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Document 61999CC0496

Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 24 de Outubro de 2002.
Comissão das Comunidades Europeias contra CAS Succhi di Frutta SpA.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Política agrícola comum - Ajuda alimentar - Processo de concurso - Decisão da Comissão que altera as condições posteriormente à adjudicação - Pagamento aos adjudicatários em frutas diferentes das especificadas no anúncio de concurso.
Processo C-496/99 P.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-03801

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:610

Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
SIEGBERT ALBER
apresentadas em 24 de Outubro de 2002(1)



Processo C-496/99 P



C.A.S. Succhi di Frutta SpA
contra
Comissão das Comunidades Europeias


«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Política agrícola comum – Ajuda alimentar – Processo de concurso – Pagamento aos adjudicatários em frutas diferentes das especificadas no aviso de concurso»






I – Introdução

1.        A Comissão publicou em 1996 um aviso de concurso para fornecimento de sumos de frutas, destinados a envio de auxílio para o Cáucaso. Os adjudicatários, em vez de serem pagos em dinheiro, deveriam ser pagos com maçãs retiradas do mercado pelos organismos de intervenção, tendo os licitadores, como contrapartida, de fornecer as quantidades exigidas. A recorrente não conseguiu a adjudicação e também não reclamou. Após a divisão da adjudicação por outras empresas, a Comissão comunicou ao organismo de intervenção que, em vez de maçãs, também poderiam ser retirados pêssegos, o que mais tarde foi estendido também a outras frutas, sendo também estabelecidas relações de equivalência de acordo com o peso entre as diversas variedades. Estas relações de equivalência foram modificadas através de uma outra decisão da Comissão, que a recorrente impugnou judicialmente. O Tribunal de Primeira Instância julgou procedente o pedido de declaração de nulidade com o acórdão que a Comissão, recorrida, agora impugna.

2.        A Comissão fundamenta o seu recurso em cinco fundamentos jurídicos. Do ponto de vista da admissibilidade do recurso invoca a falta de legitimidade e a falta de interesse em agir por parte da C.A.S Succhi di Frutta SpA (a seguir «recorrente»); do ponto de vista do fundamento da decisão do Tribunal, afirma que seria necessário abrir novo concurso, e invoca um erro do Tribunal quanto ao apuramento das quantidades de maçãs disponíveis na Comunidade no momento relevante (v. esta questão mais pormenorizadamente no n.° 18, infra).

II – Quadro legal e matéria de facto

3.        Com o Regulamento (CE) n.° 228/96, de 7 de Fevereiro de 1996, relativo ao fornecimento de sumos de frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão  (2) , a Comissão abriu um concurso, descrito desta forma no artigo 1.° deste regulamento: «Nos termos do Regulamento (CE) n.° 2009/95 [ (3) ] e, nomeadamente, do n.° 2 do seu artigo 2.°, e em conformidade com as disposições específicas do presente regulamento, é realizado um concurso relativo ao fornecimento de, no máximo, 1 000 toneladas de sumos de frutas, 1 000 toneladas de sumos de frutas concentradas e 1 000 toneladas de doces de frutas, como indicado no Anexo I.» O artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2009/95 estabelece: «O concurso pode incidir na quantidade de produtos a retirar fisicamente das existências de intervenção a título de pagamento do fornecimento de produtos transformados pertencentes ao mesmo grupo de produtos no estádio de entrega a indicar no anúncio de concurso.»

4.        No Anexo I do Regulamento n.° 228/96 estão descritas, relativamente a cada um dos seis lotes, por um lado, as características dos produtos a fornecer e, por outro, os produtos que os adjudicatários teriam de retirar dos organismos de intervenção como contrapartida dos produtos a fornecer. Os produtos a retirar no caso dos dois primeiros lotes eram maçãs.

5.        O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 228/96 estabelece: «A proposta do licitador indicará, relativamente a cada lote, a quantidade total de fruta retirada do mercado, em conformidade com o disposto nos artigos 15.° e 15.°‑A do Regulamento (CEE) n.° 1035/72, que ele se compromete a:

a)
Tomar a cargo junto das organizações de produtores em questão, em pagamento de todas as despesas que o fornecimento até ao estádio de colocação à disposição implicar, tal como definido no artigo 2.° [...]

[...]»

6.        Após a apresentação de diversas propostas no prazo estabelecido no Regulamento n.° 228/96, a Trento Frutta SpA e a Lama GmbH ganharam o concurso.

7.        A recorrente participou no concurso dos dois primeiros lotes. Decorre dos autos que a sua proposta não foi considerada, porque ela exigia uma quantidade consideravelmente superior de maçãs como preço para o fornecimento dos seus produtos do que as quantidades indicadas nas propostas respectivas das duas adjudicatárias. Resulta ainda dos autos que a Trento Frutta SpA tinha informado estar disponível para, no caso de não haver maçãs em quantidade suficiente, levantar também pêssegos, uma possibilidade que não tinha sido mencionada no aviso de concurso.

8.        Por carta de 6 de Março de 1996, a Comissão comunicou à Azienda di Stato per gli interventi nel mercado agricolo (AIMA), o organismo italiano de intervenção, que a Trento Frutta SpA tinha ganho o concurso. A Comissão informou também que este adjudicatário receberia como pagamento, por cada lote, uma determinada quantidade de maçãs ou, à escolha, de pêssegos ou de laranjas, ou, à escolha: maçãs ou pêssegos.

9.        Com a decisão de 14 de Junho de 1996 – publicada pouco depois da comunicação da adjudicação – a Comissão permitiu às adjudicatárias receber em substituição das maçãs ou laranjas «outros produtos retirados do mercado nas proporções pré‑estabelecidas que reflictam a equivalência de transformação dos produtos em causa». Nos termos do seu segundo considerando esta decisão era justificada pelo facto de, depois da adjudicação, as quantidades dos produtos em questão retirados do mercado terem sido insignificantes relativamente às quantidades necessárias quando a campanha de retirada estava praticamente terminada. Os produtos de substituição previstos na decisão eram pêssegos e damascos. No que diz respeito aos pêssegos, a decisão fixou um coeficiente de equivalência de 1:1 em relação às maçãs. Por outro lado, por decisão de 22 de Julho de 1996, a Comissão autorizou igualmente a substituição das maçãs por nectarinas a retirar pelos adjudicatários, como pagamento pelo fornecimento dos seus produtos.

10.      Em 26 de Julho de 1996, numa reunião a seu pedido na sede da Direcção Geral da Agricultura da Comissão (DG VI), a recorrente apresentou a sua reclamação contra a autorização da Comissão de substituição de maçãs e laranjas por outras frutas. Em 2 de Agosto de 1996 a recorrente dirigiu à Comissão o Relatório Técnico n.° 94 emitido pelo Dipartimento Territorio e Sistemi Agro‑Forestali da Universidade de Pádua sobre os coeficientes de equivalência económica entre determinadas frutas para efeitos de transformação em sumo. (O ponto de partida era – independentemente do caso concreto – a decisão sobre a equivalência entre maçãs e pêssegos de 1:1, a qual, através do embaratecimento dos pêssegos, conduziu à perturbação do mercado dos pêssegos). Na sequência destas conversações, a Comissão verificou as modalidades da substituição de maçãs e laranjas por outras frutas. Na sua decisão de 6 de Setembro de 1996, que alterou a decisão de 14 de Junho de 1996, a Comissão fixou novos coeficientes de equivalência entre pêssegos, maçãs e laranjas, menos favoráveis para os adjudicatários. Depois desta decisão, que, tal como a decisão anterior de 14 de Junho de 1996, foi dirigida à Itália, à França, à Grécia e à Espanha, uma tonelada de maçãs podia ser substituída por 0,914 toneladas de pêssegos e uma tonelada de laranjas por 0,372 toneladas de pêssegos. Estes novos coeficientes eram aplicáveis apenas a produtos que os adjudicatários ainda não tivessem levantado como pagamento dos seus fornecimentos em 6 de Setembro de 1996.

III – Processo no Tribunal de Primeira Instância e respectivo acórdão

11.      Com petição registada na Secretaria do Tribunal em 25 de Novembro de 1996, a recorrente interpôs recurso e concluiu pedindo:

A anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996, que altera a decisão de 14 de Junho de 1996 sobre fornecimento de sumos de frutas e de doces de frutas aos povos da Arménia e do Azerbaijão;

A condenação da Comissão nas despesas.

12.      A Comissão concluiu pedindo ao Tribunal que se dignasse:

Declarar o pedido inadmissível e, subsidiariamente, improcedente;

Condenar a recorrente nas despesas.

13.      Por acórdão de 14 de Outubro de 1999 (CAS Succhi di Frutta/Comissão, T‑191/96 e T‑106/97, Colect., p. II‑3181), o Tribunal de Primeira Instância julgou o pedido admissível e procedente. Contra este acórdão a Comissão interpôs o presente recurso.

1) Quanto à admissibilidade

14.      Segundo a fundamentação do acórdão recorrido, a Comissão alegou o seguinte:

«41
A Comissão afirma que o recurso é inadmissível, quer por a decisão de 6 de Setembro de 1996 não dizer directa e individualmente respeito à recorrente, quer por esta não ter qualquer interesse em obter a sua anulação.

42
A Comissão salienta desde logo que a recorrente não contesta a adjudicação dos lotes relativamente aos quais apresentou uma proposta. Afirma que o acto impugnado no processo não previu a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos, mas limitou‑se a alterar os coeficientes de equivalência entre as referidas frutas, dado que esta alteração foi autorizada pela decisão de 14 de Junho de 1996.

43
Ora, o facto de estes coeficientes de equivalência serem mais ou menos favoráveis aos adjudicatários só pode dizer individualmente respeito aos mesmos. A situação da recorrente face à decisão de 6 de Setembro de 1996 em nada difere da de qualquer outro operador do sector em questão diferente das adjudicatárias [...].

44
A jurisprudência relativa à impugnação de um processo de concurso [...] não é relevante. A decisão de 6 de Setembro de 1996 é um acto independente do anúncio de concurso, adoptado posteriormente à adjudicação da empreitada, ao qual não traz qualquer alteração. Efectivamente, foram as próprias concorrentes que propuseram receber em pagamento uma menor quantidade de maçãs. Nestas circunstâncias, a participação da recorrente no concurso em questão, não lhe confere qualquer qualidade particular, em relação a qualquer outra terceira pessoa, face à decisão de 6 de Setembro de 1996.

45
Por outro lado, a simples circunstância de um acto ser susceptível de exercer influência sobre as relações de concorrência existentes no mercado em causa não basta para se poder considerar que diz directa e individualmente respeito a qualquer operador económico que se encontre numa relação de concorrência com o destinatário do mesmo acto [...].

46
Além disso, dado que a decisão impugnada alterou os coeficientes de equivalência fixados na decisão de 14 de Junho de 1996 no sentido pretendido pela recorrente, esta não tem qualquer interesse em pedir a sua anulação, uma vez que a anulação teria por efeito repor os coeficientes anteriores [...].

47
Por último, a Comissão salienta que os fundamentos invocados pela recorrente podiam ter sido dirigidos contra a decisão de 14 de Junho de 1996, que lhe era mais desfavorável, mas a recorrente não a impugnou nos prazos previstos.»

15.      Sobre este ponto o Tribunal de Primeira Instância, com citação de diversa jurisprudência, considerou:

«50
O artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE) concede, no quarto parágrafo, às pessoas singulares ou colectivas a possibilidade de interporem recurso de anulação das decisões de que sejam destinatárias e das que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

51
Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito, na acepção daquela disposição, se a decisão em causa os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualize de maneira análoga à do destinatário [...].

52
[...]

53
Por outro lado, a Comissão não contesta que a sua nota n.° 10663 de 6 de Março de 1996, já referida, contém elementos que não correspondem às condições impostas no anúncio de concurso previsto no Regulamento n.° 228/96, na medida em que prevê, designadamente, a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos como modo de pagamento dos fornecimentos da Trento Frutta. A referida nota introduz, por isso, uma alteração às modalidades de pagamento previstas para os diferentes lotes.

54
A alteração das modalidades de pagamento previstas para os diferentes lotes foi confirmada pela decisão de 14 de Junho de 1996 para todos os adjudicatários. Posteriormente, a recorrente solicitou à Comissão que reanalisasse a referida decisão. Para esse efeito, teve lugar em 26 de Julho de 1996 uma reunião entre os serviços da DG VI e a recorrente, na sequência da qual esta enviou à Comissão o relatório técnico n.° 94 [...] (v. n.° 10, supra).

55
À luz dos novos elementos desta forma levados ao seu conhecimento e da reanálise de toda a situação, designadamente do nível do preço dos pêssegos no mercado comunitário verificado pelos seus serviços em meados de Agosto de 1996 [...], a Comissão adoptou a decisão controvertida de 6 de Setembro de 1996, que previa novos coeficientes de equivalência entre, por um lado, pêssegos, e, por outro, maçãs ou laranjas.

56
Consequentemente, a decisão controvertida deve ser considerada como uma decisão autónoma, adoptada após solicitação da recorrente, com base em novos elementos, e que altera as condições do concurso na medida em que prevê, com coeficientes de equivalência diferentes, a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos como modo de pagamento às adjudicatárias, e isto apesar dos contactos que tiveram lugar entretanto entre as partes.

57
Nestas condições, deve considerar‑se que a decisão controvertida diz individualmente respeito à recorrente. Em primeiro lugar, diz‑lhe respeito enquanto concorrente excluída, na medida em que uma das condições importantes do concurso – a relativa ao modo de pagamento dos fornecimentos em questão – foi posteriormente alterada pela Comissão. Efectivamente, um concorrente nesta situação não é individualmente afectado apenas pela decisão da Comissão que determina o destino favorável ou desfavorável de cada uma das propostas apresentadas na sequência do anúncio de concurso (acórdão Simmenthal/Comissão, já referido, n.° 25). Mantém igualmente um interesse individual em zelar para que as condições do anúncio de concurso sejam respeitadas na própria fase de execução do concurso. Efectivamente, a falta de indicação pela Comissão, no anúncio de concurso, da possibilidade de os adjudicatários receberem frutas diferentes das previstas em pagamento dos seus fornecimentos, privou a recorrente da possibilidade de apresentar uma proposta diferente da que tinha apresentado, e de dispor, assim, das mesmas oportunidades que a Trento Frutta.

58
Em segundo lugar, nas condições específicas do presente processo, a decisão controvertida diz individualmente respeito à recorrente pelo facto de ter sido adoptada na sequência da reanálise de toda a situação, feita a seu pedido e à luz, designadamente, de dados adicionais que apresentou à Comissão.

59
[...]

60
Por outro lado, é de rejeitar o argumento assente no facto de a recorrente não ter impugnado dentro do prazo previsto a decisão de 14 de Junho de 1996, uma vez que a decisão controvertida não pode ser considerada como acto meramente confirmativo daquela. [...]

61
Improcede igualmente o argumento segundo o qual a recorrente não tem qualquer interesse em agir uma vez que a anulação da decisão controvertida tem por único objectivo restabelecer os coeficientes, para ela menos favoráveis, previstos na decisão de 14 de Junho de 1996.

62
Efectivamente, para efeitos de apreciação da admissibilidade do presente recurso, não há que presumir que um acórdão de anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996 terá como único efeito fazer renascer os coeficientes de equivalência previstos na decisão de 14 de Junho de 1996, tendo em conta, designadamente, a obrigação da Comissão de adoptar as medidas necessárias à execução do acórdão, nos termos do artigo 176.° do Tratado CE (actual artigo 233.° CE) [...].

63
Em qualquer caso, resulta do n.° 32 do acórdão Simmenthal/Comissão, já referido, que, mesmo na hipótese de ter já sido plenamente executada uma decisão de adjudicação a favor de outros concorrentes, o proponente mantém interesse em obter a anulação dessa decisão, quer para obter, da parte da Comissão, uma reposição da sua situação de forma adequada, quer para levar a Comissão a introduzir, para o futuro, as modificações adequadas ao regime dos concursos, no caso de este se verificar contrário a determinadas exigências jurídicas [...].

64
Daqui resulta que o recurso é admissível.»

2) Quanto ao mérito

16.      De acordo com os pormenores do acórdão impugnado, a Comissão, relativamente aos fundamentos do recurso relativos à violação do Regulamento n.° 228/96 bem como dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento, alegou, entre outros argumentos, o seguinte:

«71
A substituição, após o concurso, das frutas a receber em pagamento de modo algum constitui violação dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, na medida em que não teve qualquer influência sobre o desenvolvimento do processo de concurso. Efectivamente, os proponentes concorreram todos em condições idênticas, ou seja, as previstas no Regulamento n.° 228/96 e no seu Anexo I. Dado que a substituição das frutas teve lugar após a adjudicação, esta não teve a mínima influência no desenvolvimento da operação.»

17.      Sobre esta questão, o Tribunal considerou:

«72
No âmbito da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9), o Tribunal de Justiça decidiu que, quando uma entidade adjudicante fixa prescrições no caderno de encargos, o respeito do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes exige que todas as propostas sejam conformes com as prescrições, a fim de garantir uma comparação objectiva entre as propostas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca, C‑243/89, Colect., p. I‑3353, n.° 37, e de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica, C‑87/94, Colect., p. I‑2043, n.° 70). Acresce que o Tribunal de Justiça decidiu que o procedimento de comparação das propostas deve respeitar, em todas as suas fases, tanto o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes como o da transparência, a fim de que todos os concorrentes disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos das suas propostas (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 54).

73
Esta jurisprudência pode ser transposta para o presente caso. Daqui resulta que a Comissão era obrigada a precisar com clareza no anúncio de concurso o objecto e as condições do concurso, e a obedecer rigorosamente às condições enunciadas, a fim de que todos os concorrentes dispusessem das mesmas possibilidades na formulação das suas propostas. Em especial, a Comissão não podia posteriormente alterar as condições do concurso e, designadamente, as relativas à proposta a apresentar, de um modo não previsto no próprio anúncio de concurso, sem violar o princípio da transparência.

74
Como se verificou acima, a decisão controvertida permite às adjudicatárias, ou seja, à Trento Frutta e à Loma, receber em pagamento dos seus fornecimentos produtos diferentes dos referidos no anúncio de concurso, e, designadamente, pêssegos em substituição de maçãs e laranjas.

75
Esta alteração não está prevista no anúncio de concurso tal como resulta do Regulamento n.° 228/96. Efectivamente, resulta do Anexo I do referido regulamento, [...], que apenas os produtos citados, ou seja, no que respeita aos lotes n.os 1, 2 e 5, maçãs, e, no que respeita aos lotes n.os 3, 4 e 6, laranjas, podiam ser retirados pelas adjudicatárias em pagamento dos fornecimentos.

76
Por outro lado, resulta do artigo 6.°, n.° 1, alínea e), 1), do Regulamento n.° 2009/95 [...] que, para uma proposta ser válida, deve referir a quantidade de produtos solicitada pelo concorrente em pagamento do fornecimento de produtos transformados nas condições previstas no anúncio de concurso.

77
A substituição de maçãs ou laranjas por pêssegos em pagamento dos fornecimentos em causa, bem como a fixação de coeficientes de equivalência entre as referidas frutas, constituem, assim, uma alteração significativa de uma condição essencial do anúncio do concurso, ou seja, as modalidades de pagamento dos produtos a fornecer.

78
Ora, ao contrário do que a Comissão afirma, nenhum dos textos por ela citados, designadamente, os primeiro e segundo considerandos do Regulamento n.° 228/96, e o artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1975/95 (n.os 3 e 12, supra), autoriza, mesmo implicitamente, essa substituição. Também não está prevista a substituição na hipótese adiantada pela Comissão, de as quantidades de frutas nos stocks de intervenção serem insuficientes [...].

79
Aliás, a decisão controvertida não apenas prevê a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos, mas fixa também coeficientes de equivalência com referência a acontecimentos ocorridos posteriormente ao concurso, ou seja, o nível dos preços das frutas em questão no mercado em meados de Agosto de 1996, apesar de a tomada em consideração destes elementos, posteriores ao concurso, para determinar as modalidades de pagamento aplicáveis aos fornecimentos em causa de modo algum estar prevista no anúncio de concurso.

80
Por outro lado, os dados fornecidos pela Comissão durante o processo (v. anexo 3 à contestação e a resposta da Comissão às perguntas do Tribunal) não justificam que, no momento da adopção da decisão controvertida, existisse uma indisponibilidade de maçãs nos stocks de intervenção susceptível de impedir a execução das operações visadas pelo anúncio de concurso.

81
Mesmo pressupondo que tenha existido a nível comunitário uma indisponibilidade desse tipo de maçãs que pudessem ser retiradas, não é menos verdade que cabia à Comissão prever, no anúncio de concurso, as condições exactas de substituição das frutas previstas em pagamento dos fornecimentos em causa, a fim de respeitar os princípios da transparência e da igualdade de tratamento. Não o tendo feito, competia à Comissão abrir novo processo de concurso.

82
Resulta do que antecede que a decisão controvertida viola o anúncio de concurso previsto no Regulamento n.° 228/96, bem como os princípios da transparência e da igualdade de tratamento, e que, consequentemente, deve ser anulada [...].»

IV – Fundamentos do recurso

18.      A Comissão baseia a sua petição de recurso de 21 de Dezembro de 1999 em cinco fundamentos:

1)
A posição da recorrente não se diferenciaria da dos outros terceiros, que, como tal, não teriam legitimidade para atacar a decisão que fixou os coeficientes de equivalências;

2)
O Tribunal considerou que a Comissão não podia modificar as condições de pagamento, mas considerou também que a Comissão devia ter aberto novo concurso. Isso teria justamente implicado uma modificação das condições de pagamento relativamente aos adjudicatários que já tivessem cumprido as suas obrigações contratuais;

3)
O Tribunal teria interpretado erradamente o direito comunitário relativamente ao conceito de interesse individual, a partir do qual deduziu que a decisão impugnada dizia individualmente respeito à recorrente;

4)
Errada interpretação do conceito de interesse em agir, em especial do alcance do artigo 176.° do Tratado (actual artigo 233.° CE), que leva o Tribunal a reconhecer à recorrente interesse em agir;

5)
Errada interpretação das disposições sobre a retirada de fruta prevista pela organização comum de mercados no sector das frutas e produtos hortícolas, que levou o Tribunal a considerar disponível fruta retirada em datas anteriores àquela em que era possível o pagamento.

V – Apreciação

19.      Uma análise do primeiro e do terceiro fundamento revela que ambos se referem à mesma questão. O terceiro fundamento reporta‑se à questão de a decisão dizer individualmente respeito à recorrente  (4) . Segundo a jurisprudência, uma decisão diz individualmente respeito a uma pessoa, no sentido do artigo 230.°, parágrafo quarto, CE «se [a decisão em causa] os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza [...] de maneira análoga à do destinatário»  (5) . Esta definição depende portanto de saber se a posição da recorrente, com base em determinadas circunstâncias, se diferencia da dos outros terceiros e corresponde por isso ao conteúdo do primeiro fundamento. Como as partes se pronunciaram da mesma forma sobre os dois fundamentos, eles serão seguidamente analisados conjuntamente.

1) Quanto ao primeiro e terceiro fundamentos relativos à falta de legitimidade da recorrente por a decisão não lhe dizer individualmente respeito

a) Alegações das partes

i) Comissão

20.      A Comissão é de opinião de que a recorrente não tem legitimidade processual, pois não foi individualmente atingida pela decisão.

21.      O ponto de vista exposto no acórdão recorrido do Tribunal de Primeira Instância, o princípio da igualdade de tratamento dos licitadores foi levado longe demais. Se é verdade que todos os licitadores no processo de concurso antes da adjudicação devem ser tratados igualmente, depois do concurso a posição jurídica dos licitadores aprovados e dos não aprovados é diferente. A relação da Comissão com os licitadores aprovados é uma relação contratual, que fica abrangida pelos princípios do caso fortuito e de força maior, etc. Relativamente aos licitadores não aprovados não existe mais nenhum vínculo jurídico. As normas do concurso já não são aplicáveis após a adjudicação.

22.      A decisão atacada pela recorrente, que apenas dizia respeito à relação interna com os licitadores aprovados, foi adoptada muito tempo depois do processo de concurso, com base em circunstâncias extraordinárias. Assim, ela não podia afectar a recorrente senão como a qualquer outro terceiro excluído do concurso. A consequência lógica da opinião do Tribunal de Primeira Instância seria que também à Allione Industria Alimentare SpA seria de reconhecer legitimidade, o que o Tribunal ainda não fez expressamente.

23.      As consequências económicas de uma demasiado grande alteração dos coeficientes de equivalência entre maçãs e pêssegos, adaptados na sequência da queixa da recorrente, afectam manifestamente todos os produtores de sumos de fruta, e não apenas aos licitadores não aprovados. Com a sua argumentação, o Tribunal de Primeira Instância transforma os licitadores não aprovados em fiscais do princípio da não discriminação, sem a observância da diferença estabelecida no artigo 230.°, parágrafo quarto CE entre interesse geral e interesse individual como condição da legitimidade processual.

24.      O Tribunal de Primeira Instância conferiu um grande significado à nota da Comissão de 6 de Março de 1996, na opinião da Comissão não vinculativa, dirigida à AIMA. Esta teria sido elaborada com base em circunstâncias excepcionais e apenas teria como conteúdo a proposta, mas não a exigência, aos licitadores aprovados que o aceitassem, de serem pagos com frutas diferentes das originalmente previstas no aviso de concurso.

25.      Além disso, resulta da jurisprudência  (6) que uma pessoa não pode ser individualizada por uma decisão ter sido tomada a seu pedido. Isto é tanto mais aplicável no caso de vários Estados‑Membros serem destinatários da decisão e ela só ter efeitos para os licitadores aprovados.

ii) C.A.S. Succhi di Frutta

26.      Segundo a opinião da recorrente, o primeiro fundamento é inadmissível, pois a Comissão apenas alega um argumento que já tinha apresentado no Tribunal de Primeira Instância  (7) . O terceiro fundamento é inadmissível, porque a Comissão o apresenta pela primeira vez na segunda instância, embora dele já tivesse conhecimento na primeira instância  (8) .

27.      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância está correcto. A recorrente foi atingida individualmente pela decisão recorrida e é por isso parte legítima. Isto é válido não apenas por ter sofrido prejuízos económicos e por ter intervindo junto da Comissão, mas pelo facto de ter tomado parte no concurso. A posição de licitador mantém‑se após a adjudicação.

28.      Se se aceitar, de acordo com a opinião da Comissão, que a recorrente não tem no presente caso legitimidade processual, daqui decorrem consequências inaceitáveis. A entidade pública adjudicante pode introduzir modificações fundamentais ao concurso durante a execução do contrato, sem o risco de incorrer num litígio judicial. No limite – no caso de um processo de negociação – só o licitador que negociasse com a Comissão teria o direito de recurso.

29.      O Tribunal de Justiça  (9) e também a Comissão, nas suas comunicações e relativamente aos organismos dos Estados‑Membros, tiveram sempre em alto apreço o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes no quadro dos processos de concurso. Daqui resulta que os organismos que abrem os concursos têm de se ater estritamente às condições por eles próprios fixadas nos avisos de concursos no quadro dos quais os licitadores participam no processo de concurso e à apresentação de determinada proposta. Devido à importância do princípio da igualdade de tratamento e da transparência não se pode limitar a sua respectiva aplicação apenas à fase anterior à adjudicação.

30.      Condição de uma livre contratação de acordo com as regras do direito civil após o concurso seria que, antes disso, tenham sido cumpridas todas as regras de transparência. Através desta regulamentação do processo de concurso a que está sujeita a entidade pública adjudicante fica balizada a liberdade de contratar. Com a pretensão de, com base em circunstâncias excepcionais, poder cumprir as obrigações de forma diferente do originalmente estabelecido, a Comissão permitiu‑se violar as próprias obrigações que as normas do processo de concurso imporiam aos próprios Estados‑Membros.

b) Apreciação

i) Sobre a admissibilidade

31.      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância ocupa‑se, nos n.os 50 a 58, com a questão do requisito «[que a decisão] directa e individualmente respeito». Por isso, o terceiro fundamento deve ser julgado admissível, pois a sua alegação não implica, no sentido do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, uma alteração do objecto do litígio na segunda instância.

32.      Quanto aos argumentos da recorrente contra a admissibilidade do segundo e quarto fundamentos, baseados na sua apresentação já na primeira instância, devem neste momento fazer‑se alguns esclarecimentos de ordem geral, que não será necessário repetir na apreciação dos outros fundamentos.

33.      O objectivo do recurso é, nos termos do artigo 225.°, n.° 1, CE, é permitir a revisão de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância no plano das questões de direito. Isto implica evidentemente que as questões de direito que já tenham sido discutidas na primeira instância sejam de novo submetidas ao Tribunal de Justiça. A jurisprudência citada pela recorrente  (10) rejeita as alegações na segunda instância que contestem a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal e se limitem a repetir ou a reproduzir literalmente os argumentos já apresentados em Tribunal, incluindo aqueles que se baseavam em factos dados como não provados pelo Tribunal, sem conterem alegações jurídicas para fundamentação do recurso. Tais fundamentos do recurso visam, na realidade, uma simples reapreciação da causa apresentada ao Tribunal de Primeira Instância, para a qual, na realidade, o Tribunal de Justiça não é competente.

34.      No caso em apreço, a Comissão discute a interpretação jurídica do Tribunal de Primeira Instância e fundamenta com as suas interpretações divergentes o seu recurso. Assim, não se trata de uma simples repetição de uma matéria de facto, mas de uma discussão de questões de direito típica de um recurso.

35.      Os primeiros quatro fundamentos da Comissão são por isso admissíveis.

ii) Quanto ao mérito

36.      A Comissão é de opinião de que a recorrente não foi individualmente atingida pela decisão que fixou os coeficientes de equivalências de 6 de Setembro de 1996 e não tem por isso legitimidade processual, nos termos do parágrafo quarto do artigo 230.° CE.

37.      Dado que a recorrente não foi destinatária da decisão, trata‑se, de acordo com a definição acima mencionada  (11) , de saber se a decisão a afectava devido a certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e assim a individualize de maneira análoga à do destinatário.

38.      O ponto relevante da definição é a comparabilidade com um destinatário. A forma como a decisão recorrida foi aprovada contém vários elementos que permitem considerar a recorrente numa posição semelhante a um destinatário. A recorrente dirigiu‑se ao serviço competente da Comissão, e com ele negociou intensivamente. Com base na sua reclamação foi revista a decisão anteriormente em vigor, de 14 de Junho de 1996. A recorrente transmitiu dados e outros elementos à Comissão, que conduziram a uma análise mais alargada do mercado. E finalmente surgiu uma nova decisão, a decisão ora recorrida, que, pelo menos parcialmente, correspondeu às perspectivas da recorrente. Estas circunstâncias fundamentam que a recorrente possa ser destacada do círculo das outras demais pessoas.

39.      A Comissão, pelo contrário, invocando a jurisprudência Asocarne  (12) , é de opinião de que uma pessoa não pode ser considerada como individualmente atingida por uma decisão apenas por ter participado na elaboração dessa decisão.

40.      No processo Asocarne o Tribunal de Justiça considerou que uma pessoa não pode, com base na sua participação na preparação de um processo legislativo, vir posteriormente interpor um recurso contra este processo, se no quadro do processo legislativo para aprovação desse acto legislativo não estiver prevista a participação de particulares. O fundamento para a restrição da legitimidade para interposição de um recurso foi, no essencial, o carácter normativo geral e abstracto da directiva então objecto do recurso  (13) .

41.      No caso em apreço não está em causa nem uma directiva nem um regulamento a ela semelhante: o objecto do recurso é uma decisão da Comissão. A esta falta‑lhe, em princípio, o carácter geral e normativo, tal como expressamente atribuído aos regulamentos nos termos do artigo 249.°, parágrafo primeiro, CE, e que é inerente às directivas, com base no seu mandato legislativo aos Estados‑Membros nos termos do artigo 249.°, parágrafo segundo, CE. Pelo contrário, as decisões, nos termos do artigo 249.° parágrafo terceiro, CE, só são obrigatórias para os destinatários que designarem. A declaração do Tribunal de Justiça no processo Asocarne não é, por isso, sem mais, transponível para o presente processo.

42.      Como apoio para o reconhecimento, no caso em apreço, do interesse individual da recorrente, pode ser citado o acórdão proferido no processo CIRFS  (14) , para o qual também o Tribunal de Justiça, no processo Asocarne  (15) , remeteu, para distinguir as situações. O objecto desse processo era a impugnação por uma associação de uma decisão dirigida à República Francesa num processo de concorrência. O Tribunal de Justiça considerou que a recorrente, que tinha sido interlocutora da Comissão no estabelecimento e adaptação do regime dos auxílios e com ela tinha conduzido activamente o processo prévio ao litígio, designadamente ao fazer observações escritas e tendo mantido contactos estreitos com os serviços competentes, se devia considerar individualmente atingida pela decisão impugnada, na sua qualidade de interlocutora durante a elaboração do regime da auxílios (16) .

43.      Também no processo van der Kooy  (17) , o Tribunal de Justiça considerou que de uma participação prévia activa no processo de auxílios através de tomadas de posição escritas e contactos estreitos com os serviços competentes da Comissão decorre uma individualização.

44.      Finalmente, o Tribunal de Justiça, num recente acórdão  (18) , renova o significado do papel que as pessoas singulares ou colectivas desempenharam nas fases prévias do processo para as reconhecer como individualmente atingidas.

45.      Assim, a recorrente, devido à sua posição de interlocutora no processo de negociação na fase prévia do processo é atingida individualmente pela decisão impugnada.

46.      A Comissão é de opinião de que o acórdão proferido no processo Exporteurs in Levende Varkens se opõe a esta opinião. Neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que não se verifica uma individualização do terceiro que intervém no processo que conduz à iniciação de um processo de negociação comunitária, nomeadamente, enviando cartas aos órgãos competentes da Comunidade, criticando uma negociação já iniciada e que visam influenciar o processo posterior  (19) .

47.      Devido à sua posição de licitadora no processo prévio de concurso, é questionável se a intervenção da recorrente através de reclamações deste tipo pode ser considerada como de um terceiro. Nesta medida, ela distingue‑se da Allione, que não tinha feito qualquer licitação no processo de concurso e a que o Tribunal de Primeira Instância não reconheceu legitimidade  (20) .

48.      Como licitadora no processo de concurso, a recorrente tem determinados direitos relativamente à entidade pública adjudicante, em especial o direito à igualdade de tratamento de todos os licitadores. Este direito está, por exemplo, consagrado no artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços  (21) e no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações  (22) . Ele deve ser transposto para o presente processo como seu princípio geral.

49.      O Tribunal de Justiça salientou a importância deste princípio em vários acórdãos  (23) . Nos processos Comissão/Bélgica  (24) e Embassy Limousines  (25) , o Tribunal formulou também o princípio da transparência, igualmente determinante para o processo.

50.      A Comissão, como entidade que lançou o concurso, cometeu assim uma violação dos mencionados princípios, pois, na nota dirigida à AIMA para execução da adjudicação aos licitadores aprovados, a contraprestação (maçãs ou pêssegos), enquanto parte fundamental da encomenda não coincidia com a contraprestação (só maçãs) indicada no aviso de concurso  (26) . E isto é válido, devido à especial importância dos princípios da igualdade de tratamento dos licitadores e da transparência, independentemente de saber se o licitador teria feito uma melhor oferta se tivesse tido conhecimento das condições de pagamento alteradas.

51.      A recorrente, com a sua reclamação, da qual resultou a decisão recorrida, exigiu que esta violação dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência fosse, pelo menos, minorada por uma decisão de fixação dos coeficientes de equivalência entre maçãs e pêssegos mais favorável e mais correspondente às especificidades do mercado.

52.      Por isso, a recorrente não interveio no processo como terceiro, mas fazendo valer o seu direito inicial como licitador. Isto independentemente de a recorrente também ter sido atingida pelas consequências da incorrecta fixação dos coeficientes de equivalência para o mercado dos pêssegos também como agente económico normal. Ela não está, como licitadora excluída, numa situação comparável à de todos os outros fabricantes de sumos de frutas ou comerciantes de frutas, que apenas foram atingidos pela decisão com base na sua objectiva qualidade de agentes económicos com a mesma actividade económica. A violação do princípio da igualdade de tratamento dos licitadores através da possibilidade, não mencionada no aviso de concurso, mas garantida aos licitadores aprovados, de substituição por pêssegos das maçãs a fornecer pelos organismos de intervenção como pagamento mantém‑se em todas as decisões posteriores. Ela foi o fundamento da segunda e da terceira decisões de fixação dos coeficientes de equivalência objecto de litígio, que fixaram a relação de substituição entre maçãs e pêssegos. Não se trata de saber se elas continham uma remissão expressa; o conteúdo de uma decisão sobre equivalência é a decisão de princípio que permite a utilização de frutos distintos entre si numa relação de igualdade de valor. Sem a decisão de princípio sobre a possibilidade de substituição de maçãs por pêssegos não seria necessária a fixação de coeficientes de equivalência entre os dois frutos; eles não teriam qualquer objecto.

53.      A Comissão entende, pelo contrário, que a recorrente não podia já invocar a posição jurídica de licitadora e, portanto, não poderia ser considerada como individualmente atingida. A decisão impugnada teria sido tomada, muito depois do concurso, no quadro de uma relação contratual de direito civil estabelecida entre a Comissão e os licitadores aprovados, tendo como base a circunstância imprevisível da falta de maçãs.

54.      Seguidamente tem de verificar‑se se esta alegação é corroborada pela matéria de facto fixada pelo Tribunal de Primeira Instância.

55.      A decisão de possibilitar a substituição de maçãs por pêssegos, que, como já demonstrado, foi o fundamento das decisões posteriores que fixaram os coeficientes de equivalências, foi tomada já na Nota de 6 de Março de 1996, dirigida à AIMA directamente em ligação com a adjudicação à Trento Frutta SpA. Com estas notas foram transmitidas aos organismos nacionais de intervenção as modalidades de execução da decisão da Comissão sobre o concurso. Não se trata, por isso, e ao contrário do que pretende a Comissão, de uma simples proposta não vinculativa. No momento da elaboração da nota não existe, de acordo com as outras informações da Comissão, nenhum indício de falta de maçãs. Das alegações referentes ao quinto fundamento decorre que o período de retirada de maçãs do mercado e em que havia portanto a possibilidade de colocação de maçãs à disposição dos organismos de intervenção só terminava em 31 de Março de 1996, ou seja, três meses mais tarde. Ainda de acordo com as alegações da Comissão, a versão originária do aviso de concurso estava condicionado a que no decurso do ano houvesse maçãs em quantidade suficiente. A verdadeira decisão relativa a uma possibilidade de substituição, que é o fundamento e o conteúdo da decisão objecto do recurso, não surgiu, portanto, com base em circunstâncias imprevisíveis ocorridas depois da adjudicação.

56.      Além disso, a decisão impugnada foi dirigida à República Italiana, à República Francesa, à República Helénica e ao Reino de Espanha. Por isso foi emitida fora de uma relação contratual puramente interna com os licitadores aprovados.

57.      Esta constelação de destinatários e de afectados pela decisão demonstra ainda outra coisa. A Comissão fixou com a decisão impugnada, dirigida a Estados determinados, a alteração das condições dos fornecimentos dos licitadores aprovados, não negociada com eles, enquanto seus parceiros contratuais, mas com a recorrente. A Comissão agiu, assim, largamente de modo autónomo numa forma de relação de autoridade/subordinação, não como parceiro em igualdade de posição jurídica, como seria o caso numa simples relação de direito civil. A sua posição como entidade pública adjudicante manteve‑se, portanto, na execução do contrato, mantendo‑se os respectivos direitos e obrigações.

58.      Consequentemente, também a posição jurídica dos licitadores excluídos se manteve, na medida em que se trata de uma decisão que as afecta nos seus direitos como licitadores.

59.      A posição de partida da Comissão, de dividir o processo de adjudicação estritamente em duas partes que deveriam ser apreciadas independentemente uma da outra, também não satisfaz a exigência da segurança jurídica. Tal procedimento teria por consequência que a Comissão, numa primeira fase – como qualquer outra entidade pública adjudicante – ficasse submetida às regras do concurso, especialmente aos princípios da igualdade de tratamento e da transparência. Mas a partir desse momento, se os não respeitasse, já não seria possível, na grande maioria dos casos, um recurso por parte dos licitadores excluídos. Por não ser objecto de publicação, a violação da decisão de concurso não seria oportunamente atacada. De acordo com a separação pretendida pela Comissão, seria eliminada a possibilidade de um controlo judicial posterior.

60.      Isto violaria igualmente o princípio de que os direitos e garantias do processo – tal como os da igualdade de tratamento e da transparência no processo de concurso – obrigam a que exista um processo para a sua execução  (27) .

61.      A recorrente, como interlocutora da Comissão no processo que precedeu a decisão e devido à sua posição de licitadora excluída, foi individualmente atingida pela decisão e tem, por isso, legitimidade processual.

62.      O primeiro e terceiros fundamentos devem ser julgados improcedentes.

2) Quanto ao fundamento do carácter contraditório da exigência do Tribunal de abertura de novo concurso

a) Alegações das partes

i) Comissão

63.      A exigência do Tribunal de Primeira Instância de abertura de novo concurso perante a falta de maçãs, é ilegal e contraditória, pois o Tribunal é ao mesmo tempo de opinião de que a Comissão não pode alterar as condições de pagamento. Dado que, nesse caso, a Comissão teria de indemnizar os licitadores aprovados de boa fé em dinheiro, também desta forma as condições de pagamento são modificadas pela substituição de maçãs por dinheiro. De acordo com a visão do Tribunal também os licitadores não aprovados poderiam ter apresentado as suas propostas de outra maneira se tivessem tido conhecimento desta possibilidade de substituição.

64.      Uma vez que as normas do concurso só se aplicam à fase decorrida desde o aviso de concurso até à adjudicação, elas não poderiam fundamentar a exigência de um novo concurso devido a modificações no quadro da execução do contrato. As duas fases, a do concurso e a da execução do contrato com os licitadores aprovados, devem ser estritamente separadas uma da outra. Na primeira, aplicam‑se os deveres de transparência e de igualdade de tratamento dos licitadores, ou seja, disposições contratuais claras e propostas comparáveis. A segunda fase, a da execução, exige muitas vezes uma adaptação do contrato a acontecimentos imprevisíveis. Nesta são também aplicáveis os princípios da transparência e da igualdade de tratamento perante alterações essenciais  (28) , mas a decisão de fixação de coeficientes de equivalência não consubstancia uma modificação fundamental desse tipo.

65.      O Tribunal de Primeira Instância misturou erradamente as duas fases. A Comissão está obrigada para com os seus parceiros contratuais a fazer o pagamento, apesar da imprevisível falta de maçãs. E conseguiu fazê‑lo, ao colocar pêssegos à disposição daqueles parceiros contratuais. Esta obrigação de pagamento, em qualquer forma possível, decorre da sua posição de parte no contrato e não tinha de estar, como tal, expressamente referida no aviso de concurso.

66.      Não teria sido praticável prever no aviso de concurso todas as eventualidades possíveis. A indicação de uma relação de equivalência entre as frutas ou de outro mecanismo abstracto de pagamento teria incorporado uma condição contratual e teria assim criado uma insegurança que não seria compatível com os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da comparabilidade das propostas. Além disso, a Comissão não sabia, no momento da abertura do concurso, se, em absoluto, viriam a ser retirados pêssegos do mercado. Por isso, necessariamente a fixação da relação de equivalência só poderia ocorrer no momento de um eventual pagamento. Só desta forma poderia ser tido em conta o desenvolvimento do mercado sem favorecimentos ou desfavorecimentos unilaterais.

ii) C.A.S. Succhi di Frutta

67.      Na opinião da recorrente, o segundo fundamento é, em todo o caso, não admissível, uma vez que já foi apresentado na primeira instância.

68.      Quanto ao mérito, o argumento da Comissão é improcedente. A alteração posterior das condições conduziu antes de mais ao desfavorecimento dos licitadores não aprovados. Tal modificação só poderia ocorrer através de um novo concurso. O procedimento da Comissão, na sua opinião arbitrário, significa uma violação dos princípios da transparência, da igualdade de tratamento dos licitadores e, finalmente, da legalidade.

b) Apreciação

69.      Na opinião da Comissão, a exigência do Tribunal de Primeira Instância de abertura de um novo concurso para o caso de uma alteração das condições de pagamento é contraditória, pois também no caso de pagamento de uma indemnização pela impossibilidade de pagamento em maçãs conduziria a uma alteração das condições de pagamento, nomeadamente através da satisfação da pretensão indemnizatória em dinheiro.

70.      Mas a esta opinião opõe‑se o facto de o direito originário ao pagamento e o direito a uma indemnização só posteriormente surgido, nos termos do artigo 288.°, primeiro parágrafo, CE, em ligação com a lei civil aplicável, serem direitos que devem ser totalmente distinguidos. A configuração do direito ao pagamento resultante do dever contratual originário é determinada pelo aviso de concurso. O direito a uma indemnização surge nos termos das disposições do direito civil se se verificar a impossibilidade de cumprimento ou violação das obrigações contratuais no quadro da posterior execução do contrato. A sua fundamentação e configuração é independente do facto de o direito ao pagamento originário dever ser cumprido em dinheiro ou em géneros naturais.

71.      Neste ponto, a separação sempre sustentada pela Comissão entre os dois estádios de um processo de concurso é relevante. A sempre possível obrigação de indemnização não deve ter qualquer efeito sobre as propostas dos licitadores. Neste sentido, a exigência do Tribunal de Primeira Instância de abertura de um novo processo de concurso não é contraditória.

72.      Do ponto de vista da problemática que, na opinião da Comissão, é mais um argumento que comprova a contraditoriedade, de que, no caso de um novo concurso para indicação da possibilidade de substituição por pêssegos, as condições de pagamento para os licitadores de boa fé aprovados seriam também alteradas, remete‑se novamente para a observação de que a decisão que fixou a possibilidade de substituição foi tomada logo na nota ao AIMA de 6 de Março de 1996. Paralelamente com ela, os licitadores aprovados obtiveram a sua adjudicação. O cumprimento do contrato pela sua parte não podia, portanto, ter ainda ocorrido nesse momento.

73.      Além disso, só um novo concurso cumpre a exigência da segurança jurídica, se durante o processo de concurso as condições do aviso de concurso tiverem sido modificadas num ponto essencial. A esta solução não se podem opor eventuais direitos de indemnização que possam surgir.

74.      Contra a opinião da Comissão, de que não se trata de uma alteração essencial, está o facto de a alteração em causa dizer respeito à forma da contraprestação para os produtos a fornecer. Trata‑se, por isso, da troca recíproca das prestações principais do contrato, o que, sem mais, configura uma alteração substancial das condições fixadas no aviso de concurso. De modo diferente do que seria se se tratasse da substituição de um preço a satisfazer em dinheiro por um montante em moeda estrangeira, livremente convertível, trata‑se, no caso da substituição de maçãs por pêssegos, de um verdadeiro aliud. Os pêssegos têm para alguns um interesse superior ao das maçãs, mas para outros não têm nenhum. Os pêssegos e as maçãs não são, sem mais, produtos que possam substituir‑se.

75.      Também a opinião da Comissão de que a indicação da possibilidade de substituição por outras frutas no aviso de concurso teria sobrecarregado aquele aviso com insegurança e, assim, violado os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, não é procedente. Pelo contrário, o receio de que a entidade pública adjudicante e os outros licitadores possam contornar as regras do concurso e modificar as regras do aviso de concurso de forma prejudicial torna‑se num factor de insegurança, incompatível com as exigências de transparência e segurança.

76.      As alegadas dificuldades práticas poderiam ser ultrapassadas através de uma elaboração do aviso de concurso correspondente à da nota enviada à AIMA, em que, paralelamente à adjudicação, já se fixaram regras detalhadas para a substituição. Ele podia ser acompanhado de uma cláusula que previsse logo desde o início a possibilidade de uma adaptação posterior dos coeficientes de equivalência em caso de flutuações do mercado.

77.      No conjunto, deve portanto conceder‑se razão ao Tribunal de Primeira Instância ao considerar que ou a Comissão devia ter mencionado no aviso de concurso as condições precisas de substituição das frutas previstas como pagamento dos fornecimentos respectivos, ou, em caso de modificação das condições do aviso de concurso, deveria ter aberto outro processo de concurso.

78.      O segundo fundamento do recurso deve assim ser considerado improcedente.

3) Quanto ao fundamento do reconhecimento ilegal à recorrente de interesse em agir nos termos do artigo 233.° CE

a) Alegações das partes

i) Comissão

79.      A Comissão é de opinião de que a recorrente não tem qualquer interesse em agir quanto a uma declaração de nulidade do acto impugnado. A consequência do acórdão é apenas a repristinação da decisão de fixação de equivalências originária, mais desfavorável à recorrente. E esta não foi impugnada pela recorrente.

80.      Uma declaração de nulidade só poderia produzir efeitos quanto a actos impugnados perante o Tribunal de Justiça. Um pretenso dever da Comissão, muito mais amplo do que isso, de anular a decisão de fixação das equivalências anterior, não impugnada, não tem qualquer fundamento legal e é contrário à segurança jurídica. O dever de eliminar as disposições que foram declaradas ilegais no acórdão só se reporta a disposições que sejam posteriores ao acto declarado nulo.

81.      Neste momento não pode ser aberto nenhum outro concurso, pois o envio de mercadorias para o Cáucaso está concluído.

82.      A execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância suscitaria dificuldades, porquanto não indicou medidas concretas de execução nem delimitou os efeitos da declaração de nulidade. Devido aos efeitos retroactivos dele decorrentes seria agora necessário satisfazer as pretensões dos licitadores aprovados correspondentes à decisão inicial, apesar de o processo ter sido muito moroso.

ii) C.A.S. Succhi di Frutta

83.      De acordo com a recorrente, o quarto fundamento do recurso não é, em qualquer caso, admissível, por já ter sido alegado na primeira instância.

84.      A recorrente sustenta ter interesse em agir relativamente à anulação da decisão impugnada. O Tribunal de Justiça já o reconheceu também em casos em que a decisão impugnada já tinha sido executada, pois tal poderia servir ainda para evitar consequências presentes da decisão e evitar a repetição de medidas ilegais no futuro  (29) . Verifica‑se um interesse em agir mesmo no caso de impugnação de uma decisão já revogada, pois a declaração de nulidade pelo Tribunal de Justiça tem uma qualidade diferente da revogação pela Comissão e produz efeitos também para o passado  (30) .

85.      Além disso, verifica‑se um interesse na declaração de nulidade de violações da lei, pois o órgão que cometeu essas ilegalidades fica obrigado, nos termos do artigo 233.° CE, a tomar as medidas decorrentes do acórdão para supressão dos efeitos daquelas ilegalidades  (31) . O artigo 233.° CE ficaria sem conteúdo se se exigisse que o Tribunal tivesse de decidir precisamente as medidas a tomar. Além disso, corresponde ao princípio da boa administração retirar da decisão e dos seus fundamentos, e tendo em conta todas as decisões publicadas nas mesmas circunstâncias, as conclusões acertadas. O acórdão impugnado estabelece claramente que a possibilidade, estabelecida a posteriori, de substituição por pêssegos foi ilegal.

b) Apreciação

86.      A Comissão é de opinião de que a recorrente não tem interesse em agir no recurso, pois neste caso a anulação da decisão impugnada teria como consequência a repristinação da Decisão de 14 de Junho de 1996, mais desfavorável para a recorrente.

87.      A Decisão de 6 de Setembro de 1996 contém um coeficiente de equivalência entre maçãs e pêssegos correspondente às especificidades do mercado. Nesta medida, ela é, na realidade, mais favorável à recorrente do que a Decisão de 14 de Junho de 1996, que favorecia os adjudicatários através dos coeficientes de equivalência, não correspondentes ao mercado, nela estabelecidos.

88.      A falta de interesse em agir só poderia aqui verificar‑se se aquilo que é aqui decisivo fosse a fixação do coeficiente de equivalência e se fosse de facto procedente o argumento de uma simples repristinação da decisão menos favorável.

89.      Ficou acima estabelecido que o fundamento e o conteúdo de todas as decisões de fixação dos coeficientes de equivalências foi a possibilidade de substituição de maçãs por pêssegos, como forma de pagamento não prevista no aviso de concurso, que foi introduzida a posteriori na nota dirigida à AIMA sobre a execução da adjudicação. Esta violação do princípio da igualdade de tratamento dos licitadores e, por isso, das regras do concurso foi, de algum modo, temperada com a Decisão de 6 de Setembro de 1996. Mas também na decisão mais favorável se verifica, com a violação do princípio da igualdade de tratamento, a violação de uma norma jurídica relativa à aplicação do Tratado CE. E esta pode ser tutelada, nos termos dos parágrafos segundo e quarto do artigo 230.° CE, através de um recurso de anulação. O interesse em agir num recurso de anulação de uma decisão com tal vício jurídico foi reconhecido pelo Tribunal apenas com o objectivo de prevenir a adopção de medias viciadas por esse tipo de ilegalidade  (32) . Através da adopção da decisão que fixou os coeficientes de equivalências mais favorável à recorrente na sequência da sua reclamação, a recorrente apenas obteve uma satisfação parcial do ponto de vista da eliminação da ilegalidade. O presente recurso visa a eliminação dos elementos remanescentes dessa ilegalidade. Nesta medida, verifica‑se aqui igualmente o interesse em agir.

90.      Além do mais, a «repristinação» da Decisão de 14 de Junho de 1996, no sentido de uma execução de facto, já não é, na prática, possível, pois o processo de fornecimento de sumos de fruta para o Cáucaso está já encerrado. Ele foi executado com base na decisão impugnada de 6 de Setembro de 1996, visto que o recurso contra ela interposto nos termos do artigo 242.°, primeira frase, CE não tinha efeito suspensivo e o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de suspensão de execução apresentado pela recorrente  (33) . Por consequência, só podem já ser discutidas questões referentes a pretensões indemnizatórias.

91.      Para apreciação de um eventual pedido de indemnização da recorrente é necessário estabelecer se à Comissão pode ser imputada a prática de uma ilegalidade que tenha provocado prejuízos à recorrente. Para a declaração desta ilegalidade serve o acórdão de declaração de nulidade proferido pelo Tribunal de Primeira Instância. Do seu teor, que declarou a nulidade da decisão impugnada, resulta, nos termos do artigo 231.°, parágrafo primeiro, conjugado com o artigo 230.°, parágrafos segundo e quarto, CE, que existiu uma ilegalidade, e dos respectivos fundamentos, em que consistiu tal ilegalidade. Por esta razão, devido a uma possível consideração posterior numa acção de indemnização, verifica‑se um interesse em agir quanto à declaração de nulidade da decisão impugnada.

92.      Além disso, a Comissão está obrigada, nos termos do artigo 233.°, parágrafo primeiro, CE, a adoptar as medias que decorram do acórdão do Tribunal de Justiça. Entre elas incluem‑se, nomeadamente, a supressão dos efeitos da ilegalidade declarada no acórdão de anulação  (34) , de tal modo que a Comissão, através do acórdão, e sem nenhuma outra acção judicial, tenha a possibilidade de por si própria satisfazer as indemnizações.

93.      A problemática alegada pela Comissão relativamente à execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância não é pertinente. A declaração de nulidade da decisão de 6 de Setembro de 1996 não carece de nenhuma execução. Não se verifica o caso de limitação dos efeitos retroactivos do acórdão, pois não existe nenhum fundamento razoável para limitar qualquer pedido indemnizatório.

94.      A recorrente tem, portanto, interesse em agir quanto ao seu recurso, pelo que também o quarto fundamento deve ser considerado improcedente.

4) Quanto ao fundamento da errada interpretação das regras da organização comum de mercado das frutas e dos produtos hortícolas

a) Alegações das partes

i) Comissão

95.      A Comissão é de opinião que o quinto fundamento é admissível, pois o erro de facto do acórdão do Tribunal de Primeira Instância resulta dos autos e o Tribunal qualificou juridicamente a matéria de facto  (35) .

96.      A apreciação do Tribunal, segundo a qual as maçãs estavam disponíveis nos organismos de intervenção e, por isso, não teria havido um «caso de força maior», está viciada por um erro de direito. Desde o início da possibilidade de retirada pelos licitadores aprovados e a data da primeira decisão de fixação das equivalências de 14 de Junho de 1996 foram retiradas do mercado no quadro de medidas de intervenção apenas 19 958,648 toneladas de maçãs, enquanto os licitadores aprovados tinham o direito a um fornecimento, no seu conjunto, de 39 500 toneladas de maçãs.

97.      O Tribunal e a recorrente reportam‑se, nos seus respectivos cálculos sobre as quantidades disponíveis de maçãs a um momento errado e sem levar em conta os mecanismos de intervenção. No quadro da organização comum de mercado das frutas e dos produtos hortícolas os organismos de intervenção não têm – a não ser no caso de crise grave – nem a possibilidade de compra nem de armazenagem. As frutas retiradas do mercado têm de ser destruídas ou de ser fornecidas gratuitamente a organizações humanitárias.

98.      O anexo à sua contestação na primeira instância com a informação de que estariam disponíveis 200 000 toneladas apenas se destinava a demonstrar o facto de que nos anos anteriores tinham existido maçãs em quantidade suficiente. Por consequência, no momento do aviso de concurso era razoável o pressuposto de que as maçãs a retirar do mercado seriam suficientes para pagamento dos fornecimentos de sumos de fruta.

99.      O Tribunal de Primeira Instância ignorou estes elementos de direito e interpretou os dados de forma errada. Dos documentos entregues resulta claramente o erro de facto. Com a qualificação de que antes do momento em que existia a possibilidade de retirada do mercado das maçãs elas estariam disponíveis nos organismos de intervenção, o Tribunal cometeu um erro de direito que viciou todas as suas conclusões posteriores.

ii) CAS Succhi di Frutta

100.    A recorrente é de opinião de que o quinto fundamento não é admissível, pois trata‑se de uma censura quanto à falsa interpretação de factos para a qual o Tribunal de Justiça, enquanto instância de recurso, não é competente  (36) .

101.    Além disso, o Tribunal de Primeira Instância apreciou correctamente os documentos apresentados pela Comissão e admitiu de modo acertado a existência de uma suficiente disponibilidade de maçãs para os licitadores aprovados.

b) Apreciação

102.    Nos termos do artigo 225.°, primeiro parágrafo, CE e do artigo 51.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, o recurso é limitado às questões de direito. Neste quadro, só pode ser fundamentado com base na violação de preceitos legais, e não na apreciação de factos. Para a fixação da matéria de facto e sua apreciação o Tribunal de Primeira Instância tem competência exclusiva  (37) . A questão da disponibilidade de maçãs é uma questão de facto, cuja apreciação não é da competência do Tribunal de Justiça enquanto tribunal de recurso.

103.    Com efeito, o Tribunal de Justiça é competente para controlar as qualificações e as consequências jurídicas que o Tribunal de Primeira Instância tenha retirado dos factos que tenha dado como provados ou apreciado  (38) . Mas não lhe cabe fazer um novo julgamento dos factos ou uma apreciação das provas que lhe foram apresentadas  (39) . Na medida em que a Comissão afirma que o Tribunal de Primeira Instância devia ter retirado outras conclusões dos documentos por ela apresentados sobre a questão da disponibilidade de maçãs, apenas contesta a apreciação dos factos pelo Tribunal relativamente às provas apresentadas. Esta apreciação é, por consequência, uma reapreciação que não compete ao Tribunal de Justiça, não sendo o correspondente argumento admissível.

104.    No processo Brazzelli, o Tribunal de Justiça declarou que «só o Tribunal de Primeira Instância tem competência para a apreciação da matéria de facto, excepto em casos nos quais a inexactidão material das suas conclusões resulte de peças dos autos que lhe foram apresentadas»  (40) . Se se considerasse suficiente para a admissão de uma competência de controlo do Tribunal de Justiça, como tribunal de segunda instância, a existência de uma qualquer errada fixação da matéria de facto, tal como resultante dos autos, existiria o perigo de transformar o Tribunal de Justiça, contra a disposição do artigo 225.°, n.° 1, primeira frase, CE, numa segunda instância em matéria de facto.

105.    Mas se o Tribunal de Justiça se considerasse competente para rever a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância, não se trataria de discutir, como pretendido com este argumento, a questão da disponibilidade de maçãs no momento da adopção da decisão que fixou as equivalências. Como já várias vezes foi referido, a violação relevante do princípio da igualdade de tratamento dos licitadores verificou‑se com a nota dirigida ao AIMA em 6 de Março de 1996 para execução da adjudicação aos licitadores aprovados, em que se previa a possibilidade de substituição de maçãs por pêssegos como pagamento dos fornecimentos. Mas, neste momento, a Comissão também partia do princípio, segundo a sua própria informação, de que, de acordo com a experiência do ano anterior, haveria suficientes maçãs disponíveis. Por consequência, no momento que aqui é relevante não existia uma imprevisível falta de maçãs.

106.    O quinto fundamento não é, assim, admissível ou, em todo o caso, deve ser julgado improcedente.

107.    Em consequência do que precede deve declarar‑se que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo T‑191/96 não está viciado por ilegalidade. O fundamento deve ser, por isso, julgado improcedente.

VI – Quanto às despesas

108.    Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, conjugado com os artigos 118.° e 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

VII – Conclusão

Com base nas considerações que precedem propõe‑se que o Tribunal de Justiça decida:

1)
Julgar improcedente o recurso.

2)
Condenar a Comissão nas despesas.


1
Língua original: alemão.


2
JO L 30, p. 18.


3
Regulamento (CE) n.° 2009/95 da Comissão, de 18 de Agosto de 1995, que estabelece as normas de execução aplicáveis ao fornecimento gratuito de produtos agrícolas provenientes das existências de intervenção destinados à Geórgia, à Arménia, ao Azerbaijão, ao Quirguizistão e ao Tajiquistão previsto no Regulamento (CE) n.° 1975/95 do Conselho (JO L 196, p. 4).


4
No ponto em que na comunicação traduzida no Amtsblatt se refere a «unmittelbar betroffen» [aqueles a quem [...] diz directamente respeito], a palavra «individuellement» deveria ter sido mais correctamente traduzida por «individuell». A Comissão não fez qualquer desenvolvimento na sua petição sobre uma alegada falta do requisito de que uma decisão diga directamente respeito.


5
Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279).


6
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão (T‑481/93 e T‑484/93, Colect., p. II‑2941, n.° 59); despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho (C‑10/95 P, Colect., p. I‑4149, n.° 39).


7
Despacho do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1993, Kupka‑Floridi/CES (C‑244/92 P, Colect., p. I‑2041, n.° 10); acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1993, Eppe/Comissão (C‑354/92, Colect., p. I‑7027, n.° 8); despacho do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1994, De Hoe/Comissão (C‑338/93, Colect., p. I‑819, n.° 19).


8
Sobre esta questão, a recorrente invoca, entre outros, o acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 62).


9
Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca (C‑243/89, Colect., p. I‑3353, n.° 37); acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica (C‑87/94, Colect., p. I‑2043, n.° 54); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1998, Embassy Limousines & Services/Parlamento (T‑203/96, Colect., p. II‑4239, n.° 85); acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão (T‑145/98 Colect., p. II‑387, n.° 164).


10
Despachos Kupka‑Floridi e De Hoe; acórdão Eppe (já referidos na nota 7).


11
V. n.° 19.


12
Despacho C‑10/95 P (já referido na nota 6).


13
Já referido na nota 6, n.os 37, 39 e 40.


14
Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, Comité International de la Rayonne et des Fibres Synthétiques (CIRFS) e o./Comissão (C‑313/90, Colect., p. I‑1125).


15
Já referido na nota 6, n.° 36.


16
Acórdão CIRFS (já referido na nota 14, n.os 29 a 31).


17
Acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. I‑1375, n.os 53 a 55).


18
Acórdão de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão (C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 53 a 55).


19
Acórdão T‑481/93 e T‑484/93 (já referido na nota 6, n.° 59).


20
Despacho de 20 de Março de 1998, CAS Succhi di Frutta SpA/Comissão (T‑191//96, Colect., p. II‑573).


21
JO L 209, p. 1.


22
JO L 199, p. 84.


23
Acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/Dinamarca (já referido na nota 9, n.° 37), Comissão/Bélgica (já referido na nota 9, n.° 54); acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, ADT Projekt (já referido na nota 9, n.° 164), e Embassy Limousines & Services/Parlamento (já referido na nota 9, n.° 85).


24
Já referido na nota 9, n.° 54.


25
Já referido na nota 9, n.° 85.


26
V., sobre esta questão, também os pormenores referidos sob o n.° III 2) do acórdão da primeira instância, n.os 72 a 79. A Comissão não nega na segunda instância o pressuposto de princípio da existência de tal violação no processo de concurso.


27
Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz/Comissão (169/84, Colect., p. 391, n.° 23).


28
Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2000, Comissão/França (C‑337/98, Colect., p. I‑8377, n.os 44 e segs.).


29
Acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão (53/85, Colect., p. 1965, n.° 21), e do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Novembro de 2000, Glencore Grain/Comissão (T‑509/93, Colect., p. II‑3697, n.° 31).


30
Acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão (já referido na nota 6, n.° 46).


31
Acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão (já referido na nota 6, n.° 47).


32
Acórdão do Tribunal de Justiça, AKZO Chemie (já referido na nota 29, n.° 21); acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Glencore Grain (já referido na nota 29, n.° 31).


33
Despacho de 26 de Fevereiro de 1997, CAS Succhi di Frutta/Comissão (T‑191/96 R, Colect., p. II‑211).


34
V. Acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão (já referido na nota 6, n.° 47).


35
Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, Colect., p. I‑1981, n.° 49).


36
Acórdão Deere/Comissão (já referido na nota 8, n.° 21); despacho do Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1999, Deutsche Bahn/Comissão (C‑436/97 P, Colect., p. I‑2387, n.° 19).


37
Acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Laboratoires pharmaceutiques Bergaderm (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 49); acórdão Deere/Comissão (já referido na nota 8, n.° 21).


38
Acórdão Deere/Comissão (já referido na nota 8, n.° 21); despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1996, San Marco/Comissão (C‑19/95 P, Colect., p. I‑4435, n.° 39).


39
Acórdão Eppe/Comissão (já referido na nota 7, n.° 29); despacho Deutsche Bahn/Comissão (já referido na nota 36, n.° 19).


40
Acórdão C‑136/92 P (já referido na nota 35, n.° 49).

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