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Document 62000CC0269

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 16 de Maio de 2002.
    Wolfgang Seeling contra Finanzamt Starnberg.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
    Sexta Directiva IVA - Artigos 6.º, n.º 2, primeiro parágrafo, alínea a), e 13.º, B, alínea b) - Utilização, para fins privados do sujeito passivo, de uma habitação num edifício afecto, na sua totalidade, à empresa - Não equiparação dessa utilização à locação de bens imóveis.
    Processo C-269/00.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-04101

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:298

    62000C0269

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 16 de Maio de 2002. - Wolfgang Seeling contra Finanzamt Starnberg. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha. - Sexta Directiva IVA - Artigos 6.º, n.º 2, primeiro parágrafo, alínea a), e 13.º, B, alínea b) - Utilização, para fins privados do sujeito passivo, de uma habitação num edifício afecto, na sua totalidade, à empresa - Não equiparação dessa utilização à locação de bens imóveis. - Processo C-269/00.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-04101


    Conclusões do Advogado-Geral


    1. Neste processo, o Bundesfinanzhof (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça a questão de saber se um Estado-Membro pode considerar isenta de IVA, nos termos do artigo 13.° , B), alínea b), da Sexta Directiva IVA , a utilização para habitação própria de um imóvel integrado, no seu todo, no património de uma empresa, excluindo-se, consequentemente, a dedução do IVA relativo à construção dos edifícios, na proporção respectiva.

    Disposições relevantes da Sexta Directiva

    2. O artigo 2.° , n.° 1, da Sexta Directiva, sujeita a imposto sobre o valor acrescentado:

    «[a]s entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

    3. O artigo 6.° , n.° 2, alínea a), equipara a prestações de serviços efectuadas a título oneroso:

    «[a] utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado».

    4. O artigo 11.° , A), n.° 1, alínea c), prevê que a matéria colectável é constituída, «[n]o caso de operações referidas no n.° 2 do artigo 6.° , pelo montante das despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços».

    5. O artigo 13.° , B), apresenta uma série de isenções obrigatórias de IVA. O artigo 13.° , B), alínea b), isenta, com excepções que não são relevantes para o caso:

    «[a] locação de bens imóveis [...]».

    6. O artigo 13.° , C), prevê:

    «Os Estados-Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação:

    a) Da locação de bens imóveis;

    b) Das operações referidas em B), d), g) e h).

    Os Estados-Membros podem restringir o âmbito do direito de opção e fixarão as regras do seu exercício.»

    7. O artigo 17.° respeita ao direito de um sujeito passivo deduzir do IVA devido a jusante sobre as suas operações tributáveis o IVA pago a montante sobre os bens e serviços objecto dessas operações. O mecanismo de dedução assegura que não sejam os próprios comerciantes a suportar o imposto que colectam através da adição do respectivo montante ao preço de venda: o IVA é, em definitivo, suportado apenas pelo consumidor final que, embora não sendo um sujeito passivo, não tem direito à dedução.

    8. O artigo 17.° , n.° 2, prevê:

    «Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

    a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.»

    9. No entanto, pode por vezes ser necessário ajustar a dedução inicialmente operada. O artigo 20.° , n.os 2 e 3, estabelece regras de ajustamento em relação a bens de investimento sempre que o grau de utilização desses bens em operações tributáveis varia ao longo do tempo:

    «2. No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efectuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.

    Em derrogação do disposto no parágrafo anterior, os Estados-Membros podem tomar como base, no momento do ajustamento, um período de cinco anos completos a contar do início da utilização dos bens em questão.

    No que se refere aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo dos ajustamentos pode ser aumentado até vinte anos.

    3. No caso de entrega durante o período de ajustamento, os bens de investimento são considerados afectos a uma actividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de ajustamento. Presume-se que esta actividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens é tributada; presume-se que está totalmente isenta nos casos em que a entrega se encontra isenta. O ajustamento efectua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de ajustamento.

    [...]»

    Disposições nacionais relevantes

    10. O § 1 da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios) de 1993, na versão em vigor no ano em causa (1995) (a seguir «UStG 1993») , tem a epígrafe «Operações tributáveis» e enumera as operações sujeitas a IVA. O § 1, n.° 2, alínea b), inclui nesta lista o «uso privado», cujo conceito aí dado abrange as situações em que o comerciante efectua, no decurso da sua actividade, entregas de bens para fins estranhos à própria empresa.

    11. O § 4 da UStG 1993 intitula-se «Fornecimentos de bens e serviços isentos e uso privado». O § 4, n.° 12, alínea a) inclui, entre as operações isentas, a locação de bens imóveis.

    12. O § 9, n.° 1, da UStG 1993 prevê que o contribuinte pode considerar tributável uma operação isenta nos termos do § 4, n.° 12, se se tratar de um fornecimento a outro comerciante no âmbito da sua actividade. O § 9, n.° 2 prevê assim uma derrogação da isenção no caso de locação de bens imóveis, mas apenas se o arrendatário usar ou pretender usar o bem imóvel exclusivamente para operações que não excluam a dedução do imposto a montante.

    13. Segundo a jurisprudência do Bundesfinanzhof, o uso privado de bens imóveis que façam parte dos bens da empresa está isento, nos termos do § 4, n.° 12, alínea a), da UStG 1993. Não é permitida a derrogação da isenção nos termos do § 9 da UStG 1993, uma vez que esta disposição pressupõe um fornecimento a outro comerciante no âmbito da sua actividade.

    14. O § 15, n.° 2, da UStG 1993 exclui a dedução do IVA nos fornecimentos realizados em operações isentas.

    15. Não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça se debruça sobre as disposições alemãs relativas ao regime do IVA no que respeita o uso privado de bens das empresas. Já expliquei a lógica e os efeitos destas disposições nas minhas conclusões no processo Armbrecht e creio ser útil recordar aqui essa explicação:

    «[...] o princípio subjacente às normas de execução alemãs é que, para assegurar a neutralidade fiscal entre sujeitos passivos e indivíduos enquanto pessoas privadas, um sujeito passivo que afecta bens ou serviços a uso privado deve ser colocado na mesma situação, para efeitos de IVA, que um dos seus clientes. As normas alemãs exigem, consequentemente, que um sujeito passivo impute à empresa os bens adquiridos em parte para uso empresarial e em parte para uso privado. Considera-se que o sujeito passivo tem o direito a deduzir, na totalidade, o imposto que recaiu sobre os bens, em conformidade com o disposto no artigo 17, n.° 2, da directiva, mas deve então, pelo uso privado que deles faz, pagar um montante anual de imposto baseado na depreciação dos bens, segundo o artigo 6.° , n.° 2, alínea a).

    [...]

    Em harmonia com a lógica das disposições alemãs, o uso pessoal de um bem imóvel é equiparado a um arrendamento para habitação isento feito pela empresa. Noutros termos, o uso privado é considerado como uma entrega por um sujeito passivo, de acordo com o disposto no artigo 6.° , n.° 2, alínea a), mas é isento em conformidade com o disposto no artigo 13.° , B), alínea b). O efeito disto é que, em contraste com a situação de outros bens, na aquisição de um bem imóvel, um sujeito passivo não pode deduzir o IVA da parte do bem destinado a uso privado, uma vez que se trata de uma entrega isenta. Nem é obrigado, porém, a pagar o imposto por uso privado, segundo o disposto no artigo 6.° , n.° 2, alínea a)».

    Processo principal e questão prejudicial

    16. W. Seeling é proprietário de uma empresa de tratamento arvense e de manutenção de jardins, sujeito ao regime geral de tributação. Em 1995, construiu um edifício que afectou (no seu conjunto) à sua empresa e que, uma vez concluído, passou a utilizar parcialmente para a sua actividade e parcialmente como habitação própria.

    17. Na sua declaração de IVA relativa a 1995, W. Seeling indicou a dedução de um valor de imposto respeitante ao conjunto do edifício. Quanto ao uso privado do edifício, declarou-o como uso pessoal sujeito a imposto. Não concordando com esta declaração, o Finanzamt considerou o uso privado do edifício como uso próprio isento de imposto e recusou, nessa medida, a dedução.

    18. O Finanzgericht seguiu o entendimento do Finanzamt e negou provimento ao recurso.

    19. W. Seeling recorreu então para o Bundesfinanzhof. Alega que, segundo o direito comunitário, a sua utilização do edifício para fins privados é tributável, pelo que não pode excluir-se a dedução dos impostos incidentes sobre a parte do edifício utilizada como habitação.

    20. No seu despacho de reenvio, o Bundesfinanzhof afirma que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 6.° , n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva tem por objectivo assegurar a igualdade de tratamento entre o sujeito passivo e o consumidor final, evitando a não tributação de um bem da empresa utilizado para fins privados: acórdãos Kühne , Mohsche e Fillibeck .

    21. Acrescenta, porém, que se colocam dúvidas sobre a medida em que esta igualdade de tratamento é suficiente para que, designadamente, a utilização (parcial) de bens integrados no património da empresa para fins privados do sujeito passivo seja considerada uma «locação de bens imóveis», isenta de imposto na acepção do artigo 13.° , B), alínea b), da Directiva.

    22. O Bundesfinanzhof conclui que esta questão parece não ter ficado definitivamente esclarecida, mesmo após o acórdão Armbrecht . Assinalou ainda que, nas minhas conclusões naquele processo, indiquei que a legislação alemã, que equipara um sujeito passivo que utilize para fins privados um bem imóvel integrado no património de uma empresa a um arrendatário na situação de um arrendamento isento de imposto, se baseia numa compreensão do conceito de neutralidade fiscal que é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça . No entanto, o Tribunal de Justiça não seguiu estas considerações no acórdão proferido naquele processo.

    23. O Bundesfinanzhof submeteu, portanto, a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

    «Um Estado-Membro pode considerar isenta de imposto [nos termos do artigo 13.° , B, alínea b), da Directiva 77/388/CEE, embora sem a possibilidade de renunciar à isenção] a utilização de um imóvel para habitação própria, integrado no conjunto dos edifícios afectos à empresa, equiparada a uma prestação de serviços efectuada a título oneroso na acepção do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), da Directiva 77/388/CEE, com a consequência de, por força do artigo 17.° , n.° 2, alínea b), da Directiva 77/388/CEE, estar excluída a dedução a montante do IVA que incidiu sobre o uso dos edifícios?»

    24. W. Seeling, o Governo alemão e a Comissão apresentaram observações escritas e estiveram representados na audiência.

    Apreciação

    25. W. Seeling e a Comissão, ao contrário do Governo alemão, são de opinião que a resposta a dar à questão prejudicial deve ser negativa. Concordo.

    26. O ponto de partida deve ser o princípio, bem assente na jurisprudência do Tribunal de Justiça , de que um sujeito passivo pode escolher, para efeitos da aplicação da directiva, entre integrar ou não na sua empresa a parte de um bem que está afecta ao seu uso privado. Se um sujeito passivo optar por tratar como património da empresa bens utilizados quer para fins profissionais quer para fins privados, dispõe em princípio de um direito à dedução total do IVA devido a montante pela aquisição dos bens . É evidente que pela expressão «em princípio» o Tribunal de Justiça quis simplesmente dizer na falta de uma derrogação relevante na Sexta Directiva: por isso, o Tribunal de Justiça salientou a natureza absoluta do «direito à dedução», mesmo quando a utilização de bens em actividades económicas é bastante limitada .

    27. Sempre que um sujeito passivo tenha exercido aquela opção e o IVA seja deduzido na totalidade, o artigo 6.° , n.° 2, alínea a) - que, recorde-se, trata o uso privado desses bens como uma prestação de serviços - tem por objectivo assegurar a igualdade de tratamento entre o sujeito passivo e o consumidor final, evitando a não tributação de um bem da empresa utilizado para fins privados; por isso, requer a tributação do uso privado desses bens quando o imposto pago pela sua aquisição era dedutível .

    28. À primeira vista, pode parecer estranho que um bem usado parcialmente para fins privados possa ser tratado como inteiramente afecto à empresa. Todavia, tal análise pode, em certas circunstâncias, promover a neutralidade do imposto, ao permitir que sejam tomadas em devida conta as mudanças, ocorridas ao longo da vida útil do bem, no grau do seu uso privado, ou as mudanças nesse grau ocorridas entre um vendedor sujeito passivo e um comprador sujeito passivo .

    29. A jurisprudência do Tribunal de Justiça admite, assim, dois métodos alternativos de tratamento, para efeitos de IVA, de bens utilizados parcialmente para fins privados: o sujeito passivo pode excluir, nessa medida, a totalidade dos bens do regime do IVA ou integrá-los na sua empresa, deduzir o IVA a montante sobre os bens e pagar os encargos devidos pelo respectivo uso, nos termos do artigo 6.° , n.° 2, alínea a). As disposições alemãs permitem, porém, um terceiro método para o caso de os bens em questão serem bens imóveis: nesta situação, equiparam o serviço que se supõe ser prestado nos termos do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), a uma locação e consideram-no isento ao abrigo da isenção que seria aplicável no caso de um verdadeiro contrato de locação , nos termos do artigo 13.° , B), alínea b), da directiva. Partindo do princípio de que a locação está isenta, exclui-se a dedução do imposto a montante.

    30. Em apoio desta abordagem, o Governo alemão alega que decorre do enunciado do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), que todas as disposições da directiva aplicáveis à prestação de serviços são, em princípio, também aplicáveis ao uso privado de bens da empresa. No caso em apreço, tratar o uso privado dos bens como uma prestação de serviços a título oneroso, nos termos do artigo 6.° , n.° 2, da directiva, implica a aplicação analógica do artigo 13.° , B), alínea b). O facto de não se tratar de uma utilização por um terceiro não exclui, segundo o Governo alemão, esta interpretação: o facto de o artigo 6.° , n.° 2, alínea a), tratar o uso privado como uma prestação de serviços demonstra que o vínculo com um terceiro não é crucial.

    31. A meu ver, e tal como alegam W. Seeling e a Comissão, o artigo 13.° , B), alínea b), não comporta esta interpretação.

    32. É jurisprudência constante que as isenções previstas no artigo 13.° da directiva devem constituir conceitos autónomos de direito comunitário, pelo que a matéria colectável do IVA é determinada uniformemente e de acordo com as disposições comunitárias . Além disso, os termos utilizados para definir as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, dado constituírem excepções ao princípio geral estabelecido no artigo 2.° da directiva, segundo o qual estão sujeitas a IVA todas as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade . Apesar de essa exigência de interpretação estrita não significar que os termos utilizados para definir as isenções devam ser formulados estrita ou restritivamente, de modo a privá-las do efeito pretendido , é evidente que o alcance das isenções não pode, em caso algum, ser alargado por analogia, como parece exigir o argumento do Governo alemão.

    33. No que respeita, em especial, à interpretação do artigo 13.° , B), alínea b), da directiva, o Tribunal de Justiça forneceu, numa série de processo recentes, algumas orientações sobre o alcance do conceito de «locação». Em primeiro lugar, declarou que o termo «locação» não pode abranger contratos em que as partes não acordaram sobre a duração do gozo do bem imóvel, que é um elemento essencial do contrato de locação . Em segundo, declarou que a locação de bens imóveis na acepção do artigo 13.° , B), alínea b), da Sexta Directiva consiste, no essencial, no facto de o proprietário de um imóvel ceder ao locatário, contra uma renda e por um prazo convencionado, o direito de ocupar o seu bem e de dele excluir outras pessoas . A meu ver, a isenção prevista no artigo 13.° , B), alínea b), não se pode, portanto, aplicar a uma locação fictícia do sujeito passivo consigo mesmo, caso em que, por definição, não existe um verdadeiro acordo quanto ao carácter oneroso ou quanto ao prazo (nem, na verdade, quanto a tudo o resto).

    34. Se, além disso, o legislador pretendesse que o artigo 6.° , n.° 2, alínea a), fosse lido em conjugação com o artigo 13.° , B), alínea b), seria de esperar que o artigo 6.° , n.° 2, alínea a), fizesse expressamente referência ao artigo 13.° , B), alínea b) : o efeito de tal leitura é, ao fim e ao cabo, transformar uma operação tributável numa operação isenta.

    35. Acresce que a abordagem do Governo alemão implica uma interpretação do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), que é contraditória. Esta disposição prevê explicitamente que as regras nela estabelecidas, respeitantes ao uso privado de bens se aplicam «sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado». No entanto, as disposições alemãs de aplicação do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), não permitem a dedução do IVA sempre que os bens sejam imóveis.

    36. Por último, como salienta a Comissão, o Tribunal de Justiça declarou que um sujeito passivo pode invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais, contra um Estado-Membro, quer o artigo 6.° , n.° 2, alínea a), quer o artigo 13.° , B), alínea b) . Seria porventura estranho que duas disposições, consideradas, a título individual, suficientemente claras, precisas e incondicionais para terem efeito directo fossem interpretadas como interdependentes, na ausência de qualquer referência explícita ou implícita àquele efeito.

    37. Uma vez que não aceito o argumento do Governo alemão segundo o qual o artigo 13.° , B), alínea b), se aplica por analogia ao uso privado de bens imóveis que façam parte do património tributável da empresa do sujeito passivo, não é necessário examinar os seus argumentos respeitantes à relevância e ao efeito do artigo 13.° , C), que dá aos Estados-Membros a possibilidade de concederem aos sujeitos passivos o direito de optar pela tributação em caso de locação de bens imóveis.

    38. Nestes termos, considero que as disposições alemãs relativas ao regime do IVA no que respeita ao uso privado por um sujeito passivo de bens imóveis integrados no património da empresa são contrárias à lógica da Sexta Directiva. W. Seeling tem, assim, o direito de deduzir na totalidade o imposto a montante que incide sobre todo o edifício e está sujeito ao pagamento de um encargo anual, nos termos do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), da directiva.

    39. O Governo alemão alega, porém, que tal abordagem permitiria a um sujeito passivo em situação idêntica à de W. Seeling obter uma vantagem de tesouraria e uma vantagem fiscal a que não teria acesso nos termos das disposições alemãs.

    40. Em primeiro lugar, o sujeito passivo obteria uma vantagem de tesouraria pelo facto de beneficiar por inteiro da dedução ab initio, ao passo que a carga fiscal prevista pelo artigo 6.° , n.° 2, alínea a), que visa efectivamente compensar a dedução, está repartida por todo o período do uso privado.

    41. Contudo, na minha opinião, e à semelhança do que o representante de W. Seeling referiu na audiência, tal vantagem é inerente à estrutura do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), e parece ser aceite pelo Tribunal de Justiça - o qual, nos numerosos processos relativos ao artigo 6.° , n.° 2, alínea a), nunca sugeriu que esta disposição é inválida - como uma consequência aceitável do mecanismo do uso privado. O uso privado de bens poderia ter sido igualmente levado em conta através do ajustamento da dedução inicial feita pelo sujeito passivo. No entanto, resulta da exposição de motivos junta pela Comissão à proposta da Sexta Directiva que foi reconhecido que o mesmo objectivo poderia ter sido alcançado por outros meios (nomeadamente, o ajustamento de deduções já efectuadas), mas que a «equiparação a entrega tributável foi escolhida por razões de neutralidade e simplicidade» . Assim, a tributação a jusante, nos termos do artigo 6.° , n.° 2, alínea a), foi especialmente escolhida como alternativa à restrição do direito à dedução do imposto a montante .

    42. Em segundo lugar, o Governo alemão alega que um sujeito passivo em situação idêntica a de W. Seeling obteria uma vantagem fiscal se vendesse o edifício mais de dez anos depois da sua aquisição e da dedução total do imposto a montante. Uma análise deste argumento requer uma breve explicação do mecanismo utilizado na Sexta Directiva para o ajustamento das deduções.

    43. O artigo 20.° da directiva prevê o ajustamento subsequente da dedução inicial efectuada aquando da aquisição dos bens de investimento, de modo a ter em conta as alterações de uso posteriores. O artigo 20.° , n.° 2 prevê um período de ajustamento de cinco anos, que pode ser estendido até 20 anos (inicialmente , dez anos), no caso de bens imóveis. O artigo 20.° , n.° 3 visa a situação dos bens de investimento que são alienados durante o período de ajustamento: se o sujeito passivo entrega bens durante esse período, considera-se que o seu uso durante o período remanescente está afecto à actividade da empresa, sendo o mesmo inteiramente tributado ou totalmente isento (conforme a entrega seja tributável ou isenta). Parece que o Governo alemão alargou o período de cinco anos referido no artigo 20.° , n.° 2, para dez anos, no caso de bens imóveis, em conformidade com a opção inicial.

    44. O Governo alemão assinala que, nos termos do artigo 11.° , A), n.° 1, alínea c), a matéria colectável é constituída, no caso das operações referidas no n.° 2 do artigo 6.° , pelo valor total das despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços. Sempre que esta prestação consistir no uso privado de bens imóveis, aquele valor consistirá, principalmente, na amortização do bem ou da parte deste bem que é utilizada para fins privados. É pouco provável que no espaço de dez anos após a sua aquisição os bens imóveis tenham sido amortizados totalmente ou que, em consequência, o imposto deduzido tenha sido totalmente compensado pelo pagamento do encargo anual. Assim, se o sujeito passivo vender o bem após o período de dez anos sem pagar IVA terá beneficiado da dedução do imposto a montante por inteiro, sem qualquer possibilidade de ajustamento da dedução. Tal resultado iria, segundo o Governo alemão, entrar em conflito com o princípio da neutralidade fiscal.

    45. Embora estas preocupações sejam de algum modo justificadas, podem actualmente ser em parte atenuadas pelo facto de se permitir o ajustamento ao longo de um período de 20 anos. W. Seeling assinala ainda outra anomalia resultante das disposições alemãs relativas ao uso privado de bens imóveis. Sempre que tenha havido dedução por inteiro do imposto devido a montante por um bem imóvel integrado no património de uma empresa e usado, nos dez anos posteriores à sua aquisição, exclusivamente para a actividade comercial, não existe qualquer possibilidade de ajustamento daquela dedução susceptível de reflectir o subsequente uso privado do bem, se este uso tiver início dez anos após a sua aquisição. Mesmo nas situações - como no caso em apreço - em que o uso privado teve início com a aquisição do bem imóvel, não será possível efectuar ajustamentos na proporção do imposto a montante cuja dedução foi permitida, de maneira a reflectir as alterações na proporção do uso privado e profissional após o período de dez anos. A neutralidade fiscal só pode ser alcançada se a dedução total for permitida ab initio, uma vez que nesse caso o uso privado é tributado ao longo da sua duração, nos termos do artigo 6.° , n.° 2, alínea a).

    Conclusão

    46. Por conseguinte, considero que se deve responder da seguinte forma à questão submetida pelo Bundesfinanzhof:

    «Um Estado-Membro não pode considerar isenta de imposto, nos termos do artigo 13.° , B), alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, a utilização para habitação própria de um imóvel integrado, no seu todo, no património de uma empresa.»

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