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Document 61999CC0223

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 30 de Janeiro de 2001.
    Agorà Srl e Excelsior Snc di Pedrotti Bruna & C. contra Ente Autonomo Fiera Internazionale di Milano e Ciftat Soc. coop. arl.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia - Itália.
    Contratos públicos de serviços - Noção de entidade adjudicante - Organismo de direito público.
    Processos apensos C-223/99 e C-260/99.

    Colectânea de Jurisprudência 2001 I-03605

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:65

    61999C0223

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 30 de Janeiro de 2001. - Agorà Srl e Excelsior Snc di Pedrotti Bruna & C. contra Ente Autonomo Fiera Internazionale di Milano e Ciftat Soc. coop. arl. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia - Itália. - Contratos públicos de serviços - Noção de entidade adjudicante - Organismo de direito público. - Processos apensos C-223/99 e C-260/99.

    Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-03605


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1. Os dois pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Itália) - no contexto dos procedimentos de adjudicação lançados pela sociedade de feiras milanesa Ente Autonomo Fiera Internazionale di Milano (a seguir «Ente Fiera» ) - versam sobre a interpretação da noção de «organismo de direito público» no sentido do artigo 1.° , alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços . As partes estão em desacordo, em particular, sobre o que se entende por «criado com o objectivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial».

    II - Quadro jurídico

    A - A Directiva 92/50

    2. As disposições pertinentes do artigo 1.° da Directiva 92/50 são as seguintes:

    «Para os fins da presente directiva:

    [...]

    b) São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

    Considera-se organismo de direito público qualquer organismo:

    - criado com o objectivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial,

    e

    - dotado de personalidade jurídica,

    e

    - financiado maioritariamente pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, ou submetido a um controlo de gestão por parte dessas entidades, ou que tenha um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cujos membros são, em mais de 50 %, designados pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

    As listas dos organismos e das categorias de organismos de direito público que preenchem os critérios referidos no segundo parágrafo do presente número constam do anexo I da Directiva 71/305/CEE. Essas listas são tão completas quanto possível e poderão ser revistas nos termos do processo previsto no artigo 30.° -B da citada directiva.

    [...]»

    B - O acto de transposição no direito italiano

    3. A Directiva 92/50 foi transposta para o direito italiano pelo Decreto legislativo n.° 157, de 17 de Março de 1995 (a seguir «Decreto legislativo n.° 157/95»). A noção de «organismo de direito público» contida na Directiva 92/50 foi integrada no artigo 2.° do decreto legislativo.

    C - Os estatutos do Ente Fiera

    4. O Ente Fiera foi criado nos inícios do século XX, sob a forma de um comité, no sentido do direito civil italiano. Os capitais foram fornecidos, no essencial, por comerciantes. Pelo Regio Decreto n.° 919 de 1 de Julho de 1922, foi transformada numa pessoa colectiva de direito privado.

    5. O Ente Fiera tem a seu cargo a organização da Feira internacional de Milão. No momento do pedido de decisão prejudicial, as disposições pertinentes dos seus estatutos eram as seguintes:

    «Artigo 1.° - Objecto

    1. O Ente Autonomo Fiera Internazionale di Milano (a seguir Ente), com sede em Milão, Largo Domodossola, n.° 1, constituído pelo Decreto real n.° 919, de 1 de Julho de 1922, declarado Ente Fieristico Internazionale (organismo organizador de feiras internacionais) pelo Decreto do Presidente da República Italiana n.° 616, de 24 de Julho de 1977, tem por objecto exercer e promover toda a actividade com vista à organização de feiras e exposições, de congressos e de qualquer outra iniciativa que, favorecendo as trocas comerciais, permita a mostra da produção de bens e serviços e, eventualmente, a sua venda. O Ente não prossegue nenhum fim lucrativo e exerce actividades de interesse público. Funciona segundo os princípios do código civil.

    2. A gestão do Ente assenta em critérios de rendimento, eficácia e rentabilidade.

    3. O Ente pode efectuar todas as operações não proibidas pela lei e pelos estatutos, incluindo as operações financeiras, os empréstimos e a constituição de garantias comerciais mobiliárias e imobiliárias para a realização do seu objecto; por outro lado, pode constituir sociedades e organismos com um objecto análogo ou relacionado com o seu próprio objecto, assim como adquirir participações nas referidas sociedades ou organismos [...]

    [...]

    Artigo 3.° - Os meios de realização do objecto

    1. O Ente prossegue a realização do objecto para o qual foi constituído com as receitas do exercício da sua actividade, da administração, mesmo extraordinária, e da gestão do seu património, bem como por meio das contribuições de pessoas colectivas ou singulares.

    [...]»

    Nos termos do artigo 5.° dos estatutos, o presidente do Ente Fiera é nomeado por decreto do Presidente da República e os vice-presidentes e secretário-geral por despacho do Ministro da Indústria (artigo 10.° dos estatutos).

    Nos termos do artigo 6.° , mais de metade do Consiglio Generale, competente para definir as orientações do Ente (v. artigo 7.° dos estatutos) é composto por representantes do Estado Central, da Região da Lombardia, da província de Milão e da cidade de Milão; os outros membros são representantes de diversos sectores económicos e dos trabalhadores.

    De acordo com o artigo 15.° dos estatutos, o Ente encontra-se submetido ao controlo do Ministro da Indústria.

    Nos termos do artigo 16.° , n.° 1, o Ministro da Indústria pode confiar a direcção do Ente a um comissário, quando o funcionamento da administração geral não se encontre garantido ou quando sejam constatadas graves irregularidades. Conforme o n.° 2 desta disposição, o Ministro da Indústria pode colocar o Ente Fiera em liquidação logo que os objectivos deste organismo deixem de poder ser atingidos ou por razões de interesse público.

    III - Os factos nos processos principais

    A - Os factos no processo C-223/99

    6. A sociedade Agorà Srl (a seguir «Agorà») apresentou ao Ente Fiera, em 24 de Dezembro de 1997, um pedido nos termos do artigo 25.° da Lei italiana n.° 241, de 7 de Agosto de 1990 . A Agorà queria obter a entrega dos documentos relativos a um processo de adjudicação de um contrato público de serviços relativo à locação de módulos de equipamento e elementos de decoração para zonas de recepção e pontos de informação, mencionado num aviso de 2 de Agosto de 1997.

    7. Por decisão de 5 de Janeiro de 1998, o Ente Fiera recusou a entrega dos documentos em questão. Com efeito, justificou esta decisão alegando que, não sendo uma pessoa colectiva de direito público, não tinha que respeitar os imperativos de transparência impostos pela regulamentação dos contratos públicos.

    8. A Agorà impugnou esta decisão perante a jurisdição de reenvio em 23 de Janeiro de 1998. Por decisão de 3 de Março de 1998, este tribunal deu provimento ao recurso, declarando que o Ente Fiera devia entregar à Agorà a totalidade dos documentos relativos ao desenrolar do processo de adjudicação.

    9. O Ente Fiera recorreu desta decisão para o Consiglio di Stato. No seu acórdão de 8 de Julho de 1998, a Sexta Secção desta última jurisdição constatou a existência de um vício que afectava a totalidade do processo da primeira instância e, por isso, remeteu o processo à jurisdição de reenvio.

    10. Por requerimento de 19 de Outubro de 1998, a Agorà pediu mais uma vez que o seu pedido fosse deferido. Alegava que a questão litigiosa de aplicabilidade do regime dos contratos públicos de serviços devia ser submetida ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial.

    11. De acordo com a jurisdição de reenvio, a validade da tese da Agorà, segundo a qual o Ente Fiera devia respeitar os imperativos de transparência consagrados pela Lei italiana n.° 241, está subordinada à qualificação do Ente Fiera como entidade adjudicante. Neste contexto, refere-se às divergências de interpretação existentes entre certas jurisdições italianas no que concerne ao artigo 2.° do Decreto legislativo n.° 157/95 e o artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50. Por um lado, tanto o Consiglio di Stato, no seu acórdão n.° 354, de 21 de Abril de 1995, como a jurisdição de reenvio, na sua sentença n.° 1365, de 17 de Novembro de 1995, constataram que o Ente Fiera preenchia os requisitos para ser qualificado «organismo de direito público» no sentido da Directiva 92/50. Por outro lado, no seu acórdão n.° 1267, de 16 de Setembro de 1998, o Consiglio di Stato havia modificado a sua jurisprudência. De acordo com este acórdão, o Ente Fiera prosseguia uma actividade de carácter económico e não podia pois ser qualificado «organismo de direito público» no sentido da Directiva 92/50.

    12. O Ente Fiera juntou este acórdão do Consiglio di Stato no anexo 3 do seu escrito de 5 de Novembro de 1999. O Consiglio di Stato fundamenta a qualificação atribuída ao Ente Fiera afirmando que a promoção indirecta da economia resultante da sua actividade de organizador de feiras não é suficiente para considerar que ele assume uma actividade de interesse geral de «carácter não económico». Sendo certo que a actividade do Ente Fiera tem uma componente de interesse geral, à semelhança das actividades bancárias e das prestações de serviços de telecomunicações, a organização de feiras era substancialmente uma actividade comercial, ligada à publicidade e à comercialização de produtos e de serviços e complementava a produção industrial .

    13. Entretanto, a Corte di cassazione confirmou, em recurso, o acórdão do Consiglio di Stato. Agarrou-se à tese de que o Ente Fiera assume tarefas de interesse geral com carácter comercial. Ao organizar feiras e exposições assegura a promoção das actividades económicas e comerciais dos expositores. Por outro lado, entra em concorrência com os outros organizadores de feiras. A inexistência de fim lucrativo não constitui obstáculo a esta qualificação. Com efeito, o Ente Fiera tenta, pelo menos, cobrir as despesas em que incorre e as eventuais perdas através das receitas .

    B - Os factos no processo C-260/99

    14. Por aviso publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 29 de Julho de 1997, o Ente Fiera lançou um concurso limitado para adjudicação do serviço de limpeza do recinto da feira por um período compreendido entre o dia 1 de Janeiro e o dia 31 de Dezembro de 1998, com possibilidade de prorrogação de dois anos.

    15. A sociedade Excelsior Snc (a seguir «Excelsior») participou no concurso de adjudicação para os lotes 2 a 5. No termo do processo de concurso, o terceiro lote foi atribuído ao consórcio Miles. Este ocupava a terceira posição na lista; os dois primeiros candidatos haviam sido excluídos pelo Ente Fiera. A Excelsior ocupava o quinto lugar.

    16. Ulteriormente, o Ente Fiera anulou a adjudicação à Miles, em virtude de uma falta grave desta última. Pelo período de 13 de Fevereiro a 30 de Junho de 1998, a adjudicação foi confiada a título provisório à Ciftat que, no procedimento anterior, tinha sido classificada em sétimo lugar da lista. No dia 7 de Março de 1998, um novo aviso de concurso foi publicado no Jornal Oficial, relativo ao lote em questão, para o período compreendido entre o dia 1 de Julho e o dia 31 de Dezembro de 1998, com possibilidade de prorrogação por dois anos suplementares.

    17. Nos dias 10 e 11 de Abril de 1998, a Excelsior apresentou na jurisdição de reenvio dois recursos, respectivamente, contra a atribuição temporária do serviço de limpeza em questão à Ciftat e contra o novo concurso deste serviço publicado no Jornal Oficial de 7 de Março de 1998.

    18. O Ente Fiera excepcionou a incompetência da jurisdição administrativa para as questões levantadas no caso concreto. Com efeito, não sendo «um organismo de direito público», não teria que respeitar as disposições comunitárias e nacionais relativas à adjudicação dos contratos públicos de serviços.

    19. A jurisdição de reenvio julga indispensável, para poder determinar o tribunal competente, apurar se o Ente Fiera pode ser qualificado «organismo de direito público» nos termos do artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50.

    IV - As questões prejudiciais e o processo no Tribunal de Justiça

    20. Considerando as circunstâncias de facto acima descritas, a jurisdição de reenvio apresentou ao Tribunal de Justiça a questão seguinte, cujos termos são idênticos nos dois processos:

    «A noção de organismo de direito público constante do artigo 1.° , alínea b), da Directiva CE 92/50/CEE, de 18 de Junho de 1992, poderá ser aplicada ao Ente Autonomo Fiera Internazionale di Milano?»

    21. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1999, os processos C-223/99 e C-260/99 foram apensados para efeitos de procedimento escrito e oral e de acórdão, conforme o artigo 43.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    V - As observações das partes

    22. Segundo a sociedade Agorà, demandante no processo principal no processo C-223/99, o Ente Fiera satisfaz «necessidades de interesse geral». Isso resulta tanto dos seus estatutos como da regulamentação nacional relativa às suas funções e actividades. A organização de feiras é de interesse geral e beneficia um grupo de pessoas de tal forma vasto que coincide com a totalidade dos cidadãos.

    23. Por outro lado, o Ente Fiera foi criado para satisfazer «especificamente» necessidades de interesses geral. Para justificar esta conclusão basta que o Ente Fiera prossiga os seus interesses de forma institucional. O facto de, inicialmente, ter sido criado como um comité de direito privado é irrelevante.

    24. A Agorà considera, igualmente, que o Ente Fiera satisfaz necessidades de interesse geral sem «carácter industrial e comercial». A noção de carácter «industrial ou comercial» de uma actividade é sinónimo de actividade estritamente privada do organismo em questão. Ora, para ter este carácter privado é fundamental que a actividade cumpra o critério da maximização dos lucros.

    25. Todavia, de acordo como o artigo 1.° dos seus estatutos, o Ente Fiera não prossegue nenhuma actividade com carácter lucrativo. Consequentemente, não está garantido que oriente as suas decisões por critérios exclusivamente económicos.

    26. Por acréscimo, os direitos de controlo dos poderes públicos sobre as actividades do Ente Fiera excluem que este último opere no mercado em função de considerações exclusivamente económicas. Graças ao controlo da organização de feiras em geral, as sociedades de feiras seriam, no seu todo, susceptíveis de ser privilegiadas em relação às suas concorrentes.

    27. O facto do Ente Fiera estar submetido às disposições do código civil não exclui, de maneira nenhuma, segundo a Agorà, que possa ser qualificado «organismo de direito público».

    28. Finalmente, a Agorà alega que o Ente Fiera, até à mudança da orientação da jurisprudência do Consiglio di Stato, em 1998, sempre havia respeitado as disposições comunitárias relativas à adjudicação de contratos públicos.

    29. A demandante no processo principal no processo C-260/99, a sociedade Excelsior, considera que a noção de «organismo de direito público» deve ser definida em função do objectivo prosseguido pelas disposições de direito europeu em matéria de adjudicação de contratos públicos. Estas disposições visam evitar que os Estados-Membros favoreçam as empresas nacionais em detrimento das dos outros Estados-Membros. Para evitar que este objectivo se frustre, a noção de «entidade adjudicante», que determina o campo de aplicação das disposições correspondentes, não foi definida de forma taxativa; pelo contrário, foi introduzida a noção mais flexível de «organismo de direito público».

    30. Segundo a Excelsior, a ausência de carácter industrial ou comercial deve dizer respeito, não ao organismo, mas às «necessidades de interesse geral» para a satisfação das quais foi criado. Esta condição é cumprida pelos organismos cuja actividade se destina a satisfazer as necessidades de interesse geral que não se referem a bens e serviços procurados por consumidores finais. É-o igualmente por aqueles que prosseguem fins públicos que não se concretizam por um benefício individual e que não permitem, por consequência, uma discriminação fundada no mecanismo dos preços. As actividades do Ente Fiera não têm carácter industrial ou comercial, uma vez que não fornece as suas prestações directamente ao consumidor individual, sendo a sua função, ao contrário, promover e coordenar as actividades económicas de outrem. Acresce que, a actividade do Ente Fiera não tem por fim a obtenção de lucros.

    31. O Ente Fiera alega, a título liminar, a inadmissibilidade do pedido prejudicial no processo C-223/99. O litígio principal refere-se simplesmente à aplicabilidade das disposições italianas em matéria de transparência e não da regulamentação comunitária dos contratos públicos. A eventual classificação do Ente Fiera como «organismo de direito público» no sentido da Directiva 92/50 não tem, pois, nenhuma incidência sobre o litígio principal, que concerne ao direito de acesso aos documentos administrativos.

    32. Relativamente ao mérito da questão, o Ente Fiera realça que só um dos critérios constitutivos da noção de «organismo de direito público» era incontestavelmente preenchido, a saber, a «personalidade jurídica». Ao invés, considera que não pode ser submetido ao controlo da autoridade pública. Os poderes de controlo muito limitados atribuídos pela legislação nacional ao Estado são semelhantes àqueles que existem igualmente quanto às fundações e outras actividades económicas exclusivamente privadas. O Estado apenas conserva um poder residual de tutela geral e de coordenação da organização das feiras. Quanto ao resto, a organização de tais feiras está confiada a diversas entidades de direito público e privado sem que o Estado intervenha. Por outro lado, o Ente Fiera não constitui objecto de nenhum controlo contabilístico por parte do Estado e este último não dispõe de nenhuma participação financeira no seu capital.

    33. O Ente Fiera exerce exclusivamente actividades de carácter económico. Isto resulta do facto de não intervir a título gratuito mas em troca de pagamento da parte das sociedades que querem recorrer aos seus serviços. O facto de a sua actividade não visar a realização de lucros significa simplesmente que os excedentes não são distribuídos, mas integrados no património. Assim, o Ente Fiera é capaz de auto financiar a sua actividade. Acresce que, o facto de preencher funções de interesse geral é desprovido de pertinência, pois que estas últimas são, em todo caso, de carácter industrial ou comercial.

    34. Finalmente, entra em concorrência com um número crescente de operadores económicos. De acordo com a jurisprudência, este é um outro indício de não se ocupar em satisfazer «necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial». Tendo em conta a concorrência, se o Ente Fiera não organizasse as suas actividades segundo critérios económicos, os seus resultados económicos só poderiam ser negativos. Ora, os balanços apresentam resultados financeiros positivos.

    35. Também a Comunicação interpretativa da Comissão relativa à aplicação das regras do mercado interno ao sector das feiras e exposições (a seguir «comunicação interpretativa») confirma que a organização de feiras é uma actividade económica.

    36. Por fim, o Ente Fiera observa ainda que o facto de ter querido respeitar as disposições comunitárias relativas à adjudicação de contratos públicos não pode justificar nenhuma conclusão quanto à aplicabilidade dessas disposições à sua actividade.

    37. Nas suas observações escritas, a Comissão exprime dúvidas quanto a saber se o Ente Fiera assume verdadeiramente a satisfação de necessidades de interesse geral. A missão específica do Ente Fiera é promover os interesses de um grupo de pessoas determinado, a saber, os operadores económicos. Os interesses desta categoria, se bem que vastos, mas no entanto bem delimitados, não podem equiparar-se ao interesse geral.

    38. Segundo a Comissão, o objecto do Ente Fiera demonstra que ele prossegue a satisfação de necessidades de carácter estritamente industrial ou comercial. Resulta do artigo 1.° dos seus estatutos que as necessidades que o Ente Fiera deve satisfazer especificamente são inerentes à mostra e eventual comercialização dos bens ou serviços oferecidos pelos operadores económicos no quadro da feira. O ponto de vista de que a promoção e o encorajamento de certos sectores económicos e produtivos bem como da actividade de outros operadores económicos não corresponde a uma necessidade industrial ou comercial quando conduzem à satisfação de uma procura de consumidores particulares é demasiadamente estrito e contrário à directiva.

    39. Por outro lado, o Ente Fiera foi igualmente constituído com o objectivo particular de satisfazer os interesses industriais ou comerciais acima descritos. Foi criado no início do século XX para responder às necessidades tradicionais e espontâneas dos operadores económicos.

    40. As características da actividade e do modo de funcionamento do Ente Fiera confirmam, aos olhos da Comissão, que o mesmo exerce uma actividade industrial ou comercial. É certo que este organismo não prossegue um fim lucrativo. Mas isso significa simplesmente que os seus lucros não são distribuídos integrando-se no seu património. Por outro lado, a gestão do Ente obedece a critérios de rendimento, eficácia e rentabilidade e o seu financiamento é assegurado por receitas que obtém do exercício da sua actividade. Por este motivo, o Ente Fiera obtém lucros que reinveste com vista a assegurar a sua autonomia financeira.

    41. Por outro lado, no quadro da organização e da direcção das feiras, o Ente Fiera entra em concorrência com os outros organizadores e instituições privadas, de maneira que não beneficia de nenhum privilégio deste ponto de vista. Segundo a jurisprudência, isto constitui um índice do carácter industrial ou comercial das suas actividades. Certo é que a existência de concorrência não é suficiente, por si só, para excluir que o organismo em questão se deixe guiar por considerações não económicas. Contudo, nos termos do artigo 1.° dos seus estatutos, o Ente Fiera deve submeter a sua actividade aos critérios de rendimento, eficácia e rentabilidade. Associado à existência de concorrência no mercado correspondente, este facto justifica a natureza económica ou comercial das suas actividades.

    42. A Comissão também se refere à sua «comunicação interpretativa». Esta última confirma que o Ente Fiera exerce a sua actividade em troca de remuneração, num quadro de concorrência.

    VI - A tomada de posição

    A - A admissibilidade do pedido prejudicial no processo C-223/99

    43. A admissibilidade do pedido prejudicial no processo C-260/99 não foi posta em questão. Ao invés, o Ente Fiera excepcionou a inadmissibilidade da questão prejudicial no processo C-223/99, com o motivo de que a questão posta dizia respeito não ao direito comunitário mas ao direito italiano.

    44. Como realçámos nos desenvolvimentos acima feitos, relativos às disposições aplicáveis ao caso concreto, a noção comunitária de «organismo de direito público» foi integrada no direito italiano aquando da transposição da Directiva 92/50 . Segundo a jurisdição de reenvio, a interpretação desta noção é determinante para a aplicação das disposições jurídicas relativas à transparência da actividade administrativa, a saber, a Lei n.° 241, de 7 de Agosto de 1990. A questão posta concerne, portanto, à interpretação da noção de «organismo de direito público» no sentido da Directiva 92/50. Trata-se pois de interpretar o direito comunitário derivado e o objecto do pedido prejudicial é lícito de acordo com o artigo 234.° CE.

    45. Quanto a saber em que medida a questão colocada é necessária para decidir no processo principal, é um ponto que depende da apreciação da jurisdição de reenvio e que o Tribunal de Justiça carece de competência para apreciar . Uma excepção a este princípio pode ser encarada quando, manifestamente, não existe nenhum vínculo entre a questão colocada e o litígio principal ou quando as questões colocadas têm um carácter geral ou hipotético . Mas não há lugar a apreciar esta forma de inadmissibilidade da questão no processo C-223/99. O despacho de reenvio sublinha, com efeito, que a eventual atribuição ao Ente Fiera da qualificação de «organismo de direito público» no sentido do artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50 acarretava a obrigação deste de respeitar as regras italianas de transparência que são postas em causa no processo principal . O pedido prejudicial no processo C-223/99 é, pois, admissível.

    B - Interpretação do artigo 1.° da Directiva 92/50

    46. Para que o Ente Fiera possa ser considerado uma entidade adjudicante falta, de acordo com o artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50, que os três critérios seguintes sejam preenchidos. O Ente Fiera deve ter personalidade jurídica, estar submetido ao controlo do Estado e ter sido criado especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial. Segundo a jurisprudência, estas três condições são cumulativas .

    1. A personalidade jurídica do Ente Fiera.

    47. O Decreto real italiano de 1 de Julho de 1992 transformou o Ente Fiera de iniciativa («iniziativa»), numa pessoa colectiva («ente morale»). Tem personalidade jurídica em virtude das disposições combinadas dos artigos 1.° , n.° 1, terceira frase, e 3.° dos seus estatutos tomados em conjugação com o decreto real. A condição imposta pelo artigo 1.° , alínea b), segundo travessão, da Directiva 92/50 está, por consequência, preenchida.

    2. A influência do Estado e das autarquias sobre o Ente Fiera.

    48. Mais de metade do conselho de administração do Ente Fiera é composto de representantes dos ministérios do Estado central e das administrações regionais e municipais (artigo 6.° dos estatutos); O seu presidente é nomeado pelo Presidente da República (artigo 5.° , n.° 1, dos estatutos). A designação do vice-presidente incumbe ao Ministro da Indústria (artigo 5.° , n.° 3, dos estatutos). Os órgãos de direcção do Ente Fiera são, pois, designados pelo Estado e pelas autarquias. Por outro lado, em virtude do artigo 15.° dos seus estatutos, ele é controlado pelo Ministro da Indústria, que pode ir ao ponto de o colocar em liquidação em virtude do artigo 16.° Portanto, a sua gestão está, nesta medida, submetida ao controlo do Estado. Toda a eventual dúvida a este respeito é excluída pela jurisprudência Connemara Machine Turf, que se contenta mesmo com um controlo indirecto do Estado . É certo que as competências do Governo central no que concerne ao Ente Fiera foram transferidas, por decreto do Conselho de Ministros de 7 de Julho de 1999 , para o Governo da Região da Lombardia. Mas este último é igualmente uma autarquia, de forma que os órgãos de direcção do Ente Fiera continuam a ser nomeados pelas autarquias, que lhe controlam igualmente a actividade, conforme o artigo 1.° , alínea b), terceiro travessão, da Directiva 92/50.

    3. Criação para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial

    49. Portanto, e conforme as observações da jurisdição de reenvio, a resposta à questão de saber se o Ente Fiera é um «organismo de direito público» no sentido do artigo 1.° da Directiva 92/50 depende simplesmente de saber se foi criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial [artigo 1.° , alínea b), primeiro travessão, da Directiva 92/50].

    a) A criação para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral

    50. Deve, de qualquer forma, examinar-se se o Ente Fiera foi criado com o fim específico de satisfazer «necessidades de interesse geral» no sentido do artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50.

    51. Nos termos do artigo 1.° dos seus estatutos, o Ente Fiera «[...] tem por objecto desenvolver e fomentar qualquer actividade visando a organização de feiras e congressos e qualquer outra iniciativa que, favorecendo o intercâmbio, promova a apresentação da produção de bens e serviços e eventualmente a sua venda». O Ente Fiera foi, pois, criado com o objectivo de organizar feiras e congressos. A questão é saber se esta função é cumprida no interesse geral.

    52. A satisfação das necessidades de interesse geral parece resultar, a priori, dos termos do artigo 1.° , n.° 1, segunda frase, dos estatutos do Ente. De acordo com esta estipulação, o Ente não prossegue nenhum fim lucrativo e exerce as suas actividades no interesse público.

    53. O facto de que organização de feiras e exposições é uma actividade de interesse geral não é contestado pelas partes no processo principal. Na sua jurisprudência supracitada, o Consiglio di Stato e a Corte suprema di cassazione confirmam que o Ente Fiera cobre as necessidades de interesse geral. Só a Comissão dúvida que esta condição seja preenchida. Em apoio da sua tese, realça que a actividade do Ente Fiera serve os interesses de um grupo restrito de pessoas.

    54. Não parece que o Tribunal de Justiça tenha, até ao momento, abordado na sua jurisprudência sobre os contratos públicos a questão de saber em que medida a organização de feiras pode constituir uma actividade que abrange uma necessidade de interesse geral. Foram consideradas como abrangendo necessidades de interesse geral as actividades seguintes: a fabricação de documentos oficiais, como os passaportes, as cartas de condução e os bilhetes de identidade , a recolha e tratamento de esgotos , a conservação das florestas nacionais e da indústria florestal , assim como a gestão de uma universidade . Em acréscimo, o advogado-geral N. Fennelly considerou como abrangendo necessidades de interesse geral a gestão das redes públicas de telecomunicações e o fornecimento de serviços públicos de comunicação , ao passo que o advogado-geral J. Mischo considerou que os «Offices publics d'aménagement et de construction» assim como uma «Société anomyme d'habitations à loyer modéré» também operam no interesse geral .

    55. Os exemplos supracitados dizem, de facto, respeito a actividades acessíveis a todos. Contudo, certas prestações, como a frequência de uma universidade, podem ser reservadas a pessoas determinadas, isto é, àquelas que preenchem as condições de acesso. Da mesma maneira, os alojamentos sociais só são entregues a pessoas necessitadas. A comparação entre estas actividades e a organização de feiras mostra que estas últimas podem também, em certos casos, por exemplo nas feiras profissionais, ser reservadas a um público determinado. Mas qualquer pessoa pode ser expositor, desde que preencha as condições colocadas pelo organizador, como, por exemplo, fazer parte do sector económico a que a feira é consagrada. Contrariamente ao ponto de vista da Comissão, não parece que se justifique retirar do carácter restrito do círculo de beneficiários directos da feira a conclusão de que a organização de feiras não cobre nenhuma necessidade de interesse geral. Da mesma forma que o público beneficia das pesquisas efectuadas na universidade, e da sua contribuição para o estado geral dos conhecimentos, também a feira contribui para reunir os fabricantes e os comerciantes em benefício dos consumidores, que podem, por exemplo, adquirir os produtos junto dos retalhistas e grossistas que tomaram conhecimento dos mesmos por ocasião dessa feira. Como a Comissão sublinhou na sua comunicação interpretativa sobre o sector das feiras e exposições, estas feiras e exposições constituem «um instrumento de promoção das vendas» que responde a «uma necessidade crescente de um processo de comunicação e de informação que permita a optimização das escolhas do consumidor» . O carácter restrito do círculo de participantes não se opõe pois à conclusão de que a organização de feiras satisfaz uma necessidade de interesse geral.

    56. Por ora, podemos, pois, concluir que o Ente Fiera satisfaz necessidades de interesse geral.

    b) A natureza das necessidades satisfeitas pelo Ente Fiera

    57. Para que o Ente Fiera possa ser considerado organismo de direito público, as necessidades que satisfaz não devem ter um carácter «industrial ou comercial». É a interpretação e aplicação deste critério que constitui o verdadeiro objecto do litígio principal entre as partes. Segundo as demandantes, o Ente Fiera não tem uma actividade industrial ou comercial, ao passo que o próprio Ente Fiera e a Comissão consideram que a organização de feiras é uma actividade puramente comercial. Este último ponto de vista é partilhado pelo Consiglio di Stato e pela Corte suprema di cassazione.

    58. Aparentemente, o Tribunal de Justiça não se pronunciou por ora sobre o critério das necessidades «sem carácter industrial ou comercial» a não ser no processo BFI Holding. Declarou que «resulta da redacção do artigo 1.° , alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 92/50, nas suas diferentes versões linguísticas, que a ausência de carácter industrial ou comercial é um critério que se destina a precisar o conceito das necessidades de interesse geral na acepção dessa disposição» . Em apoio desta tese, invocou principalmente a eficácia prática da disposição. Com efeito, «[...] se o legislador comunitário tivesse considerado que todas as necessidades de interesse geral têm um carácter que não é industrial ou comercial, não o teria especificado, uma vez que, nesta perspectiva, esse segundo elemento da definição não teria qualquer utilidade» .

    59. Falta pois atentar na tese da Comissão de que o critério das necessidades «sem carácter industrial ou comercial» visa delimitar mais precisamente a noção de necessidades de interesse geral. A questão é, contudo, saber de que maneira se podem distinguir as necessidades de interesse geral «de carácter industrial ou comercial» daquelas que não o são e se as actividades de organização de feiras do Ente Fiera são ou não «de carácter industrial ou comercial».

    60. A Agorà afirma o carácter «não industrial ou comercial» da actividade do Ente Fiera apoiando-se, antes de mais, no artigo 1.° , n.° 1, segunda frase, dos estatutos deste organismo, segundo o qual o Ente Fiera não prossegue nenhum fim lucrativo («L'Ente non ha fini di lucro [...]»). Este argumento pode ser aceite, ao menos na medida em que uma actividade industrial ou comercial visa, em princípio, a obtenção de lucro.

    61. A conclusão retirada destas disposições é corroborada pelo artigo 16.° dos estatutos do Ente Fiera. Nos termos do n.° 1 desta disposição, o Ministro da Indústria pode confiar a direcção do Ente Fiera a um comissário quando o funcionamento da administração geral já não está assegurado ou são detectadas graves irregularidades. Acresce que o mesmo ministro pode, em virtude do n.° 2 desta disposição, colocar o Ente Fiera em liquidação logo que os seus objectivos deixem de poder ser cumpridos ou que razões de interesse público o exijam. Ora, a possibilidade de uma liquidação por razões de interesse público é dificilmente conciliável com a tese da criação do Ente com vista à satisfação de necessidades de carácter industrial ou comercial. Com efeito, numa empresa que efectua operações de carácter industrial ou comercial, a liquidação surge em caso de cessação de pagamentos ou porque o proprietário deixa de ter interesse em prosseguir a actividade da empresa. O primeiro caso obedece a imperativos estritamente económicos e o segundo resulta do poder de disposição do proprietário. O artigo 16.° , n.° 2, dos estatutos poderia pois ser um indício a favor da tese de que o Ente satisfaz em primeiro lugar as necessidades de interesse geral sem carácter «industrial ou comercial».

    62. Ao invés, a Comissão e o Ente Fiera apoiam a tese do carácter industrial ou comercial das actividades do Ente Fiera, em primeiro lugar, na comunicação interpretativa da Comissão relativa ao sector das feiras e exposições. Daí resulta que a organização de feiras e exposições é uma actividade industrial ou comercial. A argumentação do Consiglio di Stato de que a organização de feiras e exposições se insere na publicidade e na comercialização de produtos e serviços e é uma actividade complementar da produção das empresas vai no mesmo sentido . A Corte suprema di cassazione também vê na organização de feiras uma actividade «industrial ou comercial» porque constitui uma forma de apoio da actividade económica e comercial dos expositores.

    63. Na comunicação interpretativa da Comissão, as feiras e exposições são qualificadas como «manifestações com finalidade comercial» . Falta contudo sublinhar que o carácter industrial ou comercial da actividade dos expositores numa feira não acarreta necessariamente o carácter industrial ou comercial da feira em si mesma. É perfeitamente concebível que o organizador prossiga objectivos não industriais ou comerciais, por exemplo objectivos de desenvolvimento regional enquanto lugar de implantação de uma feira, ou a promoção do escoamento de produtos regionais ou locais, fornecendo-lhes uma montra de apresentação.

    64. A comunicação interpretativa da Comissão descreve, num plano geral, a actividade das feiras, constatando que elas são «uma expressão concreta do conceito de mercado» . Qualifica ainda as feiras como instrumento de promoção das vendas, complementar da publicidade, aproximando a oferta da procura de produtos e serviços expostos num ambiente favorável aos operadores. São a ocasião de os participantes melhorarem o seu conhecimento do mercado, de se definirem as novas tendências, de avaliar a situação dos concorrentes ou de estabelecer contactos . Não é contudo dito em nenhum lado que a organização de feiras é sempre, como tal, uma actividade «comercial». Pelo contrário, a comunicação exclui expressamente as medidas de carácter puramente privado tomadas por operadores económicos ou suas associações que desempenhem um papel no sector das feiras e exposições . É por isso que se pode questionar que esta comunicação se aplique às feiras organizadas de forma comercial. Isso é tanto mais duvidoso quando a comunicação visa simplesmente contribuir para que as medidas nacionais relativas à organização de feiras e exposições sejam compatíveis com os princípios de direito comunitário, principalmente em matéria de direito de estabelecimento, de livre prestação de serviços e de livre circulação de mercadorias . O facto de a comunicação excluir expressamente as medidas de carácter estritamente privado do seu campo de aplicação constitui um indício que corrobora a existência de feiras organizadas por razões não industriais ou comerciais. Portanto, a comunicação não permite em nada apoiar o carácter industrial ou comercial da actividade do Ente Fiera.

    65. Se o Consiglio di Stato não considera que o Ente Fiera possa ser considerado um organismo público, é igualmente motivado pelo facto de o seu objecto estar contido num acto de constituição de direito privado e dos seus capitais de partida lhe terem sido fornecidos pelos operadores económicos reunidos no seio do comité . Também este argumento não é convincente. O facto de o Ente Fiera ter sido criado por um acto de direito privado não permite concluir pelo carácter comercial das tarefas que ele assume. De acordo com a jurisprudência, «[...] para dar pleno efeito ao princípio da livre circulação, o conceito de entidade adjudicante deve ser interpretado de modo funcional [...] Esta necessidade opõe-se a que seja feita uma distinção segundo a forma jurídica das disposições que criam o organismo e que especificam as necessidades que ele deve satisfazer» . O facto de o Ente Fiera ter sido criado por um acto de direito privado não implica pois que assuma actividades de carácter industrial ou comercial.

    66. Segundo a Comissão e o Ente Fiera, a disposição supracitada relativa à ausência de fim lucrativo indica simplesmente que os lucros não são distribuídos mas sim reinvestidos. Por outro lado, importa neste contexto observar que, segundo o artigo 1.° , n.° 2, dos estatutos, a administração do Ente Fiera assenta em critérios de «rendimento, eficácia e rentabilidade», ao passo que o artigo 3.° , n.° 1, dos estatutos enuncia que o Ente Fiera deve prover à realização do objecto para que foi constituído com as receitas «do exercício da sua actividade».

    67. O facto de os lucros incontestavelmente realizados pelo Ente Fiera não serem distribuídos, mas reinvestidos, e de o Ente Fiera dever financiar as suas actividades, de acordo com o artigo 3.° dos seus estatutos, a partir das suas receitas, advoga finalmente a favor da tese do exercício de uma actividade de carácter industrial ou comercial. Os estatutos não contêm nenhuma disposição em virtude da qual as eventuais perdas possam ser cobertas pelos poderes públicos. O Ente Fiera suporta, pois, sozinho as consequências económicas e financeiras dos seus actos. Mas o facto de os estatutos não preverem nenhuma possibilidade de financiamento de perdas pela colectividade advoga bem a favor de uma actividade de carácter económico ou comercial. Uma tal actividade implica com efeito, entre outras características, que o empresário suporte os riscos dos seus actos.

    68. Falta acrescentar que o Ente Fiera entra em concorrência com outros organizadores, como sublinharam a Comissão e o próprio Ente Fiera. É sobre o mesmo argumento que se apoia, por outro lado, a decisão da Corte suprema di cassazione.

    69. A este propósito, deve relembrar-se que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a presença de concorrência é um indício do carácter económico ou comercial da actividade em questão. É certo que esta circunstância não é suficiente para excluir a possibilidade de uma actividade «sem carácter industrial ou comercial» . Combinada com o facto de o Ente Fiera suportar sozinho o risco financeiro das suas operações, ela advoga a favor do carácter industrial ou comercial das suas actividades. A pressão exercida pela concorrência torna improvável que o Ente Fiera se deixe guiar nas suas decisões por outras considerações que não económicas.

    70. O objectivo da Directiva 92/50, que é «excluir o risco de que seja dada preferência aos proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicação de empreitada efectuada pelas entidades adjudicantes» , também não impõe a inclusão do Ente Fiera no círculo dos «organismos de direito público» vinculados pelas regras em matéria de adjudicação de contratos públicos. Para realizar o objectivo da directiva de forma eficaz, a noção de «organismo de direito público» deve receber uma interpretação funcional . Em consequência, para dizer se uma instituição preenche os requisitos do artigo 1.° , alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 92/50, falta ainda colocar a questão de saber se os contratos que ela atribui envolvem um risco de discriminação dos concorrentes em razão da sua nacionalidade.

    71. De facto, de acordo com o regime de financiamento previsto nos seus estatutos, o Ente Fiera deve, em princípio, obedecer a considerações estritamente económicas. Este risco financeiro é típico das actividades de uma empresa. As empresas que abrangem necessidades de interesse geral sem carácter «industrial ou comercial», têm sempre, em princípio, para poder garantir a realização das suas tarefas, a possibilidade de fazer suportar as suas perdas eventuais pelos poderes públicos, a fim de evitar que as suas tarefas «sem carácter industrial ou comercial» se tornem impossíveis de assumir.

    72. A despeito da ausência de fim lucrativo e das ligações estreitas com o Estado, o facto de o risco financeiro e económico ser suportado exclusivamente pelo Ente Fiera exclui qualquer risco de, aquando de uma adjudicação de um contrato, ser tentado a favorecer os prestadores de serviços nacionais.

    73. Em resumo, podemos concluir que, de acordo com os estatutos, o Ente Fiera foi criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com carácter industrial ou comercial. Portanto, as condições a reunir para a qualificação de «organismo de direito público» no sentido do artigo 1.° , alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 92/50 não estão preenchidas no caso de uma instituição como o Ente Fiera.

    VII - Conclusão

    74. Portanto, propomos que se responda à questão prejudicial nos seguintes termos:

    «A noção de organismo de direito público visada no artigo 1.° , alínea b), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, não engloba os organismos que, se bem que prossigam interesses gerais, desprovidos de fins lucrativos e estreitamente ligados a autarquias locais de direito público, são, à semelhança do Ente Autonoma Fiera Internazionale di Milano, financiados exclusivamente por meio do seu património e das suas receitas e suportam só o risco económico e financeiro da sua actividade, sem nenhuma possibilidade de compensação das perdas financeiras pelos poderes públicos.»

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