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Document 61999CC0462

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 13 de Dezembro de 2001.
    Connect Austria Gesellschaft für Telekommunikation GmbH contra Telekom-Control-Kommission, e Mobilkom Austria AG.
    Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria.
    Telecomunicações - Serviços de telecomunicações móveis - Artigo 5.º-A, n.º 3, da Directiva 90/387/CEE - Recurso contra uma decisão da autoridade reguladora nacional interposto para um órgão independente - Artigos 82.º CE e 86.º, n.º 1, CE - Artigo 2.º, n.os 3 e 4, da Directiva 96/2/CE - Artigos 9.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, da Directiva 97/13/CE - Atribuição a uma empresa pública em posição dominante titular de uma licença para a prestação de serviços de telecomunicações móveis digitais baseadas na norma GSM 900 de frequências suplementares na banda de frequências reservada à norma DCS 1800 sem imposição de uma taxa específica.
    Processo C-462/99.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-05197

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:683

    61999C0462

    Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 13de Dezembro de2001. - Connect Austria Gesellschaft für Telekommunikation GmbH contra Telekom-Control-Kommission, e Mobilkom Austria AG. - Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria. - Telecomunicações - Serviços de telecomunicações móveis - Artigo 5.º-A, n.º 3, da Directiva 90/387/CEE - Recurso contra uma decisão da autoridade reguladora nacional interposto para um órgão independente - Artigos 82.º CE e 86.º, n.º 1, CE - Artigo 2.º, n.os 3 e 4, da Directiva 96/2/CE - Artigos 9.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, da Directiva 97/13/CE - Atribuição a uma empresa pública em posição dominante titular de uma licença para a prestação de serviços de telecomunicações móveis digitais baseadas na norma GSM 900 de frequências suplementares na banda de frequências reservada à norma DCS 1800 sem imposição de uma taxa específica. - Processo C-462/99.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-05197


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1. O Verwaltungsgerichtshof (Áustria) submeteu duas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

    2. A primeira diz respeito à interpretação do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa à realização do mercado interno dos serviços de telecomunicações mediante a oferta de uma rede aberta de telecomunicações , na redacção dada pela Directiva 97/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997 . O Verwaltungsgerichtshof questiona-se, concretamente, sobre o efeito directo desta disposição, que confere a determinadas partes um direito de recurso para uma instância independente.

    3. A segunda questão prende-se com a interpretação do artigo 82.° CE, do artigo 86.° CE e do artigo 2.° da Directiva 96/2/CE da Comissão, de 16 de Janeiro de 1996, que altera a Directiva 90/388/CEE no que respeita às comunicações móveis e pessoais , e dos artigos 9.° e 11.° da Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações . O problema que se coloca é o da licitude de determinadas concessões de frequências suplementares sujeitas à norma DCS 1800. A norma DCS 1800 é um dos sistemas GSM existentes. Apenas cabe responder a esta segunda questão da jurisdição de reenvio se considerarmos que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 tem efeito directo.

    II - Enquadramento jurídico

    O direito comunitário

    4. É a seguinte a redacção do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387:

    «3. Os Estados-Membros devem garantir a existência de mecanismos adequados ao nível nacional que confiram ao interessado afectado por uma decisão da autoridade reguladora nacional o direito de recorrer para um órgão independente das partes envolvidas.»

    5. O artigo 2.° , n.os 3 e 4, da Directiva 96/2, a que se refere a segunda questão da jurisdição de reenvio, dispõe o seguinte :

    «3. Os Estados-Membros não restringirão a combinação de tecnologias ou sistemas móveis, nomeadamente quando se tratar de equipamento multinormas. Ao alargarem as actuais licenças a fim de cobrir essas combinações, os Estados-Membros assegurarão que essa extensão se justifica em conformidade com o disposto no n.° 4.

    4. Os Estados-Membros adoptarão, se for caso disso, medidas para assegurar a execução do presente artigo tomando em consideração a exigência de garantir uma concorrência efectiva entre operadores que concorrem nos mercados relevantes.»

    6. O oitavo considerando da exposição de motivos da Directiva 96/2 refere:

    «Neste contexto, deve ter-se em devida consideração a necessidade de promover os investimentos por parte das novas empresas que começam a operar neste domínio; [...] os Estados-Membros podem não conceder uma licença aos operadores existentes, por exemplo, os operadores de sistemas GSM já presentes no seu território, se se puder demonstrar que tal situação eliminará uma concorrência efectiva, nomeadamente, através da extensão de uma posição dominante; [...] em especial, quando um Estado-Membro concede ou já concedeu licenças DCS 1800, a concessão de novas licenças ou de licenças suplementares para actuais operadores GSM ou DCS 1800 só pode realizar-se em condições que assegurem uma concorrência efectiva.»

    No décimo quinto considerando, pode ler-se:

    «No contexto dos sistemas de comunicações móveis e pessoais, as radiofrequências revelam-se uma fonte crucial de estrangulamento. A atribuição de radiofrequências para sistemas de comunicações móveis e pessoais por Estados-Membros segundo critérios que não os critérios objectivos, transparentes e não discriminatórios constitui uma restrição incompatível com o artigo 90.° em conjugação com o artigo 59.° do Tratado, na medida em que os operadores de outros Estados-Membros ficam em desvantagem; [...] o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no sector das telecomunicações pode constituir uma justificação objectiva para recusar a atribuição de frequências a operadores já dominantes no mercado geográfico.»

    7. O artigo 9.° , n.° 2, da Directiva 97/13, dispõe o seguinte:

    «2. Caso um Estado-Membro tencione conceder licenças individuais, deve fazê-lo:

    - através de procedimentos abertos, não discriminatórios e transparentes e, para esse efeito, deve submeter todos os requerentes ao mesmo procedimento, a menos que exista um motivo objectivo para diferenciação,

    e

    - fixando prazos razoáveis; designadamente, deve informar o requerente da decisão logo que possível e, o mais tardar, no prazo de seis semanas a contar da recepção do requerimento. Nas disposições adoptadas para dar execução à presente directiva, os Estados-Membros podem prorrogar esse prazo até quatro meses em casos objectivamente justificados, definidos especificamente nessas disposições. [...]»

    8. O artigo 11.° da mesma directiva dispõe o seguinte:

    «1. Os Estados-Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinem apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais. As taxas relativas a uma licença individual devem ser proporcionais ao trabalho envolvido e devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.

    2. Não obstante o n.° 1, quando forem utilizados recursos escassos, os Estados-Membros poderão permitir que as suas autoridades reguladoras nacionais imponham encargos que reflictam a necessidade de assegurar a utilização óptima desses recursos. Esses encargos devem ser não discriminatórios e devem ter particularmente em conta a necessidade de fomentar o desenvolvimento de serviços inovadores e a concorrência.»

    O direito nacional

    9. A Telekommunikationsgesetz dispõe que a atribuição de frequências prevista para a exploração de serviços públicos de comunicações móveis se efectua mediante concessões que se regem pelo processo previsto nos §§ 22 e seguintes da lei. A autoridade reguladora nacional outorga a concessão ao candidato que garante a utilização mais eficaz das frequências, o que é determinado com base no montante proposto para esta utilização. A atribuição é efectuada através de um procedimento aberto, equitativo e não discriminatório, objecto de um concurso público. A atribuição de novas frequências a um titular para o mesmo serviço é uma extensão da concessão existente. Esta extensão efectua-se nas mesmas condições desta. Se a este respeito não existirem indicações específicas no contrato de concessão, segue-se o procedimento o normal.

    10. A Telekom-Control-Kommission foi designada como autoridade reguladora nacional . São da sua competência, nomeadamente, a atribuição, retirada e revogação de concessões. O seu consentimento é necessário nos casos de transmissão ou alteração de concessões. A Telekom-Control-Kommission foi instituída por lei como instância colegial independente. É constituída por três membros nomeados pelo governo federal. Um dos membros deverá pertencer à magistratura judicial. A comissão decide em primeira e última instância.

    11. Nos termos do § 144, n.° 1, da Bundesverfassungsgesetz (Constituição federal, a seguir «B-Vg»), a instância competente para julgar os recursos interpostos das decisões da Telekom-Control-Kommission é o Verfassungsgerichtshof. No entanto, os seus poderes de cognição são limitados, na medida em que apenas lhe compete apreciar a violação de direitos constitucionalmente garantidos ou a violação de direitos por aplicação de um decreto ilegal, de uma lei inconstitucional ou de direito internacional ilegal.

    12. A legislação austríaca aplicável no processo principal apenas prevê a possibilidade de recurso pelos fundamentos acabados de enunciar. As questões decididas pela Telekom-Control-Kommission estão fora do âmbito de competência do Verwaltungsgerichtshof. Nos termos do § 133, quarto parágrafo, da B-Vg, este não tem poder de cognição sobre as decisões proferidas em primeira e última instância por uma instância colegial que tenha pelo menos um membro que seja magistrado judicial, salvo disposição expressa em contrário. Ora, não existe qualquer disposição que preveja expressamente a possibilidade de recurso das decisões da Telekom-Control-Kommission, que deve considerar-se uma instância colegial na acepção do § 133, quarto parágrafo, da B-Vg.

    13. Entretanto, a legislação austríaca foi alterada. Desde 1 de Julho de 2000, o Verwaltungsgerichtshof tem competência para conhecer dos recursos interpostos das decisões da Telekom-Control-Kommission. No decurso da audiência, aliás, a Comissão informou que apenas por esse motivo não intentou uma acção por incumprimento contra a República da Áustria.

    14. O § 125, terceiro parágrafo, da Telekommunikationsgesetz contém os elementos necessários para responder à segunda questão da jurisdição de reenvio. É do seguinte teor:

    «As autoridades competentes poderão atribuir aos titulares de concessão de exploração de serviços de comunicações digitais móveis com base rádio, em caso de necessidade, frequências suplementares, até 5 MHz cada, da norma DCS-1800, decorridos pelo menos três anos desde a entrada em vigor da decisão de adjudicação da referida norma, a fazer em 1997. Antes do decurso deste período, apenas poderão ser atribuídas aos concessionários daqueles serviços frequências suplementares da norma DCS-1800 se a capacidade de utilização da sua concessão, utilizadas todas as possibilidades técnicas economicamente viáveis, estiver comprovadamente esgotada.»

    15. A atribuição das «frequências restantes sujeitas à norma DCS-1800» é objecto do n.° 3 do § 125 da Telekommunikationsgesetz, aditado em 1998 . Por força deste novo dispositivo, a atribuição de nova concessão está dependente do cumprimento da obrigação de prestação de serviços a nível federal e, além dela, várias outras a nível local, estando os actuais concessionários novamente excluídos da atribuição de outra concessão de serviços a nível federal. Estes podem requerer a atribuição de novas frequências, mas estas apenas podem ser utilizadas decorrido o prazo de três anos mencionado no § 125, terceiro parágrafo, da Telekommunikationsgesetz.

    III - Os factos e a tramitação processual

    16. Por decisões do ministro competente de 6 de Novembro de 1996 e de 23 de Julho de 1997, foi atribuída à Mobilkom Austria AG (a seguir «Mobilkom») a concessão dos serviços de telecomunicações digitais móveis com base rádio, de espectro de frequências de 2 vezes 8 MHz (39 canais), na banda de 900 MHz. A Mobilkom é a empresa que sucedeu ao anterior detentor do monopólio de todos os serviços de correio e comunicações telefónicas móveis, a Post & Telekom Austria AG. A Mobilkom é maioritariamente constituída por capitais públicos.

    17. Igual concessão foi atribuída, por decisões do referido ministro federal de 25 de Janeiro de 1996 e de 23 de Julho de 1997, proferidas no termo de um concurso público, à Ö CALL-MOBIL Telekommunikation Service GmBh (actualmente max.mobil Gesellschaft für Telekommunikation GmBh, a seguir «max.mobil»). Esta sociedade ofereceu 4 mil milhões de ATS como contrapartida financeira da concessão. Contrapartida de igual montante foi ainda, em 2 de Julho de 1996, exigida à antecessora da Mobilkom, sendo actualmente sobra esta que recai a obrigação.

    18. Em 19 de Agosto de 1997, com base em concurso público, foi atribuída à Connect Austria Gesellschaft für Telekommunikation GmbH, recorrente no processo principal (a seguir «Connect Austria»), mediante contraprestação de 2,3 mil milhões ATS, uma licença para serviços de comunicações digitais móveis com base rádio de acordo com a norma DCS 1800; foi atribuído um espectro de frequência de 2 X 16,8 MHz (84 canais) e previsto o alargamento para 2 X 22,5 MHz (112 canais), quando atingido um número de utentes de 300 000 e uma percentagem de cobertura de 75%.

    19. Por decisão de 10 de Agosto de 1998, a Telekom-Control-Kommission atribuiu à Mobilkom, a título de extensão da concessão com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999, um espectro suplementar de frequências reservadas para a banda conforme à norma DCS 1800, no montante de 2 X 5 MHz (24 canais) para exploração de serviços de comunicações digitais móveis com base radio, mediante utilização através de estações base situadas no Land de Viena. Foi indeferido o pedido de concessão de mais um espectro de frequências de 2 X 3,4 MHz das reservadas para a banda conforme a norma DCS 1800. Esta decisão, ora em recurso no Verwaltungsgerichtshof, teve por base o § 225, n.° 3, da Telekommunikationsgesetz.

    20. A Connect Austria interpôs recurso desta decisão para o Verfassungsgerichtsof que, por decisão de 24 de Fevereiro de 1999, declarou que a decisão recorrida não violava qualquer direito da recorrente constitucionalmente garantido, nem foram violados os seus direitos pela aplicação de uma regulamentação ilegal. Assim, foi negado provimento ao recurso.

    21. Na fundamentação da sua decisão, o Verfassungsgerichtsof procede à análise do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387, referindo, a propósito do seu conteúdo, que «é suficientemente preciso, em termos de exigência a nível nacional, de mecanismos adequados de recurso para, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça [...] , produzir efeito directo, na medida em que estabelece que deve existir um meio de recurso eficaz para um órgão jurisdicional independente». Não resulta da directiva qual a autoridade nacional competente para aquele recurso.

    22. O Verfassungsgerichtsof conclui então do § 131, n.° 1, primeiro parágrafo, e do § 133, quarto parágrafo, da B-Vg que «das decisões de instâncias colegiais quase jurisdicionais apenas haverá recurso para o Verwaltungsgerichtshof». Afirma que o § 133, quarto parágrafo, da B-Vg exclui aquele recurso quando não seja expressamente previsto. Ora, se o Verfassungsgerichtsof pressupõe que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 é directamente aplicável, a consequência é que o § 133, quarto parágrafo, da B-Vg não é aplicável em matérias reguladas por esta directiva, atento o primado do direito comunitário. Consequentemente, os recursos das decisões da Telekom-Control-Kommission, enquanto instância reguladora nacional, podem ser interpostos para o Verwaltungsgerichtshof.

    23. A possibilidade de recurso para o Verfassungsgerichtshof, segundo este órgão jurisdicional, não constitui um direito de recurso na acepção do artigo 5.° -A, n.° 3, da directiva, atenta a sua restrita competência. O controlo, pelo Verwaltungsgerichtshof, da legalidade dos actos da administração, ao invés, satisfaz as exigências do direito comunitário.

    24. Foi com base neste raciocínio que o Verfassungsgerichtshof remeteu o processo para o Verwaltungsgerichtshof, em 3 de Março de 1999, com fundamento no § 144, terceiro parágrafo, da B-Vg.

    As questões prejudiciais

    25. Por despacho de 24 de Novembro de 1999, que deu entrada na Secretaria em 2 de Dezembro de 1999, o Verwaltungsgerichtshof apresentou um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça. O órgão jurisdicional de reenvio pretende ver solucionadas as duas seguintes questões:

    «1) O n.° 3 do artigo 5.° -A da Directiva 90/387/CEE do Conselho, na redacção dada pela Directiva 97/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, com primado sobre disposição de direito interno atributiva de competência judicial contrária, produz efeito directo, atribuindo competência a um determinado órgão independente já existente a nível nacional para, através de mecanismo adequado, conhecer de recurso interposto pelo interessado de decisão da autoridade reguladora nacional?

    2) No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

    Os artigos 82.° CE e 86.° , n.° 1, CE, o artigo 2.° , n.os 3 e 4, da Directiva 96/2/CE da Comissão, bem como os artigos 9.° , n.° 2, e 11.° , n.° 2, da Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, ou outras disposições do direito comunitário, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional que prevê que aos titulares de uma licença de exploração de serviços reservados de telecomunicações através de sistemas digitais móveis com base rádio podem ser atribuídas frequências adicionais na banda de frequências reservada à norma DCS 1800 antes de terminados três anos a contar da entrada em vigor da decisão de 1997 que concedeu a um candidato uma licença segundo a norma DCS 1800, no caso de se demonstrar que a sua capacidade de servir utilizadores, após terem sido empregues todos os meios técnicos economicamente viáveis, está esgotada, podendo, nesse caso, fazer-se a atribuição de frequências independentemente de uma contrapartida financeira específica, mesmo a uma empresa pública com posição dominante no mercado da banda de 900 MHz?» .

    26. A recorrente no processo principal, a Connect Austria, a recorrida no processo principal, a Telekom-Control-Kommission, bem como a Mobilkom, o Governo austríaco, o Governo sueco e a Comissão apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. Na audiência de 11 de Outubro de 2001, todos apresentaram observações orais, com excepção do Governo sueco.

    IV - A primeira questão

    As observações escritas

    27. A Connect Austria considera que a competência do Verwaltungsgerichtshof deriva do primado do direito comunitário, considerando que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 constitui obstáculo à aplicação do § 133, quarto parágrafo, da B-Vg. A Connect Austria fez notar, na audiência, que o Verwaltungsgerichtshof é a última instância administrativa, com competência geral em matéria de controlo jurisdicional da actuação da administração austríaca. É pacífico que a sua competência é exclusiva nesta matéria, não sendo concebível, sequer, um conflito de competências.

    28. A Mobilkom não partilha desta opinião e considera que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 não tem aplicação no presente processo. Esta disposição concede aos operadores de telecomunicações um direito de recurso contra as decisões da instância nacional reguladora com eles relacionadas, relativas ao acesso às redes e à interconexão. O artigo não concede qualquer protecção no âmbito do direito da concorrência, pelo que os terceiros interessados não podem basear-se nele para invocar qualquer direito de recurso. A Mobilkom propõe ao Tribunal de Justiça, consequentemente, a reformulação da questão que lhe foi colocada.

    29. Tanto o Governo austríaco como o Governo sueco consideram que o artigo 5.° -A, n.° 3, da directiva não tem efeito directo, uma vez que o seu conteúdo não é nem incondicional nem suficientemente preciso como o impõe a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça. Isto obriga os Estados-Membros a tomar medidas suplementares. Devem definir a instância competente e determinar a tramitação processual a seguir. O Governo sueco, que remete neste âmbito para o acórdão Dorsch Consult , salienta que é ao órgão jurisdicional nacional que compete designar o tribunal competente e que não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre esta questão.

    30. O Governo austríaco acrescenta, no que lhe diz respeito, que a competência do Verfassungsgerichtshof dá cumprimento ao princípio geral de uma protecção jurídica efectiva, bem como às exigências do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387. No decurso da audiência, esclareceu o seu ponto de vista da seguinte forma. A Telekom-Control-Kommission deve considerar-se um órgão jurisdicional, na acepção do artigo 234.° CE, o que a obriga, quando é chamada a decidir tais questões em última instância, a apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Se o não fizer, torna-se responsável, segundo o direito austríaco, por uma violação do direito constitucional, da qual cabe recurso para o Bundesverfassungsgericht.

    31. A Comissão refere que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 é do mesmo teor que o artigo 41.° , n.° 1, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços , em causa no acórdão Dorsch Consult. No seu entender, o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 tem efeito directo, uma vez que concede um direito de recurso aos interessados. Já no que diz respeito à tramitação processual, não tem efeito directo, de modo que é ao legislador nacional que compete determinar a instância competente para apreciar este recurso. As exigências de uma interpretação em conformidade com a directiva e de uma protecção efectiva dos direitos dos particulares impõem, no entanto, que as autoridades nacionais, como o Verwaltungsgerichtshof no caso em apreço, verifiquem se existe um direito de recurso contra as decisões da autoridade reguladora em matéria de telecomunicações. Se não for atribuído este direito de recurso, como impõe a Directiva 90/387, os interessados podem exigir uma indemnização ao Estado-Membro que a não tenha transposto dentro do prazo previsto .

    32. Concretamente, a Comissão afirma que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 não foi correctamente transposto para a legislação austríaca, uma vez que não define a instância independente com competência para o controlo da legalidade das decisões da autoridade reguladora nacional.

    O acórdão Dorsch Consult

    33. É com conhecimento de causa que várias das partes que apresentaram observações escritas compararam o presente processo com o problema, discutido no acórdão Dorsch Consult, de saber se uma disposição de uma directiva, no caso, a Directiva 92/50 relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços , pode produzir efeitos, não tendo sido transposta dentro do prazo estipulado. Tratava-se, concretamente, de saber se as instâncias de recurso designadas pelos Estados-Membros em matéria de adjudicação de contratos públicos, de obras e de fornecimentos são igualmente competentes para conhecer dos recursos relativos aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, quando o legislador nacional não lhes reconheceu expressamente tal competência. O Tribunal de Justiça desenvolveu o seguinte raciocínio .

    34. O Tribunal de Justiça começa por analisar, duma maneira geral, qual o processo adequado nos litígios respeitantes aos direitos individuais derivados da ordem jurídica comunitária. Afirma que não lhe compete intervir na solução dos problemas de competência que possa suscitar, no quadro da organização judiciária nacional, a qualificação de certas situações jurídicas assentes no direito comunitário. Compete à ordem jurídica de cada Estado-Membro designar o órgão jurisdicional competente para decidir os litígios que põem em causa direitos individuais derivados da ordem jurídica comunitária. A competência relativa aos órgãos jurisdicionais é pois dos Estados-Membros, sendo estes, em qualquer caso, obrigados a garantir a protecção efectiva dos direitos dos particulares.

    35. Em seguida, procede à análise da Directiva 92/50. Esta, ao mesmo tempo que obriga os Estados-Membros a adoptar as medidas necessárias para garantir recursos eficazes em matéria de contratos públicos de serviços, não contém qualquer indicação sobre as instâncias nacionais competentes, nem no sentido de que estas devam ser as mesmas instâncias que os Estados-Membros designaram em matéria de contratos públicos de obras e de fornecimentos.

    36. Quanto às consequências da transposição tardia da Directiva 92/50, o Tribunal de Justiça recorda que as obrigações dos Estados-Membros decorrentes de uma directiva se impõem a todas as autoridades investidas de poderes públicos, incluindo, no âmbito das suas competências, as autoridades jurisdicionais. O mesmo se diga em relação à obrigação de fazer uma interpretação das disposições nacionais em conformidade com a directiva.

    37. O Tribunal de Justiça reconheceu, sob determinadas condições, o direito de os particulares invocarem em juízo uma directiva contra um Estado-Membro que não cumpriu as suas obrigações. Esta garantia mínima não pode servir de justificação a um Estado-Membro para não tomar, atempadamente, as medidas adequadas. Se as disposições nacionais não podem ser interpretadas em conformidade com a directiva, os interessados podem reclamar, segundo os procedimentos apropriados do direito nacional, a reparação dos danos sofridos devido à falta de transposição da directiva no prazo imposto.

    38. Fundamentando a sua decisão neste raciocínio, o Tribunal de Justiça respondeu à questão prejudicial que lhe foi colocada neste processo que não decorre da Directiva 92/50 que, «na falta de transposição dessa directiva no termo do prazo previsto para esse efeito, as instâncias competentes de recurso dos Estados-Membros em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos de obras e de fornecimentos são igualmente competentes para conhecer os recursos relativos aos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços. Todavia, as exigências de uma interpretação do direito nacional em conformidade com a Directiva 92/50 e de uma protecção efectiva dos direitos dos cidadãos impõem ao órgão jurisdicional nacional a obrigação de verificar se as disposições pertinentes do direito nacional permitem reconhecer aos cidadãos um direito de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços. Em circunstâncias como as do caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional é obrigado, em especial, a verificar se esse direito de recurso pode ser exercido perante as mesmas instâncias que as previstas em matéria de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos e de obras» .

    39. Em resumo, quando uma directiva não foi transposta para o direito nacional, o particular não pode fundar um direito de recurso directamente no direito comunitário, podendo eventualmente tal direito ser deduzido, mas cabendo ao juiz nacional fazê-lo, de uma interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva. Para este fim, sugere o Tribunal de Justiça que se procure uma medida adequada no direito nacional.

    Apreciação

    40. Julgo que o Tribunal de Justiça pode seguir, no presente processo, o raciocínio desenvolvido no acórdão Dorsch Consult. Para tanto, devem ser percorridas três etapas.

    41. A primeira consiste no reconhecimento de que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 não foi correctamente transposto para o direito austríaco. Basta recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 249.° CEE, de acordo com a qual todo o Estado-Membro está vinculado a adoptar, no âmbito da ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias a assegurar a plena produção de efeitos de uma directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido.

    42. A Directiva 90/387 faz parte de um conjunto de medidas comunitárias tomadas no decurso da década de 90 com vista a liberalizar o sector das telecomunicações. Foi necessária uma regulamentação detalhada, a fim de permitir aos novos concorrentes um acesso efectivo a um mercado que era, até aí, dominado por monopólios. Grande parte desta regulamentação caracteriza-se pelo facto de impor aos antigos detentores de monopólios determinadas obrigações que beneficiam os novos operadores. Pense-se, por exemplo, nos considerandos que precedem a Directiva 92/6 . Com o objectivo de encorajar os novos operadores a investir neste segmento de mercado, foi mesmo necessário prever a impossibilidade, para determinados exploradores do sistema GMS, de obter licenças para a norma DCS 1800. Foi assim que, no caso em apreço, o § 125 da Telekommunikationsgesetz austríaca prevê que só em condições excepcionais os operadores existentes, a Mobilkom e a max.mobil, podem obter uma frequência DCS 1800. Esta reserva legal visa garantir aos novos operadores, tais como a Connect Austria, um acesso efectivo ao mercado austríaco do GMS.

    43. Este regime, que visa garantir a igualdade de condições entre - potenciais - operadores, deve prever uma regulamentação substantiva equilibrada, bem como uma execução também ela equilibrada e efectiva.

    44. As instâncias reguladoras nacionais desempenham um papel importante na prossecução deste objectivo. Resulta, nomeadamente, do nono considerando da directiva que a sua intervenção deve pautar-se pela independência, mesmo pela imparcialidade. Devem não só ser independentes dos operadores, mas também dos serviços da autoridade central quando tal imposição resulte dos interesses financeiros que os poderes públicos detêm ainda, frequentemente, nos antigos monopólios. As decisões desta instância independente - essencialmente composta por peritos e que pode ser sujeita a controlo parlamentar, pelo menos de forma indirecta - devem estar sujeitas a controlo jurisdicional, de modo que sejam cumpridas as exigências do Estado de direito. É neste contexto que se situa o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387, nos termos do qual deve ser garantido «ao interessado afectado por uma decisão da autoridade reguladora nacional o direito de recorrer para um órgão independente das partes envolvidas.»

    45. As instâncias reguladoras nacionais, como a Telekom-Control-Kommission, têm essencialmente uma função administrativa herdada das autoridades centrais. Nomeadamente, têm a competência essencial de concessão de licenças. É este o motivo pelo qual devem ser consideradas órgãos administrativos sem qualquer função jurisdicional, ao contrário do que afirma o Governo austríaco. A concessão de licenças não é, certamente, uma actividade que preencha os requisitos aos quais o Tribunal de Justiça subordina o poder de lhe dirigir questões prejudiciais, nos termos do artigo 234.° CE. Remeto, neste ponto, para o acórdão Salzmann , do qual resulta que os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio, e se forem chamados a pronunciar-se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de carácter jurisdicional.

    46. Assim, é manifestamente incorrecto afirmar, como o Governo austríaco, que as instâncias reguladoras nacionais podem dirigir, por si, questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Acresce que, ainda que o Tribunal de Justiça partilhasse da opinião do Governo austríaco, isso não significaria que os requisitos do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 estivessem preenchidos. Com efeito, nos termos desta disposição, as decisões da instância reguladora têm que ser susceptíveis de recurso. Ora, resulta da letra da directiva que a instância reguladora não pode ser uma instância de recurso contra as suas próprias decisões.

    47. Na minha opinião, o direito de recurso é indispensável no sistema instituído pela directiva e, de um modo geral, no regime de liberalização instituído pela legislação sobre as telecomunicações. Mesmo pondo de parte o facto de todas as disposições das directivas comunitárias deverem ser transpostas de modo preciso e completo, tudo isto significa que o direito de recurso não pode ser interpretado de forma restrita. Parece-me inaceitável a restrição do direito de recurso ou ainda do tipo de decisões susceptíveis de recurso.

    48. Aliás, nem no texto da directiva nem na sua exposição de motivos está presente qualquer elemento que possa fundamentar o argumento da Mobilkom, segundo a qual o artigo 5.° -A, n.° 3, não se refere aos litígios relativos à concessão de frequências pela Telekom-Control-Kommission. O artigo 5.° -A é uma disposição de carácter geral e visa assegurar que as instâncias reguladoras nacionais tomem decisões com respeito das garantias necessárias. Não é concebível que os terceiros interessados directamente afectados pelas decisões não possam delas recorrer. Acresce que o artigo 5.° -A, n.° 3, visa exactamente proteger, de igual forma, os interesses dos novos operadores no mercado, como a Connect Austria.

    49. O poder restrito de controlo atribuído ao Bundesverfassungsgericht pela legislação nacional austríaca não concede qualquer garantia acrescida de satisfação das exigências da disposição relativa ao direito de recurso, na medida em que parece evidente que o direito de recurso previsto pelo artigo 5.° -A, n.° 3, é um direito de recurso completo. Qualquer ilegalidade de que uma decisão esteja ferida deve poder ser objecto de recurso, seja qual for o motivo.

    50. Assim sendo, conclui-se que a República da Áustria não transpôs correctamente o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387, uma vez que a sua legislação interna não prevê um direito de recurso em conformidade com as exigências da directiva contra (certas) decisões da Telekom-Control-Kommission.

    51. A segunda etapa na aplicação da jurisprudência Dorsch Consult ao caso em apreço diz respeito ao eventual efeito directo do artigo 5.° -A, n.° 3, da directiva. Conclui-se do acórdão Dorsch Consult que o artigo 5.° -A, n.° 3, não pode ter efeito directo. A determinação da competência relativa dos órgãos jurisdicionais é matéria do foro dos Estados-Membros. É aos Estados-Membros - e não ao legislador comunitário - que compete designar o órgão jurisdicional competente. Foi assim que o legislador repartiu as competências entre a Comunidade e os Estados-Membros em matéria de protecção jurídica. O direito comunitário pode fazer imposições substanciais neste domínio e fá-lo, aliás, com uma certa frequência. Mas é aos Estados-Membros que compete assegurar concretamente esta protecção no âmbito da sua organização judiciária. É neste contexto que se situa a observação da Comissão quando afirma que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 tem efeito directo em termos substanciais, mas não em termos processuais.

    52. A jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de efeito directo conduz-nos à mesma conclusão. Quando uma directiva não foi transposta, os particulares só podem fazer valer as suas disposições perante um Estado-Membro quando estas sejam incondicionais e suficientemente precisas. À semelhança da Comissão, considero que, ainda que o conteúdo do artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 seja efectivamente incondicional e suficientemente preciso, tal não é suficiente para que os particulares possam valer-se destas disposições perante os órgãos jurisdicionais nacionais. De qualquer forma, o legislador nacional deve intervir e designar o órgão jurisdicional competente para conhecer dos recursos.

    53. Esta apreciação está também de acordo com o recente acórdão Gharehveran , no qual o Tribunal de Justiça reconheceu que um trabalhador pode reagir contra o Estado-Membro cuja legislação o exclui da categoria dos beneficiários de determinado subsídio, em violação de uma directiva. O Tribunal de Justiça baseou-se no facto de o Estado-Membro em causa não poder invocar qualquer margem de apreciação. O mesmo não acontece no caso em apreço, uma vez que a designação do órgão jurisdicional competente decorre expressamente do poder discricionário do Estado-Membro.

    54. A terceira etapa respeita à questão de saber se uma interpretação em conformidade com a directiva permite solucionar o problema. Segundo um princípio frequentemente aplicado pelo Tribunal de Justiça , o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretar o direito nacional deve fazê-lo, na medida do possível, à luz do teor literal e da finalidade da directiva, a fim de prosseguir o objectivo por ela visado, dando assim cumprimento ao artigo 249.° , terceiro parágrafo, CEE.

    55. Uma interpretação em conformidade com a directiva não parece, todavia, oferecer uma solução no caso em apreço. Com efeito, o regime instituído pela Constituição austríaca é perfeitamente unívoco e não se presta a diferentes interpretações. De acordo com o direito nacional, só quando estiver expressamente prevista pelo legislador a possibilidade de recurso para o Verwaltungsgerichtshof austríaco é que este será competente. Nenhuma interpretação, ainda que em conformidade com a directiva, pode alterar esta situação. Acresce o facto de a decisão da Telekom-Control-Kommission ter adquirido força executória, pelo que abrir a possibilidade de recurso - contra legem! - com base numa interpretação em conformidade com a directiva causaria sério prejuízo à segurança jurídica, designadamente em relação às outras partes interessadas.

    56. A abordagem feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Dorsch Consult não altera este estado de coisas. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu aí que o juiz nacional deve verificar a sua competência à luz do direito interno, sobretudo quando se trata de órgãos jurisdicionais chamados a decidir litígios similares.

    57. Também quanto a este ponto o presente processo é, em larga medida, comparável com o que deu origem ao acórdão Dorsch Consult. No primeiro como no segundo, há um órgão jurisdicional nacional competente. Reconhecer-lhe tal competência não atenta contra a organização judiciária nacional em nenhum dos casos, e não levanta outras questões de competência. No acórdão Dorsch Consult, foi designado um determinado órgão jurisdicional para decidir litígios semelhantes ao dos presentes autos; no presente processo, trata-se de um litígio da competência do Verwaltungsgerichtshof austríaco, mas que, por razões alheias à directiva, foi subtraído à sua jurisdição.

    58. A decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Dorsch Consult consiste, em substância, em convidar o juiz de reenvio a analisar se pode fundamentar a sua própria competência numa interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva. Não cabe aqui examinar a análise efectuada pelo juiz nacional no processo Dorsch Consult. No presente processo, considero que não há lugar a tal análise. A legislação nacional austríaca não deixa qualquer margem para dúvidas sobre a incompetência do Bundesverwaltungsgericht. Trata-se de um ponto inequivocamente provado.

    59. Naturalmente, e estamos agora na quarta etapa, qualquer interessado que seja prejudicado pela transposição errónea do artigo 5.° -A da Directiva 90/387 para o direito austríaco tem o direito de prevalecer-se das disposições da directiva contra a República da Áustria a fim de obter reparação. Tal recurso pode implicar a obrigação de indemnizar o interessado, mas não pode, de modo algum, implicar a obrigação de reformar uma decisão da Telekom-Control-Kommission.

    60. Em resumo: apesar de o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387 não ter sido correctamente transposto para a legislação austríaca, um particular não pode fundamentar o seu direito de recurso no efeito directo desta disposição, nem tão-pouco na interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva. Dispõe apenas de um direito de acção contra o Estado austríaco.

    V - A segunda questão

    61. Tendo em conta a resposta - negativa - dada à primeira questão, não há motivo para responder à segunda, uma vez que o juiz de reenvio apenas pretende uma resposta à segunda no caso de resposta afirmativa à primeira. Considero definitivamente assente que o Verwaltungsgerichtshof não é competente para conhecer do litígio no processo principal. Assim sendo, a segunda questão não respeita a um litígio real, pelo que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não lhe compete responder a questões que lhe são colocadas nestas circunstâncias.

    VI - Conclusão

    62. Tendo em conta as considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões colocadas pelo Verwaltungsgerichtshof da seguinte forma:

    «1) Considerando que o artigo 5.° -A, n.° 3, da Directiva 90/387/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa à realização do mercado interno dos serviços de telecomunicações mediante a oferta de uma rede aberta de telecomunicações, na redacção dada pela Directiva 97/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997, não foi transposto para o direito nacional, ou não foi transposto na totalidade, os particulares não podem deduzir o seu direito de recurso directamente da directiva para uma instância independente. Se a legislação nacional exclui expressamente esse direito de recurso, esse direito também não pode ser baseado no princípio de uma interpretação em conformidade com a directiva.

    2) Não há que responder à segunda questão.»

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