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Document 61999CJ0482
Judgment of the Court of 16 May 2002. # French Republic v Commission of the European Communities. # State aid - Article 87(1) EC - Aid granted to the French Republic to Stardust Marine - Decision 2000/513/EC - State resources - Imputability to the State - Prudent investor operating in a market economy. # Case C-482/99.
Acórdão do Tribunal de 16 de Maio de 2002.
República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios de Estado - Artigo 87.º, n.º 1, CE - Auxílios concedidos pela República Francesa à empresa Stardust Marine - Decisão 2000/513/CE - Recursos de Estado - Imputabilidade ao Estado - Investidor prudente numa economia de mercado.
Processo C-482/99.
Acórdão do Tribunal de 16 de Maio de 2002.
República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios de Estado - Artigo 87.º, n.º 1, CE - Auxílios concedidos pela República Francesa à empresa Stardust Marine - Decisão 2000/513/CE - Recursos de Estado - Imputabilidade ao Estado - Investidor prudente numa economia de mercado.
Processo C-482/99.
Colectânea de Jurisprudência 2002 I-04397
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:294
Acórdão do Tribunal de 16 de Maio de 2002. - República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílios de Estado - Artigo 87.º, n.º 1, CE - Auxílios concedidos pela República Francesa à empresa Stardust Marine - Decisão 2000/513/CE - Recursos de Estado - Imputabilidade ao Estado - Investidor prudente numa economia de mercado. - Processo C-482/99.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-04397
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1. Auxílios concedidos pelos Estados Conceito Auxílios provenientes de recursos estatais Auxílios concedidos por uma empresa pública Recursos da empresa constantemente sob controlo público Inclusão
(Artigo 87.° , n.° 1, CE)
2. Auxílios concedidos pelos Estados Conceito Auxílios concedidos por uma empresa pública Empresa controlada pelo Estado Imputabilidade ao Estado da medida de auxílio Exclusão Indícios a tomar em consideração
(Artigo 87.° , n.° 1, CE)
3. Auxílios concedidos pelos Estados Conceito Apreciação segundo o critério do investidor privado Tomada em consideração do contexto da época da concessão do apoio financeiro
(Artigo 87.° , n.° 1, CE)
1. O conceito de recursos estatais, constante do artigo 87.° , n.° 1, CE, abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efectivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo se as quantias correspondentes a uma medida de auxílios de Estado são recursos financeiros de empresas públicas e não se encontram de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e portanto à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de recursos estatais.
É o que se verifica quando, através do exercício da sua influência dominante sobre as empresas públicas, o Estado pode perfeitamente orientar a utilização dos respectivos recursos para financiar, eventualmente, benefícios específicos a favor de outras empresas.
( cf. n.os 37-38 )
2. A condição segundo a qual, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.° , n.° 1, CE, deve ser imputável ao Estado, não pode ser interpretada no sentido de que essa imputabilidade se deduz da mera circunstância de a medida ter sido adoptada por uma empresa pública controlada pelo Estado. Com efeito, embora o Estado possa controlar uma empresa pública e exercer uma influência dominante nas suas operações, o exercício efectivo deste controlo num caso concreto não deve ser automaticamente presumido. Há assim que examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas implicadas, de uma forma ou de outra, na adopção dessa medida.
A este respeito, a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adoptada por uma empresa pública pode ser deduzida de uma série de indícios, tais como, nomeadamente, a sua integração nas estruturas da administração pública, a natureza das suas actividades e o exercício destas no mercado em condições normais de concorrência com operadores privados, o estatuto jurídico da empresa, regulado pelo direito público ou pelo direito comum das sociedades, a intensidade da tutela exercida pelas autoridades públicas sobre a gestão da empresa ou qualquer outro indício, no caso concreto, de uma implicação ou da improbabilidade da não implicação das autoridades públicas na adopção de uma medida, atendendo igualmente ao alcance desta, ao seu conteúdo e às condições de que se reveste.
( cf. n.os 51-52, 55-56 )
3. Para determinar se a intervenção dos poderes públicos no capital das empresas, seja por que forma for, só pode constituir um auxílio estatal na acepção do artigo 87.° , n.° 1, CE, há que apreciar se, em circunstâncias similares, um investidor privado de dimensão comparável à dos organismos que gerem o sector público poderia ter sido levado a proceder a entradas de capitais da mesma importância, atendendo, nomeadamente, às informações disponíveis e às evoluções previsíveis na data dos financiamentos em causa.
Para averiguar se o Estado adoptou ou não o comportamento de um investidor prudente numa economia de mercado, há que tomar como referência o contexto da época em que as medidas de apoio financeiro foram tomadas a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado e, portanto, não basear a apreciação numa situação posterior.
( cf. n.os 68, 70-71 )
No processo C-482/99,
República Francesa, representada por G. Bergues, subdirector da direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Rozet e J. Flett, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrida,
que tem por objecto a anulação da Decisão 2000/513/CE da Comissão, de 8 de Setembro de 1999, relativa aos auxílios de Estado concedidos pela França à empresa Stardust Marine (JO 2000, L 206, p. 6),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. Jann, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, J.-P. Puissochet, J. N. Cunha Rodrigues e C. W. A. Timmermans (relator), juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: L. Hewlett, administradora,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 10 de Julho de 2001,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Dezembro de 2001,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Dezembro de 1999, a República Francesa pediu, ao abrigo do artigo 230._ CE, a anulação da Decisão 2000/513/CE da Comissão, de 8 de Setembro de 1999, relativa aos auxílios de Estado concedidos pela França à empresa Stardust Marine (JO 2000, L 206, p. 6, a seguir «decisão impugnada»).
Factos na origem do litígio
2 A sociedade Stardust-Marine (a seguir «Stardust»), cuja actividade principal se desenvolveu no mercado das embarcações de recreio, foi criada em 1989. O banco SBT-Batif (a seguir «SBT»), filial da Altus Finance (a seguir «Altus»), que, por sua vez, faz parte integrante do grupo Crédit Lyonnais, comprometeu-se inicialmente a financiar a Stardust mediante a concessão de empréstimos e garantias.
3 Após cinco anos de crescimento acentuado, o Crédit Lyonnais registou resultados negativos em 1992 (- 1,8 biliões de FRF) e em 1993 (- 6,9 biliões de FRF). A convite da Autorité de surveillance du système bancaire français, as autoridades francesas decidiram, em 1994, prestar-lhe apoio financeiro. Este incluía, por um lado, um aumento de capital de 4,9 biliões de FRF e, por outro, a assunção dos riscos e custos ligados aos compromissos a seguir transferidos para uma estrutura específica de acantonamento, o Consortium de réalisations (a seguir «CDR»), que era uma filial a 100% do Crédit Lyonnais, criado em 1995 no quadro de uma operação denominada «de défaisance». O CDR adquiriu, por cerca de 190 biliões de FRF, activos do Crédit Lyonnais. De acordo com o plano de reestruturação, todos os activos em causa deviam ser cedidos ou liquidados.
4 A Stardust, controlada desde 1994 pelo Crédit Lyonnais por intermédio da Altus na sequência de um aumento de capital de 44,3 milhões de FRF, subscrito pela Altus em Outubro de 1994, por compensação de créditos, fez parte dos activos do Crédit Lyonnais transferidos para o CDR no quadro do plano de défaisance de 1995, devido aos seus fracos resultados e às perdas previsíveis que poderiam provocar. Enquanto filial do CDR, a Stardust continuou a fazer parte integrante do grupo Crédit Lyonnais após 1995 e até à privatização deste, visto o CDR ter continuado a ser, até final de 1998, uma filial a 100% do Crédit Lyonnais, não consolidada. A administração do Crédit Lyonnais deixou, contudo, de ter qualquer papel directo na gestão da Stardust após a sua transferência para o CDR, devido à separação total em matéria de gestão entre este último e o Crédit Lyonnais, de acordo com a Decisão 95/547/CE da Comissão, de 26 de Julho de 1995, que autorizou em determinadas condições os auxílios concedidos pela França ao Crédit Lyonnais (JO L 308, p. 92).
5 O CDR procedeu a aumentos de capital da Stardust em três etapas. Um primeiro aumento, no total de 112 milhões de FRF, teve lugar em Abril de 1995. Um segundo aumento, de 250,5 milhões de FRF, decidido na sequência de uma assembleia geral extraordinária, em 26 de Janeiro de 1996, foi efectuado em dois pagamentos, respectivamente, em Junho de 1996 (no valor correspondente a dois terços daquele montante) e em Março de 1997 (no valor do terço remanescente). Por fim, um terceiro aumento de capital foi realizado na sequência de uma assembleia geral extraordinária de 5 de Junho de 1997, no montante de 89 milhões de FRF.
6 Após a última operação de recapitalização em Junho de 1997, o CDR vendeu a sua participação na Stardust (ou seja, 99,90% do respectivo capital) à empresa FG Marine pelo valor de 2 milhões de FRF.
O processo perante a Comissão e a decisão impugnada
7 Em 20 de Junho de 1997, a Comissão recebeu uma denúncia contra a República Francesa respeitante a diversas recapitalizações da Stardust por parte do Estado bem como às condições em que esta havia sido cedida pelo CDR à empresa FG Marine.
8 Em 2 de Julho de 1997, a Comissão enviou uma carta às autoridades francesas, pedindo-lhes que lhe fornecessem informações completas sobre a situação financeira da Stardust, as operações de capital realizadas e, sendo caso disso, sobre a cessão ou os projectos de cessão deste activo do CDR e as modalidades precisas da venda.
9 Em 5 de Novembro de 1997, a Comissão decidiu instaurar o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 2, CE) no que respeita às medidas de apoio a favor da Stardust e informou deste facto o Governo francês por carta de 8 de Dezembro de 1997, convidando-o a fornecer-lhe todas as informações necessárias à instrução do processo.
10 A abertura do referido processo foi objecto da comunicação 98/C 111/07 da Comissão, de 9 de Abril de 1998, dirigida a título do artigo 93._, n._ 2, do Tratado aos Estados-Membros e outros interessados, relativa às medidas de recapitalização da Stardust Marine (JO C 111, p. 9).
11 Posteriormente à abertura do processo mencionado, tiveram lugar novas trocas de informação entre a Comissão e o Governo francês.
12 Em 8 de Setembro de 1999, a Comissão adoptou a decisão impugnada, tendo procedido à respectiva notificação das autoridades francesas em 13 de Outubro seguinte.
13 O dispositivo da decisão impugnada está redigido da seguinte forma:
«Artigo 1._
Os aumentos de capital da Stardust Marine, no montante de 44,3 milhões FRF efectuado pela Altus Finance em Outubro de 1994 e de 112 milhões pelo CDR em Abril de 1995, o avanço em conta corrente do CDR de 127,5 milhões FRF efectuado entre Julho de 1995 e Junho de 1996, bem como as recapitalizações efectuadas pelo CDR de 250,5 milhões FRF em Julho de 1996 e de 89 milhões em Junho de 1997, constituem auxílios estatais na acepção do n._ 1 do artigo 87._ do Tratado CE. Estes auxílios, de um valor total actualizado em 31 de Outubro de 1994 de 450,4 milhões FRF, não podem ser declarados compatíveis com o mercado comum na acepção dos n.os 2 e 3 do artigo 87._ do Tratado CE e dos n.os 2 e 3 do artigo 61._ do Acordo EEE.
Artigo 2._
A França deve exigir o reembolso pela Stardust ao Estado ou ao CDR dos 450,4 milhões FRF correspondentes ao elemento de auxílio das medidas em questão, em valor actualizado em 31 de Outubro de 1994, acrescido dos juros calculados sobre este montante, vencidos a partir desta data e calculados com base na taxa de referência estabelecida pela Comissão para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios em França.
Artigo 3._
A França informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para lhe dar cumprimento.
Artigo 4._
A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»
Quanto ao mérito
14 Em apoio do seu recurso de anulação da decisão impugnada, o Governo francês invoca cinco fundamentos.
15 Em primeiro lugar, contesta a origem estatal dos fundos de apoio à Stardust, fundamento este que se articula em duas vertentes. Em segundo lugar, alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao excluir o carácter prudente do comportamento do SBT e da Altus a respeito da Stardust. Em terceiro lugar, a decisão impugnada revela contradições internas, nomeadamente no que respeita à identificação da entidade que pagou o auxílio. Em quarto lugar, a referida decisão viola o princípio da segurança jurídica ao contrariar decisões anteriores da Comissão. Em último lugar, a Comissão violou o direito de defesa do Governo francês no quadro do processo que conduziu à adopção da decisão impugnada.
Observações preliminares gerais
16 Liminarmente, importa salientar que decorre da decisão impugnada que a análise efectuada pela Comissão acerca do carácter de auxílios de Estado das medidas em causa respeita, em primeiro lugar, aos apoios financeiros concedidos à Stardust antes do seu acantonamento no seio do CDR.
17 A Comissão reconhece, na decisão impugnada, que, «considerada isoladamente, a intervenção do Estado por intermédio do CDR a partir do momento em que a empresa foi acantonada em 1995 respondeu, em parte, a objectivos de boa gestão, de minimização das perdas e de preservação dos interesses patrimoniais do Estado. [...] Contudo, mesmo nesta hipótese não verificada, uma boa gestão do processo por parte do CDR, agindo como investidor prudente, não retiraria às medidas em questão o carácter de auxílio a favor da Stardust» (n._ 50). «Na verdade, a fim de apreciar esta operação, a Comissão considera as medidas do Estado no seu conjunto relativamente à Stardust [...] que a medida de acantonamento da empresa no quadro do CDR não anulou como se nada se tivesse passado antes de 1995» (n._ 51).
18 Por outro lado, embora a Comissão tenha considerado, na decisão impugnada, que as recapitalizações da Stardust pela Altus, em Outubro de 1994, e pelo CDR, em Abril de 1995, Junho de 1996, e Junho de 1997, eram medidas de auxílio na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE, importa sublinhar que a própria Comissão reconhece que estas medidas são a mera «tradução» dos auxílios concedidos à Stardust até Outubro de 1994.
19 Com efeito, de acordo com o n._ 95 da decisão impugnada, «as medidas de auxílio em questão precederam efectivamente as recapitalizações da empresa realizadas entre 1994 e 1997 - que representam apenas o pagamento diferido dos elementos de auxílio que contêm - e que se relacionam principalmente com o financiamento imponderado da empresa pelo Crédit Lyonnais durante o seu período de crescimento acelerado verificado entre 1992 e 1994». Além disso, nos termos do n._ 103 da mesma decisão, «as medidas de recapitalização» [devem ser] apreciadas «no contexto em que os auxílios foram na verdade inicialmente concedidos à Stardust e, nomeadamente, em 1992, 1993 e 1994» (no mesmo sentido, n.os 48, 51, 53, 100 a 102, 106 e 114 da decisão impugnada).
20 Deste modo, uma vez que a Comissão considerou os apoios financeiros concedidos à Stardust pela Altus e pelo SBT em 1992, 1993 e 1994 como estando na origem dos auxílios de Estado recriminados na decisão impugnada, o exame pelo Tribunal de Justiça da qualificação de auxílios de Estado, ditado pelo primeiro e segundo fundamentos invocados pela recorrente, deve debruçar-se, primeiramente, sobre aquelas medidas.
Quanto ao primeiro fundamento
21 Através deste fundamento, o Governo francês contesta, por um lado, que os recursos financeiros utilizados pela Altus e pelo SBT, filiais do Crédit Lyonnais, para financiar a Stardust possam ser qualificados de «recursos estatais», na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE (primeira vertente) e, por outro, que as medidas de apoio a favor da Stardust possam ser consideradas imputáveis ao Estado francês (segunda vertente).
Observações preliminares quanto ao primeiro fundamento
22 A título liminar, deve recordar-se que o artigo 87._, n._ 1, CE declara incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
23 Tal como decorre de jurisprudência constante, não há que distinguir entre os casos em que o auxílio é concedido directamente pelo Estado e aqueles em que o auxílio é concedido por organismos públicos ou privados que o Estado institui ou designa para gerir o auxílio (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Colect., p. 203, n._ 21; de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/França, 290/83, Recueil, p. 439, n._ 14; de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n._ 35, e de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, Colect., p. I-1603, n._ 13). Com efeito, o direito comunitário não pode admitir que o simples facto de criar instituições autónomas encarregadas da distribuição dos auxílios permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado.
24 Contudo, para que as vantagens possam ser qualificadas de auxílios na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE, devem, por um lado, ser concedidas directa ou indirectamente através de recursos estatais (v. acórdãos de 17 de Março de 1993, Sloman Neptun, C-72/91 e C-73/91, Colect., p. I-887, n._ 19; de 30 de Novembro de 1993, Kirsammer-Hack, C-189/91, Colect., p. I-6185, n._ 16; de 7 de Maio de 1998, Viscido e o., C-52/97 a C-54/97, Colect., p. I-2629, n._ 13; de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, Colect., p. 7907, n._ 35, de 17 de Junho de 1999, Piaggio, C-295/97, Colect., p. I-3735, n._ 35; e de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n._ 58), e, por outro lado, ser imputáveis ao Estado (acórdãos Van der Kooy e o./Comissão, já referido, n._ 35; de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n._ 11, e Itália/Comissão, C-305/89, já referido, n._ 13).
Quanto à primeira vertente do primeiro fundamento
Argumentação das partes
25 Nesta primeira vertente, o Governo francês alega que a Comissão interpretou de forma errada o conceito de «recursos estatais» visado no artigo 87._, n._ 1, CE.
26 Começa por sublinhar que, segundo a letra do Tratado, a qualificação de auxílio de Estado implica que se faça prova da utilização de recursos públicos por parte de quem concede o auxílio. A Comissão não pode deduzir da mera pertença de uma empresa ao sector público que os recursos dispensados por esta última são necessária e sistematicamente recursos estatais. Uma qualificação puramente orgânica da natureza dos fundos seria demasiado abrangente. Acresce que aplicar um critério orgânico acarretaria uma desigualdade de tratamento das empresas públicas relativamente às privadas, na medida em que se estaria a penalizar o simples facto de pertencerem ao sector público, em contradição com o princípio da neutralidade do Tratado a respeito do regime da propriedade das empresas previsto no artigo 295._ CE. Com efeito, as empresas privadas, tal como as públicas, podem assumir riscos susceptíveis de redundar num fracasso.
27 Seguidamente, o Governo francês alega que, no caso vertente, os recursos do Crédit Lyonnais e das suas filiais não provêem nem directa nem indirecta, nem sequer parcialmente, de recursos estatais. Por um lado, os apoios bancários inicialmente atribuídos à Stardust foram concedidos pelo SBT, filial da Altus, e, portanto, «subfilial» do Crédit Lyonnais, que obteve os financiamentos no mercado de capitais privados, sem intervenção específica dos poderes públicos. Por outro, a Altus e o SBT não receberam quaisquer fundos públicos antes das suas intervenções destinadas a apoiar a Stardust e o Crédit Lyonnais, por sua vez, não recebeu fundos públicos antes de 30 de Junho de 1994, data em que a parte essencial dos financiamentos impugnados já tinha sido concedida à Stardust.
28 Por último, o Governo francês alega que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de fundamentar um acto comunitário, ao não explicar as razões pelas quais considera que os fundos públicos mobilizados para os aumentos de capital da Stardust constituem recursos estatais na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE.
29 A Comissão contrapõe que, no n._ 37 da decisão impugnada, considerou que «[o]s recursos do Crédit Lyonnais, uma empresa pública, mobilizados para esta operação por intermédio das suas filiais SBT e Altus constituem recursos estatais na acepção do n._ 1 do artigo 87._ do Tratado CE». Sublinha também o facto de, no n._ 39 daquela decisão, ter recordado que, na sua Decisão 98/490/CE, de 20 de Maio de 1998, relativa aos auxílios concedidos pela França ao grupo Crédit Lyonnais (JO L 221, p. 28, a seguir «decisão sobre os auxílios concedidos ao Crédit Lyonnais»), declarou que os recursos do CDR eram recursos estatais «não apenas porque o CDR é uma filial a 100% de uma empresa pública, mas também porque é financiado por um empréstimo participativo garantido pelo Estado e as suas perdas estão a cargo do Estado».
30 Por outro lado, a Comissão sublinha que as medidas financiadas por recursos estatais não constituem ipso facto auxílios de Estado. Pelo contrário, deveria ainda provar-se que tais medidas não correspondem ao comportamento de um investidor prudente numa economia de mercado. Com efeito, decorre, nomeadamente, do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1999, Salomon/Comissão (T-123/97, Colect., p. II-2925, n.os 68 e 69), que, quando um banco público mobiliza os seus recursos para proceder a uma operação que um banco privado, nas mesmas circunstâncias, teria igualmente realizado, não se trata de um auxílio de Estado. Deste modo, entende que não pode ser acusada de qualquer discriminação em prejuízo das empresas públicas contrária ao artigo 295._ CE.
31 Além disso, a Comissão alega que o Governo francês não pode validamente sustentar que a decisão impugnada é ilegal em virtude de uma suposta falta de fundamentação quanto à qualificação de recursos estatais. Com efeito, as razões pelas quais a Comissão considera que as medidas em causa caem no âmbito de aplicação do artigo 87._, n._ 1, CE foram claramente indicadas na referida decisão.
Apreciação do Tribunal de Justiça
32 A título liminar, deve concluir-se que o Governo francês não contesta que os recursos utilizados pelo CDR para financiar a Stardust são recursos estatais na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE. Importa, portanto, apenas examinar se os empréstimos, as garantias e a recapitalização facultados pela Altus e pelo SBT à Stardust, antes do seu acantonamento no seio do CDR, devem ser considerados provenientes de recursos estatais.
33 A este respeito, resulta dos autos que, em 31 de Dezembro de 1994, o Estado detinha cerca de 80% das acções e 100% dos direitos de voto do Crédit Lyonnais. Este último detinha 100% das acções da Altus e esta, por sua vez, 97% das acções do SBT, cabendo os 3% remanescentes ao Crédit Lyonnais. Além disso, o presidente do Crédit Lyonnais e dois terços dos membros do seu conselho de administração eram nomeados pelo Estado. O presidente do Crédit Lyonnais presidia igualmente ao conselho de administração da Altus, cujos membros eram nomeados pelo conselho de administração do Crédit Lyonnais.
34 Nestas condições, é forçoso concluir que o Crédit Lyonnais, a Altus e o SBT se encontravam sob controlo do Estado e deviam ser considerados empresas públicas na acepção do artigo 2._, primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75), modificada pela Directiva 93/84/CEE da Comissão, de 30 de Setembro de 1993 (JO L 254, p. 16, a seguir «Directiva 80/723»). Com efeito, as autoridades francesas podiam exercer directa ou indirectamente uma influência dominante nessas empresas na acepção da referida disposição da Directiva 80/723.
35 Importa, assim, examinar se essa situação de controlo por parte do Estado permite considerar os recursos financeiros das empresas em causa como «recursos estatais», na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE, num caso como o que está em apreço, em que não foi contestado entre as partes que, até 30 de Junho de 1994, as empresas em causa não receberam das autoridades francesas qualquer apoio financeiro, como uma garantia ou uma transferência específica de recursos financeiros.
36 A este respeito, deve observar-se, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante, não é necessário provar, em todos os casos, ter havido lugar a uma transferência de recursos estatais para que a vantagem concedida a uma ou mais empresas possa ser considerada um auxílio de Estado na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n._ 14, e de 19 de Maio de 1999, Itália/Comissão, C-6/97, Colect., p. I-2981, n._ 16).
37 Em segundo lugar, importa recordar que decorre já da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 87._, n._ 1, CE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efectivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo se as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrarem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e portanto à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de recursos estatais (v. acórdão de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C-83/98 P, Colect., p. I-3271, n._ 50).
38 Daqui decorre que, ao considerar, na decisão impugnada, que os recursos de empresas públicas, como os do Crédit Lyonnais e das suas filiais, estavam sob controlo do Estado e, portanto, à disposição deste, a Comissão não interpretou de forma errada o conceito de «recursos estatais» visado no artigo 87._, n._ 1, CE. Com efeito, através do exercício da sua influência dominante sobre aquelas empresas, o Estado pode perfeitamente orientar a utilização dos respectivos recursos para financiar, eventualmente, benefícios específicos a favor de outras empresas.
39 Por outro lado, uma interpretação desta natureza não pode ser considerada, como alegou o Governo francês, fonte eventual de discriminações das empresas públicas relativamente às empresas privadas. Num contexto como o do caso vertente, a situação de uma empresa pública não pode ser comparada à de uma empresa privada. Com efeito, o Estado pode prosseguir, através das suas empresas públicas, fins não comerciais, como é recordado no décimo primeiro considerando da Directiva 80/723.
40 Além disso, o Governo francês não pode validamente sustentar que a decisão impugnada viola o artigo 253._ CE, porque a Comissão não teria indicado as razões pelas quais as medidas a favor da Stardust foram concedidas através de recursos estatais.
41 Com efeito, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida no artigo 253._ CE deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade comunitária, autora do acto impugnado, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos e ao Tribunal exercer o seu controlo (acórdãos de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n._ 22, e de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C-156/98, Colect., p. I-6857, n._ 96).
42 A este respeito, é suficiente concluir que a decisão impugnada menciona diversas vezes, nomeadamente nos n.os 27, 37 e 83, que a Comissão considera que os recursos das empresas públicas, como os do Crédit Lyonnais e das suas filiais, são recursos estatais na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE. Tal permitiu ao Governo francês e ao juiz comunitário conhecer as razões pelas quais a Comissão entendia que estavam implicados recursos estatais, no caso vertente.
43 Resulta de tudo o que precede que a primeira vertente do primeiro fundamento deve ser rejeitada.
Quanto à segunda vertente do primeiro fundamento
Argumentação das partes
44 Nesta segunda vertente, o Governo francês alega que a Comissão interpretou erradamente o conceito de «imputabilidade ao Estado» e que, segundo ele, os apoios financeiros concedidos à Stardust pelo SBT e pela Altus não são imputáveis ao Estado.
45 Segundo o Governo francês, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o critério da imputabilidade ao Estado deve ser objecto de exame caso a caso por parte da Comissão e que não se pode presumir estar o mesmo preenchido com base na mera pertença orgânica de uma empresa ao sector público. Com efeito, o Governo francês alega que o simples critério do controlo de uma empresa pelo Estado não pode ser suficiente para demonstrar a imputablidade do seu comportamento a este último.
46 Além disso, o Governo francês salienta que a Comissão não pode, sem contrariar a sua própria decisão sobre os auxílios concedidos ao Crédit Lyonnais, imputar ao Estado a responsabilidade de financiamentos concedidos por uma «subfilial» do referido banco, quando essa mesma decisão concluiu pela existência de falhas de controlo consideráveis, tanto ao nível da sociedade-mãe como no seio do grupo.
47 Por outro lado, aquele Governo recorda que, em França, as empresas públicas constituídas sob a forma de sociedades comerciais funcionam segundo as regras das sociedades privadas e beneficiam do princípio da autonomia. No caso vertente, o SBT e a Altus tomaram as suas decisões com total independência relativamente ao Crédit Lyonnais e, por maioria de razão, ao Estado.
48 A Comissão alega que o Estado detinha a maioria do capital e dos direitos de voto do Crédit Lyonnais e nomeava os respectivos presidente e a maioria dos membros do conselho de administração. Nestas circunstâncias, considera não ser possível negar nem o controlo exercido pelo Estado sobre o Crédit Lyonnais e, através deste último, sobre a Altus, nem, em razão deste controlo, a imputabilidade ao Estado dos investimentos efectuados pela Altus, não obstante o disfuncionamento do controlo exercido pelo Crédit Lyonnais sobre as actividades da sua filial.
49 Por outro lado, a Comissão salienta que o Governo francês não pode validamente alegar que o comportamento da Altus lhe era desconhecido, sendo esta uma filial a 100% do Crédit Lyonnais, do qual, por sua vez, 80,70% das acções e quase 100% dos direitos de votos pertenciam ao Estado. Assim, resulta de um documento dirigido pelas autoridades francesas à Comissão em 5 de Janeiro de 1998, que, em 1991, «preocupada, à semelhança do Ministro da Economia e das Finanças, pela evolução da banca, a Commission bancaire encetou investigações nas filiais mais expostas do grupo. Tais investigações disseram respeito à Altus no segundo semestre de 1991». Também em 1992, os representantes do Estado no conselho de administração do Crédit Lyonnais «exprimiram a sua inquietação, mais particularmente sobre o controlo interno dos riscos e a situação da Altus Finance». Os exames levados a cabo em 1993 pelos novos administradores do Crédit Lyonnais e pela Commission bancaire revelaram «a assunção de novos riscos, em especial pela Altus Finance, no primeiro semestre de 1993».
Apreciação do Tribunal de Justiça
50 Está provado que, na decisão impugnada, a Comissão deduziu a imputabilidade ao Estado dos apoios financeiros concedidos à Stardust pela Altus e pelo SBT a partir do simples facto de que, enquanto filiais do Crédit Lyonnais, estas duas últimas sociedades eram indirectamente controladas por ele.
51 Esta interpretação da condição segundo a qual, para que uma medida possa ser qualificada de «auxílio de Estado», na acepção do artigo 87._, n._ 1, CE, deve ser imputável ao Estado, que deduz essa imputabilidade da mera circunstância de a medida ter sido adoptada por uma empresa pública, não pode ser acolhida.
52 Com efeito, embora o Estado possa controlar uma empresa pública e exercer uma influência dominante nas suas operações, o exercício efectivo deste controlo num caso concreto não deve ser automaticamente presumido. Uma empresa pública pode agir com maior ou menor independência, em função do grau de autonomia que lhe é deixado pelo Estado. É o que acontece com empresas públicas como a Altus e o SBT. Por conseguinte, o simples facto de uma empresa pública se encontrar sob controlo estatal não é suficiente para se poder imputar ao Estado as medidas por ela adoptadas, como as medidas de apoio financeiro ora em causa. Há ainda que examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas implicadas, de uma forma ou de outra, na adopção dessas medidas.
53 A este respeito, não pode exigir-se que seja demonstrado, com base em instruções precisas, que as autoridades públicas incitaram concretamente a empresa pública a adoptar as medidas de auxílio em causa. Por um lado, atendendo ao facto de que as relações entre o Estado e as empresas públicas são, por natureza, estreitas, existe o risco real de que os auxílios de Estado sejam concedidos por intermédio dessas empresas, de forma pouco transparente e em violação do regime de auxílios de Estado previsto pelo Tratado.
54 Por outro lado, regra geral, precisamente em virtude das relações privilegiadas entre o Estado e uma empresa pública, será muito difícil para terceiros demonstrar que, num caso concreto, foram efectivamente adoptadas medidas de auxílio por uma daquelas empresas, na sequência de instruções dadas pelas autoridades públicas.
55 Por estes motivos, deve aceitar-se que a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adoptada por uma empresa pública pode ser deduzida de um conjunto de indícios resultante das circunstâncias do caso concreto e do contexto no qual essa medida ocorreu. A este respeito, o Tribunal de Justiça já em diversas ocasiões tomou em consideração o facto de que o organismo em questão não podia tomar a decisão contestada sem ter em conta as exigências dos poderes públicos (v., nomeadamente, acórdão Van der Kooy e o./Comissão, já referido, n._ 37) ou que, além dos elementos de natureza orgânica que as ligavam ao Estado, as empresas públicas, por intermédio das quais tinham sido concedidos os auxílios, deviam ter em conta as orientações emanadas do comitato interministeriale per la programmazione economica (CIPE) (acórdãos já referidos de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, n.os 11 e 12, e Itália/Comissão, C-305/89, n.os 13 e 14).
56 Outros indícios podem, eventualmente, ser pertinentes para se concluir pela imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adoptada por uma empresa pública, tais como, nomeadamente, a sua integração nas estruturas da Administração Pública, a natureza das suas actividades e o exercício destas no mercado em condições normais de concorrência com operadores privados, o estatuto jurídico da empresa, regulado pelo direito público ou pelo direito comum das sociedades, a intensidade da tutela exercida pelas autoridades públicas sobre a gestão da empresa ou qualquer outro indício, no caso concreto, de uma implicação ou da improbabilidade da não implicação das autoridades públicas na adopção de uma medida, atendendo igualmente ao alcance desta, ao seu conteúdo e às condições de que se reveste.
57 Contudo, a mera circunstância de uma empresa pública ter sido constituída sob a forma de sociedade de capitais de direito comum não pode ser considerada suficiente para se excluir que uma medida de auxílio adoptada por essa sociedade possa ser imputável ao Estado, dada a autonomia que aquela forma jurídica é susceptível de conferir (v., neste sentido, acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, já referido, n._ 13). Com efeito, a existência de uma situação de controlo e as possibilidades reais de exercício de uma influência dominante que tal situação comporta na prática impedem que se exclua liminarmente qualquer imputabilidade ao Estado de uma medida adoptada por uma sociedade daquela natureza e, consequentemente, o risco de um desvio das regras do Tratado relativas aos auxílios de Estado, não obstante a pertinência enquanto tal da forma jurídica da empresa pública como indício, entre outros, que permite estabelecer, num caso concreto, a implicação ou não do Estado.
58 Na decisão impugnada, a Comissão adoptou como único o critério orgânico, segundo o qual o Crédit Lyonnais, a Altus e o SBT, enquanto empresas públicas, eram controladas pelo Estado. Nestas condições, deve concluir-se que essa interpretação do critério da imputabilidade do Estado está errada.
59 Por conseguinte, a segunda vertente do primeiro fundamento do Governo francês procede.
Quanto ao segundo fundamento
Argumentação das partes
60 Através do segundo fundamento, o Governo francês alega que, contrariamente ao que a Comissão afirma na decisão impugnada, os apoios financeiros concedidos pelas filiais do Crédit Lyonnais à Stardust correspondem a um comportamento prudente, no contexto da época em que foram dispensados.
61 O Governo francês alega, em primeiro lugar, que a concessão de um empréstimo deve ser apreciada tendo em atenção a atitude que, na data da concessão do empréstimo controverso, um investidor privado em condições normais de mercado teria adoptado, perante as informações disponíveis e evoluções previsíveis desse mesmo mercado na referida época. A Comissão deveria, portanto, ter-se colocado no contexto da época para avaliar o comportamento prudente do Estado e abster-se de qualquer apreciação baseada numa situação posterior. O referido governo entende que nenhum elemento da decisão impugnada permite sustentar a tese segundo a qual, no momento em que os apoios financeiros foram concedidos, os compromissos do SBT e da Altus não eram os de um investidor prudente numa economia de mercado.
62 A este respeito, a Comissão recorda ter sublinhado, no n._ 22 da decisão impugnada, que «as medidas em questão são analisadas no contexto em que foram concedidas e não ex-post» e, no n._ 25 da referida decisão, que, «[a] fim de apreciar se as medidas de financiamento de que a Stardust beneficiou incluíam elementos de auxílio, a Comissão coloca-se não na situação actual, em que o resultado - muito negativo - destes financiamentos é conhecido, mas sim no contexto em que estes financiamentos foram concedidos pelo Crédit Lyonnais antes de 1995».
63 Além disso, a Comissão sublinha que os dados que figuram no quadro 2, que constitui o n._ 39 da decisão impugnada, revelam que o resultado líquido da Stardust em 31 de Dezembro de 1993 era de - 15,9 milhões de FRF. Embora o total do balanço de 31 de Dezembro não fosse conhecido, visto o exercício só ter sido encerrado em 30 de Junho de 1995 com um resultado líquido de - 361,2 milhões de FRF, a Comissão indicou que, segundo as autoridades nacionais, uma auditoria revelou que, na data da tomada de controlo da Stardust pela Altus, esta acusava a necessidade de um financiamento de cerca de 203 milhões de FRF (n._ 31 da decisão impugnada), ao passo que o seu volume de negócios se elevava a 117,5 milhões de FRF. Segundo a Comissão, tudo leva a crer que a situação da Stardust já era particularmente crítica muito antes de Junho de 1995 e até antes de 31 de Dezembro de 1994, data da transferência da Stardust para o CDR.
64 Em segundo lugar, o Governo francês alega que o critério da exposição do financiador relativamente ao balanço da empresa, que foi o único elemento tido em consideração pela Comissão, não é pertinente para ajuizar do carácter prudente ou não de um empréstimo bancário.
65 A Comissão alega que, no caso vertente, a exposição financeira do Crédit Lyonnais, que era largamente superior ao total do balanço da Stardust, se compunha sobretudo de produtos inadequados para suportar riscos elevados. Esta exposição com base em produtos financeiros, como empréstimos e garantias, vocacionados para um nível de risco inferior aos investimentos em acção, apresentou na realidade um nível de risco muito superior ao aceitável, mesmo para um produto financeiro de alto risco como as acções, pois ultrapassou a exposição máxima aceitável de um accionista na hipótese mais extrema possível, que é a de ser chamado a assumir o passivo do balanço. Segundo a Comissão, tal comportamento não pode ser considerado o de um investidor prudente.
66 Em terceiro lugar, o Governo francês entende que o argumento do banco exclusivo utilizado na decisão impugnada pode, em rigor, constituir um elemento, entre outros critérios pertinentes, de natureza a corroborar o carácter não prudente de um financiamento. Contudo, no caso de uma pequena empresa como a Stardust, carece de pertinência. Com efeito, é extremamente frequente que as pequenas e médias empresas como a Stardust trabalham com um único banco. Esta situação passa-se, aliás, noutros Estados-Membros, onde certos bancos se especializam no financiamento deste tipo de empresas.
67 A Comissão admite que um banco se possa encontrar na situação de ser o financiador exclusivo de uma empresa. Todavia, nesse caso, o banco único deve procurar adaptar a sua oferta de produtos ao nível do risco assumido, limitando a sua exposição relativamente à totalidade do balanço e rodeando-se de garantias sobre os activos da empresa, o que lhe permitiria limitar as suas perdas em caso de evolução negativa da situação. Segundo a Comissão, no caso vertente, aconteceu precisamente o contrário.
Apreciação do Tribunal de Justiça
68 A título liminar, importa recordar que a intervenção dos poderes públicos no capital das empresas, seja por que forma for, só pode constituir um auxílio estatal quando as condições estabelecidas no artigo 87._, n._ 1, CE se encontram preenchidas (v., nomeadamente, acórdãos de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, dito «Tubemeuse», C-142/87, Colect., p. I-959, n._ 25, e de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92 a C-280/92, Colect., p. I-4103, n._ 20).
69 Além disso, deve sublinhar-se que resulta do princípio da igualdade de tratamento entre as empresas públicas e privadas que os capitais postos, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado (acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, já referido, n._ 20).
70 Por conseguinte, ainda segundo jurisprudência constante, há que apreciar se, em circunstâncias similares, um investidor privado de dimensão comparável à dos organismos que gerem o sector público poderia ter sido levado a proceder a entradas de capitais da mesma importância (acórdãos de 3 de Outubro de 1991, Itália/Comissão, C-261/89, Colect., p. I-4437, n._ 8; de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92 a C-280/92, já referido, n._ 21, e Espanha/Comissão, C-42/93, Colect., p. I-4175, n._ 13), atendendo, nomeadamente, às informações disponíveis e evoluções previsíveis na data dos financiamentos em causa.
71 No caso vertente, não é contestado entre as partes que, para averiguar se o Estado adoptou ou não o comportamento de um investidor prudente numa economia de mercado, há que tomar como referência o contexto da época em que as medidas de apoio financeiro foram tomadas a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado e, portanto, não basear a apreciação numa situação posterior.
72 Nestas condições e atendendo aos n.os 16 a 20 do presente acórdão, importa verificar se, tal como a decisão impugnada enuncia diversas vezes (v., nomeadamente, o seu n._ 25), a Comissão se reportou efectivamente a 1992, 1993 e 1994 para considerar que os empréstimos e as garantias concedidos à Stardust pela Altus e pelo SBT não reflectiam um comportamento prudente numa economia de mercado, tendo em conta os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis aquando da sua concessão. Se não for esse o caso, a Comissão fez uma aplicação errada do critério do investidor privado em economia de mercado que respeita igualmente às recapitalizações da Stardust pela Altus, em Outubro de 1994, e pelo CDR, em Abril de 1995, Junho de 1996 e Junho de 1997.
73 A este respeito, a decisão impugnada menciona, no n._ 25, que «[o] banco [SBT] passou a assegurar todas as operações da empresa» e que o seu apoio financeiro «revestiu diversas formas, quer de empréstimos directos quer indirectos, nomeadamente através de financiamentos concedidos pelo SBT aos investidores que pretendiam adquirir parcelas de co-propriedade nas embarcações geridas pela Altus e através de garantias relativas ao financiamento destes investimentos. Tratava-se de uma prática de alto risco, que fazia incidir no SBT a totalidade dos riscos bancários e uma grande parte dos riscos extrapatrimoniais da empresa».
74 A Comissão prossegue, no n._ 26 da referida decisão, sublinhando que «[u]m tal comportamento não corresponde à atitude normal de prudência que se espera de um banco [...]. O carácter permanente e contínuo deste apoio leva a concluir que não se trata de um erro pontual de gestão do banco, mas de uma prática continuada e deliberada de fomento do crescimento da empresa, tendo favorecido a Stardust relativamente às condições de financiamento que [esta empresa] teria podido obter junto dos bancos privados».
75 Com base nestes elementos, a Comissão considerou, no n._ 27 da decisão impugnada, que «[d]eve concluir-se que as medidas permanentes, mesmo antes da recapitalização de 1994, relativas ao apoio à empresa por parte do grupo Crédit Lyonnais não tinham o carácter de uma assistência financeira típica de um banco privado numa economia de mercado».
76 Todavia, importa concluir, por um lado, que a Comissão não identificou o montante dos empréstimos e das garantias concedidos à Stardust, respectivamente, em 1992, 1993 e 1994. Trata-se de precisões indispensáveis para apreciar o carácter prudente ou não das medidas de financiamento em causa e permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Por outro lado, a Comissão não indicou de forma alguma as razões pelas quais essas diferentes medidas de financiamento não se apresentavam como prudentes no contexto da época. Com efeito, a decisão impugnada não contém indicações a este respeito, assentes em elementos disponíveis em cada um dos anos em causa, que tenham em conta, nomeadamente, a situação financeira da Stardust, a sua posição no mercado enquanto sociedade em fase de arranque, bem como as perspectivas de evolução deste mercado.
77 Por outro lado, resulta da decisão impugnada que a Comissão se reportou ao final de 1994 para aplicar o critério do investidor prudente em economia de mercado, isto é a um contexto posterior ao da época em que os auxílios foram efectivamente concedidos.
78 Em primeiro lugar, a Comissão considerou diversas vezes (nomeadamente nos n.os 29, 33 e 38 da decisão impugnada) que, no final de 1994, o nível de riscos assumido pelo SBT e pela Altus relativamente à Stardust era, pelo menos, o dobro do valor do balanço da sociedade. Nos termos do n._ 33 daquela decisão, «nenhum banco privado, nem nenhuma empresa de capital de risco agindo de forma prudente, teria assumido relativamente a uma empresa riscos superiores ao dobro da totalidade do seu balanço, nem mesmo no caso de uma empresa rendível e bem gerida».
79 Em segundo lugar, é precisado, no n._ 38 da decisão impugnada, que, «[d]ada a situação financeira da empresa no final de 1994, os riscos financeiros assumidos pelo grupo Crédit Lyonnais e as perdas previsíveis reveladas na sequência da auditoria realizada no final de 1994, [...] justificaram mais de 200 milhões FRF de novas provisões, era previsível desde o final de 1994 que o encargo diferido destes auxílios se elevaria a centenas de milhões FRF».
80 Em terceiro lugar, a Comissão concluiu, no n._ 83 da decisão impugnada, que «[a] não conformidade destas medidas de apoio financeiro concedidas antes do acantonamento com o comportamento normal de um investidor numa economia de mercado transparece quanto ao nível extraordinariamente elevado que atingiu a exposição do Crédit Lyonnais relativamente à empresa, seguidamente assumida pelo CDR, sob a forma de créditos e de elementos extrapatrimoniais que ultrapassavam mil milhões FRF, tendo em conta os financiamentos concedidos aos clientes da Stardust, isto é, cerca de três vezes o montante dos activos da empresa no final de 1996».
81 Assim, resulta dos próprios termos da decisão impugnada que a Comissão fez uma aplicação errada do critério do investidor privado em economia de mercado, na medida em que não examinou os empréstimos e as garantias concedidas à Stardust no contexto da época em que os mesmos tiveram lugar. Essa aplicação errada respeita não apenas aos referidos empréstimos e garantias, mas igualmente às recapitalizações da Altus, em Outubro de 1994, e do CDR, em Abril de 1995, Junho de 1996 e Junho de 1997, que a Comissão considerou serem «a tradução» dos auxílios concedidos à Stardust até Outubro de 1994, tal como foi sublinhado nos n.os 16 e 19 do presente acórdão.
82 Por conseguinte, o segundo fundamento do Governo francês também procede.
83 Uma vez que os dois fundamentos baseados na interpretação errada do critério da imputabilidade ao Estado das medidas de apoio financeiro adoptadas a favor da Stardust pela Altus e pelo SBT e numa má aplicação do critério do investidor privado numa economia de mercado são procedentes, há que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pelo Governo francês.
Quanto às despesas
84 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Francesa requerido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
1) A Decisão 2000/513/CE da Comissão, de 8 de Setembro de 1999, relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à empresa Stardust Marine, é anulada.
2) A Comissão é condenada nas despesas.