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Document 61999CJ0017

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 22 de Março de 2001.
República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios estatais - Auxílios de emergência e à reestruturação - Procedimento de exame dos auxílios estatais - Omissão de dirigir ao Estado-Membro uma injunção de comunicar as informações necessárias.
Processo C-17/99.

Colectânea de Jurisprudência 2001 I-02481

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:178

61999J0017

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 22 de Março de 2001. - República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílios estatais - Auxílios de emergência e à reestruturação - Procedimento de exame dos auxílios estatais - Omissão de dirigir ao Estado-Membro uma injunção de comunicar as informações necessárias. - Processo C-17/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-02481


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance - Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado - Controlo jurisdicional

[Tratado CE, artigo 190.° (actual artigo 253.° CE) e artigo 92.° (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE)]

2. Auxílios concedidos pelos Estados - Proibição - Derrogações - Auxílios que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum - Auxílios à reestruturação de uma empresa em dificuldade - Condições - Falta de um plano coerente de reestruturação aquando da concessão do auxílio - Consequências

[Tratado CE, artigo 92.° , n.° 3, alínea c) (que passou, após alteração, a artigo 87.° , n.° 3, alínea c), CE) e artigo 93.° , n.° 2 (actual artigo 88.° , n.° 2, CE)]

Sumário


1. O dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, relevando essa procedência da legalidade quanto ao fundo do acto em litígio. A fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. Essa exigência deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

Não está em questão examinar, em sede de controlo do respeito do dever de fundamentação de uma decisão em matéria de auxílios de Estado, a legalidade quanto ao mérito dos fundamentos assim invocados pela Comissão para justificar a decisão impugnada. Esse exame releva do controlo da violação do artigo 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE).

( cf. n.os 35-36, 38 )

2. Resulta das orientações comunitárias para os auxílios de Estado de emergência e à reestruturação, que, para serem declarados compatíveis com o artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado [que passou, após alteração, a artigo 87.° , n.° 3, alínea c), CE], os auxílios a empresas em dificuldade devem estar ligados a um plano de reestruturação com vista a reduzir ou a reorientar as suas actividades. Esse plano, que deve ser apresentado à Comissão com todos os dados relevantes, deve permitir o restabelecimento num prazo razoável da viabilidade a longo prazo da empresa, com base em hipóteses realistas no que diz respeito às suas condições futuras de exploração, limitando, no entanto, tanto quanto possível as consequências desfavoráveis para os concorrentes e garantindo a proporcionalidade dos auxílios com os custos e benefícios da reestruturação. Incumbe à empresa em causa executar integralmente o plano de reestruturação tal como foi aceite pela Comissão, ocorrendo essa execução e o andamento e o êxito do referido plano sob o controlo desta, à qual devem ser apresentados relatórios anuais pormenorizados.

Nestas condições, a Comissão tinha fundamento, na ausência de um plano de reestruturação credível, para recusar a autorização dos auxílios em litígio em aplicação das orientações.

( cf. n.os 45, 49 )

Partes


No processo C-17/99,

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Rozet, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 1999/378/CE da Comissão, de 4 de Novembro de 1998, relativa ao auxílio da França a favor da Nouvelle Filature Lainière de Roubaix (JO 1999, L 145, p. 18),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), L. Sevón, S. von Bahr e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 23 de Novembro de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Janeiro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Janeiro de 1999, a República Francesa pediu, nos termos do artigo 173.° , primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° , primeiro parágrafo, CE), a anulação da Decisão 1999/378/CE da Comissão, de 4 de Novembro de 1998, relativa ao auxílio da França a favor da Nouvelle Filature Lainière de Roubaix (JO 1999, L 145, p. 18, a seguir «decisão impugnada»).

Enquadramento jurídico

2 Na data da adopção da decisão impugnada, a Comissão apreciava os auxílios de emergência e à reestruturação das empresas em dificuldade à luz das orientações comunitárias publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 1994 (JO C 368, p. 12, a seguir «orientações»).

3 Nos termos do ponto 3.2.1 das orientações:

«Os auxílios à reestruturação colocam problemas específicos em matéria de concorrência, visto que deles podem resultar a transferência injusta de uma parte dos encargos com o ajustamento estrutural e os correspondentes problemas sociais e industriais para outros produtores que não beneficiem de um auxílio, bem como para outros Estados-Membros. O princípio geral, por conseguinte, deverá ser o de autorizar um auxílio à reestruturação apenas nos casos em que se possa demonstrar que o mesmo é concedido no interesse da Comunidade. Para tal, deverão ser preenchidos critérios rigorosos e plenamente considerados os possíveis efeitos de distorção do auxílio.»

4 Em conformidade com o ponto 3.2.2 das orientações, para que a Comissão possa aprovar um auxílio, é preciso que o plano de reestruturação preencha as condições gerais respeitantes à restauração da viabilidade a longo prazo da empresa, à prevenção de distorções indevidas de concorrência e ao carácter proporcionado do auxílio aos custos e benefícios da reestruturação.

5 No tocante, antes de mais, à restauração da viabilidade, o ponto 3.2.2, i), primeiro parágrafo, das orientações prevê:

«A condição sine qua non de todos os planos de reestruturação reside no restabelecimento num prazo razoável da viabilidade a longo prazo da empresa, com base em hipóteses realistas no que diz respeito às condições futuras de exploração. [...]»

6 Em seguida, a fim de prevenir as distorções indevidas de concorrência, devem ser tomadas medidas «para atenuar tanto quanto possível as consequências desfavoráveis para os concorrentes». Em particular, o ponto 3.2.2, ii), segundo parágrafo, das orientações especifica:

«Quando uma avaliação objectiva da situação da procura e da oferta revela a existência de um excesso de capacidade estrutural num mercado relevante da Comunidade Europeia em que o beneficiário opera, o plano de reestruturação deve dar uma contribuição, proporcional ao auxílio recebido, para a reestruturação do sector que serve esse mercado na Comunidade Europeia, através de uma redução ou de um encerramento irreversíveis da capacidade de produção. [...]»

7 Finalmente, no que respeita à proporcionalidade do auxílio aos custos e benefícios da reestruturação, o ponto 3.2.2., iii), primeiro parágrafo, das orientações enuncia:

«O montante e a intensidade do auxílio devem ser limitados ao mínimo rigorosamente necessário para permitir a reestruturação e devem ser proporcionais aos benefícios previstos do ponto de vista comunitário. Por tais razões, os beneficiários do auxílio devem normalmente contribuir de maneira significativa para o plano de reestruturação com recursos próprios ou através de um financiamento externo obtido em condições de mercado. Para limitar as distorções de concorrência, convém evitar que o auxílio seja concedido de forma que permita à empresa dispor de meios de liquidez excedentários, susceptíveis de ser utilizados em actividades agressivas que possam provocar distorções no mercado e não estejam ligadas ao processo de reestruturação. O auxílio também não deve servir para financiar novos investimentos que não sejam necessários à reestruturação. [...]»

Os factos do litígio

8 No decurso dos meses de Maio e de Setembro de 1996, a Comissão foi solicitada a intervir por várias denúncias contra auxílios concedidos ou potencialmente concedidos pelo Governo francês a favor da sociedade Nouvelle filature lainière de Roubaix no quadro da recuperação judicial do grupo SA Filature lainière de Roubaix (a seguir «auxílios em litígio»). Essas denúncias punham em causa uma moratória de oito anos, concedida a este grupo pelo comité interministerial de reestruturação industrial, para o pagamento da sua dívida social e fiscal, de um montante de 82 000 000 FRF, bem como um pedido de intervenção por parte do referido comité, para evitar o pedido de falência dessa sociedade.

9 Em resposta a um pedido de informação da Comissão, as autoridades francesas informaram esta última, por ofícios de 18 de Junho e de 15 de Julho de 1996, que o grupo SA Filature lainière de Roubaix tinha atravessado, a partir do início dos anos 1990, um período de graves dificuldades de exploração que conduziram a importantes tensões de tesouraria e a atrasos de pagamento da sua dívida social e fiscal. Assumido em 1993 pelo Sr. Verbeke, este grupo apresentou um plano de reestruturação que prevê o pagamento integral do montante da referida dívida, sob reserva de um escalonamento dos reembolsos por um período de oito anos. Todavia, novas dificuldades económicas e financeiras ocorreram a partir de 1995. Incapazes de fazer face aos seus prazos, os dirigentes do grupo apresentaram uma declaração de cessação de pagamentos junto do tribunal de commerce de Roubaix (França) que abriu um processo de recuperação judicial em 30 de Abril de 1996.

10 Após ter reconhecido que a situação económica e social do referido grupo não tornava possível um plano de recuperação e após ter procedido a um concurso com vista à sua cessão, o tribunal de commerce de Roubaix ordenou, por decisão de 17 de Setembro de 1996, a cessão do grupo ao Sr. Chapurlat pelo preço de 4 278 866 FRF, o cessionário comprometeu-se a prosseguir os contratos de trabalho de 225 assalariados entre 587 que constituíam o efectivo do pessoal e a pagar uma soma de 50 000 FRF por emprego suprimido no ano seguinte à data da entrada na titularidade. Além disso, o referido tribunal autorizou o despedimento de 362 assalariados e designou um liquidatário em virtude da dissolução, por mero efeito da lei, do grupo SA Filature lainière de Roubaix decorrente da sua decisão.

11 Em Setembro de 1996, as autoridades francesas notificaram à Comissão a medida de auxílio à reestruturação que elas tinham em vista a favor da nova sociedade criada pelo Sr. Chapurlat, sob a designação de «Nouvelle filature lainière de Roubaix», cujo capital social se elevava a 510 000 FRF. Essa medida de auxílio num montante total de 40 000 000 FRF decompunha-se num empréstimo participativo de 18 000 000 FRF e numa subvenção de 22 000 000 FRF.

12 A pedido da Comissão, o Governo francês, a seguir, forneceu informações complementares relativas à referida medida de auxílio.

13 Por ofício de 18 de Agosto de 1997, a Comissão notificou ao Governo francês a sua decisão de dar início ao processo previsto no artigo 93.° , n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.° , n.° 2, CE). Essa decisão comportava uma descrição detalhada dos factos bem como uma apreciação provisória deles pela Comissão à luz das orientações. Esta dava conta, nessa decisão, também da insuficiência das informações fornecidas com vista a uma apreciação final e, em particular, de uma autorização dos auxílios em litígio. Nessa perspectiva, a ausência de um plano de reestruturação que correspondesse às exigências comunitárias era expressamente sublinhada pela Comissão. Em conclusão, esta convidava formalmente as autoridades francesas a dirigir-lhe «qualquer outra informação que julgassem útil para a apreciação do auxílio em causa».

14 A República Francesa formulou as suas observações numa carta de 24 Setembro de 1997 e forneceu informações complementares por ofícios de 8 de Maio, de 21 de Julho, de 16 e 30 de Outubro de 1998, as quais fazem sobressair que, em 1997, a sociedade Nouvelle Filature Lainière de Roubaix sofreu um perda de exploração de 897 497 FRF.

15 O procedimento do artigo 93.° , n.° 2, do Tratado foi encerrado pela adopção da decisão recorrida, cujo dispositivo vem redigido com se segue:

«Artigo 1.°

O auxílio sob forma de um prémio ao investimento concedido pela França a favor da Nouvelle Filature Lainière de Roubaix no montante de 7,77 milhões de FRF é considerado compatível com o mercado comum ao abrigo do n.° 3, alínea c), do artigo 92.° do Tratado.

Artigo 2.°

O auxílio sob forma de prémio ao investimento concedido pela França a favor da Nouvelle Filature Lainière de Roubaix no montante de 14,23 milhões de FRF é incompatível com o mercado comum.

Artigo 3.°

1. O empréstimo participativo de 18 milhões de FRF constitui um auxílio na medida em que a taxa aplicada a este empréstimo pela França é inferior à taxa de referência de 8,28% aplicável no momento da concessão do empréstimo.

2. O auxílio referido no n.° 1 concedido pela França a favor da Nouvelle Filature Lainière de Roubaix é incompatível com o mercado comum.

Artigo 4.°

1. A França adoptará todas as medidas necessárias para recuperar junto do seu beneficiário - a Nouvelle Filature Lainière de Roubaix - o auxílio referido no artigo 2.° e já ilegalmente colocado à sua disposição.

2. A recuperação será efectuada em conformidade com o direito nacional. Os montantes a recuperar serão acrescidos de juros a contar da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à sua efectiva recuperação. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção no âmbito dos auxílios com finalidade regional.

3. A França eliminará, sem demora, o auxílio referido no artigo 3.° através da aplicação de condições normais do mercado correspondentes, no mínimo, à taxa de referência de 8,28% aplicável no momento da concessão do empréstimo.

Artigo 5.°

A França informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, das medidas adoptadas para lhe dar cumprimento.

Artigo 6.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

16 Foi nestas condições que a República Francesa interpôs o presente recurso contra a decisão impugnada.

17 Na audiência de 23 de Novembro de 2000, o agente representando a República Francesa informou o Tribunal de Justiça de que, entretanto, a sociedade Nouvelle filature lainière de Roubaix foi objecto de liquidação judicial.

Quanto ao mérito

18 Em apoio do seu recurso, o Governo francês suscita três fundamentos baseados respectivamente da violação do dever de injunção prévia antes da adopção de uma decisão em matéria de auxílios estatais, da violação do dever de fundamentação, bem como da violação do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE).

Quanto à violação do dever de injunção prévia

19 Pelo seu primeiro fundamento, o Governo francês sustenta que prestou à Comissão, ao longo de todo o procedimento administrativo, uma cooperação total ao responder sistematicamente e de forma detalhada a todos os pedidos de informação que lhe foram dirigidos e ao declarar-se disposto a prestar qualquer informação complementar desejada pela Comissão. Não obstante tal atitude das autoridades francesas, a decisão impugnada seria principalmente baseada no argumento de que o referido governo não fornecera o plano de reestruturação à Comissão e, portanto, esta não dispusera de informações suficientes para estar em condições de apreciar, em pleno conhecimento de causa, a viabilidade a longo prazo da sociedade beneficiária dos auxílios em litígio. Para o Governo francês, a supor mesmo que tal fosse o caso, a Comissão devia não adoptar uma decisão definitiva, mas contentar-se em tomar medidas provisórias, prescrevendo às autoridades francesas que lhe fornecessem todas as informações necessárias à referida apreciação.

20 Ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão não observou a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, dito «Boussac Saint Frères», C-301/87, Colect., p. I-307, e de 13 de Abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C-324/90 e C-342/90, Colect., p. I-1173) e afastara-se de uma regra em relação à qual admitira, porém, que se lhe impunha, em particular, na sua publicação Direito da Concorrência nas Comunidades Europeias, vol. II B, intitulado «Explicação das regras aplicáveis aos auxílios estatais: Situação em Dezembro de 1996», bem como da sua própria prática decisória.

21 A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que o primeiro fundamento assenta numa premissa errónea. Com efeito, a decisão impugnada não seria de forma alguma fundada na ausência de um plano de reestruturação, dado que a Comissão registou essa ausência apenas numa breve passagem dos fundamentos da decisão. A Comissão alega que a análise contida na parte IV, ponto 3, da referida decisão mostra que esta assenta na inexistência das condições de facto que permitam, à luz das orientações, autorizar os auxílios em litígio e não na ausência, em si, de informações a eles relativas.

22 Em seguida, a Comissão sustenta, a título subsidiário, que o primeiro fundamento baseia-se numa interpretação juridicamente errada das regras de procedimento aplicáveis em matéria de controlo dos auxílios estatais.

23 Com efeito, é de jurisprudência constante que incumbe ao Estado-Membro, que solicita a autorização de conceder auxílios a uma empresa, fornecer à Comissão todos os elementos necessários para permitir a esta verificar que as condições de concessão de tais auxílios estão preenchidas (acórdão de 28 de Abril de 1993, Itália/Comissão, C-364/90, Colect., p. I-2097, n.° 20). A esse propósito, no seu acórdão Boussac Saint Frères, já referido, o Tribunal de Justiça respondeu à tese da Comissão segundo a qual, desde que um auxílio seja ilegal por ter sido posto em execução por um Estado-Membro em violação do procedimento previsto no artigo 93.° , n.° 3, do Tratado, a circunstância de esse auxílio ser compatível com o mercado comum em aplicação do artigo 92.° , n.° 3, do mesmo Tratado não poderá fazer desaparecer a sua ilegalidade e, portanto, a recuperação de tal auxílio poderá ser ordenada pela Comissão. Segundo esta, foi neste contexto que o Tribunal de Justiça lembrou que a Comissão tem o poder de adoptar providências cautelares com vista a manter o statu quo quando práticas dos Estados-Membros põem em dificuldade o regime instituído pelos artigos 92.° e 93.° do Tratado. Na altura da adopção desse tipo de providências, a Comissão deve, no entanto, velar por salvaguardar os interesses legítimos dos Estados-Membros. A Comissão está habilitada, sem a isso ser obrigada, a prescrever todas as providências cautelares. No caso de o Estado-Membro recusar fornecer à Comissão as informações solicitadas com vista à decisão que tenciona adoptar, a Comissão tem o poder de pôr termo ao procedimento e tomar uma decisão definitiva com base nos elementos de que dispõe.

24 Segundo a Comissão, o acórdão Alemanha e Pleuger Worthington, já referido, também não é susceptível de apoiar a interpretação dada pelo Governo francês das regras que regem o procedimento de controlo dos auxílios estatais uma vez que, por um lado, no processo que deu lugar ao referido acórdão, diferentemente do caso no presente processo, o Estado-Membro em causa recusara-se a qualquer colaboração com a Comissão e, por outro, o referido acórdão incidia sobre a própria existência de um programa de auxílios e não sobre a apreciação, pela Comissão, da compatiblidade dos auxílios com o mercado comum.

25 Finalmente, a Comissão sustenta que a publicação a que se refere o Governo francês não constitui uma tomada de posição oficial, mas é obra de um advogado, que não vincula em nada a Comissão. Da mesma forma, a decisão impugnada não se oporia de forma alguma à prática decisória da Comissão em matéria de auxílios estatais, tendo esta dirigido injunções formais apenas aos Estados-Membros que recusavam cooperar e fornecer os elementos materiais necessários que lhe permitissem pronunciar-se sobre a existência de um auxílio.

26 A esse propósito, deve reconhecer-se que o primeiro fundamento assenta numa leitura errónea da decisão impugnada.

27 Com efeito, se é verdade que esta salienta que o Governo francês não apresentou plano de reestruturação, esse reconhecimento inscreve-se em longos desenvolvimentos consagrados precisamente à compatibilidade dos auxílios em litígio com o artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado. Neste sentido, longe de exprimir a ideia de que a Comissão não dispunha das informações indispensáveis para poder proceder a tal apreciação, sublinha o facto de as condições a que um auxílio à reestruturação deve corresponder para ser autorizado em conformidade com as orientações, em particular, a própria existência de um plano coerente de reestruturação no momento da concessão do auxílio, não estavam preenchidas no caso concreto.

28 Nestas condições, não havia lugar para a Comissão, que estava em condições de fazer uma apreciação definitiva no que toca à compatibilidade dos auxílios em litígio com o mercado comum com base nas informações de que dispunha, prescrever à República Francesa, por uma decisão provisória, que lhe fornecesse outras informações que pudessem demonstrar a existência de um plano de reestruturação suficiente na data da concessão dos referidos auxílios.

29 Tal como o salienta o advogado-geral nos n.os 49 e 50 das suas conclusões, é tanto mais assim quanto, na sua decisão de início do procedimento a título do artigo 93.° , n.° 2, do Tratado, a Comissão tinha expressamente chamado a atenção das autoridades francesas para o facto de, à luz das informações pertinentes de que dispunha, apenas podia concluir pela inexistência de um plano de reestruturação credível.

30 A esse propósito, o Governo francês alega precisamente perante o Tribunal de Justiça que se esforçara, no decurso do procedimento administrativo, por cooperar plenamente com a Comissão e tinha respondido de forma sistemática e detalhada a todos os pedidos de informação que lhe foram dirigidos por ela. Todavia, tal argumentação corrobora o facto de a decisão impugnada não ter sido tomada na sequência de uma informação insuficiente da Comissão, que as autoridades francesas pudessem ter completado se elas tivessem sido convidadas a fazê-lo por esta, mas que esta decisão foi adoptada em virtude do desconhecimento, pelas referidas autoridades, das condições previstas pelas orientações em matéria de auxílios à reestruturação, resultando tal desconhecimento do conjunto das informações comunicadas pelo Governo francês no decurso do procedimento administrativo.

31 O primeiro fundamento deve, portanto, ser rejeitado como não procedente.

Quanto à violação do dever de fundamentação

32 Através do seu segundo fundamento, o Governo francês sustenta que a Comissão violou o dever de fundamentação, tal como enunciado no artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE), criticando, em numerosas ocasiões, as autoridades francesas por não lhe terem fornecido as informações necessárias à apreciação da compatibilidade dos auxílios em litígio com o mercado comum. Agindo assim, a Comissão procuraria «manifestamente justificar as múltiplas faltas ou insuficiências de fundamentação» de que sofreria a decisão impugnada.

33 Segundo o Governo francês, a decisão impugnada estaria também inquinada por faltas de fundamentação sobre pontos específicos. Seria assim, em primeiro lugar, quando a Comissão deduz dos elevados preços praticados pela sociedade beneficiária dos auxílios em litígio no mercado do «Lycra laine» que essa sociedade está entre as menos competitivas do mercado. Em seguida, a Comissão não tivera em nenhuma conta os elementos susceptíveis de corroborar a viabilidade a longo prazo da referida sociedade, que foram transmitidos na nota do Governo francês de 30 de Outubro de 1998. Finalmente, a decisão impugnada da Comissão não seria suficientemente precisa e circunstanciada quanto ao critério da prevenção das distorções indevidas de concorrência.

34 A Comissão replica que a decisão impugnada satisfaz as exigências em matéria de fundamentação decorrentes da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 63).

35 A esse propósito, há que recordar que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, relevando essa procedência da legalidade quanto ao fundo do acto em litígio. A fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo (acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.os 67 e 63).

36 Tal como o recordou, com razão, a Comissão, essa exigência deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 63).

37 Na ocorrência, é claro que a decisão impugnada enuncia os fundamentos pelos quais os auxílios em litígio não eram justificados à luz das orientações, isto é, em substância, a falta de um plano de reestruturação suficiente, a ausência de uma demonstração satisfatória quanto à viabilidade a longo prazo da sociedade Nouvelle filature lainière de Roubaix, e a desproporção dos referidos auxílios em relação às contribuições dos seus beneficiários.

38 Não está em questão examinar, em sede de controlo do respeito do dever de fundamentação, a legalidade quanto ao mérito dos fundamentos assim invocados pela Comissão para justificar a decisão impugnada. Esse exame releva, na realidade, do terceiro fundamento baseado na violação do artigo 92.° do Tratado.

39 Nestas condições, há igualmente que rejeitar o segundo fundamento.

Quanto à violação do artigo 92.° do Tratado

40 Pelo seu terceiro fundamento, o Governo francês sustenta que a Comissão cometeu vários erros manifestos de apreciação ao declarar os auxílios em litígio incompatíveis com o mercado comum com fundamento no artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado; aconteceria assim, nomeadamente, nos desenvolvimentos da decisão impugnada consagrados à restauração da viabilidade a longo prazo da sociedade beneficiária dos referidos auxílios, à proporcionalidade destes com os custos e benefícios da reestruturação, bem como às pretensas distorções da concorrência resultantes da concessão de tais auxílios. Ela teria também feito uma aplicação errada das orientações. O Governo francês acrescenta que a decisão impugnada, por um lado, contém um certo número de contradições internas que viciam o raciocínio da instituição e, por outro, está insuficientemente fundamentada.

41 Para refutar as diferentes críticas suscitadas pelo Governo francês, a Comissão alega, a título principal, que, para serem declarados compatíveis com o artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, os auxílios a empresas em dificuldade devem estar ligados a um plano de reestruturação com vista a reduzir ou a reorientar as suas actividades (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92 a C-280/92, Colect., p. I-4103, n.° 67; v., igualmente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n.° 99). Ora, na ocorrência, reconheceu-se, na parte IV, ponto 3, quarto parágrafo, da decisão impugnada, que «o Governo francês não apresentou à Comissão um plano de reestruturação credível» e que, «após o início do processo, as autoridades francesas também não apresentaram à Comissão qualquer plano de reestruturação».

42 A Comissão especifica que, ao prometer os auxílios em litígio no quadro do processo que devia terminar pela decisão do tribunal de commerce de Roubaix, as autoridades francesas não tinham tomado qualquer decisão que se inscrevesse no contexto de um plano de reestruturação, como mostraria o facto de esses mesmos auxílios terem igualmente sido oferecidos posteriormente em apoio de uma proposta de reestruturação concorrente, que também não foi considerada pelo Tribunal como apresentando garantias suficientes.

43 Segundo a Comissão, a ausência de um plano de reestruturação conforme às exigências das orientações é susceptível de justificar, só por si, a decisão impugnada.

44 Deve recordar-se que, nos termos do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum «os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum».

45 Tal como resulta das orientações, para serem declarados compatíveis com o artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, os auxílios a empresas em dificuldade devem estar ligados a um plano de reestruturação com vista a reduzir ou a reorientar as suas actividades (v. acórdão Espanha/Comissão, já referido, n.° 67). Esse plano, que deve ser apresentado à Comissão com todos os dados relevantes, deve permitir, nos termos do ponto 3.2.2., i), das referidas orientações, o «restabelecimento num prazo razoável da viabilidade a longo prazo da empresa, com base em hipóteses realistas no que diz respeito às suas condições futuras de exploração», limitando, no entanto, «tanto quanto possível as consequências desfavoráveis para os concorrentes» [ponto 3.2.2, ii)] e garantindo a proporcionalidade dos auxílios com os custos e benefícios da reestruturação [ponto 3.2.2., iii)]. Incumbe à empresa em causa executar integralmente o plano de reestruturação tal como foi aceite pela Comissão [ponto 3.2.2., iv)], ocorrendo essa execução e o andamento e o êxito do referido plano sob o controlo desta, à qual devem ser apresentados relatórios anuais pormenorizados [ponto 3.2.2, v)].

46 A esse propósito, deve reconhecer-se que nem os elementos dos autos nem as explicações fornecidas no decurso da audiência deixam transparecer de forma concludente que as autoridades francesas tenham efectivamente disposto, na data da concessão dos auxílios em litígio, de um plano de reestruturação conforme com as exigências lembradas no número precedente do presente acórdão e susceptível de ser apresentado à Comissão, tal como as autoridades francesas tinham sido convidadas por ela a fazê-lo na sua decisão de início do procedimento previsto pelo artigo 93.° , n.° 2, do Tratado.

47 Em particular, tal como salienta o advogado-geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, é claro que não foram postos à disposição da Comissão dados precisos e fiáveis relativos à evolução da rentabilidade a longo prazo da sociedade beneficiária dos auxílios em litígio na base de um plano de reestruturação que permita apreciar a restauração da viabilidade desta e a necessidade de tais auxílios. Pelo contrário, resulta dos autos que um certo número de etapas do projecto de reestruturação a que se referem as autoridades francesas não estavam quantificadas e que, no que toca a algumas outras, as referidas autoridades não especificavam claramente se o encargo dos custos de tal projecto devia ser realmente suportado pela referida sociedade. Quanto à evolução dos resultados desta, não era possível, com base nos balanços previsionais fornecidos, apreender claramente a maneira como os números que aí eram mencionados poderiam ser concretizados.

48 De qualquer forma, resulta das considerações que precedem que a República Francesa não demonstrou que a Comissão tivesse cometido um erro manifesto de apreciação a esse respeito.

49 Nestas condições, a Comissão tinha fundamento, na ausência de um plano de reestruturação credível, para recusar a autorização dos auxílios em litígio em aplicação das orientações.

50 Por conseguinte, há que rejeitar o terceiro fundamento, sem que seja necessário examinar as outras críticas invocadas pelo Governo francês em seu apoio.

51 Não sendo procedente nenhum dos três fundamentos invocados pela República Francesa, deve, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

52 Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A República Francesa é condenada nas despesas.

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