisões de autorização dos regimes da THA e devem, portanto, ser especificamente notificadas à Comissão
e aprovadas por esta em conformidade com as disposições do Tratado em matéria de auxílios estatais. Parece‑me claro, por outro
lado, que tal solução não implica nenhuma interferência indevida nas escolha das autoridades alemãs relativamente aos recursos
a empregar para facilitar o processo de privatização, mas limita‑se a retirar as consequências jurídicas das escolhas livremente
assumidas por essas autoridades.
49.
Do que se disse resulta, portanto, que também o presente fundamento deve ser declarado improcedente.
A qualificação da subvenção de 1,8 milhões de DEM paga à SMI para operações de transferência como um auxílio estatal incompatível
com o mercado comum
50.
O Governo alemão critica especificamente a qualificação da subvenção de 1,8 milhões de DEM paga à SMI para operações de transferência
(em seu entender, pela BvS) como auxílio estatal incompatível com o mercado comum. Como já tivemos ocasião de precisar
(25)
, todavia, a decisão impugnada considera a medida a que se refere o Governo recorrente como uma subvenção paga pela THA e
analisa‑a juntamente com outras subvenções concedidas por essa entidade num montante total de 64,8 milhões de DEM
(26)
. Tendo em consideração, portanto, que já concluí pela anulação da decisão impugnada na parte em que qualificou as subvenções
pagas pela THA à SMI como auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum (v.
supra, n.
os 21 a 34), entendo que não é necessário pronunciar‑me sobre a crítica em análise, porque a anulação parcial da decisão que
proponho deixa‑a sem objecto.
A qualificação do empréstimo concedido à SiMI pelo Land
de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível com o mercado comum
51.
Quanto à qualificação do empréstimo de 4 milhões de DEM concedido à SiMI pelo
Land de Brandeburgo como auxílio estatal incompatível com o mercado comum, além das críticas gerais relativas à não aplicação
da derrogação do artigo 87.°, n.° 2, alínea c), CE e à insuficiente fundamentação da decisão sobre este ponto (já consideradas
improcedentes nos n.
os 36 a 41), o Governo recorrente critica a Comissão por ter cometido um erro no apuramento da matéria de facto e de violação
dos artigo 87.°, n.° 1, e 88.° CE, por não ter verificado que essa subvenção estava abrangida num regime de auxílios autorizado
pela Comissão. Segundo este Governo, com efeito, o empréstimo em questão foi concedido com base na «directiva do
Land de Brandeburgo sobre a concessão de recursos do fundo de consolidação para a protecção das pequenas e médias empresas industriais»,
que previa um regime de auxílios expressamente autorizado pela Comissão
(27)
.
52.
Em resposta a essas críticas, a Comissão observa que durante o processo administrativo o Governo alemão não referiu que o
empréstimo em questão tinha sido concedido com base na referida directiva do
Land de Brandeburgo e nunca invocou a decisão em que foi autorizado o respectivo regime de auxílios. Nessa situação, segundo a
Comissão, esta não pode ser criticada por não ter apreciado se o empréstimo em questão estava abrangido pela decisão que tinha
autorizado o regime de auxílios do
Land de Brandeburgo.
53.
Tendo em conta o que afirmou a Comissão sem ser contrariada pelo Governo recorrente, parece‑me também, com efeito, que não
lhe pode ser censurada a falta de tomada em consideração do regime de auxílios autorizado. Na falta de informações sobre a
base jurídica da medida controvertida e sobre a sua possível inserção no âmbito de um regime de auxílios autorizado, regime
esse ao qual as autoridades alemãs nem sequer fizerem referência no decurso do processo, creio, com efeito, que a Comissão
tinha legitimidade para apreciar a medida em questão apenas com referência às disposições do Tratado
(28)
.
54.
À luz da exposição precedente, entendo, portanto, que os presentes fundamentos devem igualmente ser declarados improcedentes.
A qualificação da subvenção paga pela BvS à SiMI como auxílio estatal incompatível com o mercado comum
55.
Quanto à qualificação da subvenção de um milhão de DEM paga pela BvS à SiMI como auxílio estatal incompatível com o mercado
comum, o Governo recorrente formula apenas as críticas gerais relativas à não aplicação da derrogação do artigo 87.°, n.° 2,
alínea c), CE e à insuficiente fundamentação da decisão sobre esse ponto. A este respeito, posso, portanto, limitar‑me a remeter
para o que afirmei acima, nos n.
os 36 a 43, no sentido de considerar tais críticas improcedentes.
A ordem de recuperação dos auxílios de empresas que não sejam a SMI
56.
Relativamente, enfim, à ordem de recuperação dos auxílios de empresas que não sejam a SMI, o Governo recorrente formula críticas
diversas, acusando a Comissão, em síntese, do seguinte:
- –
- violação dos direitos da defesa e do artigo 88.°, n.° 2, CE, devido ao facto de a ordem de recuperação se dirigir também à
SiMI, à MD & D e a outras empresas não designadas, sem que a Comissão tenha aberto um processo de inquérito relativamente
às mesmas; incompetência para determinar de que modo as autoridades nacionais devem proceder para recuperar os auxílios ilegais;
- –
- violação dos artigos 87.°, n.° 1 e 88.°, n.° 2, CE, devido à extensão ilegal da qualidade de beneficiário dos auxílios com
o fim de contornar a obrigação de reembolso;
- –
- violação de formalidades essenciais por insuficiente apuramento dos factos e falta de fundamentação;
- –
- violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.
57.
Pelas razões que veremos em breve, parece‑me oportuno concentrar a atenção na crítica relativa à violação dos artigos 87.°,
n.° 1, e 88.°, n.° 2, CE, que suscita questões de princípio importantes e delicadas relativamente à identificação dos sujeitos
obrigados a restituir auxílios estatais ilegais em caso de cessão de acções ou quotas da empresa beneficiária («share deal»)
ou de activos da mesma («asset deal»).
Argumentos das partes
58.
Com a crítica em análise, como se disse, o Governo alemão acusa a Comissão de ter ilegitimamente estendido à SiMI, à MD & D
e a outras empresas não designadas a qualidade de beneficiário dos auxílios controvertidos (num montante total de 140,1 milhões
de DEM), com a consequente obrigação de restituição.
59.
A esse respeito, o Governo recorrente sublinha que nenhuma dessas empresas recebeu uma vantagem económica decorrente de recursos
públicos num valor de 140,1 milhões de DEM e que nenhuma delas retirou qualquer benefício das diferentes medidas adoptadas
pelo administrador da falência. Relativamente a essas medidas, o Governo recorrente sustenta, em especial, por um lado, que
a SiMI não obteve nenhuma vantagem com a utilização dos activos da SMI, porque pagou uma contrapartida conforme às condições
normais de mercado; por outro, que a MD & D não obteve qualquer vantagem com a aquisição de 80% do capital da SiMI e dos activos
da SMI, porque a esta correspondeu o preço de mercado.
60.
Por outro lado, o Governo alemão observa que a MD & D não pode ser obrigada a restituir os auxílios concedidos à SMI pelo
simples facto de ter adquirido os activos dessa empresa. Com efeito, seria absurdo pensar que a obrigação de restituição deveria
sempre seguir os activos da SMI, uma vez que, se assim fosse, ninguém estaria disposto a comprá‑los e seriam simplesmente
destruídos. O Governo recorrente sustenta, além disso, que a SiMI não foi dissolvida depois da venda das suas acções à MD & D,
pois continuou a existir mantendo intactos os seus direitos e obrigações: a seu cargo deveriam, portanto, permanecer também
as eventuais dívidas para o reembolso dos auxílios, pelas quais a MD & D não pode ser considerada responsável.
61.
O Governo recorrente nega, em seguida, que as operações executadas pelo administrador da falência fossem destinadas a contornar
a obrigação de restituição dos auxílios. Ao vender os activos da SMI ao preço de mercado, o administrador da falência, com
efeito, não os colocou «a salvo», dado que a soma ganha com a sua venda entra na massa falida onerada com a obrigação de restituição.
Nem a obrigação foi contornada pelo facto de os activos da SMI terem sido vendidos «em bloco», visto que desse modo se obteve
uma soma mais elevada do que a que seria ganha vendendo separadamente os activos em questão, com o consequente aumento dos
recursos disponíveis para a recuperação dos auxílios. Mesmo que a SiMI e a MD & D não tivessem sido criadas, de resto, nenhum
investidor estaria disposto a adquirir a empresa insolvente SMI com todas as suas dívidas, de modo que o administrador da
falência só poderia vender ao preço de mercado os activos dessa empresa.
62.
O Governo alemão critica, enfim, a ideia da Comissão segundo a qual a distorção da concorrência determinada pela concessão
de auxílios estatais não é eliminada se quem adquirir os activos da empresa beneficiária prosseguir, com esses activos, a
actividade económica desenvolvida por esta. Segundo este Governo, com efeito, quem adquire ao preço de mercado os activos
da empresa beneficiária não provoca nenhuma distorção da concorrência, porque não obteve nenhuma vantagem anómala relativamente
aos seus concorrentes.
63.
Por seu lado, a Comissão esclarece, antes de mais, em termos gerais, o seu ponto de vista sobre a determinação das pessoas
obrigadas à recuperação dos auxílios em caso de cessão de acções ou quotas da empresa beneficiária (share deal) ou de activos
da mesma (asset deal).
64.
A esse respeito, a Comissão começa por observar que a questão não apresenta particular problema em caso de
share deal, porque a empresa beneficiária continua a existir e é simplesmente alterada a sua propriedade. Como se confirma igualmente
pela jurisprudência
(29)
, nessa hipótese a obrigação de recuperação continua a incumbir à empresa que recebeu os auxílios, independentemente das alterações
ocorridas na situação do proprietário e da eventual tomada em consideração da obrigação de recuperação na determinação das
condições de venda. Continuando a desenvolver a actividade subvencionada, essa empresa continua, com efeito, a retirar vantagem
dos auxílios, fazendo assim perdurar a distorção da concorrência.
65.
Também não se coloca qualquer problema particular quando os activos da empresa beneficiária sejam transferidos para empresas
pertencentes ao mesmo grupo. Nesse caso, além da empresa beneficiária, com efeito, são obrigadas à recuperação dos auxílios
também as empresas do grupo que, graças à transferência dos activos, possam beneficiar dos efeitos favoráveis decorrentes
dos auxílios, retirando deles vantagens económicas.
66.
No que respeita, pelo contrário, à venda a empresas terceiras dos activos da empresa beneficiária, a Comissão faz – na verdade,
de maneira um pouco confusa – uma distinção consoante esses activos tenham sido vendidos separadamente ou «em bloco».
67.
No caso de os activos serem vendidos separadamente ao preço de mercado, os adquirentes não são obrigados ao reembolso dos
auxílios
(30)
. Através dessa venda separada, desaparece, com efeito, a actividade subvencionada e é deixado espaço aos concorrentes da
empresa beneficiária. Desse modo, tanto quanto se dá a entender, a recuperação dos auxílios junto do vendedor (seja ele a
própria empresa beneficiária ou a massa falida ou da liquidação
(31)
) permitiria eliminar a distorção da concorrência.
68.
Maiores problemas surgiriam, pelo contrário, no caso de os activos serem vendidos «em bloco», de modo a permitir ao adquirente
a continuação do exercício da actividade da empresa beneficiária. Pelo que se me dá a entender, nesta hipótese a prossecução
da actividade subvencionada poderia fazer perdurar a distorção da concorrência, de modo que seria necessária uma especial
vigilância para evitar que a cessão dos bens da empresa beneficiária permita contornar, em substância, a obrigação de recuperação
pondo «a salvo» os activos vendidos. Isto parece excluído pela Comissão apenas quando, além de ocorrer ao preço de mercado,
a venda «em bloco» dos activos da empresa beneficiária seja efectuada através de um processo incondicionado e aberto a todos
os concorrentes dessa empresa: apenas nesse caso, me parece, os adquirentes não seriam obrigados ao reembolso dos auxílios.
69.
Visto isto em termos gerais, relativamente ao caso vertente a Comissão sublinha que:
- –
- as decisões de abrir o processo de falência e de criar a SiMI e a MD & D foram tomadas entre Junho e Julho de 1997, ou seja,
num momento em que as autoridades alemãs já estavam certamente ao corrente da intenção da Comissão de iniciar um processo
de inquérito;
- –
- entre esse momento e os meses de Junho e Julho de 1999 a actividade da SMI foi prosseguida pela SiMI através da locação dos
seus activos. Não tendo obtido informações que lhe permitissem avaliar se o preço da locação era conforme às condições de
mercado, a Comissão não podia senão partir da ideia de que durante esse período a SiMI e a sua filial MD & D tinham beneficiado
dos auxílios ilegalmente concedidos à SMI;
- –
- em 28 de Junho de 1999, quando a Comissão se preparava para adoptar uma decisão negativa com ordem de recuperação, a MD & D
foi vendida à Megaxess e a três trabalhadores da mesma;
- –
- em 14 de Julho seguinte as acções da SiMI e o conjunto dos activos da SMI foram vendidos à MD & D, sem seguir um processo
aberto e transparente.
70.
De uma apreciação global destas circunstâncias resulta, segundo a Comissão, que as diversas transacções foram coordenadas
de modo a fazer incumbir a obrigação de recuperação à SMI e à SiMI, permitindo à MD & D, liberta dessa obrigação, prosseguir
as actividades económicas subvencionadas (nesse sentido, é particularmente significativo o facto de a MD & D ter adquirido
as participações da SiMI e os activos da SMI logo após a venda à Megaxess). À luz destas circunstâncias, a Comissão entende,
portanto, que não foi rompida a ligação económica existente entre a MD & D, por um lado, e a SMI e a SiMI, por outro, na medida
em que as diversas transacções tinham o único objectivo de permitir a prossecução das actividades subvencionadas, contornando
a ordem de recuperação. Isso justifica, portanto, a extensão da obrigação de restituição igualmente à MD & D.
Apreciação
71.
Quanto à apreciação da presente crítica, é antes de mais oportuno recordar que na decisão impugnada é efectuada uma análise
diferente no que respeita à recuperação dos auxílios concedidos à SiMI
(32)
e à SMI
(33)
. Por razões de clareza e simplicidade, nas presentes conclusões seguir‑se‑á o mesmo esquema.
i) A recuperação dos auxílios concedidos à SiMI
72.
Começando pelos auxílios concedidos à SiMI, na decisão impugnada, como vimos, indica‑se simplesmente que «as suas participações
foram vendidas à MD & D em 14 de Julho de 1999»; daí deduz‑se que «este auxílio tem de ser recuperado da MD & D»
(34)
. Essa conclusão automática explica‑se à luz de um princípio geral anteriormente exposto na mesma decisão, segundo o qual
«o auxílio tem de ser recuperado da empresa que o recebeu efectivamente. Caso o beneficiário tenha sido alienado subsequentemente,
o auxílio tem de ser recuperado do comprador, independentemente do facto de os respectivos montantes terem sido considerados
ou não nas condições de venda»
(35)
.
73.
Perante um caso típico de
share deal, a Comissão entendeu, portanto, que os auxílios deviam ser restituídos pela empresa que tinha adquirido as participações
da empresa beneficiária, sem efectuar qualquer apreciação relativamente ao preço de venda. Na decisão impugnada, a Comissão
seguiu, portanto, uma atitude diferente da que foi posteriormente acolhida nos seus articulados, em que se sustenta ─ como
vimos ─ que, em semelhante caso, a obrigação de restituição continua a incumbir à empresa beneficiária, independentemente
da eventual consideração dessa obrigação nas condições de venda. Esta posição é confirmada pelo Governo recorrente, que critica
precisamente a decisão impugnada sustentando que os eventuais auxílios concedidos à SiMI devem ser restituídos por essa empresa.
74.
Para apreciar a solução acolhida na decisão impugnada há, portanto, que analisar a questão controvertida da recuperação dos
auxílios em caso de venda das participações da empresa beneficiária e tentar esclarecer a qual das pessoas envolvidas (o vendedor,
a empresa beneficiária ou o comprador) incumbe a obrigação de restituição.
75.
A esse respeito, são fornecidas algumas indicações pelo acórdão ENI‑Lanerossi
(36)
, do qual parece resultar que os auxílios concedidos a quatro empresas cuja propriedade é da Lanerossi (que é, por sua vez,
propriedade da
holding pública ENI) deviam ser recuperados junto das empresas mesmo depois de a Lanerossi as ter cedido a investidores privados
(37)
, independentemente do facto de a dívida relativa à restituição dos auxílios não ter sido considerada nas condições de venda
(38)
.
76.
Esta posição parece, todavia, contrariada pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo intentado pela Comissão devido à
não recuperação dos auxílios (acórdão ENI‑Lanerossi II)
(39)
. Qualificando a SNAM (sucessora da Lanerossi) como beneficiária dos auxílios, o Tribunal de Justiça entendeu, com efeito,
neste segundo acórdão, que a recuperação foi correctamente efectuada através da restituição dos auxílios por essa empresa.
Deste modo, o Tribunal de Justiça admitiu, portanto, substancialmente que os auxílios podiam ser restituídos pelo antigo proprietário
das quatro empresas subvencionadas (o vendedor), sem exigir que a recuperação se efectuasse relativamente a estas, nem aos
operadores privados que as tinham adquirido.
77.
Outras indicações sobre a questão controvertida retiram‑se, em seguida, do acórdão Banks
(40)
, no qual o Tribunal de Justiça apreciou a título prejudicial o problema da recuperação dos auxílios na sequência da privatização
das empresas beneficiárias.
78.
Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça excluiu, designadamente, que no caso concreto as empresas compradoras pudessem ser obrigadas
a restituir os auxílios, precisando que «o facto de as sociedades de Estado que sucederam à British Coal [i.e., as empresas
beneficiárias] terem sido posteriormente adquiridas no âmbito de um processo de adjudicação aberto e concorrencial nas condições
do mercado [levava] a considerar que o elemento de auxílio de que a British Coal e aquelas sociedades de Estado beneficiaram
não [existia] em relação às sociedades privadas adjudicatárias, como é o caso da RJB. Uma vez que esses adjudicatários adquiriram
as sociedades em causa em condições concorrenciais não discriminatórias e, por definição, ao preço de mercado, quer dizer,
ao preço mais elevado que um investidor privado actuando em condições concorrenciais normais estava disposto a pagar por estas
sociedades na situação em que se encontravam, designadamente após terem beneficiado de auxílios de Estado, o elemento de auxílio
foi avaliado ao preço de mercado e incluído no preço de compra. Nestas condições, os adjudicatários não [podiam] ser considerados
como tendo beneficiado de uma vantagem em relação aos outros operadores que estão no mercado [...]. Não [podia], portanto,
ser pedido às empresas privadas adjudicatárias como a RJB o reembolso do auxílio considerado»
(41)
. Uma vez precisado isto relativamente à situação das empresas compradoras, o Tribunal de Justiça, em seguida, afirmou em
geral que, «em princípio, sempre que uma sociedade beneficiária de um auxílio tenha sido vendida ao preço de mercado, o preço
de venda reflecte as consequências do auxílio anterior e é o vendedor da referida sociedade que conserva o benefício do auxílio.
Neste caso, o restabelecimento da situação anterior deverá, em primeiro lugar, ser assegurado através do reembolso do auxílio
pelo vendedor»
(42)
.
79.
Nesse acórdão, cujos termos foram posteriormente retomados no acórdão Falck
(43)
, o Tribunal de Justiça esclareceu que quando a empresa beneficiária é vendida a um preço que reflecte o seu valor de mercado
após a concessão dos auxílios e, portanto, a um preço que de qualquer modo inclui o valor dos auxílios, estes devem ser restituídos
pelo vendedor
(44)
. Na óptica do Tribunal de Justiça, esta solução poderia, no entanto, não ser válida no caso de o preço de venda ser determinado
tendo em conta a possibilidade de a empresa beneficiária ser chamada a restituir (pelo menos em parte) os auxílios recebidos
(45)
, dado que nesse caso o valor dos auxílios poderia não ser completamente incluído no preço de venda.
80.
Enfim, outras indicações, embora não muito claras, sobre a questão em análise, podem retirar‑se do recente acórdão do Tribunal
de Justiça no processo Multimedia
(46)
, no qual se tratava, entre outros, de determinar se o facto de a empresa Seleco ter vendido 66% das acções da sua filial
Multimedia a terceiros podia isentá‑la da (presumível) responsabilidade pela restituição de certos auxílios
(47)
, transferindo a respectiva obrigação da Seleco para o vendedor
(48)
. A esse respeito, depois de ter sublinhado que «a venda de acções de uma sociedade beneficiária de um auxílio ilegal por
um accionista a um terceiro não influencia a obrigação de recuperação», o Tribunal de Justiça precisou que «a situação em
causa no caso vertente [era] diferente desta situação. Com efeito, [tratava‑se] da venda de acções na Multimedia, feita pela
Seleco, que constituiu esta sociedade e cujo património [beneficiava] do preço de venda das acções. Portanto, não se [podia]
excluir que a Seleco [tivesse conservado] o benefício dos auxílios recebidos pela venda das suas acções ao preço de mercado»
(49)
. Visto isto, o Tribunal de Justiça, em seguida, anulou a decisão da Comissão, afirmando que estava insuficientemente fundamentada,
«designadamente, no que respeita ao carácter pretensamente irrelevante do facto de as acções na Multimedia terem sido compradas
a um preço que [parecia] ser o preço de mercado»
(50)
.
81.
Como se assinalou, desse acórdão não resulta uma tomada de posição clara sobre a questão da recuperação dos auxílios em caso
de
share deal. Afirmando que «a venda de acções de uma sociedade beneficiária de um auxílio ilegal por um accionista a um terceiro não
influencia a obrigação de recuperação», o Tribunal de Justiça demonstra, com efeito, querer seguir a tese segundo a qual a
recuperação deve, de qualquer modo, ser efectuada relativamente à empresa que recebeu os auxílios. Essa interpretação parece,
todavia, contrariada pela passagem subsequente em que, invocando o acórdão Banks, o Tribunal de Justiça sustenta, em substância,
que a venda das acções ao preço de mercado poderia conduzir o benefício dos auxílios para o vendedor. Desse modo, dá‑se a
entender que, em caso de venda das acções ao preço de mercado, poderia ser o vendedor a ter de restituir os auxílios, como
parece, de resto, confirmar‑se pelo facto de a decisão ter sido anulada por falta de fundamentação justamente com referência
à apreciação do preço de venda das acções.
82.
Da breve análise jurisprudencial precedente resulta, em síntese, que sobre a questão da recuperação dos auxílios em caso de
cessão das participações da empresa beneficiária o Tribunal de Justiça oscila entre duas posições: a de que os auxílios devem,
de qualquer modo, ser restituídos pela empresa beneficiária; e a de que, se as participações forem vendidas a um preço que
reflecte o valor de mercado da referida empresa após a concessão dos auxílios, estes devem ser restituídos pelo vendedor.
Em nenhum dos precedentes o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação de restituição incumbia ao comprador, cuja responsabilidade
foi, assim, expressamente excluída em caso de venda ao preço de mercado (acórdão Banks).
83.
A esse respeito, devo observar que a primeira das posições assumidas pelo Tribunal de Justiça me parece sem dúvida preferível,
por ser mais consentânea com os princípios sobre a recuperação dos auxílios. Entendo, com efeito, que, se a empresa que recebeu
um auxílio não for dissolvida e permanecer no mercado, a distorção da concorrência provocada pelo auxílio pode ser eliminada
(ou pelo menos atenuada) apenas fazendo incumbir a obrigação de restituição a essa empresa; só desse modo é que a mesma efectivamente
«perde [...] a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes, e a situação anterior à concessão
do auxílio é reposta»
(51)
.
84.
Por outro lado, se é verdade que quem vende as participações da empresa beneficiária a um preço que reflecte o seu valor de
mercado após a concessão dos auxílios se prevalece da reavaliação da empresa, não deixa de ser evidente que essa eventual
vantagem não afasta a vantagem obtida pela empresa beneficiária relativamente aos seus concorrentes. E é precisamente esta
vantagem que determina as distorções da concorrência e que é necessário eliminar com a recuperação dos auxílios, enquanto
a vantagem financeira decorrente da venda das participações pode mesmo não influir no funcionamento concorrencial dos mercados,
porque não se diz que quem vende as participações seja um operador económico. Se, de qualquer maneira, se esclarecesse de
uma vez por todas que, mesmo em caso de venda das suas participações ao preço de mercado, a empresa beneficiária continua
a ser obrigada a restituir os auxílios recebidos, as oportunidades de especulação para o vendedor seriam significativamente
reduzidas (e reconduzíveis na prática ao risco normal dos negócios), porque o possível passivo decorrente da recuperação dos
auxílios deveria normalmente ser tido em consideração na determinação das condições de venda.
85.
A tese segundo a qual a recuperação deve, de qualquer modo, ser efectuada relativamente à empresa beneficiária parece‑me,
além disso, preferível até porque permite dar mais segurança aos operadores económicos. A tese contrária, segundo a qual em
circunstâncias especiais os auxílios devem ser recuperados junto do vendedor, cria, com efeito, uma certa insegurança, porque
frequentemente é difícil determinar se o preço de venda reflecte plenamente o valor de mercado da empresa beneficiária após
a concessão dos auxílios e não prevê minimamente o risco de que essa empresa seja chamada a restituir pelo menos em parte
os referidos auxílios. Isto para já não falar da enorme confusão e das grandes dificuldades práticas que poderia provocar
o acolhimento da tese ora criticada. Nesse caso, com efeito, seria muito complicado recuperar os auxílios concedidos a uma
grande empresa cotada na bolsa, cujas acções são diariamente objecto de um elevado número de operações de compra e venda:
cada operação poderia, com efeito, implicar uma vantagem financeira para o vendedor e fazer surgir na sua esfera a correlativa
obrigação de restituição.
86.
Esclarecida a minha preferência pela primeira das duas posições assumidas pelo Tribunal de Justiça, parece‑me de qualquer
maneira evidente para os efeitos do presente processo (e reconhecido, em substância, por ambas as partes) que em todo o caso,
em face da jurisprudência e dos princípios, a Comissão não pode impor a recuperação dos auxílios relativamente a quem adquiriu
as participações da empresa beneficiária sem sequer tomar em consideração o preço de venda
(52)
.
87.
Daí deve deduzir‑se que a apreciação efectuada na decisão impugnada quanto à restituição dos auxílios concedidos à SiMI é
contrária aos princípios sobre a recuperação dos auxílios decorrentes dos artigos 87.° CE e 88.° CE.
ii) A recuperação dos auxílios concedidos à SMI
88.
Quanto à recuperação dos auxílios concedidos à SMI, começo por recordar que na decisão impugnada foi sublinhado que «os activos
imobilizados da SMI foram alienados em conjunto com as participações da SiMI à MD & D. A alienação dos activos imobilizados
foi necessária para permitir que a MD & D prosseguisse a actividade da SiMI, dado que a SiMI havia utilizado os activos da
SMI, tendo beneficiado assim do auxílio concedido formalmente à SMI. A alienação dos activos imobilizados teve lugar pouco
depois de 28 de Junho de 1999 quando o mesmo administrador vendeu 80% das participações da MD & D à Megaxess e os restantes
20% a trabalhadores da MD & D».
89.
Segundo a Comissão, portanto, era claro «que todas estas transacções [estavam] interligadas, tendo por fim colocar todos os
activos que estavam na posse da SMI e eram utilizados pela SiMI, sob o controlo dos novos accionistas da MD & D, de modo a
protegê‑los da operação de recuperação de auxílios estatais ilegalmente concedidos». Nestas circunstâncias, em sua opinião,
«o preço pago pelas participações da MD & D, por um lado, e o preço pago pelos activos da SMI e pelas participações da SiMI,
por outro, não [teve] qualquer peso na apreciação da transacção na sua globalidade»
(53)
.
90.
Dado que a «a Megaxess e os outros compradores da MD & D e obviamente a MD & D estavam perfeitamente a par da existência deste
processo e deveriam tê‑lo tomado em consideração», a Comissão chegou à conclusão que «o termo ‘beneficiário’ [abrangia] não
só a SiMI e a SMI, mas igualmente a MD & D e qualquer outra empresa que [tivesse] recebido ou [viesse] a receber activos da
SMI, da SiMI ou da MD & D com o fim de contornar as consequências da [...] decisão»
(54)
.
91.
Dessas passagens sobre a recuperação dos auxílios concedidos à SMI resulta que a Comissão considerou «beneficiários» desses
auxílios igualmente a SiMI, a MD & D e qualquer outra empresa que tenha comprado os activos de uma destas três empresas com
o fim de contornar as consequências da decisão. Deste modo, a Comissão estendeu, portanto, a essas empresas a responsabilidade
(não é claro se se trata de responsabilidade conjunta ou solidária) pela restituição dos auxílios concedidos à SMI.
92.
No que respeita à SiMI, parece que a sua responsabilidade decorre simplesmente do facto de que esta «havia utilizado os activos
da SMI, tendo beneficiado assim do auxílio concedido formalmente à SMI»
(55)
. Perante o Tribunal de Justiça, como vimos, a Comissão precisou, em seguida, que, não tendo obtido informações que lhe permitissem
apreciar se o preço pago pelo SiMI à SMI pela locação dos seus activos era conforme às condições de mercado, só podia partir
da ideia de que entre Junho/Julho de 1997 e Junho/Julho de 1999 a SiMI tinha beneficiado dos auxílios concedidos ilegalmente
à SMI.
93.
A esse respeito, parece‑me todavia evidente: por um lado, que a Comissão não pode pôr a cargo de uma filial a obrigação de
restituir os auxílios concedidos à empresa‑mãe pelo simples facto da locação durante determinado período dos activos desta;
e, por outro, que a Comissão não pode basear essa obrigação na mera presunção, sem qualquer fundamento, de que o preço a que
a empresa‑mãe recebeu pela locação dos seus activos à filial não é conforme às condições de mercado.
94.
À luz destas considerações, entendo, portanto, que a apreciação que levou a Comissão a estender à SiMI a responsabilidade
pela restituição dos auxílios concedidos à SMI é contrária aos princípios sobre a recuperação dos auxílios.
95.
No que respeita à responsabilidade da MD & D, como se viu, a Comissão baseou‑se no facto de, logo após a venda dessa empresa
a terceiros, o administrador da falência lhe ter vendido os activos da SMI e as participações da SiMI. Sem fazer qualquer
apreciação sobre o preço pago pelas três operações de compra e venda, a Comissão entendeu que estas estavam «interligadas,
tendo por fim colocar todos os activos que estavam na posse da SMI e eram utilizados pela SiMI, sob o controlo dos novos accionistas
da MD & D, de modo a protegê‑los da operação de recuperação de auxílios estatais ilegalmente concedidos». A fim de evitar
que as operações executadas pelo administrador da falência permitissem contornar a decisão, a Comissão estendeu, portanto,
à MD & D a responsabilidade pela restituição dos auxílios concedidos à SMI.
96.
Também a apreciação referida quanto à responsabilidade da MD & D me parece, todavia, contrária aos princípios sobre a recuperação
dos auxílios, na medida em que estende a obrigação de restituição a essa empresa com base numa intenção não demonstrada de
contornar a decisão decorrente da alegada subtracção dos activos da SMI à obrigação de recuperação.
97.
A esse propósito, observo antes de mais que os activos da SMI não podem certamente ser subtraídos à obrigação de recuperação
por causa da venda das participações da SiMI, dado que esta empresa se limitava a utilizar os activos em questão por força
de um contrato de locação. Tendo além disso em consideração que, como afirmou o Governo alemão sem ser contrariado pela Comissão,
as participações da SiMI foram vendidas ao preço de mercado, essa operação não subtraiu recursos à massa falida sobre a qual
existiam os créditos públicos relativos à recuperação dos auxílios.
98.
Mas os activos da SMI nem sequer foram subtraídos à obrigação de recuperação devido à sua cessão à MD & D, porque mesmo nesse
caso, como afirmou o Governo alemão sem ser contrariado pela Comissão, a venda foi efectuada ao preço de mercado. Através
dessa venda, o administrador ganhou um montante igual ao valor de mercado dos activos, montante que entrou na massa falida
onerada com a obrigação de restituição. Vendendo ao preço de mercado os activos da SMI para pagar as dívidas dessa empresa
(entre as quais justamente as dívidas relativas à restituição dos auxílios), o administrador da falência, portanto, não contornou
de modo nenhum a decisão da Comissão. E também não se pode dizer que essa decisão tenha sido contornada pelo facto de o administrador
ter vendido «em bloco» os activos da SMI, visto que o Governo alemão afirmou, sem ser contrariado pela Comissão, que desse
modo obteve um montante mais elevado do que o que obteria vendendo separadamente os activos em questão.
99.
Por outro lado, a Comissão não referiu nenhum elemento que possa levar a considerar que no caso vertente tenham sido cometidos
actos de fraude em prejuízo dos credores que tenham podido depauperar o património da empresa falida, nem sustentou que no
âmbito do processo de falência tenha sido violado o princípio da igualdade dos credores
par condicio creditorum em prejuízo dos credores públicos. Nessa situação, entendo que, se os créditos relativos à recuperação dos auxílios foram
correctamente inscritos no passivo da falência, a venda dos activos da SMI ao preço de mercado não pôde implicar nenhuma forma
de contornar a obrigação de recuperação
(56)
.
100.
Esclarecido isto, devo ainda observar que a responsabilidade da MD & D não pode ser validamente fundada, como parece sustentar
a Comissão nos seus articulados, no pressuposto de que a venda «em bloco» dos activos da SMI (que permitiu a prossecução das
actividades subvencionadas) não foi efectuada com base num processo aberto e transparente e, portanto, não permitiu eliminar
as distorções de concorrência decorrentes dos auxílios.
101.
A esses argumentos é fácil objectar que não é com base nesse pressuposto que na decisão impugnada se fundou a responsabilidade
da MD & D. Em nenhuma passagem da decisão se sustenta, com efeito, que a venda «em bloco» dos activos da SMI não tenha sido
efectuada com base num processo aberto e transparente e que a alguns concorrentes da SMI tenha sido, desse modo, vedada a
compra dos activos com que a empresa exercia as actividades subvencionadas. Da decisão impugnada e dos articulados deduzem‑se,
ao invés, diversos elementos que permitem supor precisamente o contrário, como por exemplo o facto de a venda em questão ter
sido efectuada no âmbito de um processo de falência sob o controlo de um tribunal; de essa venda não ter sido efectuada imediatamente
mas ter sido antecedida de negociações infrutíferas com outra empresa norte‑americana; ou de nenhum concorrente da SMI se
ter queixado da pouca transparência que teria caracterizado a operação.
102.
À luz das considerações precedentes entendo, portanto, que também a apreciação que levou a Comissão a estender à MD & D a
responsabilidade pela restituição dos auxílios concedidos à SMI é contrária aos princípios sobre recuperação dos auxílios.
O mesmo é válido também para a extensão dessa responsabilidade a qualquer empresa que tenha comprado os activos da SMI, da
SiMI ou da MD & D com o fim de contornar as consequências da decisão, dado que a esse respeito a Comissão parece substancialmente
retomar a apreciação efectuada com referência à MD & D.
iii) Considerações finais
103.
Com base na exposição precedente, entendo, portanto, que o presente fundamento deve ser considerado procedente e que, por
conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada na parte em que ordenou a recuperação dos auxílios por empresas que não
sejam a SMI, sem que seja necessário analisar as outras críticas relativas a esse aspecto.
Quanto às despesas Com base no disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se
isso for requerido. Todavia, nos termos do artigo 69.°, n.° 3, desse mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento
parcial quanto a um ou mais fundamentos, o Tribunal de Justiça pode repartir as despesas ou decidir que cada uma das partes
suporte as suas próprias despesas. Uma vez que, como já referi, entendo que a Alemanha e a Comissão devem ser ambos parcialmente
vencidas, parece‑me justo propor que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.
ConclusõesÀ luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare:
- «–
- a Decisão 2000/567/CE da Comissão, de 11 de Abril de 2000, ‘relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da
System Microelectronic Innovation GmbH, Frankfurt/Oder (Land de Brandeburgo)’, é anulada na parte em que qualificou as subvenções pagas pela THA à SMI como auxílios estatais incompatíveis
com o mercado comum e na parte em que ordenou a recuperação dos auxílios por empresas que não a SMI;
- –
- quanto ao resto, é negado provimento ao recurso;
- –
- cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.»
- 1 –
- Língua original: italiano.
- 2 –
- JO L 238, p. 50.
- 3 –
- Na decisão impugnada, a subvenção de 1,8 milhões de DEM para operações de transferência é descrita como uma subvenção da THA,
mas do recurso resulta que esta foi paga pela Bundesanstalt für vereinigungsbedingte Sonderaufgaben (sucessora da THA).
- 4 –
- V. a comunicação de abertura do processo publicada em JO C 352, p. 3.
- 5 –
- Decisões E 15/92 e N 768/94, não publicadas no Jornal Oficial.
- 6 –
- Segundo o que resulta dos autos, foi cedido à Sinergy, na realidade, 49% do capital da HEG, que só posteriormente alterou
a denominação para System Mikroelektronik (SMI). Tendo em conta, todavia, que na decisão impugnada se menciona a cessão à
Sinergy de 49% do capital da SMI, por uma questão de simplicidade nas presentes conclusões faremos o mesmo.
- 7 –
- N.° 26. A Comissão sublinhou, em especial, que «com excepção das privatizações, estes regimes só [admitiam] empréstimos e
garantias» e que «[estavam] previstas subvenções no caso de uma privatização precisamente devido ao papel único e singular
da THA, ou seja, a realização da passagem de uma economia estatal para uma economia de mercado». Esse objectivo, contudo,
só poderia ser atingido «se as empresas públicas forem vendidas e o seu controlo passar para investidores privados».
- 8 –
- N.° 42.
- 9 –
- N.° 43.
- 10 –
- N.° 44.
- 11 –
- N.os 47 e 48. Como indícios da «comprovação da continuação da actividade económica», a Comissão referiu em especial: «o objecto
da transferência (activos e dívidas, retoma de trabalhadores, resumo dos activos), o preço de aquisição, a identidade dos
accionistas e/ou proprietários da empresa beneficiária inicial e do comprador, a data da transferência (após o início das
investigações, da abertura do procedimento formal de investigação ou após a adopção da decisão definitiva) e a rentabilidade
da transferência». A Comissão precisou, além disso, que as suas considerações sobre a recuperação dos auxílios relativamente
às empresas que continuam a actividade do beneficiário inicial «são igualmente pertinentes nos casos em que a actividade é
transferida durante os processos de insolvência».
- 12 –
- N.os 50 e 51.
- 13 –
- N.° 52.
- 14 –
- Como é sabido, esta disposição declara compatíveis com o mercado comum «os auxílios atribuídos à economia de certas regiões
da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessárias para compensar as desvantagens
económicas causadas por esta divisão».
- 15 –
- A Comissão invoca a esse respeito a conhecida jurisprudência Boussac (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão,
C‑301/87, Colect., p. I‑307), segundo a qual, «se o Estado‑Membro não fornecer as informações requeridas, apesar de ter sido
intimado a fazê‑lo pela Comissão, esta pode pôr termo ao processo e adoptar uma decisão que declara a compatibilidade ou incompatibilidade
do auxílio com o mercado comum, baseando‑se nos elementos de que dispõe» (n.° 22).
- 16 –
- N.° 26; o sublinhado é meu.
- 17 –
- Acórdão Boussac, já referido, n.° 22.
- 18 –
- A Comissão refere‑se, em especial, ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1999, Freistaat Sachsen
e o./Comissão (T‑132/96 e T‑143/96, Colect., p. II‑3663) e ao acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão
(C‑156/98, Colect., p. I‑6857).
- 19 –
- Acórdão de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, já referido, n.° 49.
- 20 –
- .Ibidem, n.° 52.
- 21 –
- .Ibidem, n.os 53 e 55.
- 22 –
- Nesse sentido, v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão (C‑382/99, Colect.,
p. I‑5163), em que se sublinha que «a legalidade de uma decisão tomada pela Comissão em matéria de auxílios de Estado, designadamente
à luz do dever de fundamentação, deve ser apreciada em função dos elementos de informação fornecidos pelo Estado‑Membro no
momento em que a decisão foi tomada». Fundando‑se no referido princípio, nesse acórdão o Tribunal de Justiça entendeu, designadamente,
que o Governo recorrente não podia «criticar a Comissão por não ter examinado o objectivo de protecção ambiental no âmbito
da apreciação da compatibilidade das medidas litigiosas com o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado», porque «não referiu estas considerações
na fase administrativa» (n.° 84).
- 23 –
- Acórdão de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, já referido, n.° 105.
- 24 –
- Quanto à exigência de interpretação estrita das disposições que prevêem «uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade
com o mercado comum dos auxílios de Estado», v. acórdão de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, já referido, n.° 49.
- 25 –
- V. supra, nota 3.
- 26 –
- Mais precisamente, segundo resulta da decisão impugnada, as subvenções pagas pela THA à SMI num montante total de 64,8 milhões
de DEM eram subdivididas do seguinte modo: 45 milhões para investimentos; 18 milhões para fazer frente às exigências de liquidez
da empresa; e 1,8 milhões para operações de transferência.
- 27 –
- Uma referência à decisão de autorização do regime em questão consta do JO 1995, C 295, p. 24.
- 28 –
- A esse respeito, pode igualmente invocar‑se o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão,
já referido, no qual, como dissemos, o Tribunal de Justiça salientou que «a legalidade de uma decisão tomada pela Comissão
em matéria de auxílios de Estado, designadamente à luz do dever de fundamentação, deve ser apreciada em função dos elementos
de informação fornecidos pelo Estado‑Membro no momento em que a decisão foi tomada» (n.° 84).
- 29 –
- Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão (C‑303/88, Colect., p. I‑1433).
- 30 –
- Não se percebe bem se para excluir a responsabilidade dos adquirentes a Comissão exige também que a venda seja efectuada através
de um processo aberto e incondicionado. Observo todavia que, se assim fosse, não se compreenderia a distinção entre a hipótese
de venda separada dos activos da empresa beneficiária e a da venda «em bloco».
- 31 –
- Não é muito claro a qual destas hipóteses se refere a Comissão, mas do carácter geral do seu raciocínio parece poder deduzir‑se
que a mesma regra deveria valer em caso de venda dos activos pela empresa beneficiária, de liquidação voluntária ou de falência.
- 32 –
- Parágrafo 9.1, n.° 44.
- 33 –
- Parágrafo 9.2, n.os 45 a 52.
- 34 –
- N.° 44.
- 35 –
- N.° 43.
- 36 –
- Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referido.
- 37 –
- Ao que parece, essa cessão tinha ocorrido após o início do processo em conformidade com o artigo 88.°, n.° 2, CE, e poucos
meses antes da adopção da decisão da Comissão que ordenava a recuperação.
- 38 –
- V., em especial, n.os 56 a 60.
- 39 –
- Acórdão de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália (C‑350/93, Colect., p. I‑699).
- 40 –
- Acórdão de 20 de Setembro de 2001, Banks (C‑390/98, Colect., p. I‑6117).
- 41 –
- N.° 77.
- 42 –
- N.° 78.
- 43 –
- Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2002, Falck (C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colect., p. I‑7869, n.os 180 e 181).
- 44 –
- Todavia, não é claro se, afirmando que a reposição da situação anterior deve ser garantida «em primeiro lugar» pela restituição do auxílio pelo vendedor, o Tribunal de Justiça quis pôr a hipótese de uma responsabilidade conjunta ou
solidária de outras pessoas.
- 45 –
- Isso poderia, por exemplo, ocorrer quando as acções fossem vendidas durante um processo iniciado pela Comissão em conformidade
com o artigo 88.°, n.° 2, CE.
- 46 –
- Acórdão de 8 de Maio de 2003, SIM Multimedia (C‑328/99 e C‑399/00, Colect., p. I‑4035).
- 47 –
- Segundo a decisão da Comissão impugnada naquele processo (Decisão 2000/536/CE, de 2 de Junho de 1999, publicada no JO L 227,
n.° 24), a Multimedia era solidariamente responsável pela restituição de determinados auxílios concedidos à Seleco, porque
no decurso do processo de inquérito esta tinha transferido para a Multimedia um ramo especial da empresa.
- 48 –
- V., em especial, n.° 60.
- 49 –
- N.° 83, onde são citados os n.os 77 e 78 do acórdão Banks.
- 50 –
- N.° 85.
- 51 –
- Acórdão de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália (C‑348/93, Colect., p. I‑673, n.° 27). No mesmo sentido, v. igualmente acórdão
de 12 de Outubro de 2000, Espanha/Comissão (C‑480/98, Colect., p. I‑8717, n.° 35).
- 52 –
- V., em especial, n.° 77 do referido acórdão Banks.
- 53 –
- N.os 50 e 51.
- 54 –
- N.° 52.
- 55 –
- N.° 50.
- 56 –
- A esse respeito v., em especial, acórdão de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, dito «Tubemeuse» (142/87, Colect., p. I‑959,
n.° 62).