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Document 61999CC0173

Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 8 de Fevereiro de 2001.
The Queen contra Secretary of State for Trade and Industry, ex parte Broadcasting, Entertainment, Cinematographic and Theatre Union (BECTU).
Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Crown Office) - Reino Unido.
Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Directiva 93/104/CE - Direito a férias anuais remuneradas - Condição para a concessão do direito imposta por uma regulamentação nacional - Cumprimento de um período mínimo de actividade ao serviço da mesma entidade patronal.
Processo C-173/99.

Colectânea de Jurisprudência 2001 I-04881

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:81

61999C0173

Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 8 de Fevereiro de 2001. - The Queen contra Secretary of State for Trade and Industry, ex parte Broadcasting, Entertainment, Cinematographic and Theatre Union (BECTU). - Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Crown Office) - Reino Unido. - Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Directiva 93/104/CE - Direito a férias anuais remuneradas - Condição para a concessão do direito imposta por uma regulamentação nacional - Cumprimento de um período mínimo de actividade ao serviço da mesma entidade patronal. - Processo C-173/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04881


Conclusões do Advogado-Geral


Colocação do problema

1. A High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Crown Office) (Reino Unido) (a seguir «High Court»), submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais, em aplicação do artigo 234.° CE, sobre a interpretação da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (a seguir «directiva sobre o tempo de trabalho» ou «directiva») . Em síntese, pretende saber se, à luz do artigo 7.° da directiva, a legislação de um Estado-Membro pode legalmente estabelecer que um trabalhador só começa a adquirir direito a férias anuais remuneradas (ou aos correspondentes benefícios) depois de completar um determinado período de trabalho para a mesma entidade patronal.

Contexto jurídico

A disposição comunitária

2. Para responder à High Court, começo por recordar que o artigo 118.° -A do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), que constitui a base jurídica da directiva sobre o tempo de trabalho, dispõe:

«1. Os Estados-Membros empenham-se em promover a melhoria, nomeadamente, das condições de trabalho, para protegerem a segurança e a saúde dos trabalhadores, e estabelecem como objectivo a harmonização, no progresso, das condições existentes nesse domínio.

2. Para contribuir para a realização do objectivo previsto no n.° 1, o Conselho, deliberando de acordo com o procedimento previsto no artigo 189.° -C, e após consulta do Comité Económico e Social, adopta por meio de directiva as prescrições mínimas progressivamente aplicáveis, tendo em conta as condições e regulamentações técnicas existentes em cada Estado-Membro.

Essas directivas devem evitar impor disciplinas administrativas, financeiras e jurídicas tais que sejam contrárias à criação e desenvolvimento de pequenas e médias empresas.

3. As disposições adoptadas nos termos do presente artigo não obstam à manutenção e ao estabelecimento, por cada Estado-Membro, de medidas de protecção reforçada das condições de trabalho compatíveis com o presente Tratado.»

3. Como sabemos, em aplicação destas disposições foram efectivamente adoptadas várias directivas. Recorde-se, em especial, a directiva-base na matéria, ou seja, a Directiva 89/391/CEE, adoptada pelo Conselho em 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (a seguir «directiva-quadro»). Com efeito, esta directiva definiu os princípios gerais em matéria de segurança e de saúde dos trabalhadores, que foram posteriormente desenvolvidos por uma série de directivas específicas, entre as quais, para o caso que aqui nos interessa, a directiva sobre o tempo de trabalho, objecto do presente processo. Para efeitos de apreciação desta última, importa, portanto, ter igualmente em conta o contexto normativo em que se enquadra.

4. Dito isto, recordo que, nos termos do seu artigo 1.° , n.° 1, a directiva sobre o tempo de trabalho tem como objectivo estabelecer «prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho». Para tanto, o seu âmbito de aplicação é duplo, abrangendo, por um lado, os períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como os períodos de pausa e a duração máxima do trabalho semanal; por outro lado, certos aspectos do trabalho nocturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho (artigo 1.° , n.° 2).

5. Em contrapartida, a directiva não define directamente os conceitos de «trabalhador» nem de «entidade patronal», em relação aos quais o seu artigo 1.° , n.° 4, remete para o artigo 3.° , alínea a), da directiva-quadro. Segundo esta última, por trabalhador deve entender-se qualquer pessoa ao serviço de uma entidade patronal assim como os estagiários e os aprendizes, com excepção dos empregados domésticos; é considerada entidade patronal qualquer pessoa singular ou colectiva que seja titular da relação de trabalho com o trabalhador e responsável pela empresa e/ou pelo estabelecimento.

6. No que respeita mais concretamente à disciplina das férias anuais, objecto do presente processo, o artigo 7.° da directiva estabelece:

«1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2. O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho».

7. Além disso, tendo em consideração a especificidade de determinadas actividades, o artigo 17.° da directiva prevê uma série de derrogações à aplicabilidade de algumas das suas normas. Isto é válido, em especial, nos termos do artigo 17.° , n.° 2.1, alínea c), no caso de actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate «de serviços de imprensa, rádio, televisão, produção cinematográfica [...]». Ao invés, não se prevê nenhuma limitação quanto à aplicação do artigo 7.° , relativo ao direito a férias anuais.

8. Finalmente, o artigo 18.° , n.° 1, alínea a), determina o dia 23 de Novembro de 1996 como prazo para a transposição da directiva para os Estados-Membros. A alínea b), ii), desta mesma disposição prevê que:

«[...] os Estados-Membros têm a possibilidade, no que respeita à aplicação do artigo 7.° , de utilizar um período de transição máximo de três anos a contar da data prevista na alínea a), desde que, durante esse período de transição:

- todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de três semanas, em conformidade com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais,

e

- o período de três semanas de férias anuais remuneradas não possa ser substituído por qualquer retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho».

O Reino Unido, como veremos, recorreu a esta faculdade.

O acórdão de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho

9. Antes de passar à análise da disposição nacional relevante na matéria, cabe aqui recordar que o Reino Unido não só se absteve por ocasião da adopção da directiva pelo Conselho, como se apressou, uma vez o acto adoptado, a pedir a sua anulação ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 173.° do Tratado CE (actual artigo 230.° CE). Defendia, com efeito, que o objectivo principal da directiva não era a adopção de prescrições mínimas em matéria de segurança e de saúde dos trabalhadores, mas a adopção de medidas de política social; consequentemente a base jurídica adequada do acto não deveria ter sido o artigo 118.° -A, que prevê uma votação por maioria qualificada, mas o artigo 100.° ou o artigo 235.° do Tratado CE (actuais artigos 94.° CE e 308.° CE, respectivamente), que impõem a unanimidade. O Reino Unido arguia, além disso, uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que as «prescrições mínimas» estabelecidas pela directiva eram, em sua opinião, demasiado restritivas.

10. Como se sabe, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso por acórdão de 12 de Novembro de 1996 . Em especial, como veremos mais desenvolvidamente a seguir, considerou que as medidas previstas pela directiva, mesmo porque se caracterizam por uma incontestável elasticidade, não ultrapassam aquilo que é necessário para alcançar o objectivo de uma melhor protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores e que, portanto, não violam o princípio da proporcionalidade.

A disposição nacional

11. Gorada a tentativa de obter a anulação da directiva, em 30 de Julho de 1998, o Governo britânico procedeu à sua transposição adoptando as Working Time Regulations 1998 (Regulamento sobre o tempo de trabalho, a seguir «regulamento» ou «regulamento de execução»). Apresentado ao Parlamento nacional naquele mesmo dia, o regulamento entrou em vigor em 1 de Outubro de 1998; fez uso de todas as derrogações e restrições autorizadas pela directiva, incluindo a possibilidade de limitar a três semanas, até 23 de Novembro de 1999, o direito a férias anuais remuneradas.

12. A disciplina específica das férias anuais consta no artigo 13.° do regulamento, cujo n.° 1 estabelece o direito do trabalhador a um período de férias anual determinado em conformidade com os critérios indicados no n.° 2, mais concretamente:

«a) por cada ano de referência iniciado em 23 de Novembro de 1998 ou anteriormente, três semanas;

b) por cada ano de referência iniciado depois de 23 de Novembro de 1998 mas antes de 23 de Novembro de 1999, três semanas e uma parte proporcional de uma quarta semana equivalente à parte do ano começada em 23 de Novembro de 1998 que tenha decorrido até ao início do ano de referência;

c) por cada ano de referência iniciado após 23 de Novembro de 1999, quatro semanas».

13. O n.° 7 deste mesmo artigo 13.° sujeita, porém, a aquisição do direito a férias à condição de o interessado ter cumprido um período mínimo de trabalho de treze semanas consecutivas para a mesma entidade patronal («o direito conferido pelo n.° 1 não será reconhecido se o trabalhador não tiver cumprido 13 semanas de trabalho consecutivas»). Para tanto, como indica o n.° 8 da mesma disposição, considera-se que um trabalhador trabalhou durante treze semanas consecutivas «se as suas relações laborais com a entidade patronal tiverem sido reguladas por um contrato durante a totalidade ou parte de cada uma das semanas em questão».

14. O n.° 9 do artigo 13.° do regulamento dispõe, enfim, que as férias anuais podem ser divididas, mas que apenas podem ser gozadas no decurso do ano ao qual se referem. Além disso, não podem ser substituídas por qualquer contrapartida financeira, salvo nos casos em que a relação de trabalho tenha cessado.

Matéria de facto e questões prejudiciais

15. O processo nacional no âmbito do qual foram submetidas as questões colocadas ao Tribunal de Justiça tem origem numa acção proposta pela Broadcasting, Entertainment, Cinematographic and Theatre Union (a seguir «BECTU» ou «demandante») contra o Secretary of State for Trade and Industry (a seguir «demandado»).

16. O BECTU é um sindicato que conta com cerca de 30 000 aderentes dos sectores da radiotelevisão, cinema, teatro e afins, que trabalham como técnicos de som, operadores de câmara, técnicos de efeitos especiais, projeccionistas, técnicos de montagem, investigadores, cabeleireiros, maquilhadores e profissões similares. Quando são contratados por um período determinado na produção de um programa de televisão, de um filme, de um vídeo ou de uma publicidade, estes trabalhadores são admitidos com base num contrato de trabalho a prazo de curta duração. Consequentemente, desenvolvem de facto a sua actividade de modo regular mas no quadro de uma série de contratos a prazo certo distintos, a favor da mesma ou de várias entidades patronais. A maior parte destes trabalhadores acaba, assim, por não satisfazer a condição de tempo estabelecido pelo artigo 13.° do regulamento, não adquirindo, portanto, direito a férias anuais remuneradas.

17. No entender do BECTU, este resultado é a consequência de uma transposição incorrecta da disposição comunitária e, manifestamente, do facto de o regulamento de execução ter imposto a condição, não justificada pela directiva, nos termos da qual os trabalhadores só podem beneficiar do direito a férias anuais remuneradas se tiverem cumprido um período mínimo de 13 semanas de trabalho para a mesma entidade patronal. Consequentemente, o BECTU interpôs um recurso contra o Secretary of State for Trade and Industry para obter a anulação do artigo 13.° , n.° 7, do regulamento de execução. A High Court admitiu o recurso em 18 de Janeiro de 1999.

18. Para poder determinar a compatibilidade do regulamento de execução com a directiva e, portanto, decidir do pedido de anulação do mesmo, a High Court entendeu ser necessário pedir ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse, a título prejudicial, em aplicação do artigo 234.° CE, sobre as seguintes questões:

«1) A expressão de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais constante do artigo 7.° da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, [...] deve ser interpretada no sentido de que permite a um Estado-Membro aprovar legislação nacional segundo a qual:

a) um trabalhador só começa a adquirir o direito às férias anuais remuneradas a que se refere o artigo 7.° (ou os correspondentes benefícios) depois de completar um determinado período de trabalho para a mesma entidade patronal; mas que

b) uma vez cumprido esse período mínimo, o tempo de actividade realizado é tomado em consideração para efeitos de cálculo do seu direito a férias?

2) Se a resposta à questão anterior for afirmativa, quais os factores a tomar em consideração pelo órgão jurisdicional nacional para apurar se um determinado período de trabalho para o mesmo empregador é legal e proporcionado? Mais especificamente, é legítimo que um Estado-Membro tome em consideração o custo para as entidades patronais da concessão de direitos a trabalhadores que estiveram empregados por períodos mais curtos do que o período de trabalho mínimo fixado?»

Primeira questão

Colocação do problema

19. Através da primeira questão, a High Court coloca-nos um problema de interpretação do artigo 7.° da directiva e, em especial, da expressão «de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais». Em substância, pretende saber se tal expressão autoriza um Estado-Membro a prever, nas medidas de execução do artigo 7.° que adopta, que o direito do trabalhador a férias anuais remuneradas não começa a ser adquirido enquanto o trabalhador não tiver cumprido um período mínimo de actividade para a mesma entidade patronal.

20. De facto, é invocando aquela expressão e o reenvio que efectua para a legislação e as práticas nacionais que o Reino Unido defende a legalidade da norma objecto de impugnação perante o juiz nacional. Segundo o Governo do Reino Unido, de facto, nos termos em que está formulado, o artigo 7.° da directiva deixa aos Estados-Membros a incumbência de regulamentar tanto as modalidades de gozo como de aquisição do direito a férias, autorizando-os, portanto, a encontrar o ponto de equilíbrio entre as exigências de protecção dos direitos dos trabalhadores e as do sistema económico nacional e das empresas interessadas, especialmente as pequenas e médias empresas.

21. É outra, porém, como melhor veremos adiante, a posição do BECTU e da Comissão, segundo os quais a margem de liberdade deixada aos Estados-Membros pelo artigo 7.° é bastante mais limitada.

O direito a férias anuais remuneradas como direito social fundamental

22. Considero que, para responder adequadamente ao juiz nacional, há que começar por enquadrar o direito a férias anuais remuneradas no contexto mais geral dos direitos sociais fundamentais. De facto, não é na directiva sobre o tempo de trabalho que o direito que ora se discute encontra a sua primeira consagração, porque, na realidade, há muito que é considerado, além da duração do período de férias garantido, entre os direitos sociais fundamentais.

23. Já em 1948 a Declaração Universal reconheceu o direito ao repouso, especialmente a uma limitação razoável da duração de trabalho e a férias periódicas pagas (artigo 24.° ) . Posteriormente, tanto a Carta Social Europeia, aprovada em 1961 pelo Conselho da Europa (artigo 2.° , n.° 3) , como o Pacto Internacional das Nações Unidas, de 1966, sobre os direitos económicos, sociais e culturais [artigo 7.° , alínea d] , consagraram expressamente o direito a condições de trabalho justas.

24. No plano comunitário, sabe-se que os Chefes de Estado ou de Governo consagraram aquele mesmo direito no ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, que adoptaram por ocasião do Conselho Europeu de Estrasburgo de 1989 e que é mencionada pela referida directiva sobre o tempo de trabalho no quarto considerando .

25. Os actos a que até agora me referi genérica e indistintamente diferenciam-se, é certo, sob vários aspectos. O respectivo conteúdo preceptivo nem sempre é, de facto, como vimos, idêntico; também não é idêntico o seu alcance normativo, tratando-se nalguns casos de convenções internacionais, noutros de declarações solenes; diverso é também, manifestamente, o respectivo âmbito de aplicação subjectivo. No entanto, é significativo que em todos esses actos o direito a um período de férias remuneradas seja reconhecido em termos inequívocos entre os direitos fundamentais dos trabalhadores.

26. Ainda mais significativo, por outro lado, se me afigura o facto de o direito encontrar hoje consagração solene na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão depois de ter sido aprovada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros, muitas vezes actuando com mandato expresso e específico dos parlamentos nacionais . No seu artigo 31.° , n.° 2, a Carta declara, de facto, que: «Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas». Esta formulação, segundo afirmação expressa da presidência da «Convenção» que elaborou a Carta, por um lado, inspirou-se no artigo 2.° da Carta Social Europeia e no ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos dos Trabalhadores, por outro, teve em devida conta «a Directiva 93/104/CE, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho» .

27. É certo que, do mesmo modo que alguns dos actos anteriormente citados, tão-pouco à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi reconhecido verdadeiro alcance normativo, ficando assim privada, do ponto de vista formal, de valor vinculativo autónomo. No entanto, mesmo não querendo entrar aqui no grande debate já em curso sobre os efeitos que, sob outras formas e por outras vias, a Carta poderia mesmo assim produzir, resta válido que nela se formulam enunciados que, em grande parte, reconhecem a existência de direitos já previstos noutras disposições. No seu preâmbulo pode ler-se que «A presente Carta reafirma, no respeito pelas atribuições e competências da Comunidade e da União e na observância do princípio da subsidiariedade, os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados-Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da Convenção europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem».

28. Penso, assim, que não se podem ignorar, num processo relativo à natureza e ao alcance de um direito fundamental, as declarações relevantes desta Carta; sobretudo, não se pode ignorar a sua manifesta vocação para, quando as suas disposições o autorizem, desempenhar o papel de parâmetro de referência substancial para todos os actores - Estados-Membros, instituições, pessoas singulares e colectivas - da cena comunitária. Neste sentido, portanto, considero que a Carta nos fornece a mais qualificada e definitiva confirmação da natureza de direito fundamental do direito a férias anuais remuneradas.

Alcance do direito a férias remuneradas

29. À luz de quanto precede, é possível delinear mais exactamente o sentido e o alcance do princípio enunciado no artigo 7.° da directiva em análise, segundo o qual «todos os trabalhadores» abrangidos pelo seu âmbito de aplicação têm direito a um período de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas; também se pode compreender melhor a razão pela qual a directiva se preocupa em assegurar uma implementação plena e eficaz de tal direito. Como direito social fundamental, de facto, o direito a férias remuneradas caracteriza-se, mesmo na directiva em análise, como um direito, para utilizar os termos da Comissão, «automático e incondicional» atribuído a qualquer trabalhador.

30. E é exactamente porque assim é encarado que este direito é subtraído às derrogações admitidas a outro título pela directiva. Em relação a outros aspectos da organização do tempo de trabalho, de facto, a directiva prevê a possibilidade de tomar em conta a particularidade de certas situações na fixação dos períodos de repouso e da duração máxima do trabalho. Por exemplo, o artigo 17.° autoriza que, para determinados grupos de trabalhadores ou determinados sectores de actividade, os Estados-Membros podem estabelecer derrogações a algumas disposições da directiva, taxativamente indicadas. Ora, entre estas disposições não figura o artigo 7.° relativo às férias anuais, nem logicamente poderia figurar graças a uma interpretação extensiva do artigo 17.° , uma vez que é sabido que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer derrogação de uma disposição comunitária deve ser expressamente prevista e ser objecto de interpretação estrita. No caso vertente, além disso, as próprias derrogações previstas no artigo 17.° já são de interpretação estrita, uma vez que o n.° 3 do artigo apenas as autoriza expressamente na condição de serem concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou, nos casos excepcionais em que tal não seja possível, lhes seja concedida uma protecção adequada.

31. Igualmente importante para determinar exactamente o alcance do direito a férias remuneradas reconhecido pelo artigo 7.° da directiva em análise parece-me o facto de o n.° 2 da disposição estabelecer a proibição, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho, de substituir o período mínimo de férias anuais por uma retribuição financeira, isto com o objectivo evidente de evitar que o trabalhador, movido pelo desejo de ganhar melhor ou pela pressão das entidades patronais, renuncie aos seus direitos. O que confirma, além disso - e trata-se de uma questão que merece ser sublinhada - que, em conformidade com o seu objectivo de «assegurar um melhor nível de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores» (primeiro considerando), a directiva se destina não só a tutelar o interesse do indivíduo, mas também um interesse social de carácter mais geral: o interesse da saúde e da segurança dos trabalhadores.

As possíveis limitações do direito a férias

32. Debrucemo-nos agora sobre a questão submetida pelo juiz nacional, isto é, a interpretação do artigo 7.° , n.° 1, da directiva, na parte em que afirma que o direito dos trabalhadores a férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, é reconhecido «de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais». De facto, como se viu, é exactamente com base nesta referência que o Reino Unido tenta legitimar as limitações ao direito em análise introduzidas pela sua legislação de execução da directiva.

33. Afirmo desde já que, em minha opinião, o Governo do Reino Unido atribui à expressão acima referida um alcance excessivo e que as limitações que impõe ao direito a férias vão além daquilo que é autorizado pela directiva, uma vez que chegam a impedir totalmente, nos casos contemplados, a aquisição de tal direito.

34. Não se pretende obviamente negar que a expressão em causa implique uma remissão para a legislação nacional e, portanto, o reconhecimento de uma margem de intervenção dos Estados-Membros a fim de definir as modalidades de gozo do direito a férias. Em especial, como assinala igualmente a Comissão, tal remissão destina-se a permitir aos Estados-Membros definir um quadro normativo que regule os aspectos organizativos e processuais para o gozo das férias, tais como: planificação do período de férias, eventual obrigação para o trabalhador de notificar antecipadamente a entidade patronal do período de férias que pretende gozar, imposição de um período mínimo de trabalho antes de poder gozar férias, critérios para o cálculo proporcional do direito a férias anuais quando a duração da relação de trabalho é inferior a um ano e assim por diante. Mas trata-se unicamente de medidas destinadas a estabelecer as «condições de obtenção e de concessão» do direito a férias, e, como tais, autorizadas pela directiva. Aquilo que, ao invés, me parece que a directiva não autoriza é que a intervenção do legislador e/ou das práticas nacionais possa desenvolver-se em absoluta (ou quase) liberdade e conduzir a situações em que possa impedir o próprio nascimento do direito.

35. É exactamente este o efeito da norma britânica em discussão. De facto, estabelece expressamente que «o direito [a férias] não será reconhecido se o trabalhador não tiver cumprido 13 semanas de trabalho consecutivas» (artigo 13.° , n.° 7, do regulamento de execução), o que tem como consequência que os trabalhadores com um contrato de trabalho de duração inferior a treze semanas, como muitos dos filiados no BECTU, não poderiam nunca, ou apenas raramente, adquirir direito a férias.

36. Contra esta solução militam várias considerações. Em primeiro lugar, e a título principal, parece-me que tal solução desvirtua o sentido e o alcance da directiva e do princípio por ela claramente enunciado e tutelado. O direito a férias, como se viu, tem a natureza de um direito fundamental e é como tal considerado mesmo pela directiva em análise. Interpretar a remissão para a legislação nacional como susceptível de permitir a introdução de limitações que possam levar à supressão de tal direito estaria seguramente, na falta de uma indicação normativa precisa e inequívoca em tal sentido, em contradição com a finalidade da directiva e com a natureza do direito por ela consagrado. Isto traduzir-se-ia em condicionar às normas de cada Estado-Membro não já as modalidades específicas de exercício de um direito consagrado por uma directiva e, portanto, tutelado a nível comunitário, mas a própria atribuição de tal direito.

37. No entanto, apesar de importante, esta não é a única implicação da legislação do Reino Unido que se afigura pouco coerente com o sistema criado pela directiva. Acresce, de facto, que tal legislação introduz subrepticiamente, no aspecto que aqui nos interessa, uma distinção entre as relações de trabalho por tempo determinado e tempo indeterminado, que a directiva não prevê e que não pode ser deduzida por via interpretativa, dada a natureza do direito em questão, várias vezes sublinhada, e os critérios restritivos a seguir para as eventuais limitações do mesmo.

38. Pode ainda sublinhar-se que a legislação do Reino Unido em análise priva de alcance a mencionada previsão do n.° 2 do artigo 7.° da directiva. Se, de facto, o direito a férias não é reconhecido em caso de contratos de duração inferior a treze semanas, os trabalhadores que se encontrem em tais condições, não tendo qualquer direito a férias, nem sequer podem exigir o pagamento da contrapartida financeira que, nos termos da referida disposição, deve alternativamente ser paga ao trabalhador que tem direito a férias, em caso de interrupção antecipada da relação de trabalho. Isto com o resultado de que o trabalhador que ponha termo à sua relação de trabalho antes das treze semanas prescritas não goza o período de férias (proporcionais) até então adquirido nem tem direito à contrapartida financeira em substituição que lhe permitiria, apesar de tudo, gozar de um período de férias remuneradas antes de iniciar nova relação de trabalho. Tudo isto, evidentemente, em prejuízo dos objectivos da directiva de proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores e de lhes assegurar um elevado nível de protecção. Isto para não falar, como assinala ainda a Comissão, dos abusos a que se poderia prestar um sistema como o previsto pela legislação do Reino Unido, susceptível de encorajar o recurso a contratos de duração inferior às treze semanas por parte das entidades patronais, a fim de iludir a norma geral.

A «flexibilidade» na execução da directiva

39. Não obstante o que precede, o Governo do Reino Unido insiste numa interpretação extensiva da margem concedida aos Estados-Membros pelo artigo 7.° da directiva, aduzindo a favor da mesma alguns argumentos que aqui passo a expor.

40. Em primeiro lugar, recorda que a directiva, no décimo sétimo considerando, declara que «se afigura oportuno prever uma certa flexibilidade na aplicação de determinadas disposições da presente directiva, assegurando ao mesmo tempo a observância dos princípios da protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores».

41. Em minha opinião, porém, tal considerando nada acrescenta nem retira ao que disse anteriormente. E isto não só porque evidentemente, como todos os considerandos de actos normativos, este apenas tem como função fundamentar as disposições substanciais do acto e não estabelecer preceitos normativos autónomos, mas sobretudo porque não comporta, quanto à questão que nos interessa, consequências diversas das que deduzi da expressão do artigo 7.° sobre a qual a questão em análise solicita a nossa atenção (v. n.os 34 e segs.). De facto, no trecho referido, não neguei a oportunidade de uma certa flexibilidade, tanto mais que esta é, de uma certa forma, enunciada pela própria disposição. Por outro lado, a flexibilidade a que faz referência o décimo sétimo considerando é igualmente garantida, num plano mais geral, pelas normas da directiva que prevêem múltiplas combinações de períodos de referência, derrogações e isenções. O verdadeiro problema surge, porém, quando se passam a definir os limites que tal flexibilidade não pode ultrapassar; e, a este propósito, não me parece que o considerando permita que se tirem conclusões diferentes das que anteriormente indiquei. De resto, o advogado-geral Léger falou oportunamente de «grande flexibilidade da directiva», sublinhando o seguinte: «[m]as é inerente a uma legislação em matéria de saúde e de segurança que a flexibilidade na sua aplicação não possa ser infinita, sob pena de se admitir que perca toda a sua utilidade atendendo ao objectivo em função do qual foi adoptada» .

42. Uma maior flexibilidade do artigo 7.° também não pode ser confirmada, como pretende o Governo do Reino Unido, pelo facto de à disposição comunitária sobre o direito a férias anuais ter sido dada execução de modo diverso pelos Estados-Membros. Em meu entender, este argumento deve ser afastado com base em duas ordens de considerações.

43. Em primeiro lugar, não se afirma que a diversidade se tenha necessariamente traduzido numa deformação da disciplina nacional em relação à comunitária. Mesmo admitindo que legislações ou práticas de alguns Estados-Membros pudessem não ser conformes à directiva, um princípio fundamental conhecido do ordenamento comunitário leva-nos a concluir que não seria por isto que os Estados-Membros ficariam isentos da obrigação de cumprir correctamente as obrigações resultantes do direito comunitário.

44. Fora destas hipóteses, devo observar que a eventual existência de diferenças entre os Estados-Membros pertence, dentro de certos limites, à própria natureza de directivas como a que aqui se analisa, portanto, de directivas que, como também observou a Comissão e o BECTU, na acepção do artigo 118.° -A do Tratado CE, têm como «objectivo a harmonização, no progresso, das condições existentes» no local de trabalho. Como o Tribunal de Justiça várias vezes afirmou no frequentemente citado acórdão de 12 de Novembro de 1996: «a realização desse objectivo através de prescrições mínimas implica necessariamente uma acção de envergadura comunitária que, de resto [...], deixa em grande medida aos Estados-Membros a incumbência de adoptar as modalidades de aplicação necessárias» .

45. Mas trata-se exactamente de «modalidades de aplicação», não da definição do próprio alcance da acção comunitária. Se, de facto, cada Estado-Membro fosse livre de determinar tal alcance, seria materialmente impossível assegurar níveis comparáveis de protecção e, portanto, o próprio objectivo de harmonização. É por este motivo que, na acepção do artigo 118.° -A do Tratado CE, a directiva estabelece «prescrições mínimas»; por conseguinte, impõe aos Estados-Membros um padrão vinculativo, que apenas pode ser superado em sentido mais favorável ao beneficiário. Trata-se, de resto, de uma técnica largamente utilizada pelas disposições em matéria social e, mais genericamente, pelos instrumentos internacionais de protecção dos direitos do homem, técnica cuja razão de ser é o objectivo de melhorar as condições dos trabalhadores, mas à qual também não é alheia uma finalidade de carácter diverso. O objectivo de assegurar um nível mínimo de protecção comparável entre os vários Estados-Membros responde igualmente à exigência concorrencial de evitar formas de dumping social, evitando, assim, em última análise, que a economia de um Estado-Membro possa beneficiar com a adopção de normas menos protectoras do que as de outros Estados-Membros.

46. Por conseguinte, além das simples «modalidades de aplicação» do direito a férias, a liberdade (ou a flexibilidade) que resta aos Estados-Membros é unicamente de acrescentar e não de reduzir a protecção dos trabalhadores abaixo dos níveis previstos. Como recordei supra, de facto, o artigo 118.° -A estabelece «prescrições mínimas» «numa perspectiva de progresso», o que, como recorda o Tribunal de Justiça no frequentemente referido acórdão de 12 de Novembro de 1996, não significa limitar «a intervenção comunitária ao mínimo denominador comum, nem mesmo ao nível de protecção mais baixo estabelecido pelos diferentes Estados-Membros», mas antes que «os Estados são livres de conceder uma protecção reforçada relativamente à protecção, eventualmente elevada, que resulte do direito comunitário» (n.° 56). Por outras palavras, as derrogações ao padrão mínimo fixado pela directiva só podem orientar-se numa única direcção e não me parece que a seguida pela legislação do Reino Unido seja a direcção justa.

O direito a férias e as exigências das empresas

47. Feitas estas considerações no que respeita à interpretação do artigo 7.° da directiva, cabe agora observar que a legislação em causa tão-pouco se justifica, em minha opinião, com base noutro importante argumento aduzido pelo demandado no processo principal.

48. Segundo o Governo do Reino Unido, de facto, a exclusão dos trabalhadores com um contrato de trabalho de duração inferior a treze semanas da possibilidade de adquirirem de modo progressivo e proporcional o direito a férias anuais (artigo 13.° , n.° 7, do regulamento de execução) representa um ponto de equilíbrio entre, por um lado, a legítima pretensão dos trabalhadores a férias anuais remuneradas a fim de garantir a qualidade das suas condições de saúde e de segurança e, por outro, a exigência das empresas, em especial as pequenas e médias, de não se verem oneradas com vínculos administrativos e financeiros excessivos (como recomenda o artigo 118.° -A, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CE). A este propósito, a limitação prevista pela legislação do Reino Unido seria adequada e proporcionada em termos de respeito do objectivo da directiva de garantir a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores. Segundo o demandado, de facto, um trabalhador não beneficia de direito a férias a partir do primeiro dia de trabalho, uma vez que só depois de um certo período ininterrupto de trabalho é que as férias são efectivamente necessárias para aliviar o cansaço acumulado com o trabalho prestado; ao invés, segundo o Governo do Reino Unido, durante as primeiras semanas, o trabalhador consegue recuperar graças aos períodos de repouso diários e semanais.

49. Como disse, este raciocínio não se me afigura convincente. Examinarei esta questão evocando os dois aspectos referidos: o relativo às condições de saúde e de segurança dos trabalhadores e o relativo aos encargos que as férias anuais comportam, em especial para as pequenas e médias empresas.

50. No que respeita ao primeiro aspecto, receio bem que o argumento do Governo do Reino Unido se baseie num equívoco. De facto, embora seja verdade que a exigência de um repouso prolongado, como o facultado pelas férias, apenas passa a existir após um período de trabalho de certa duração, isso não significa que seja lícito privar o trabalhador do direito de gozar férias a partir do primeiro dia de trabalho. Por outras palavras, uma coisa é limitar a possibilidade de gozar férias antes de decorrido um certo lapso de tempo após o início da relação laboral, sem no entanto impedir que tal período seja contado para efeitos de aquisição proporcional de dias de férias que poderão posteriormente ser gozados, outra coisa é impor um período mínimo de trabalho - no caso vertente, treze semanas - como condição para essa mesma aquisição do direito a férias. Isto para não falar, como já observei, do facto de esta segunda solução ser susceptível de conduzir a um resultado paradoxal e inaceitável, na medida em que um trabalhador que trabalha habitualmente com contratos de duração inferior às treze semanas não só nunca conseguiria adquirir o direito a férias como nem sequer poderia receber a contrapartida financeira a que se refere o artigo 7.° , n.° 2, da directiva.

51. No que respeita ao outro elemento avançado, ou seja, o relativo aos excessivos encargos que uma disciplina mais generosa do direito a férias comportaria para as empresas, quero dizer, antes de mais, em termos gerais, que a mesma directiva, no seu quinto «considerando», sublinha que «a melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objectivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica» . Sublinhe-se, além disso, no que respeita concretamente às possíveis consequências dos referidos encargos para as pequenas e médias empresas, que a norma britânica tem alcance geral, no sentido de que não prevê nenhuma diversidade de regime consoante os empregadores sejam empresas pequenas, médias ou grandes.

52. Dito isto, recordo que o Tribunal de Justiça esclareceu, no citado acórdão de 12 de Novembro de 1996 (n.° 44), que o artigo 118.° -A, n.° 2, segundo parágrafo, do Tratado CE não comporta nenhuma proibição absoluta de adoptar disposições vinculativas para as pequenas e médias empresas . Mais concretamente, o Tribunal declarou, neste mesmo acórdão, que, ao adoptar a directiva em causa, o legislador comunitário teve em conta as incidências que a organização do tempo de trabalho que prevê pode ter sobre as pequenas e médias empresas. Já procedeu à avaliação das diversas exigências em jogo e não considerou útil prever derrogações ou disposições especiais além das já recordadas [por exemplo, a previsão de um período transitório para a plena aplicação do direito a férias, mencionado no artigo 18.° , n.° 1, alínea b)] (n.os 44 e 64). Pode-se dizer que esta avaliação do legislador comunitária superou com sucesso, em sede jurisdicional, as objecções suscitadas pelo Governo do Reino Unido.

53. Por todos estes motivos, considero poder concluir que a legislação nacional em causa não é compatível com o artigo 7.° da directiva sobre o tempo de trabalho, que garante a todos os trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação o direito a um período mínimo de quatro semanas de férias remuneradas por cada ano de trabalho. As leis ou as práticas nacionais podem regulamentar o exercício de tal direito disciplinando as condições e as modalidades de aquisição e de gozo proporcionalmente ao trabalho efectivamente prestado; não podem, porém, impedir o nascimento do próprio direito, subordinando-o ao cumprimento de um período mínimo de actividade laboral ao serviço da mesma entidade patronal.

Quanto à segunda questão

54. A segunda questão foi submetida na hipótese de ser dada resposta afirmativa à primeira questão ou seja, portanto, no caso de se considerar legal a limitação do direito a férias prevista pela legislação do Reino Unido. Nessa hipótese, a High Court pergunta quais são os elementos que o juiz nacional deve tomar em consideração para estabelecer se um determinado período mínimo de actividade para a mesma entidade patronal é legal e proporcionado; em especial, se um Estado-Membro pode legalmente tomar em consideração o custo que comporta para o empregador o reconhecimento do direito a férias anuais remuneradas aos trabalhadores que trabalham durante menos de treze semanas.

55. Dado que propus que se respondesse negativamente à primeira questão, limitar-me-ei a brevíssimas reflexões sobre a questão acabada de sintetizar. Em especial, limitar-me-ei a sublinhar que, nas observações apresentadas sobre esta questão, o Governo do Reino Unido indica, como elementos a ter presentes para justificar as supostas limitações do direito a férias, a duração do período mínimo, o efeito nocivo que a limitação poderia eventualmente provocar para a saúde do trabalhador e os custos (mínimos) que poderiam daí resultar para as empresas. No essencial, invoca, portanto, os mesmos elementos que a vários títulos foram já considerados na análise da primeira questão prejudicial, pelo que não vejo motivos para me afastar da posição que exprimi anteriormente.

56. Tudo o que poderei acrescentar, com o único objectivo de esgotar a discussão do problema, é que, no caso de os Estados-Membros serem autorizados a estabelecer limitações não previstas pela directiva à aquisição do direito a férias anuais consagrado no artigo 7.° , tais limitações poderiam justificar-se unicamente se se provasse serem estritamente necessárias para alcançar o objectivo da directiva; no entanto, em nenhum caso tais limitações poderiam ser justificadas exclusivamente em razão dos custos que a sua inexistência acarretaria para o empregador.

Conclusões

57. Com base nas considerações que precedem, proponho portanto ao Tribunal de Justiça que responda às questões do juiz nacional do seguinte modo:

«A expressão de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais constante do artigo 7.° da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, obsta a que uma legislação nacional com base na qual um trabalhador apenas adquire direito às férias anuais remuneradas a que se refere o mencionado artigo 7.° (ou aos benefícios correspondentes) depois de completar um determinado período de trabalho para a mesma entidade patronal, mesmo se, uma vez cumprido esse período mínimo, o tempo de actividade realizado é tomado em consideração para efeitos de cálculo do seu direito a férias».

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