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Document 61999CJ0313

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 20 de Junho de 2002.
    Gerard Mulligan e outros contra Minister for Agriculture and Food, Ireland e Attorney General.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court - Irlanda.
    Imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos - Regulamento (CEE) n.º 3950/92 - Transferência da quantidade de referência em caso de venda ou de arrendamento da exploração - Possibilidade de um Estado-Membro recuperar parte da quantidade de referência e de a acrescentar à reserva nacional.
    Processo C-313/99.

    Colectânea de Jurisprudência 2002 I-05719

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:386

    61999J0313

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 20 de Junho de 2002. - Gerard Mulligan e outros contra Minister for Agriculture and Food, Ireland et Attorney General. - Pedido de decisão prejudicial: High Court - Irlanda. - Imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos - Regulamento (CEE) n.º 3950/92 - Transferência da quantidade de referência em caso de venda ou de arrendamento da exploração - Possibilidade de um Estado-Membro recuperar parte da quantidade de referência e de a acrescentar à reserva nacional. - Processo C-313/99.

    Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-05719


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Agricultura Organização comum de mercado Leite e produtos lácteos Imposição suplementar sobre o leite Regras relativas à transferência de quantidades de referência na sequência da transmissão de uma exploração Faculdade de um Estado-Membro, em caso de venda ou de arrendamento da exploração, recuperar parte da quantidade de referência e de a acrescentar à reserva nacional Condições Limites

    (Regulamento n.° 3950/92 do Conselho, artigo 7.° , n.° 1, primeiro parágrafo, na redacção dada pelo Regulamento n.° 1560/93)

    2. Agricultura Organização comum de mercado Leite e produtos lácteos Imposição suplementar sobre o leite Regras relativas à transferência de quantidades de referência na sequência da transmissão de uma exploração Regulamentação nacional que autoriza a autoridade competente a proceder à adopção de medidas por via de decisão Violação do princípio da segurança jurídica Inexistência Exigência de publicidade adequada das medidas junto dos interessados Conceito

    (Regulamento n.° 3950/92 do Conselho, artigo 7.° , n.° 1, na redacção dada pelo Regulamento n.° 1560/93)

    Sumário


    1. Quando estabelecem, em aplicação do artigo 7.° , n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 3950/92, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos, modificado pelo Regulamento n.° 1560/93, as regras segundo as quais, em caso de venda ou de arrendamento das explorações leiteiras, as quantidades de referência a estas ligadas serão transferidas com essas explorações, os Estados-Membros podem, de acordo com a referida disposição, prever que parte daquelas quantidades de referência não seja transferida juntamente com a exploração para o produtor que a adquire ou toma de arrendamento, sendo antes acrescentada à reserva nacional através de uma medida de recuperação («clawback»). Tal medida deve ser adoptada e aplicada:

    sem comprometer os objectivos prosseguidos pela política agrícola comum e, em especial, pela organização comum de mercado no sector do leite;

    com base em critérios objectivos, e

    em conformidade com os princípios gerais do direito comunitário, tais como, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, da proporcionalidade, da não discriminação, bem como do respeito dos direitos fundamentais.

    ( cf. n.o 37, disp. 1 )

    2. O princípio da segurança jurídica não se opõe, enquanto princípio geral do direito comunitário, a que um Estado-Membro escolha, para efeitos da adopção de medidas nacionais, relativas à transferência de quantidades de referência em caso de transmissão de uma exploração, tomadas em aplicação do artigo 7.° , n.° 1, do Regulamento n.° 3950/92, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos, na redacção dada pelo Regulamento n.° 1560/93, um processo segundo o qual um instrumento legislativo autorize a autoridade competente, como um ministro, a proceder à adopção dessas medidas por via de decisão. Quanto à publicidade de tais medidas, o referido princípio exige que a mesma seja susceptível de informar as pessoas singulares ou colectivas afectadas pelas referidas medidas dos seus direitos e obrigações que delas decorrem. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, com base nos elementos de facto de que dispõe, se tal é o caso no processo principal.

    ( cf. n.o 54, disp. 2 )

    Partes


    No processo C-313/99,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pela High Court (Irlanda) e destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Gerard Mulligan,

    Tim O'Sullivan,

    Tom Power,

    Hugh Duncan

    e

    Minister for Agriculture and Food,

    Irlanda,

    Attorney General,

    "uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do Regulamento (CEE) n._ 3950/92 do Conselho, de 28 de Dezembro de 1992, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 405, p. 1), modificado pelo Regulamento (CEE) n._ 1560/93 do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 154, p. 30),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Sexta Secção),

    composto por: N. Colneric, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. Gulmann e V. Skouris (relator), juízes,

    advogado-geral: L. A. Geelhoed,

    secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de G. Mulligan, T. O'Sullivan, T. Power e H. Duncan, por J. O'Reilly e G. Hogan, SC, bem como por S. Woulfe, BL, mandatados por O. Ryan-Purcell, solicitor,

    - em representação do Minister for Agriculture and Food, Irlanda e do Attorney General, por M. Finlay e F. McDonagh, SC, mandatados por M. A. Buckley, Chief State Solicitor,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Oliver e K. Fitch, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de G. Mulligan, T. O'Sullivan, T. Power e H. Duncan, representados por G. Hogan e S. Woulfe, do Minister for Agriculture and Food, da Irlanda e do Attorney General, representados por N. Hyland, BL, e da Comissão, representada por P. Oliver e K. Fitch, na audiência de 28 de Março de 2001,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Julho de 2001,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 30 de Julho de 1999, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Agosto seguinte, a High Court colocou, em aplicação do artigo 234._ CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do Regulamento (CEE) n._ 3950/92 do Conselho, de 28 de Dezembro de 1992, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 405, p. 1), modificado pelo Regulamento (CEE) n._ 1560/93 do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 154, p. 30).

    2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe G. Mulligan, T. O'Sullivan, T. Power e H. Duncan ao Minister for Agriculture and Food, à Irlanda e ao Attorney General a propósito da validade de uma decisão do Minister for Agriculture and Food (Ministro da Agricultura e da Alimentação, a seguir «Ministro») segundo a qual, em caso de venda ou de arrendamento de uma exploração leiteira à qual está ligada uma quantidade de referência, parte desta é acrescentada à reserva nacional através de uma medida de recuperação («clawback»).

    Enquadramento jurídico

    A regulamentação comunitária

    3 Em 1984, dada a persistência de um desequilíbrio entre a oferta e a procura no sector leiteiro, foi instituído um regime de imposições suplementares sobre o leite pelo Regulamento (CEE) n._ 856/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que altera o Regulamento (CEE) n._ 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61)). Segundo o artigo 5._-C do Regulamento (CEE) n._ 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968 (JO L 148, p. 13; EE 02 F2 p. 146), modificado pelo Regulamento n._ 856/84, é devida uma imposição suplementar pelas quantidades de leite que ultrapassem uma quantidade de referência a determinar.

    4 Este regime de imposição suplementar, previsto inicialmente até 1 de Abril de 1993, foi prorrogado até 1 de Abril de 2000 pelo Regulamento n._ 3950/92.

    5 O artigo 4._ do Regulamento n._ 3950/92 estabeleceu a quota individual disponível para cada produtor. O n._ 1 prevê:

    «A quantidade de referência individual disponível na exploração é igual à quantidade disponível em 31 de Março de 1993, adaptada, se for caso disso, para cada um dos períodos em causa, a fim de que a soma das quantidades de referência individuais da mesma natureza não exceda a quantidade global correspondente referida no artigo 3._, tendo em conta as eventuais reduções impostas para alimentar a reserva nacional prevista no artigo 5._»

    6 O Regulamento n._ 3950/92 manteve o sistema da reserva nacional, inicialmente previsto no artigo 5._ do Regulamento (CEE) n._ 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento n._ 804/68 no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64). A este respeito, o décimo terceiro considerando do Regulamento n._ 3950/92 enuncia que «[...] a experiência adquirida demonstrou que a aplicação do presente regime pressupõe a existência de uma reserva nacional destinada a receber todas as quantidades que, por qualquer motivo, não tenham ou tenham deixado de ter uma afectação individual; que o Estado-Membro pode encontrar-se na necessidade de dispor de quantidades de referência para dar resposta a situações específicas, determinadas por critérios objectivos; que, para este efeito, é conveniente autorizar os Estados-Membros a alimentar as respectivas reservas nacionais, nomeadamente na sequência de uma redução linear do conjunto das quantidades de referência.»

    7 O artigo 5._ do Regulamento n._ 3950/92, modificado pelo Regulamento n._ 1560/93 (a seguir «Regulamento n._ 3950/92»), dispõe:

    «Dentro dos limites das quantidades referidas no artigo 3._, o Estado-Membro pode alimentar a reserva nacional, depois de uma redução linear do conjunto das quantidades de referência individuais, a fim de conceder quantidades suplementares ou específicas a produtores determinados, segundo critérios objectivos estabelecidos por acordo com a Comissão, sem prejuízo do disposto no n._ 2, segundo e terceiros parágrafos, do artigo 3._

    Sem prejuízo do n._ 1 do artigo 6._, as quantidades de referência de que disponham os produtores que não tiverem comercializado leite ou outros produtos lácteos durante um período de doze meses serão afectadas à reserva nacional e susceptíveis de ser redistribuídas nos termos do primeiro parágrafo. Sempre que o produtor retome a produção de leite ou de outros produtos lácteos num prazo a determinar pelo Estado-Membro, ser-lhe-á concedida uma quantidade de referência nos termos do n._ 1 do artigo 4._, até ao dia 1 do mês de Abril seguinte à data do pedido, o mais tardar.»

    8 Nos termos do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, que respeita à venda de explorações às quais está ligada uma quota:

    «A quantidade de referência disponível numa exploração é transferida com a exploração em caso de venda, arrendamento ou transmissão por herança aos produtores que a retomem, segundo regras a determinar pelos Estados-Membros tendo em conta as superfícies utilizadas para a produção leiteira ou outros critérios objectivos e, eventualmente, qualquer acordo entre as partes. A parte da quantidade de referência que eventualmente não seja transferida com a exploração será acrescentada à reserva nacional.

    São aplicáveis as mesmas disposições nos outros casos de transferência que comportem efeitos jurídicos equiparáveis para os produtores.

    [...]»

    A regulamentação nacional

    9 As medidas nacionais de aplicação do Regulamento n._ 3950/92 na Irlanda figuravam, na data dos factos que deram lugar ao processo principal, no European Communities (Milk Quota) Regulations 1995 (Statutory Instrument 1995, n._ 266, a seguir «Regulations 1995»).

    10 Em aplicação do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, a Regulation 4 das Regulations 1995 previa as modalidades relativas à venda, ao arrendamento ou à transmissão por herança de explorações às quais estava ligada uma quota leiteira. Nos termos da referida Regulation 4:

    «1. Sem prejuízo das disposições dos parágrafos (4), (5), (6), (7), (8), (9) e (19) da presente Regulation, quando uma exploração, ou parte de uma exploração, for transferida por venda, arrendamento ou herança, as quotas leiteiras disponíveis sobre essa exploração, ou parte dela, são transferidas para o produtor que adquire a exploração:

    desde que as condições da Regulation 6 das presentes Regulations sejam respeitadas.

    [...]

    19. O Ministro pode determinar os casos de transferência mencionados no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 do Conselho, em que parte das quotas leiteiras não será transferida e será acrescentada à reserva nacional.

    20. A decisão visada no parágrafo (19) da presente Regulation será adoptada através de uma comunicação que a contenha, publicada num jornal nacional.»

    11 O Ministro adoptou uma série de decisões com fundamento nestas disposições. Em especial, através da comunicação n._ 266/19, publicada na imprensa nacional em 19 de Março de 1998, estabeleceu uma medida de recuperação («clawback») segundo a qual, em caso de venda ou de arrendamento de uma exploração leiteira, 20% da quantidade de referência ligada a esta última não era transferida com a exploração, sendo, pelo contrário, acrescentada à reserva nacional.

    12 A comunicação n._ 266/19 bem como todas as comunicações precedentes relativas a medidas de recuperação foram substituídas pela comunicação n._ 266/20, publicada na imprensa nacional em 4 de Abril de 1998. Ao mesmo tempo que manteve o nível da medida de recuperação em 20%, esta comunicação foi adoptada com o objectivo de, por um lado, responder a certas questões relativas à aplicação precisa da referida medida às transacções concluídas em data próxima de 19 de Março de 1998 e, por outro, atender às observações formuladas a respeito das transacções familiares.

    O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

    13 G. Mulligan, primeiro recorrente no processo principal, é um antigo produtor de leite que dispunha de uma quota leiteira de 50 915 galões, ligada a uma exploração de cerca de 115 acres situada em Clonin Rhode, no condado de Offaly (Irlanda). Por sofrer de artrite reumatóide, foi obrigado a vender a sua exploração, em Abril de 1998, a T. O'Sullivan, segundo recorrente no processo principal, proprietário de terras vizinhas. Em razão da aplicação da medida de recuperação de 20% a esta transacção, a exploração de G. Mullingan foi vendida a T. O'Sullivan pelo montante de 438 000 IEP, que é um preço reduzido comparativamente ao seu valor real.

    14 T. Power, terceiro recorrente no processo principal, é produtor de leite e proprietário de 125 acres de terra em Garrynoe Ballingarry Thurles, no condado de Tipperary (Irlanda). Era titular de uma quota de 38 000 galões, ligada à sua exploração. Em virtude de problemas de saúde e da acumulação de dívidas, parte das suas terras foi vendida em hasta pública por volta de Março de 1998. Existia então um certo número de compradores potenciais. Contudo, o interesse manifestado por estes últimos desapareceu após publicação da comunicação n._ 266/20 e T. Power foi obrigado a ceder a sua quota a um preço reduzido, no âmbito de um plano de reestruturação, ao comprador do leite produzido na sua exploração, a saber, uma cooperativa leiteira.

    15 H. Duncan, quarto recorrente no processo principal, era proprietário de uma exploração de cerca de 55 acres com uma quantidade de referência de 59 000 galões, situada em Mount Alexander Gorey, no condado de Wexford (Irlanda). Adquiriu as suas terras a preço de mercado na segunda metade dos anos 80. A quota leiteira ligada à exploração constituiu um dos elementos determinantes desse preço. No início de 1998, decidiu cessar a produção leiteira tendo em vista o arrendamento das suas terras juntamente com a sua quota leiteira. Contudo, se o fizesse durante algum tempo e, seguidamente, decidisse vender, correria o risco de lhe ser aplicada duas vezes a medida de recuperação de 20%. Por conseguinte, entendeu que o melhor seria vender as terras e a quota, em vez de as arrendar. Após a venda, teve conhecimento de que a aplicação da referida medida de recuperação à sua exploração havia reduzido fortemente o valor comercial desta.

    16 Os quatro recorrentes no processo principal contestaram na High Court a validade da decisão do Ministro contida na comunicação n._ 266/20, por via de fiscalização de legalidade («judicial review»), pedindo que lhes fosse atribuída uma indemnização («consequential relief»), incluindo a reparação dos danos e o pagamento de juros.

    17 Foi neste quadro jurídico e factual que a High Court decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) Deve o n._ 1 do artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/92 do Conselho ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro pode decidir que parte de uma quantidade de referência de uma exploração não será, em caso de venda ou de arrendamento, transferida com a exploração para o produtor que a adquira ou a tome de arrendamento, mas, pelo contrário, será acrescentada à reserva nacional através de um `clawback' (`recuperação') ou de um `reencaminhamento' ou de qualquer outro mecanismo de dedução similar?

    2) Caso a resposta à questão 1 anterior seja afirmativa, o processo escolhido pelo Estado-Membro para adoptar estas regras está subordinado apenas aos princípios do direito interno ou está subordinado aos princípios fundamentais do direito comunitário, incluindo o princípio da segurança jurídica?

    3) Caso a resposta à questão 1 anterior seja afirmativa e o processo nacional esteja subordinado ao respeito do direito comunitário, é contrário ao princípio da segurança jurídica do direito comunitário um processo nacional nos termos do qual o Estado-Membro confere, através de um instrumento legal, à autoridade competente o poder de estabelecer os casos de transferências a que se refere o n._ 1 do artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/96 do Conselho em que uma parte da quota leiteira não é transferida com a exploração, mas sim acrescentada à reserva nacional, e prevê que esta determinação será feita através de comunicação administrativa publicada num jornal nacional?»

    Quanto à primeira questão

    18 Na primeira questão, o tribunal a quo pergunta, no essencial, se, quando determinam, em aplicação do artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, as modalidades segundo as quais, em caso de venda ou de arrendamento de explorações leiteiras, as quantidades de referência a estas ligadas são transferidas com as mesmas explorações, os Estados-Membros podem, nos termos da referida disposição, prever que parte dessas quantidades de referência não será transferida juntamente com a exploração para o produtor que a adquire ou toma de arrendamento, mas sim acrescentada à reserva nacional através de uma medida de recuperação («clawback»).

    19 Os recorrentes no processo principal alegam que o artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, lido à luz dos seus segundo e terceiro considerandos, deve ser interpretado no sentido de que não autoriza um Estado-Membro a adoptar uma medida de recuperação ou um mecanismo de dedução semelhante aquando da transferência de uma exploração. Com efeito, o princípio fundamental segundo o qual a quantidade de referência está ligada a uma exploração, enunciado na primeira frase do primeiro parágrafo da referida disposição, impõe que, na ausência de uma excepção a este princípio prevista expressamente pelo referido regulamento, um Estado-Membro não introduza tais medidas, que, pela sua própria natureza, separam as quantidades de referência da exploração.

    20 Os recorrentes no processo principal sublinham, além disso, que a expressão «segundo regras a determinar pelos Estados-Membros», mencionada no artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, apenas deve visar os detalhes da aplicação daquele princípio fundamental, isto é, a forma como as quantidades de referência serão transferidas com a exploração. Segundo os mesmos, o facto de as instituições comunitárias terem atribuído aos Estados-Membros um poder discricionário quanto às modalidades de transferência das quantidades de referência significa que as instituições comunitárias não intervêm nos regimes díspares do direito fundiário dos Estados-Membros, mas não autoriza estes últimos a tratar separadamente a transferência de quantidades de referência e a da exploração correspondente.

    21 Quanto à última frase do artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, segundo a qual «[a] parte da quantidade de referência que eventualmente não seja transferida com a exploração será acrescentada à reserva nacional», os recorrentes no processo principal alegam que a mesma não faz mais do que descrever uma situação de facto. Sublinham que, atendendo à linguagem imperativa empregue naquela disposição («será acrescentada [...]»), a interpretação preconizada pelo Ministro significa que deveria ser aplicada uma medida de recuperação em cada Estado-Membro, o que não é o caso.

    22 Além disso, os recorrentes no processo principal sublinham que a letra do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 difere da do artigo 7._, n._ 2, segundo parágrafo, do Regulamento n._ 857/84, que, na sua versão inicial, previa expressamente que «[o]s Estados-Membros podem prever que uma parte das quantidades em causa seja acrescentada à reserva referida no artigo 5._» Daqui decorreria que, na falta de uma indicação clara e expressa, esta faculdade de regulamentação, prevista pelo Regulamento n._ 857/84, não foi concedida aos Estados-Membros pelo Regulamento n._ 3950/92.

    23 Os recorridos no processo principal alegam que o artigo 7._ do Regulamento n._ 3950/92 concede às autoridades competentes dos Estados-Membros inteira liberdade para adoptarem medidas de recuperação, de acordo com regras a estabelecer pelos Estados-Membros. Apoiam-se, quanto a este aspecto, principalmente no significado corrente dos termos contidos nesta disposição e, em particular, na última frase do primeiro parágrafo do n._ 1 da mesma. Segundo eles, esta frase prevê claramente que existirão circunstâncias em que uma parte da quantidade de referência disponível de uma exploração não será transferida com esta última. Por conseguinte, para que esta frase tenha algum sentido, a expressão «segundo regras a determinar pelos Estados-Membros», mencionada no mesmo artigo, deveria poder incluir regras nos termos das quais parte da quantidade de referência não é transferida com a exploração, mas, pelo contrário, acrescentada à reserva nacional.

    24 Em apoio da sua argumentação, os recorridos no processo principal sublinham ainda, por um lado, que parte dos Estados-Membros (Reino da Bélgica, Reino da Dinamarca e República Francesa) interpretou o artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 no sentido de que autoriza a adopção de medidas de recuperação e, por outro, que, após notificação do Regulations 1995, pelas autoridades irlandesas, à Comissão, esta última não suscitou qualquer questão a respeito do seu conteúdo.

    25 A Comissão reconhece que o artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 enuncia o princípio geral segundo o qual a quota deve acompanhar a exploração quando esta é transferida para um novo produtor. Contudo, sustenta que essa disposição prevê igualmente que as regras relativas à transferência devem ser determinadas pelos Estados-Membros «tendo em conta as superfícies utilizadas para a produção leiteira ou outros critérios objectivos [...]». A referida disposição prevê, além disso, que a quota não transferida com a exploração deve ser acrescentada à reserva nacional. Daqui resulta necessariamente, segundo a Comissão, que um Estado-Membro pode, nos termos desta disposição, instituir um sistema de recuperação.

    26 A fim de interpretar o artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 e, mais concretamente, a fim de examinar se, entre as «regras a determinar pelos Estados-Membros», podem figurar medidas de recuperação, como as que estão em causa no processo principal, importa recordar, a título liminar, a jurisprudência constante segundo a qual todo o regime das quantidades de referência se baseia no princípio geral estabelecido inicialmente no artigo 7._ do Regulamento n._ 857/84 e do Regulamento (CEE) n._ 1546/88 da Comissão, de 3 de Junho de 1988, que fixa as regras de execução da imposição suplementar referida no artigo 5._-C do Regulamento n._ 804/68 (JO L 139, p. 12), e seguidamente no artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, princípio esse segundo o qual a quantidade de referência é atribuída em função da terra, devendo, em consequência, ser transferida com a terra que justificou a sua atribuição (v., neste sentido, acórdão de 27 de Janeiro de 1994, Herbrink, C-98/91, Colect., p. I-223, n._ 13, e Le Nan, C-189/92, Colect., p. I-261, n._ 12; de 23 de Janeiro de 1997, St. Martinus Elten, C-463/93, Colect., p. I-255, n._ 24, e de 17 de Abril de 1997, EARL de Kerlast, C-15/95, Colect., p. I-1961, n.os 17 e 18).

    27 Por consequência, em princípio, uma quantidade de referência apenas é transferida pela transferência das terras da exploração a que está afecta, na condição de essa transferência respeitar as formalidades e condições previstas nos artigos 7._ do Regulamento n._ 3950/92. Por outras palavras, o regime das quantidades de referência exclui a transferência isolada das quantidades de referência de per si, excepto nos casos de derrogação previstos no direito comunitário (v., neste sentido, acórdão EARL de Kerlast, já referido, n._ 19).

    28 Todavia, este princípio não pode ser interpretado no sentido de que proíbe as autoridades competentes dos Estados-Membros de adoptar medidas legislativas, regulamentares ou administrativas prevendo que, em caso de transferência de uma exploração, por venda ou arrendamento, parte da quantidade de referência ligada a essa exploração será imputada à reserva nacional.

    29 A este respeito, importa sublinhar, em primeiro lugar, que a letra do próprio artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92 dispõe, por um lado, que as regras relativas à transferência da quantidade de referência com a exploração a que está ligada devem ser estabelecidas pelos Estados-Membros e, por outro, que a parte da quantidade de referência que, eventualmente, não seja transferida com a exploração será acrescentada à reserva nacional. Daqui decorre que o legislador comunitário previu, pelo menos, a possibilidade de, em caso de venda ou de arrendamento de uma exploração leiteira, parte da quantidade de referência que lhe está associada não ser transferida com esta última.

    30 Seguidamente, há que reconhecer que esta interpretação não é contrária ao objectivo especial que o legislador comunitário pretendeu prosseguir ao instituir o princípio segundo o qual a quantidade de referência ligada a uma exploração leiteira só é transferida com esta última. Com efeito, o princípio não é mais do que o corolário necessário do princípio fundamental decorrente da economia geral da regulamentação em matéria de imposição suplementar sobre o leite, segundo o qual uma quantidade de referência só pode ser atribuída a um empresário agrícola quando este tenha a qualidade de produtor leiteiro (v., neste sentido, acórdão de 15 de Janeiro de 1991, Ballmann, C-341/89, Colect., p. I-25, n._ 9). Noutros termos, o princípio segundo o qual a quantidade de referência só é transferida com a exploração a que está ligada tem por objectivo impedir a utilização de quantidades de referência não para produzir ou comercializar leite, mas sim para obter benefícios puramente financeiros através do valor comercial dessas quantidades de referência.

    31 Por último, resulta do décimo terceiro considerando do Regulamento n._ 3950/92, por um lado, que a existência de uma reserva nacional é necessária ao funcionamento do regime de imposição suplementar sobre o leite e, por outro, que o legislador comunitário deixou aos Estados-Membros uma margem de apreciação suficientemente lata para estabelecerem as regras segundo as quais podem alimentar a sua reserva nacional, indicando que podem fazê-lo «nomeadamente» através de uma redução linear do conjunto das quantidades de referência. Ora, se é permitido às autoridades competentes dos Estados-Membros alimentar por esse meio a sua reserva nacional, a presença do termo «nomeadamente» no texto daquele considerando só pode significar que as mesmas podem fazê-lo igualmente por outros meios, de alcance mais limitado, como, por exemplo, através de uma medida de recuperação.

    32 Deve, por conseguinte, concluir-se que os Estados-Membros podem, em princípio, nos termos do artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, introduzir na sua regulamentação interna medidas de recuperação, como as que estão em causa no processo principal.

    33 Não obstante, a fim de fornecer uma resposta completa ao tribunal a quo, importa precisar que esta conclusão não pode conduzir à de que os Estados-Membros estão habilitados para introduzir qualquer tipo de medida de recuperação seja em que condições for. Com efeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, atendendo ao facto de a adopção de uma medida nacional como a que está em causa no processo principal se inscrever no quadro da política agrícola comum, tal medida não pode ser estabelecida ou aplicada de uma forma que comprometa os objectivos prosseguidos por esta política e, mais especialmente, os objectivos visados pela organização comum de mercado no sector do leite.

    34 Em segundo lugar, como prescreve o próprio artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, quando as autoridades competentes dos Estados-Membros estabeleçam ou apliquem essas medidas, são obrigadas a fazê-lo com base em critérios objectivos.

    35 Em terceiro lugar, importa salientar que, segundo jurisprudência constante, quando a regulamentação comunitária deixa aos Estados-Membros a escolha entre várias modalidades de aplicação, estes são obrigados a exercer o seu poder discricionário no respeito dos princípios gerais do direito comunitário (acórdão de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o., 201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n._ 10).

    36 Assim, uma medida de recuperação, como a que está em causa no processo principal, deve ser estabelecida e aplicada no respeito dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect., p. I-569, n._ 34). Além disso, deve ser, por um lado, proporcional ao objectivo prosseguido (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e.o., C-22/94, Colect., p. I-1809, n.os 30 e 31), e, por outro, aplicada de forma não discriminatória (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão Klensch e o., já referido, n._ 8). De igual modo, uma medida dessa natureza deve respeitar os direitos fundamentais, como o direito de propriedade (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 24 de Março de 1994, Bostock, C-2/92, Colect., p. I-955, n.os 16 e 20), e o direito ao livre exercício das actividades profissionais (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 10 de Julho de 1991, Neu e o., C-90/90 e C-91/90, Colect., p. I-3617, n._ 13).

    37 Por consequência, atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que, quando estabelecem, em aplicação do artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n._ 3950/92, as regras segundo as quais, em caso de venda ou de arrendamento das explorações leiteiras, as quantidades de referência a estas ligadas serão transferidas com essas explorações, os Estados-Membros podem, de acordo com a referida disposição, prever que parte daquelas quantidades de referência não seja transferida juntamente com a exploração para o produtor que a adquire ou toma de arrendamento, sendo antes acrescentada à reserva nacional através de uma medida de recuperação («clawback»). Tal medida deve ser adoptada e aplicada:

    - sem comprometer os objectivos prosseguidos pela política agrícola comum e, em especial, pela organização comum de mercado no sector do leite;

    - com base em critérios objectivos, e

    - em conformidade com os princípios gerais do direito comunitário, tais como, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, da proporcionalidade, da não discriminação, bem como do respeito dos direitos fundamentais.

    Quanto às segunda e terceira questões

    38 Nas segunda e terceira questões, que convém examinar conjuntamente, o tribunal a quo pergunta, no essencial, se o princípio da segurança jurídica se opõe, enquanto princípio geral do direito comunitário, a que um Estado-Membro escolha, para efeitos da adopção de medidas nacionais de recuperação tomadas em aplicação do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, um processo segundo o qual um instrumento legislativo autoriza a autoridade competente a proceder à adopção dessas medidas através de uma comunicação administrativa publicada num jornal nacional.

    39 Os recorrentes no processo principal alegam que, embora um Estado-Membro esteja autorizado a prever semelhante mecanismo de recuperação ou de dedução, o processo ou as regras escolhidas pelo Estado-Membro para adoptar uma decisão dessa natureza estão sujeitos aos princípios fundamentais do direito comunitário.

    40 Segundo os recorrentes no processo principal, no caso vertente, as medidas nacionais de aplicação do Regulamento n._ 3950/92 contidas na comunicação n._ 266/20 não respeitaram o princípio da segurança jurídica pois não são suficientemente claras e não permitem nem às autoridades nacionais, que actuam em conformidade com as disposições do direito comunitário, conhecer exactamente os limites da sua competência nem aos particulares agir com pleno conhecimento do alcance dos seus direitos e das suas obrigações na ordem jurídica comunitária. E permitem ainda menos prever com uma certeza razoável as implicações jurídicas precisas dessa comunicação publicada num jornal.

    41 Além disso, sublinham que este tipo de comunicação administrativa não tem qualquer fundamento jurídico ou qualquer base jurídica em direito irlandês. Com efeito, uma vez que não existe base legal para essa comunicação, esta não tem mais autoridade do que um anúncio ou um comunicado publicados pelo Ministro na imprensa nacional.

    42 Nestas condições, os recorrentes no processo principal entendem que o sistema irlandês de comunicações administrativas não respeita o princípio da segurança jurídica uma vez que os direitos e as obrigações dos particulares podem ser alterados por uma medida que constitui, de facto, um decreto do Executivo e não por uma lei ou por uma resolução parlamentar.

    43 Em contrapartida, os recorridos no processo principal salientam que resulta do n._ 34 do acórdão de 27 de Setembro de 1979, Eridania e Società italiana per l'industria degli zuccheri (230/78, Recueil, p. 2749), que, quando um regulamento, como o Regulamento n._ 3950/92, autoriza um Estado-Membro a adoptar medidas de aplicação, é apenas o conteúdo de tais medidas de aplicação nacionais que deve ser conforme ao conteúdo do regulamento comunitário e aos princípios gerais do direito comunitário. Segundo eles, a validade do processo nacional escolhido para adoptar tais medidas, sejam elas legislativas, regulamentares ou administrativas, deverá ser determinada em conformidade com o direito público e, eventualmente, com o direito constitucional do Estado-Membro em causa.

    44 De qualquer modo, os recorridos no processo principal alegam que, no caso vertente, o processo seguido pelo Ministro para adoptar a medida de recuperação em causa no processo principal não é contrário ao princípio da segurança jurídica. Desde logo, além de a decisão do Ministro constituir uma medida administrativa expressamente autorizada por um regulamento com força de lei na Irlanda, não pode ser levantada qualquer objecção contra a forma de publicidade, uma vez que esta maneira de proceder beneficia aqueles que são potencialmente afectados pela medida. Com efeito, uma decisão adoptada por via regulamentar seria publicada no Iris Oifigiúil, documento lido por um público restrito. Em segundo lugar, esta prática foi expressamente reconhecida pela High Court como sendo conforme às exigências do direito irlandês. Por último, decisões como a que está em causa no processo principal têm frequentemente carácter urgente e, de qualquer modo, perderiam a sua eficácia se os produtores estivessem previamente informados da introdução iminentes de tais medidas.

    45 Ao mesmo tempo que reconhece que, quando aplicam o artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, os Estados-Membros devem escolher processos conformes aos princípios gerais do direito comunitário e, nomeadamente, ao princípio da segurança jurídica, a Comissão alega que os Estados-Membros têm o direito de adoptar medidas através de uma comunicação publicada num jornal nacional quando o seu direito nacional o permita e ainda, por um lado, na condição de essa comunicação ter carácter vinculativo e responder a exigências de clareza e de certeza e, por outro, na condição de, atendendo nomeadamente à difusão e ao número de leitores do jornal em causa, se poder razoavelmente considerar que as pessoas visadas por essa comunicação tomaram conhecimento do seu conteúdo. Cabe, porém, ao órgão jurisdicional nacional determinar se essas condições estão preenchidas no processo principal.

    46 A este respeito, importa sublinhar que, tal como foi recordado nos n.os 35 e 36 do presente acórdão, quando a regulamentação comunitária deixa aos Estados-Membros a escolha entre várias modalidades de aplicação, os Estados-Membros são obrigados a exercer o seu poder discricionário no respeito dos princípios gerais do direito comunitário, entre os quais figura o princípio da segurança jurídica.

    47 Segundo a jurisprudência relativa a este princípio, os Estados-Membros devem executar as suas obrigações decorrentes do direito comunitário com carácter obrigatório incontestável, bem como a especificidade, a precisão e a clareza necessárias, a fim de satisfazer as exigências decorrentes do referido princípio (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 17 de Maio de 2001, Comissão/Itália, C-159/99, Colect., p. I-4007, n._ 32). Simples práticas administrativas, por natureza modificáveis segundo a vontade da Administração e desprovidas de uma publicidade adequada, não podem ser consideradas cumprimento válido das obrigações que decorrem do direito comunitário, quando mantenham, relativamente aos sujeitos de direito em causa, um estado de incerteza quanto à amplitude dos seus direitos num domínio regido pelo direito comunitário (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Março de 1994, Comissão/Bélgica, C-80/92, Colect., p. I-1019, n._ 20, e de 26 de Outubro de 1995, Comissão/Luxemburgo, C-151/94, Colect., p. I-3685, n._ 18).

    48 É certo que as modalidades de exercício de um poder discricionário concedido aos Estados-Membros pela regulamentação comunitária só podem ser reguladas pelo direito público destes últimos (acórdão Eridania e Società italiana per l'industria degli zuccheri, já referido, n._ 34). Contudo, como resulta da jurisprudência recordada no número anterior, é possível violar, eventualmente, o princípio da segurança jurídica, enquanto princípio geral do direito comunitário, não apenas em razão do conteúdo das medidas adoptadas por um Estado-Membro, mas igualmente em razão do processo ou da própria natureza do instrumento legislativo que esse Estado escolheu para dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força da regulamentação comunitária. Com efeito, as exigências relativas ao carácter vinculativo das medidas adoptadas pelos Estados-Membros e à publicidade adequada dessas medidas, reconhecidas por esta jurisprudência, respeitam precisamente à natureza do instrumento legislativo escolhido e ao processo seguido para a sua adopção.

    49 No caso vertente, as questões colocadas pelo tribunal a quo, tal como foram reformuladas no n._ 38 do presente acórdão, respeitam a dois aspectos particulares do processo legislativo seguido para efeitos da adopção da medida de recuperação em causa no processo principal, a saber, o facto de as Regulations 1995, por um lado, habilitar de forma discricionária o Ministro a tomar decisões com aquela finalidade e, por outro, permitir que a adopção destas decisões seja efectuada através de uma comunicação publicada na imprensa nacional.

    50 Quanto ao primeiro aspecto do referido processo, a mera circunstância de um instrumento legislativo nacional ter delegado numa autoridade de um Estado-Membro, como um Ministro, a competência para adoptar medidas em aplicação do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92 não é susceptível de, em si mesma, violar o princípio da segurança jurídica, uma vez que a adopção de uma medida na sequência de um processo daquela natureza não tem necessariamente como consequência que essa medida não é vinculativa nem que não satisfaz as exigências de especificidade, de precisão e de clareza exigidas pelo referido princípio.

    51 Quanto ao segundo aspecto do processo legislativo, bastará sublinhar que, se é verdade que o princípio da segurança jurídica exige uma publicidade adequada para as medidas nacionais adoptadas em aplicação de uma regulamentação comunitária, não é menos verdade que este princípio não prescreve qualquer forma especial de publicidade, como a publicação das referidas medidas no jornal oficial do Estado-Membro em causa.

    52 Com efeito, como resulta da jurisprudência citada no n._ 47 do presente acórdão, a razão pela qual o princípio da segurança jurídica, enquanto princípio geral do direito comunitário, exige uma publicidade adequada para as medidas adoptadas pelos Estados-Membros em execução de uma obrigação decorrente do direito comunitário é a necessidade de garantir que as pessoas jurídicas afectadas por essas medidas possam conhecer o alcance dos seus direitos e obrigações no domínio especial regido pelo direito comunitário.

    53 De tudo isto decorre que uma publicidade adequada deve ser susceptível de informar as pessoas singulares ou colectivas afectadas pela medida adoptada acerca dos seus direitos e obrigações que dela decorrem. Por conseguinte, não está excluído que uma publicação desta medida na imprensa nacional possa satisfazer esta condição. Contudo, cabe ao órgão jurisdicional determinar, com base nos elementos de facto de que dispõe, se tal é o caso no processo principal.

    54 Por conseguinte, há que responder às segunda e terceira questões que o princípio da segurança jurídica não se opõe, enquanto princípio geral do direito comunitário, a que um Estado-Membro escolha, para efeitos da adopção de medidas nacionais em aplicação do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, um processo segundo o qual um instrumento legislativo autorize a autoridade competente, como um Ministro, a proceder à adopção dessas medidas por via de decisão. Quanto à publicidade de tais medidas, o referido princípio exige que a mesma seja susceptível de informar as pessoas singulares ou colectivas afectadas pelas referidas medidas dos seus direitos e obrigações que delas decorrem. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, com base nos elementos de facto de que dispõe, se tal é o caso no processo principal.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    55 As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pela High Court, por decisão de 30 de Julho de 1999, declara:

    1) Quando estabelecem, em aplicação do artigo 7._, n._ 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (CEE) n._ 3950/92 do Conselho, de 28 de Dezembro de 1992, que institui uma imposição suplementar no sector do leite e dos produtos lácteos, modificado pelo Regulamento (CEE) n._ 1560/93 do Conselho, de 14 de Junho de 1993, as regras segundo as quais, em caso de venda ou de arrendamento das explorações leiteiras, as quantidades de referência a estas ligadas serão transferidas com essas explorações, os Estados-Membros podem, de acordo com a referida disposição, prever que parte daquelas quantidades de referência não seja transferida juntamente com a exploração para o produtor que a adquire ou toma de arrendamento, sendo antes acrescentada à reserva nacional através de uma medida de recuperação («clawback»). Tal medida deve ser adoptada e aplicada:

    - sem comprometer os objectivos prosseguidos pela política agrícola comum e, em especial, pela organização comum de mercado no sector do leite;

    - com base em critérios objectivos, e

    - em conformidade com os princípios gerais do direito comunitário, tais como, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, da proporcionalidade, da não discriminação, bem como do respeito dos direitos fundamentais.

    2) O princípio da segurança jurídica não se opõe, enquanto princípio geral do direito comunitário, a que um Estado-Membro escolha, para efeitos da adopção de medidas nacionais em aplicação do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 3950/92, um processo segundo o qual um instrumento legislativo autorize a autoridade competente, como um Ministro, a proceder à adopção dessas medidas por via de decisão. Quanto à publicidade de tais medidas, o referido princípio exige que seja susceptível de informar as pessoas singulares ou colectivas afectadas pelas referidas medidas dos seus direitos e obrigações que delas decorrem. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, com base nos elementos de facto de que dispõe, se tal é o caso no processo principal.

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