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Document 61999CC0205

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 30 de Novembro de 2000.
Asociación Profesional de Empresas Navieras de Líneas Regulares (Analir) e outros contra Administración General del Estado.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Supremo - Espanha.
Livre circulação de serviços - Cabotagem marítima - Condições de concessão e de manutenção de uma autorização administrativa prévia - Aplicação concomitante de imposição de obrigações de serviço público e de contrato de serviço público.
Processo C-205/99.

Colectânea de Jurisprudência 2001 I-01271

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:658

61999C0205

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 30 de Novembro de 2000. - Asociación Profesional de Empresas Navieras de Líneas Regulares (Analir) e outros contra Administración General del Estado. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Supremo - Espanha. - Livre circulação de serviços - Cabotagem marítima - Condições de concessão e de manutenção de uma autorização administrativa prévia - Aplicação concomitante de imposição de obrigações de serviço público e de contrato de serviço público. - Processo C-205/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-01271


Conclusões do Advogado-Geral


1. Neste processo prejudicial, o Tribunal Supremo (Espanha) solicita ao Tribunal de Justiça a interpretação do Regulamento (CEE) n.° 3577/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima) (a seguir «regulamento»), a fim de lhe permitir proferir uma decisão sobre a compatibilidade do Decreto espanhol n.° 1466/1997, de 19 de Setembro de 1997, relativo ao regime jurídico das linhas regulares de cabotagem marítima e dos transportes marítimos de interesse público (BOE n.° 226, de 20 de Setembro de 1997, p. 27712, a seguir «Decreto real n.° 1466»), com o referido regulamento.

O enquadramento jurídico

A - Direito comunitário

2. O regulamento dispõe no artigo 1.° , n.° 1, que,

«Com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1993, a liberdade de prestação de serviços de transporte marítimo dentro de um Estado-Membro (cabotagem marítima) aplicar-se-á aos armadores comunitários que tenham os seus navios registados num Estado-Membro...»

3. O artigo 2.° , n.° 3, define o que se entende por

«contrato de fornecimento de serviços públicos: um contrato celebrado entre as autoridades competentes de um Estado-Membro e um armador comunitário com o objectivo de fornecer ao público serviços de transporte adequados.

O contrato de fornecimento de serviços públicos pode incluir, em especial:

- serviços de transporte que satisfaçam normas estabelecidas de continuidade, regularidade, capacidade e qualidade,

- serviços de transporte complementares,

- serviços de transporte a preços e condições determinados, nomeadamente para determinadas categorias de passageiros ou para determinados itinerários,

- adaptações dos serviços às necessidades efectivas».

4. O n.° 4 deste mesmo artigo menciona o que se entende por «obrigações de serviço público»: as obrigações que, atendendo aos seus próprios interesses comerciais, o armador comunitário em questão não assumiria ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições.

5. O artigo 4.° do regulamento dispõe que:

«1. Um Estado-Membro pode celebrar contratos de fornecimento de serviços públicos ou impor obrigações de serviço público, como condição para a prestação de serviços de cabotagem, às companhias de navegação que participem em serviços regulares de, entre e para as ilhas.

...

2. Ao impor obrigações de serviço público, os Estados-Membros limitar-se-ão aos requisitos relativos aos portos a escalar, à regularidade, à continuidade, à frequência, à capacidade de prestação do serviço, às taxas a cobrar e à tripulação do navio.

Sempre que aplicável, qualquer compensação devida por obrigações de serviço público deve ser disponibilizada para todos os armadores comunitários.»

B - Direito nacional

6. O Decreto real n.° 1466 indica que as navegações de interesse público são todas as linhas regulares entre a península e as ilhas, linhas essas que ligam a península a Ceuta e a Melilla, bem como as linhas que ligam entre si os territórios não peninsulares.

7. O Decreto real n.° 1466 prevê três regimes diferentes:

- um regime de comunicação em relação à cabotagem peninsular (artigo 3.° ),

- um regime de contrato de interesse público (artigo 4.° ),

- um regime de concessão prévia de uma autorização administrativa (artigos 6.° e 8.° ).

8. A autorização administrativa prevista no Decreto real n.° 1466 é subordinada a duas condições:

- a exigência de estar em dia no pagamento das suas obrigações fiscais e de segurança social (artigo 6.° ),

- requisitos quanto à regularidade, continuidade, capacidade de prestação do serviço, tripulação e, eventualmente, quanto aos portos a escalar, à frequência e, sendo caso disso, às taxas (artigo 8.° ).

As questões prejudiciais

9. Tendo a Asociación Profesional de Empresas Navieras de Líneas Regulares (Analir) e o. (a seguir «Analir e o.») interposto um recurso de anulação do Decreto real n.° 1466 com fundamento na incompatibilidade do mesmo com o direito comunitário, o órgão jurisdicional de reenvio apresentou as seguintes questões prejudiciais:

«1) As disposições conjugadas dos artigos 4.° e 1.° do Regulamento (CEE) n.° 3577/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima), podem ser interpretadas no sentido de que permitem sujeitar a prestação de serviços de cabotagem com as ilhas pelas companhias que exploram linhas marítimas regulares à obtenção de uma autorização administrativa prévia?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a concessão e a manutenção dessa autorização administrativa podem ser subordinadas ao respeito de certas condições, como a de estar em dia no pagamento de dívidas fiscais ou à segurança social, distintas das referidas no artigo 4.° , n.° 2, do citado regulamento?

3) O artigo 4.° , n.° 1, do Regulamento n.° 3577/92 pode ser interpretado no sentido de que permite, numa mesma linha ou num mesmo trajecto marítimo, impor obrigações de serviço público a companhias de navegação e celebrar simultaneamente com outras empresas contratos de fornecimento de serviços públicos, na acepção do n.° 3 do artigo 1.° do regulamento, para a participação no mesmo serviço regular de, entre e para as ilhas?»

10. O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no momento da adopção do Decreto real n.° 1466, cuja anulação é pedida no âmbito do litígio principal, o Reino de Espanha dispunha até 1 de Janeiro de 1999 de uma isenção à obrigação de liberalização da cabotagem marítima. Acrescenta, contudo, legitimamente, na minha opinião, que as questões apresentadas não são irrelevantes ratione temporis. Com efeito, declara, no seu despacho proferido em 12 de Maio de 1999, após, portanto, a caducidade da isenção, que as disposições nacionais cuja validade deve apreciar não foram alteradas no final da isenção e têm vocação para serem permanentes.

Quanto à primeira questão prejudicial

11. Note-se, a título preliminar, que a questão apresentada visa a possibilidade de um Estado-Membro recorrer a um sistema de autorização prévia ligado à imposição de obrigações de serviço público. Assim, não está em causa, no caso em apreço, a questão das medidas que um Estado-Membro pode tomar ao abrigo da protecção da segurança da navegação ou ainda das necessidades de exploração de infra-estruturas portuárias (por exemplo, o acesso aos cais).

12. Não é contestado que o regulamento visa executar o princípio da livre prestação de serviços no contexto da cabotagem marítima.

13. Isso resulta tanto do seu título, já referido, como dos seus considerandos, onde pode ler-se que «é necessário, para a realização do mercado interno, abolir as restrições à prestação de serviços de transportes marítimos; que o mercado interno compreende um espaço no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada. Considerando, por conseguinte, que o princípio da livre prestação de serviços deve ser aplicado aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros» .

14. Este princípio encontra a sua expressão no referido artigo 1.° , n.° 1, do regulamento.

15. Também não é contestado entre as partes que a exigência de uma autorização prévia, que implica, por definição, que a prestação de serviços é proibida enquanto a autorização não for concedida, constitui uma restrição à livre prestação de serviços.

16. Com efeito, a divergência de pontos de vista entre os diferentes intervenientes refere-se à questão de saber se, e, sendo caso disso, em que medida, essa restrição pode ser justificada pelas necessidades do serviço público às quais se refere o regulamento.

17. Os recorrentes no processo principal admitem que os Estados-Membros podem considerar necessário impor aos operadores obrigações de serviço público, mas entendem que isso não os obriga a sujeitar a prestação de serviços a uma autorização prévia. Com efeito, segundo eles, o cumprimento dessas obrigações poderia ser garantido através de um regime de atribuição de licenças por categorias de linhas e de acordo com procedimentos de declaração.

18. O Reino de Espanha e a República Helénica tomam uma posição diametralmente oposta e alegam que um regime de autorização prévia seria evidentemente necessário para garantir a execução das obrigações de serviço público.

19. O Governo espanhol salienta os seguintes argumentos em apoio da sua tese segundo a qual a exigência de uma autorização administrativa não prejudica a liberalização da cabotagem com as ilhas.

20. Em primeiro lugar, insiste na importância que reveste, tanto à luz da Constituição espanhola como do direito comunitário, o carácter insular dos destinos em causa, citando nomeadamente, a este respeito, o artigo 227.° , n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 299.° CE) e a declaração n.° 30 relativa às regiões insulares, anexa ao Tratado da União Europeia.

21. O Governo espanhol daí deduz que «a insularidade apresenta características e especificidades cuja protecção pode merecer, consoante a livre apreciação de cada Estado, sistemas especiais de protecção».

22. Além disso, seria legítimo ao direito espanhol considerar que a cabotagem em questão se inclui no serviço público. Com efeito, preencheria as condições enunciadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça , no sentido da universalidade, da satisfação de exigências de interesse público e da regulamentação pela autoridade pública.

23. A Comissão sublinha, contudo, em meu entender com razão, que a questão de saber se é ou não legítimo a um Estado-Membro qualificar certas prestações de cabotagem como constituindo um serviço público, não foi colocada no caso em apreço. Com efeito, o litígio refere-se na realidade às consequências que um Estado-Membro pode atribuir a essa qualificação.

24. Segundo o Governo espanhol, um Estado-Membro pode definir o conjunto da cabotagem com as ilhas como se incluindo no serviço público devendo, portanto, estar sujeita a obrigações de serviço público cujo cumprimento não pode ser assegurado de outra forma senão por um sistema de autorização prévia.

25. A Comissão, apoiada pelo Governo norueguês, considera, ao contrário, que só pode recorrer-se a esse sistema em condições bem definidas. Partilho desta concepção.

26. Com efeito, uma análise sistemática das disposições do regulamento não deixa qualquer lugar ou dúvida quanto à relação entre o artigo 1.° , que enuncia o princípio da livre prestação de serviços, e o artigo 4.° , que faculta aos Estados-Membros a possibilidade de celebrar contratos de fornecimento de serviços públicos ou impor obrigações de serviço público. Com efeito, esta possibilidade deve ser considerada como a excepção, sendo a livre prestação de serviços a regra.

27. Aliás, não há desacordo sobre este aspecto entre os diferentes intervenientes.

28. Daí decorre que a livre prestação de serviços só pode ser restringida por necessidades de serviço público se, e na medida em que, isso se revele indispensável para assegurar itinerários adequados.

29. Isso é confirmado pela redacção do nono considerando do regulamento que estabelece que «a introdução de serviços públicos que dêem origem a certos direitos e obrigações para os armadores em causa, de modo a assegurar a adequação de serviços de transporte regulares de, para e entre ilhas».

30. A tese segundo a qual só deve recorrer-se às obrigações de serviço público quando as forças do mercado não são suficientes para fornecer itinerários adequados é igualmente expressa pelo artigo 2.° , n.° 4, do regulamento donde resulta que, as «obrigações de serviço público» são «as obrigações que, atendendo aos seus próprios interesses comerciais, o armador comunitário em questão não assumiria ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições».

31. Esta análise das disposições do regulamento é, aliás, confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à livre prestação de serviços, da qual resulta que se trata de uma das liberdades fundamentais do direito comunitário, e que qualquer excepção deve ser de interpretação restrita e respeitar os princípios da proporcionalidade e da não discriminação .

32. Nas circunstâncias do caso em apreço, esses princípios implicam que a posse de uma autorização prévia só pode ser imposta na medida do necessário para obrigar os operadores a fornecer prestações que não forneceriam num contexto de livre concorrência.

33. Isso só pode estabelecer-se no final de uma análise individual dos itinerários em causa, a fim de determinar quais dentre eles não podem ser escalados de modo adequado num contexto de livre empresa.

34. Em contrapartida, um Estado-Membro não pode decretar, a priori e sem uma análise casuística, que uma categoria inteira de itinerários, como, no caso em apreço, os itinerários com as ilhas e entre as ilhas, requerem, para ser assegurados de modo adequado, a adopção de medidas restritivas da livre prestação de serviços.

35. É certamente possível que, no final dessa análise, as autoridades competentes de um Estado-Membro cheguem à conclusão que nenhum dos itinerários incluídos naquela categoria pode ser escalado de modo adequado num contexto de livre concorrência.

36. Todavia, no caso em apreço, o próprio Governo espanhol sublinha a grande diversidade de linhas existentes entre a península e as ilhas e entre as ilhas. Essa afirmação leva a pensar que pelo menos alguns desses itinerários podiam ser assegurados de modo adequado num contexto de livre concorrência, e a imposição de obrigações de serviço público talvez não seja necessária em relação à totalidade dos itinerários com as ilhas e entre as mesmas.

37. Além disso, não se vê porquê, como parece querer indicar o Governo espanhol, a diversidade das linhas em causa deveria constituir um obstáculo à análise individual de cada uma delas. Ao contrário, é essa mesma diversidade que impõe que se efectue um exame caso a caso, visto que implica que uma decisão válida em relação a um trajecto não o seja necessariamente em relação a outro. Por outro lado, observe-se que as referidas linhas não são tão numerosas ao ponto dessa análise caso a caso ser irrealizável.

38. O Governo espanhol faz uma analogia entre a cabotagem marítima e o sector das telecomunicações, que constituiria um exemplo de outro sector económico liberalizado no qual a prestação de serviços ainda estaria sujeita a um regime de autorização.

39. Todavia, é forçoso constatar que essa analogia, limitada ao facto de se tratar de dois sectores económicos em vias de liberalização, não pode, tendo em conta o que acima se descreveu, justificar a conclusão de que um regime de autorização prévia seria admissível sem limites em matéria de cabotagem marítima.

40. O Governo espanhol, apoiado pelo Governo grego, salienta, ainda, em apoio da sua tese que o artigo 4.° , n.° 1, do regulamento dispõe que os Estados-Membros podem impor obrigações de serviço público enquanto condição para a prestação de serviços de cabotagem de, entre e para as ilhas.

41. Este argumento reveste-se certamente de um grande peso, mas daí não decorre necessariamente que o controlo do respeito das referidas condições deva necessariamente ser prévio. Com efeito, é completamente concebível que as autoridades competentes procedam aos controlos necessários através de um regime de declaração. A jurisprudência do Tribunal de Justiça contém, aliás, exemplos dessas soluções em matéria de liberdades fundamentais do direito comunitário, como a livre circulação de capitais .

42. Posso, então, concluir que a exigência de uma autorização prévia relativa a obrigações de serviço público é admissível desde que se limite aos itinerários que não seriam assegurados de modo adequado num contexto de livre concorrência e seja aplicada de modo não discriminatório?

43. A este respeito, a Comissão apresenta um certo número de precisões pertinentes.

44. Em primeiro lugar, sublinha que, mesmo nessa hipótese, incumbe às autoridades nacionais só recorrerem a um sistema de autorização prévia se o controlo da boa execução do serviço público não puder ser assegurado por outros meios.

45. Acrescenta que o sistema de autorização prévia não deve ter por objecto a limitação do acesso ao mercado, mas unicamente a protecção do serviço público. Partilho inteiramente deste ponto de vista. Com efeito, são as necessidades do serviço público que constituem a única exigência susceptível de justificar esse sistema. Assim, este não poderia ter outro objecto que não fosse a manutenção do serviço público e a concorrência só deveria ser entravada até o limite do necessário para esse fim. Em contrapartida, qualquer limitação do acesso ao mercado que não seja necessária em relação às exigências do serviço público não pode ser justificada.

46. Daí decorre necessariamente, como expõe, aliás, a Comissão, que as condições de concessão da autorização não devem implicar qualquer poder discricionário das autoridades competentes. Qualquer empresa que preencha as obrigações de serviço público previstas, que devem, bem entendido, situar-se no âmbito permitido pelo artigo 4.° , n.° 2, do regulamento, deve poder obter automaticamente uma autorização.

47. Além disso, para que o acesso ao mercado considerado seja real, é necessário que as condições da autorização sejam transparentes e que a segurança jurídica seja garantida. As condições de obtenção da autorização devem, portanto, ser conhecidas antecipadamente, justificadas segundo critérios objectivos e aplicáveis da mesma forma a todos os operadores que têm direito de acesso. Com efeito, no caso contrário, um operador não poderá prever os encargos que terá que suportar e, assim, será dissuadido de pedir a autorização.

48. A Comissão refere-se igualmente a uma notificação de incumprimento enviada às autoridades espanholas com data de 22 de Outubro de 1997, segundo a qual, em qualquer caso, o Decreto real n.° 1466 introduziria novas restrições à livre prestação de serviços, nomeadamente ao criar um regime de autorização prévia em relação à totalidade dos itinerários com as ilhas e entre as mesmas. Constituiria por isso uma violação do artigo 7.° do regulamento que, por remissão para o artigo 62.° do Tratado CE (revogado pelo Tratado de Amesterdão), impõe uma cláusula de «standstill» em matéria de restrições à cabotagem marítima.

49. Todavia, é forçoso constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não interrogou o Tribunal de Justiça quanto à eventual aplicabilidade do artigo 7.° ao caso em apreço.

50. Tendo em conta o que precede, deve responder-se à primeira questão prejudicial nos seguintes termos:

«O artigo 1.° e o artigo 4.° , n.° 2, do regulamento devem ser interpretados no sentido de que não permitem sujeitar a prestação de serviços de cabotagem com as ilhas pelas companhias que exploram linhas marítimas regulares à obtenção de uma autorização administrativa prévia, excepto se o Estado-Membro demonstrar que:

- num contexto de livre concorrência, o serviço público não será assegurado, de modo adequado, nas linhas sujeitas a autorização;

- o controlo do cumprimento das obrigações de serviço público pelos operadores só pode ser assegurado através de um regime de autorização prévia;

- as condições de emissão da autorização são definidas, previsíveis, transparentes e não discriminatórias;

- os operadores que preenchem as obrigações de serviço público definidas pelo Estado-Membro beneficiam automaticamente da autorização.»

Quanto à segunda questão prejudicial

51. Certamente esta questão só é colocada no caso de a resposta à primeira questão ser afirmativa. Tendo sido apresentada uma resposta condicional à primeira, considero necessário responder à segunda.

52. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a concessão e a manutenção da autorização podem ser sujeitas a algumas condições, como a de estar em dia no pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, distintas das enumeradas no artigo 4.° , n.° 2, do regulamento e desprovidas de ligação específica com as prestações que são objecto da autorização.

53. As recorrentes no processo principal alegam que a concessão e a manutenção da autorização prévia prevista pelo Decreto real n.° 1466 em relação à cabotagem com as ilhas não podem estar sujeitas à condição de estar em dia no pagamento das dívidas fiscais e de segurança social.

54. Com efeito, segundo elas, o Tratado só permite restrições ao princípio fundamental da livre prestação de serviços quando sejam justificadas por exigências não económicas de interesse geral, não discriminatórias e proporcionadas.

55. Não será esse o caso em apreço, não apresentando a obrigação em causa nenhuma ligação directa com o tráfego marítimo sujeito a autorização.

56. Além disso, o artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE) proíbe os Estados-Membros de introduzirem novas restrições à livre prestação de serviços, como as condições controvertidas.

57. O Governo norueguês partilha do ponto de vista da Analir e o. segundo o qual o artigo 4.° , n.° 2, do regulamento não permitiria impor as obrigações em causa. Com efeito, essa disposição não lhe faz referência, ao passo que tanto a redacção como a finalidade do regulamento demonstrariam que esse texto é exaustivo.

58. O Governo espanhol sublinha, contudo, que as condições em litígio não são «obrigações de serviço público», mas incluem-se nas condições gerais de concessão da autorização administrativa.

59. Daí decorreria que não constituiriam uma violação do artigo 4.° do regulamento, mesmo que essa disposição deva ser considerada exaustiva.

60. O Governo espanhol alega igualmente, concordando com a Comissão, que a obrigação de estar em dia no pagamento das suas dívidas fiscais e de segurança social é indispensável para garantir alguma solvência por parte das empresas chamadas a assegurar prestações de serviço público e, portanto, susceptível de garantir que o mesmo não ficará comprometido por um endividamento do prestador.

61. A este respeito, a Comissão refere que a capacidade de fornecer o serviço na acepção do artigo 4.° , n.° 2, do regulamento deve ser entendida como incluindo a capacidade económica e financeira.

62. Resulta tanto das reflexões do órgão jurisdicional de reenvio como dos argumentos desenvolvidos pelo Governo espanhol que deve distinguir-se aqui duas ordens de considerações.

63. Com efeito, coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber se, de uma forma geral, os Estados-Membros podem sujeitar o exercício da actividade em causa a condições referentes a domínios não previstos pelo artigo 4.° , n.° 2.

64. Decorre dos próprios termos do regulamento que é esse o caso.

65. Com efeito, este precisa no artigo 1.° , n.° 1, já referido, que «a liberdade de prestação de serviços... aplicar-se-á aos armadores comunitários que tenham os seus navios registados num Estado-Membro e arvorem pavilhão desse Estado-Membro, desde que esses navios preencham todos os requisitos necessários à sua admissão à cabotagem nesse Estado-Membro» .

66. Igualmente, o artigo 3.° , n.° 2 dispõe que, «Para os navios que efectuem cabotagem insular, todos os assuntos relacionados com a tripulação serão da responsabilidade do Estado em que o navio efectua o serviço de transporte marítimo (Estado de acolhimento)» .

67. Daí decorre necessariamente que um Estado-Membro pode impor, ao abrigo dessas duas disposições, condições referentes a domínios não previstos pelo artigo 4.° , n.° 2.

68. Decorre designadamente do artigo 1.° , n.° 1, já referido, que, se um armador pretender assegurar serviços de cabotagem em Espanha utilizando navios registados nesse Estado e que arvorem pavilhão deste, os referidos navios têm que obrigatoriamente preencher as condições exigidas pelo direito espanhol para serem admitidos à cabotagem em Espanha. Nesse caso, nada se oporia a que essas condições incluam, sendo caso disso, a obrigação de estar em dia no pagamento das dívidas sociais e fiscais.

69. Esta consideração leva-nos ao segundo problema que nos compete examinar no contexto desta questão prejudicial.

70. Com efeito, apesar de, como vimos, as obrigações relativas às dívidas fiscais e sociais, a que alude o juiz de reenvio, poderem, nas condições acima descritas, encontrar um fundamento fora do artigo 4.° , n.° 2, este não exclui que as referidas obrigações possam igualmente ser consideradas obrigações de serviço público na acepção desta disposição, susceptíveis de serem impostas pelo Estado-Membro de acolhimento dos armadores, quer estejam estabelecidos em Espanha ou num outro Estado-Membro.

71. Com efeito, como sublinham, com razão, a Comissão e o Governo espanhol, a incapacidade de um armador regularizar as suas dívidas fiscais e de segurança social pode ser um indício de dificuldades financeiras graves susceptíveis de provocar a falência e a interrupção do serviço público.

72. Assim, o facto de incluir nas condições de autorização um critério que permite apreciar a solvência do armador não constitui uma interpretação indevidamente extensiva dos termos do artigo 4.° , n.° 2 do regulamento, ainda que, como vimos, essa disposição, enquanto excepção ao princípio da livre prestação de serviços, deva ser interpretada de forma estrita.

73. Esta conclusão também não é posta em causa pelo facto, sublinhado pela Analir e o. e pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as condições em questão não estarem ligadas de forma específica aos serviços a fornecer. Com efeito, como vimos, constituem de forma mais geral um indício de aptidão financeira para efectuar serviços dessa natureza de forma duradoura.

74. Por outro lado, uma empresa não deve procurar uma vantagem concorrencial em relação a outras empresas que pagam correctamente os seus impostos e contribuições sociais.

75. Note-se, aliás, a este respeito que, como sublinha o Governo espanhol, condições deste tipo não são desconhecidas do direito comunitário. Com efeito, estão explicitamente previstas pelas directivas relativas aos concursos públicos . Ora, estas referem-se a priori a uma relação mais pontual entre os operadores económicos e as autoridades.

76. Assim, haveria forçosamente que aceitar a imposição dessas condições no caso que nos ocupa, em que estão em causa prestações de serviço público que devem ser asseguradas com uma certa duração e não simplesmente de forma casual.

77. Deve ainda esclarecer-se, como faz a Comissão, que essas condições devem ser aplicadas de forma não discriminatória.

78. Com efeito, como já tive ocasião de o dizer ao examinar a primeira questão, resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como dos princípios gerais do direito comunitário que qualquer restrição a uma liberdade inerente àquele direito só pode ser justificada se não constituir uma fonte de discriminação.

79. A Comissão recorda igualmente com pertinência que as condições em causa já existiam anteriormente ao Decreto real n.° 1466, nos termos de outros textos, não constituindo portanto uma nova restrição, incompatível desse modo com as disposições do regulamento.

80. Tendo em conta o que precede, proponho que se dê a seguinte resposta à segunda questão prejudicial:

«O artigo 4.° , n.° 2 do regulamento não se opõe a que a concessão ou a manutenção da autorização referida na primeira questão estejam sujeitas à condição de o prestador de serviços estar em dia no pagamento das dívidas fiscais ou de segurança social, desde que essa condição seja aplicada de forma não discriminatória.»

Quanto à terceira questão prejudicial

81. Através desta questão , o Tribunal Supremo pergunta ao Tribunal de Justiça se o regulamento permite impor numa mesma linha ou num mesmo trajecto marítimo obrigações de serviço público e celebrar simultaneamente com outras empresas contratos de fornecimento de serviços públicos. Refere, a este respeito, que é esse o caso em Espanha, nos termos do Decreto real n.° 1466.

82. As recorrentes no processo principal consideram que a questão deve ter uma resposta negativa. Com efeito, segundo elas, a intervenção das autoridades devia limitar-se a garantir que os serviços em causa sejam fornecidos de forma adequada, contínua e suficiente. Decorreria da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as referidas autoridades devem prosseguir esse triplo objectivo ao menor custo para a colectividade.

83. Daí resulta que a adopção de medidas tais como a celebração de um contrato de serviço público ou a imposição de obrigações de serviço público só seria possível se os serviços oferecidos não preenchessem esses três critérios.

84. Nesse caso, seria conveniente impor obrigações de serviço público se a inadequação dos serviços oferecidos apenas afectasse um desses critérios. Se, em contrapartida, nenhum deles fosse satisfeito, não haveria que recorrer à celebração de um contrato de serviço público.

85. A Analir e o. consideram igualmente que seria contraditório da parte de um Estado-Membro sujeitar o mesmo tráfego simultaneamente ao regime do contrato e ao das obrigações de serviço público.

86. Por outro lado, a existência do contrato implica a concessão de direitos especiais e, portanto, a necessidade de respeitar o artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE). Ora, ao conceder a uma empresa essas vantagens e ao impor simultaneamente aos outros prestadores, susceptíveis de oferecer um serviço concorrente, obrigações de serviço público, um Estado-Membro agiria da forma desproporcionada e violaria o artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), aplicado em conjugação com o artigo 90.°

87. As condições de aplicação da derrogação prevista no n.° 2 do mesmo não estariam preenchidas, visto que aquela pressupõe que as medidas tomadas sejam proporcionais ao objectivo alegado, o que não se verificaria no caso em apreço.

88. A Analir e o. citam, a este respeito, um estudo que demonstra, segundo elas, o carácter adequado dos serviços regulares com as ilhas. Não se justificaria, assim, reagrupar o conjunto desses itinerários para os tornar objecto de um único contrato de fornecimento de serviços públicos.

89. As recorrentes no processo principal consideram que, de facto, o Decreto real n.° 1466, que admite a possibilidade de acumular a imposição de obrigações de serviço público com a celebração de um contrato de fornecimento de serviços públicos, teria como único objectivo a protecção da Companhia Transmed, que não podia sobreviver sem a concessão de subvenções públicas.

90. O Governo norueguês, depois de ter defendido nas suas observações escritas a opinião de que os dois meios de garantir a prestação do serviço público, enumerados no n.° 2 do artigo 4.° do regulamento, se excluem mutuamente, modificou a sua opinião durante a audiência.

91. Considera, por último, que os dois instrumentos podem ser aplicados simultaneamente no que diz respeito à mesma linha ou ao mesmo trajecto, mas que a sua combinação não deve causar uma distorção de concorrência que não se produziria se apenas um desses instrumentos tivesse sido aplicado.

92. O Governo francês defende um ponto de vista diametralmente oposto. A este respeito, distingue duas situações.

93. Em primeiro lugar, sustenta que um Estado-Membro tem o direito de celebrar um contrato de fornecimento de serviços públicos respeitante a um tráfego já abrangido pela imposição de obrigações de serviço público.

94. Com efeito, segundo ele, pode acontecer, apesar da imposição pela autoridade de obrigações de fornecimento de serviços públicos, que o serviço oferecido continue aquém do que o Estado considera como adequado. Nesse caso, impor-se-ia a celebração de um contrato de fornecimento de serviços públicos e o princípio da proporcionalidade poderia exigir que o objecto desse contrato fosse limitado ao necessário para colmatar as necessidades não satisfeitas do serviço público.

95. Neste caso, coexistiriam assim num mesmo trajecto linhas regulares abrangidas por obrigações de serviços públicos e um operador vinculado por um contrato de fornecimento de serviços públicos, no qual as mesmas obrigações de serviço público (bem como, eventualmente, outras obrigações) seriam retomadas.

96. Em segundo lugar, o Governo francês declara que é igualmente possível impor obrigações de serviços públicos quando o trajecto em questão é já objecto de um contrato de fornecimento de serviços públicos. Com efeito, segundo ele, se não fosse esse o caso, o operador titular do contrato correria o risco de se retirar do mercado no momento em que fosse confrontado com a concorrência de outras empresas não sujeitas a obrigações de serviço público. Assim, o carácter adequado do serviço, por hipótese garantido pela celebração do contrato, poderia ficar comprometido.

97. A análise da Comissão apresenta, relativamente à análise do Governo francês, analogias interessantes, mas também algumas variantes significativas.

98. Assim, a Comissão afirma que, em princípio, nada impede um Estado-Membro de decidir impor de modo geral obrigações de serviço público - seja através de um regime de comunicação, seja através de um regime de autorização - e de celebrar um contrato de fornecimento de serviços públicos em relação a uma ou a mais linhas sujeitas a essas obrigações, a fim de garantir um nível de serviço adequado.

99. Sublinha que, do mesmo modo que as obrigações de serviço público devem ser impostas de forma transparente e não discriminatória, sem que haja o exercício de um poder discricionário, os contratos de fornecimento de serviços públicos devem ser celebrados com base num concurso público que garanta a igualdade de tratamento e de oportunidades a todos os operadores.

100. A Comissão considera necessário salientar uma condição suplementar. Com efeito, segundo ela, as obrigações de serviço público impostas no quadro de um regime geral devem em qualquer caso ser de menor intensidade do que aquelas que são exigidas por um contrato de fornecimento de serviços públicos, a fim de não falsear a concorrência entre operadores.

101. A coexistência de um regime de obrigações de serviço público e de contratos de fornecimento de serviços públicos garantiria assim o acesso de todos os operadores ao mercado, impedindo as companhias concorrentes da companhia titular do contrato de infligir a esta um prejuízo, apoderando-se do mercado durante a estação turística. Inversamente, a presença de vários operadores permitiria igualmente, segundo a Comissão, reduzir o nível da compensação financeira concedida ao beneficiário do contrato.

102. Finalmente, a Comissão insiste no facto de que, em qualquer caso, um sistema de coexistência de obrigações de serviço público e de contratos de fornecimento de serviços públicos é preferível a um regime de contratos exclusivos tendo por efeito fechar o mercado durante vários anos.

103. O Governo espanhol considera, por sua vez, que os contratos de serviço público e as obrigações de serviço público são dois instrumentos complementares. Assim, nada excluiria a sua utilização concomitante, mesmo que o contrato permaneça de carácter excepcional, dado o contexto de liberalização no qual se insere.

104. Segundo o Governo espanhol, o contrato dá à administração uma melhor segurança no que diz respeito à prestação de serviço público, nomeadamente na medida em que gera direitos e obrigações recíprocas ou permite à administração introduzir cláusulas que garantem, em caso de denúncia do contrato, a prestação de serviços até à atribuição de um novo contrato.

105. Assim, poderia ser necessário, relativamente a tráfegos especialmente importantes, celebrar contratos a fim de melhor garantir a continuidade, a regularidade e a qualidade do serviço.

106. O que pensar destes argumentos?

107. À primeira vista, a redacção do n.° 1 do artigo 4.° do regulamento leva a pensar que estamos aqui em presença de uma alternativa, visto que dispõe que «Um Estado-Membro pode celebrar contratos de fornecimento de serviços públicos ou impor obrigações de serviço público». Dito isto, é certo que a expressão «ou» é igualmente susceptível de ter um sentido inclusivo e, assim, pode permanecer a dúvida.

108. A definição de «contrato de fornecimento de serviços públicos» constante do artigo 2.° do regulamento também não dá uma certeza absoluta. Com efeito, resulta dessa definição que tal contrato é celebrado «com o objectivo de fornecer ao público serviços de transporte adequados». Quando muito, pode deduzir-se, como faz, aliás, o órgão jurisdicional de reenvio, que, se, através da celebração do contrato, são assegurados serviços adequados, uma intervenção adicional das autoridades, como a imposição de obrigações de serviço público, deixaria de ser necessária e, por conseguinte, constituiria uma restrição injustificada à livre prestação de serviços que o regulamento visa instituir.

109. Mas a mencionada definição não implica que o carácter adequado dos serviços oferecidos decorra apenas da existência do contrato. Com efeito, por si só, ela não exclui que o contrato venha acrescentar-se a obrigações de serviço público, de forma que uma utilização concomitante dos dois instrumentos permita garantir serviços adequados.

110. Esta possibilidade encontra igualmente algum apoio na enumeração constante do n.° 3 do artigo 2.° do regulamento, uma vez que constam entre os objectos possíveis do contrato «serviços de transporte complementares». Nesta perspectiva, o contrato seria, como descrevem, com as variantes que já vimos, os Governos francês e espanhol, bem como a Comissão, um instrumento adicional em relação às obrigações de serviço público, destinado a completar o dispositivo de que aquelas seriam a base.

111. Finalmente, em apoio da mesma fundamentação, pode igualmente citar-se o nono considerando do regulamento, redigido nos seguintes termos:

«Considerando que pode ser justificada a introdução de serviços públicos que dêem origem a certos direitos e obrigações para os armadores em causa, de modo a assegurar a adequação de serviços de transporte regulares de, para e entre ilhas, desde que não seja feita qualquer distinção com base na nacionalidade ou residência».

112. Pode deduzir-se deste texto que o objectivo prosseguido pelo legislador, quando permitiu o recurso a serviços públicos, é assegurar a adequação de serviços e que a única condição que impõe a este respeito é a ausência de discriminação.

113. O facto de se tratar da única condição parece-me igualmente confirmado pela redacção do artigo 4.° Com efeito, resulta do n.° 1, desse artigo que, «Sempre que um Estado-Membro celebrar contratos de fornecimento de serviços públicos... fá-lo-á numa base não discriminatória em relação a todos os armadores comunitários». Além disso, o n.° 2, segundo parágrafo do mesmo artigo prevê que «Sempre que aplicável, qualquer compensação devida por obrigações de serviço público deve ser disponibilizada para todos os armadores comunitários».

114. Em consequência, considero que o cúmulo entre obrigações de serviço público e a celebração de um contrato é possível, desde que daí não resulte nem discriminação nem distorção de concorrência entre armadores.

115. Isto implica, em primeiro lugar, que, a partir do momento em que o Estado-Membro celebrou com um armador um contrato que garante serviços adequados num determinado trajecto e que dá lugar a um subsídio, já não poderão ser impostas obrigações de serviço público às empresas de navegação marítima que participem na mesma linha.

116. Por outras palavras, não seria admissível que obrigações de serviço público relativas à continuidade, à regularidade, à capacidade e à qualidade dos transportes fossem impostas a todas as companhias, ao passo que apenas à companhia com a qual tenha sido celebrado um contrato seja concedida uma compensação financeira pelas mesmas obrigações.

117. Em contrapartida, o problema colocar-se-ia de forma diferente se à companhia com a qual um contrato foi celebrado fosse concedida uma compensação financeira por serviços que ela assegurasse a mais do que os que foram impostos, a título de obrigação de serviço público, ao conjunto das companhias, por exemplo, itinerários suplementares a assegurar durante a estação de Inverno.

118. Mas, um contrato celebrado com uma única companhia tendo em vista assegurar certas prestações suplementares não poderia dar lugar a subsídios que ocasionassem para essa companhia uma vantagem financeira tal que lhe seria possível oferecer o conjunto dos seus serviços a um preço que a protegesse da concorrência dos outros operadores (subsídios cruzados).

119. Por outras palavras, o cúmulo dos dois instrumentos sobre um mesmo itinerário marítimo só é admissível se, por um lado, as mesmas obrigações de serviço público forem impostas a todas as companhias, incluindo a beneficiária do contrato e, por outro, esta assuma, ainda, encargos suplementares, pelos quais é remunerada de modo estritamente proporcional a esses encargos. Essa remuneração não deve levar a conseguir uma vantagem concorrencial em relação ao conjunto das suas actividades.

120. A Comissão exprimiu a mesma ideia afirmando que as obrigações de serviço público impostas no quadro de um regime geral devem, em qualquer caso, ser de menor intensidade do que aquelas que são exigidas por um contrato de fornecimento de serviços públicos, com o fim de não falsear a concorrência entre operadores. Além disso, as obrigações de serviço público devem ser impostas de modo transparente e não discriminatório, sem que haja exercício de um poder discricionário. Os contratos de serviços públicos, por sua vez, devem ser celebrados com base num concurso público que garanta a igualdade de tratamento e de oportunidade de todos os operadores.

121. Em consequência, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão da seguinte forma:

«O artigo 4.° , n.° 1, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que permite, numa mesma linha ou num mesmo trajecto marítimo, impor obrigações de serviço público a companhias de navegação e celebrar simultaneamente com outra companhia um contrato de fornecimento de serviços públicos na acepção do n.° 3 do artigo 2.° do regulamento, desde que o contrato de fornecimento de serviços públicos comporte encargos adicionais em relação às obrigações de serviço público impostas ao conjunto das companhias, que as compensações financeiras concedidas sejam proporcionais a esses encargos e não sejam, portanto, susceptíveis de provocar uma distorção de concorrência em detrimento das companhias não beneficiárias de um tal contrato.»

Conclusão

122. Proponho que se dêem as seguintes respostas às questões do Tribunal Supremo:

«1) O artigo 1.° e o artigo 4.° , n.° 2 do Regulamento (CEE) n.° 3577/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima), devem ser interpretados no sentido de que não permitem sujeitar a prestação de serviços de cabotagem com as ilhas pelas companhias que exploram linhas marítimas regulares à obtenção de uma autorização administrativa prévia, salvo se o Estado-Membro demonstrar que:

- num contexto de livre concorrência, o serviço público não seria assegurado, de forma adequada, em linhas sujeitas a autorização;

- o controlo do cumprimento de obrigações de serviço público pelos operadores só pode ser assegurado através de um regime de autorização prévia;

- as condições de emissão da autorização são definidas, previsíveis, transparentes e não discriminatórias;

- os operadores que cumprem as obrigações de serviço público definidas pelo Estado-Membro beneficiam automaticamente da autorização.

2) O artigo 4.° , n.° 2 do Regulamento n.° 3577/92 não se opõe a que a concessão ou a manutenção da autorização prevista na primeira questão sejam subordinadas à condição de o prestador de serviços estar em dia no pagamento de dívidas de impostos ou de segurança social, desde que essa condição seja aplicada de modo não discriminatório.

3) O artigo 4.° , n.° 1, do Regulamento n.° 3577/92 deve ser interpretado no sentido de que permite, numa mesma linha ou num mesmo trajecto marítimo, impor obrigações de serviço público a companhias de navegação e celebrar simultaneamente com outra companhia um contrato de fornecimento de serviços públicos na acepção do n.° 3 do artigo 2.° do referido regulamento, desde que o contrato de fornecimento de serviços públicos comporte encargos adicionais em relação às obrigações de serviço público impostas ao conjunto das companhias, que as compensações financeiras concedidas sejam proporcionais a esses encargos e que não sejam, portanto, susceptíveis de provocar uma distorção de concorrência em detrimento de companhias não beneficiárias de um tal contrato.»

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