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Document 61999CC0135

Conclusões do advogado-geral Saggio apresentadas em 13 de Abril de 2000.
Ursula Elsen contra Bundesversicherungsanstalt für Angestellte.
Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha.
Segurança social dos trabalhadores migrantes - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Artigos 3.º e 10.º e Anexo VI, rubrica C, ponto 19 - Seguro de velhice - Validação de períodos consagrados à educação de um filho cumpridos num outro Estado-Membro.
Processo C-135/99.

Colectânea de Jurisprudência 2000 I-10409

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:214

61999C0135

Conclusões do advogado-geral Saggio apresentadas em 13 de Abril de 2000. - Ursula Elsen contra Bundesversicherungsanstalt für Angestellte. - Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha. - Segurança social dos trabalhadores migrantes - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Artigos 3.º e 10.º e Anexo VI, rubrica C, ponto 19 - Seguro de velhice - Validação de períodos consagrados à educação de um filho cumpridos num outro Estado-Membro. - Processo C-135/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-10409


Conclusões do Advogado-Geral


1 Por despacho apresentado em 19 de Abril de 1999, o Bundessozialgericht (Alemanha) submeteu ao Tribunal de Justiça - no âmbito de um litígio que opõe uma trabalhadora migrante à administração da segurança social alemã - uma questão prejudicial relativa à eventual equiparação, para efeitos da concessão de uma prestação de velhice, de um período no decurso do qual um trabalhador assalariado tenha educado um filho num Estado-Membro diferente da Alemanha a um verdadeiro «período consagrado à educação dos filhos» («Kindererziehungszeit»), em relação ao qual a legislação social alemã considera como pagas as cotizações obrigatórias para o seguro de velhice.

Legislação nacional aplicável

2 O sistema de pensões alemão permite tomar em consideração, no quadro do seguro de velhice, os períodos que o trabalhador tenha consagrado exclusivamente à educação (1) dos filhos. Em virtude dos §§ 56, n._ 1, e 249 do livro VI do Sozialgesetzbuch (a seguir «SGB VI»), de 18 de Dezembro de 1989, as cotizações obrigatórias para o seguro de velhice relativas ao «período consagrado à educação de um filho» («Kindererziehungszeit») são consideradas pagas durante os três primeiros anos de vida do filho se este tiver nascido depois de 1 de Janeiro de 1992, ou durante o primeiro ano de vida deste se tiver nascido antes desta data. Além disso, nos termos do § 57 do SGB VI, o período de educação de um filho até este perfazer dez anos de idade é considerado como um «período a tomar em consideração», sob a condição de que também durante este período se verifiquem todos os requisitos para o cômputo de um «período consagrado à educação de um filho». É importante sublinhar que as cotizações em causa têm um carácter abstracto, no sentido de que a sua tomada em consideração não está sujeita à condição de que tenham sido efectivamente pagas antes ou depois dos períodos consagrados à educação de um filho. Por conseguinte, o direito à pensão de velhice pode ser adquirido por meio da acumulação unicamente das cotizações abstractas relativas aos períodos consagrados à educação de um filho, sem que tenha sido exercida qualquer actividade profissional antes ou depois destes períodos.

3 O benefício social previsto pela legislação alemã corresponde a opções de política familiar destinadas a permitir que um trabalhador se possa ocupar da educação dos seus filhos sem que os seus direitos à pensão estejam comprometidos. Nessa perspectiva, a educação de um filho é considerada da mesma forma que uma prestação de interesse geral, constituindo o período a ela consagrado uma fonte autónoma de direitos a pensão, nomeadamente para assegurar a igualdade de tratamento das actividades exercidas no seio da família (2).

4 A tomada em consideração dos períodos consagrados à educação dos filhos está, por outro lado, sujeita no direito alemão a um critério de natureza territorial. De facto, de acordo com o § 56, n._ 1, do SGB VI, já referido, para que o progenitor possa beneficiar de um benefício social, é necessário que a educação dos filhos tenha tido lugar no território alemão ou, pelo menos, que seja equiparável a uma educação desse tipo. A educação terá tido lugar na Alemanha se o progenitor aí residisse habitualmente com o filho. O § 56, n._ 3, dispõe que é equiparável à educação no território da Alemanha «o facto de o progenitor encarregado da educação ter residido habitualmente no estrangeiro com o filho e, durante o período de educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, ter cumprido períodos de cotização obrigatória por ter exercido nesse país uma actividade assalariada ou por conta própria».

Regulamentação comunitária aplicável

5 Recordo, antes de mais, que o artigo 48._, n.os 1 e 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._, n.os 1 e 2, CE) assegura a livre circulação de trabalhadores na Comunidade. Esta liberdade «implica a abolição de toda e qualquer discriminação, em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho». Além disso, o artigo 51._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42._ CE) prevê que o Conselho adopte «no domínio da segurança social as medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores».

6 Como é sabido, o acto jurídico comunitário fundamental em matéria de segurança social dos trabalhadores migrantes é o Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (3), codificado pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (4), e várias vezes alterado e actualizado. Entre as alterações em causa, o Regulamento (CEE) n._ 2195/91 do Conselho, de 25 de Junho de 1991 (5), diz indirectamente respeito ao presente processo.

7 O Regulamento n._ 1408/71 aplica-se, segundo o artigo 2._, n._ 1, «aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros», abrangendo os trabalhadores fronteiriços que o artigo 1._, alínea b), define como os trabalhadores que exercem as suas actividades profissionais no território de um Estado-Membro e residem no território de outro Estado-Membro, ao qual regressam, em princípio, «diariamente ou pelo menos uma vez por semana». O artigo 4._ dispõe, quanto ao âmbito de aplicação material, que o Regulamento n._ 1408/71 se aplica às legislações nacionais relativas aos ramos de segurança social que dizem respeito, nomeadamente, a «prestações de velhice» e a «prestações familiares», sendo estas últimas entendidas como as prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares. O princípio da igualdade de tratamento encontra-se enunciado no artigo 3._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71: «As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento». Por outro lado, a ilegalidade das cláusulas de residência está claramente estabelecida no artigo 10._, n._ 1: «Salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez, velhice ou sobrevivência, as rendas por acidente de trabalho ou doença profissional e os subsídios por morte adquiridos ao abrigo da legislação de um ou de mais Estados-Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora». Recordo por fim que, em virtude do artigo 13._, n.os 1 e 2, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71, «o trabalhador ao qual se aplica o presente regulamento apenas está sujeito à legislação de um Estado-Membro» e que «o trabalhador que exerça uma actividade no território de um Estado-Membro está sujeito à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro».

8 O Anexo VI do Regulamento n._ 1408/71 (na versão consolidada) contém as modalidades de aplicação especial das legislações de certos Estados-Membros. No caso da República Federal da Alemanha, este anexo foi alterado pelo artigo 1._, n._ 12, alínea b), ponto V, do Regulamento n._ 2195/91, o qual acrescentou - «com efeito a partir de 1 de Janeiro de 1986» - na rubrica «C. Alemanha», o n._ 19, que dispõe: «Um período de seguro para a educação de crianças em conformidade com a legislação alemã é válido mesmo para o período em que o trabalhador assalariado em questão educou a criança num outro Estado-Membro desde que este trabalhador assalariado não possa exercer o seu emprego por motivo do n._ 1 do artigo 6._ da Mutterschutzgesetz [lei relativa à protecção da maternidade] ou desde que solicite uma licença para os pais de acordo com o artigo 15._ da Bundeserziehungsgeldgesetz [lei federal relativa ao subsídio e à licença para criação dos filhos] e não tenha exercido um emprego menor (geringfügig) no sentido do disposto no artigo 8._ do SGB IV».

Matéria de facto do litígio no processo principal

9 U. Elsen, de nacionalidade alemã, transferiu a sua residência em Maio de 1981 da Alemanha para a França, onde vive desde então de forma estável com o marido e um filho, nascido em Agosto de 1984 na Alemanha. Até Março de 1985, U. Elsen exerceu na Alemanha uma actividade profissional sujeita ao seguro obrigatório, adquirindo depois da transferência da sua residência para França (Maio de 1981) o estatuto de trabalhadora fronteiriça. A actividade profissional de U. Elsen foi interrompida durante o período compreendido entre o mês de Julho de 1984 e o mês de Fevereiro de 1985, na sequência de uma licença de maternidade pelo nascimento do seu filho em Agosto de 1984. A partir do mês de Março de 1985, U. Elsen deixou de exercer qualquer actividade profissional sujeita ao seguro obrigatório na Alemanha ou em França.

10 Em Setembro de 1994, U. Elsen apresentou ao Bundesversicherungsanstalt für Angestellte (organismo federal de seguro para os empregados), com sede em Berlim, um pedido destinado a que fossem tomados em consideração como períodos de seguro o «período consagrado à educação de um filho» compreendido entre 1 de Setembro de 1984 e 31 de Agosto de 1985, assim como o «período a tomar em consideração» para a educação dos filhos, de 22 de Agosto de 1984 a 31 de Agosto de 1994. O organismo de seguro competente indeferiu este pedido por decisão de 12 de Setembro de 1995, confirmado por decisão posterior proferida sobre a reclamação de 21 de Agosto de 1996.

11 O recurso judicial que a interessada interpôs contra a decisão definitiva de indeferimento do seu pedido de validação foi julgado improcedente por sentença de 11 de Agosto de 1997 do Sozialgericht de Berlim. U. Elsen interpôs recurso de revista «per saltum» dessa sentença para o Bundessozialgericht pedindo a anulação da sentença da primeira instância e a validação dos períodos em questão.

A questão prejudicial

12 No despacho de reenvio apresentado em 19 de Abril de 1999, o Bundessozialgericht pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial e que determine se o direito comunitário impõe o cômputo de um período de educação de um filho, na acepção do direito alemão em vigor antes de 1 de Janeiro de 1986, quando a educação dos filhos tiver tido lugar num Estado-Membro diferente (neste caso, em França), mas o progenitor encarregado de educação exercia uma profissão sujeita ao seguro obrigatório na República Federal da Alemanha como trabalhador fronteiriço até ao início do período de protecção da maternidade e também depois de terminar o período de licença por maternidade.

13 O tribunal de reenvio explica a razão pela qual a questão prejudicial que submete ao Tribunal de Justiça deve ser considerada relevante para a solução a dar no processo principal. A este respeito, observa que o organismo de seguro alemão tinha indeferido o pedido da recorrente destinado a incluir no cômputo dos períodos de seguro o período de um ano consagrado à educação do seu filho e o período de dez anos a tomar em consideração a título dessa educação, pelo motivo de que a legislação alemã aplicável exigia, na altura dos factos, que a educação de um filho tivesse tido lugar no território alemão ou que o progenitor em questão residisse na Alemanha, enquanto, no presente caso, o progenitor em questão (U. Elsen) residia em França com o seu cônjuge desde o mês de Maio de 1981 e aí tinha educado o seu filho, e pelo motivo de que essa educação não podia ser considerada equiparável a uma educação na Alemanha. Uma condição fundamental de atribuição do benefício social em causa, que tinha indiscutivelmente um carácter territorial, não estava, portanto, preenchida. Se essa condição fosse compatível com o direito comunitário, o indeferimento do pedido da demandante seria legal, enquanto, se não o fosse, esse indeferimento deveria ser julgado ilegal e a demandante teria direito a beneficiar dessa vantagem social.

14 Na perspectiva adoptada pelo tribunal de reenvio, as disposições previstas no n._ 19 da rubrica C do Anexo VI do Regulamento n._ 1408/71, número aditado pelo Regulamento n._ 2195/91, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1986, não têm qualquer relevância para a solução do litígio no processo principal. Com efeito, o período de educação do filho da recorrente ocorreu nos dois anos que precedem essa data (de 1 de Setembro de 1984 a 31 de Agosto de 1985), e o período de dez anos a ser tomado em consideração por essa educação começou a decorrer em 22 de Agosto de 1984, isto é, muito antes, também este, da entrada em vigor da nova regulamentação. Além disso, mesmo abstraindo destas considerações, o pedido da recorrente não poderia ser acolhido na sua totalidade em virtude dessa regulamentação. Com efeito, como explica o próprio tribunal de reenvio, «o § 6 do Mutterschutzgesetz [...] só é aplicável [...] a pessoas que tenham uma relação laboral (o que, no caso da demandante, só sucedeu até Março de 1985)», e, por outro lado, «segundo o § 15 da Bundeserziehungsgeldgesetz, só a partir de 1 de Janeiro de 1986 é que é possível gozar licenças para educação de filhos, porque essa lei só entrou em vigor nesta data».

A resposta à questão prejudicial

Contexto jurídico do problema levantado pelo tribunal de reenvio

15 Para poder identificar as disposições comunitárias que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, importa, antes de mais, determinar o período a que é necessário reportar para qualificar a situação, relativamente ao seguro em causa, de um trabalhador que se encontre na mesma situação que a recorrente no processo principal. Há que observar a este propósito que, conforme o despacho de reenvio, U. Elsen exerceu uma actividade profissional na Alemanha até ao mês de Março de 1985, e que essa actividade foi interrompida entre o mês de Julho de 1984 e o mês de Fevereiro de 1985, que é o período durante o qual, depois do nascimento do seu filho, beneficiou da licença de maternidade prevista pela legislação alemã. O nascimento do seu filho e a necessidade de assegurar ininterruptamente a sua educação constituem o fundamento do pedido pelo qual a interessada solicitou ao organismo de seguro competente, em Setembro de 1994, que contabilizasse, como períodos de seguro, o «período de educação de um filho» compreendido entre 1 de Setembro de 1984 e 31 de Agosto de 1985, e o «período a tomar em consideração» para a educação dos filhos, de 22 de Agosto de 1984 a 31 de Agosto de 1994. Daqui decorre que o período a tomar em consideração para determinar as disposições aplicáveis à situação objecto do processo principal, assim como a todas as situações análogas, é aquele que começa a contar do nascimento do filho de U. Elsen, no mês de Agosto de 1984, uma vez que é a partir desse momento que se concretizam as pretensões do trabalhador em questão relativamente à administração social alemã.

16 Posto isto, importa de seguida determinar qual o estatuto de um trabalhador que se encontre na mesma situação em que se encontrava a recorrente no processo principal em Agosto de 1984. No momento do nascimento do seu filho, U. Elsen tinha, indiscutivelmente, o estatuto de «trabalhador fronteiriço» na acepção do artigo 1._, alínea b), do Regulamento n._ 1408/71. Com efeito, U. Elsen exercia uma actividade como trabalhadora dependente no território alemão e residia no território francês, onde regressava «diariamente ou pelo menos uma vez por semana». Este elemento não é contestado nem pela Comissão nem pelos governos intervenientes no presente processo. Em Agosto de 1984, U. Elsen estava, portanto, sujeita à legislação social da República Federal da Alemanha, de onde era nacional. Estavam, assim, preenchidas as duas condições às quais está sujeita, de acordo com o artigo 2._, n._ 1, a aplicação ratione personae do Regulamento n._ 1408/71 (sujeição à legislação de um Estado-Membro e nacionalidade de um Estado-Membro) (6). O disposto no artigo 13._, n._ 2, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71, acima mencionado, de acordo com o qual «o trabalhador que exerça uma actividade no território de um Estado-Membro está sujeito à legislação desde Estado» era, portanto, aplicável a U. Elsen. Por conseguinte, na data a tomar em consideração, ou seja, em Agosto de 1984, um trabalhador que se encontrasse na situação de U. Elsen estava sujeito exclusivamente ao regime social alemão, ainda que fosse residente noutro Estado-Membro.

17 É importante verificar agora se a tomada em consideração das cotizações obrigatórias abstractas, prevista pelos §§ 56, 57 e 249 do SGB VI para os períodos consagrados pelo progenitor à educação dos filhos, entra, nos termos do artigo 4._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71, no âmbito das «prestações de velhice» ou das «prestações familiares», entendendo-se estas últimas como as prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares. O tribunal de reenvio deixa esta questão em aberto, não acolhendo nem uma nem outra interpretação. Pela minha parte, considero que o benefício social em questão pode ao mesmo tempo ser qualificado de prestação de velhice e de prestação familiar. O facto de o legislador alemão ter previsto a contagem das cotizações abstractas no quadro do regime de seguro obrigatório contra a velhice não exclui, de facto, na minha opinião, que esse tipo de contagem possa ser considerado também um benefício social destinado a compensar os encargos familiares. Por esta razão, o benefício em questão, por um lado, insere-se no quadro de um seguro obrigatório contra a velhice, traduzindo-se num mecanismo de contagem de cotizações abstractas por períodos que o segurado tenha inteiramente consagrado à educação dos seus filhos e, por outro, representa uma forma de apoio financeiro que o Estado concede ao trabalhador para compensar os seus encargos familiares. É verdade que este benefício se distingue do subsídio para educação dos filhos previsto e regulado pela Bundeserziehungsgeldgesetz, uma vez que, como o Tribunal de Justiça já reconheceu, este constitui uma prestação pecuniária de natureza não contributiva paga ao trabalhador que se ocupa da guarda e educação de um filho a seu cargo e que, por esta razão, não exerça qualquer actividade profissional a tempo inteiro (7). É, porém, também completamente verdade que prossegue o mesmo objectivo de política familiar, que é precisamente o do subsídio de guarda dos filhos e que permite a um trabalhador se dedicar exclusivamente à educação dos seus filhos sem ser confrontado com preocupações financeiras excessivas, conservando ao mesmo tempo um rendimento adaptado e uma situação estável em termos de seguro, garantida pelas cotizações abstractas (8). Em qualquer caso, o benefício social considerado neste caso, tanto pelos seus fins como pelas condições da sua atribuição, cai no âmbito de aplicação material do Regulamento n._ 1408/71 (9).

18 É indiscutível que o trabalhador que se encontre na situação da recorrente no processo principal vê a fruição do benefício social em questão limitada em razão da condição de carácter territorial prevista no § 56, n._ 1, do SGB VI. Esta condição subordina, com efeito, a fruição do benefício social ao facto de a educação dos filhos ter tido lugar no território alemão ou de ser equiparável a uma educação desse tipo. Isto significa que o progenitor encarregado de educação deve residir habitualmente na Alemanha com o filho ou residir habitualmente no estrangeiro, mas aí exercendo - durante o período de educação ou antes do nascimento do filho - as actividades profissionais sujeitas a cotização obrigatória (§ 56, n._ 3, do SGB VI). No caso em apreço, a condição referida implicava a impossibilidade, para um trabalhador como U. Elsen, de beneficiar, em relação ao período consagrado à educação de um filho, da contagem das cotizações obrigatórias abstractas para o seguro de velhice previsto pelo regime social alemão e ao qual esse trabalhador estava sujeito. Com efeito, U. Elsen não residia com o seu filho na Alemanha, mas em França, onde, todavia, não exercia qualquer actividade profissional desse tipo. Pode, por conseguinte, afirmar-se que uma condição territorial deste género determina a perda do benefício social para a interessada, pelo facto de o período que esta última consagrou à educação do seu filho em França não poder ser tomado em consideração para o cálculo da pensão de velhice, à qual tem direito em virtude da legislação alemã.

19 O acima exposto pode ser sintetizado da seguinte forma: em Agosto de 1984, um trabalhador fronteiriço que residia em França e trabalhava na Alemanha, onde estava regularmente inscrito no seguro de velhice obrigatório, não pôde usufruir de um benefício social qualificável de prestação social e prevista pelo sistema alemão de seguro de velhice, pelo único motivo de não ser residente no território alemão. Há que verificar agora se uma situação deste tipo é compatível com o direito comunitário.

As posições defendidas durante a fase escrita do processo

20 A Comissão e o Governo alemão consideram que a situação acima descrita não é incompatível com o direito comunitário. A possibilidade de fazer depender o benefício de certas prestações de critérios de natureza territorial insere-se, com efeito, na esfera do poder estatal em matéria de segurança social, com vista à realização dos objectivos sociais e financeiros que prosseguem os sistemas de segurança social nacionais. A Comissão observa, além disso, que o presente caso apresenta um carácter puramente interno, uma vez que a demandante no processo principal é uma nacional alemã que pretende obter um benefício social previsto e regulamentado pela legislação social do Estado de onde é nacional.

21 O Governo espanhol inclina-se, inversamente, para a tese da incompatibilidade com o direito comunitário da situação de um trabalhador idêntica à de U. Elsen. Esta situação seria, com efeito, contrária aos critérios de atribuição dos benefícios sociais previstos pelo Regulamento n._ 1408/71 e, em particular, ao princípio da ilegalidade de toda a condição que limite esses benefícios em razão do lugar de residência. O Governo espanhol observa, de modo geral, que, tendo em conta o elemento comunitário - e não somente interno -, uma situação deste género seria incompatível com o princípio da livre circulação dos trabalhadores migrantes, de acordo com o disposto no artigo 48._ do Tratado.

A minha opinião

22 Conforme observa, com razão, o tribunal de reenvio, o presente caso não é de natureza puramente interna. Diz respeito, de facto, à situação de um trabalhador fronteiriço que, no Estado onde trabalha, vê recusado um benefício social pelo motivo de residir noutro Estado-Membro. Existe, portanto, um vínculo a uma situação (a de trabalhador fronteiriço) que é considerada pelo direito comunitário como fonte de direitos do trabalhador migrante relativamente ao Estado-Membro a cujo regime social está sujeito, de modo que tanto as disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas como as do Regulamento n._ 1408/71 são aplicáveis ao caso em apreço. Por conseguinte, não se pode remeter para a jurisprudência segundo a qual «as disposições do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas não podem ser aplicáveis às actividades cujos elementos, na totalidade, se limitam ao território de um único Estado-Membro» (10).

23 Dito isto, não fiquei convencido com a tese defendida pela Comissão e pelo Governo alemão, segundo a qual a possibilidade de fazer depender o benefício de certas vantagens sociais de condições de natureza territorial cairia inteiramente no âmbito da competência dos Estados-Membros em matéria de segurança social. Reconheço a este respeito que, de acordo com o direito comunitário em vigor, «os Estados-Membros conservam a competência para organizar os seus sistemas de segurança social» (11) e podem, por conseguinte, determinar as modalidades de financiamento dos respectivos regimes (12). Importa, no entanto, considerar também que, conforme o Tribunal de Justiça tem constantemente afirmado, os Estados-Membros devem, contudo, no exercício dessa competência, respeitar o direito comunitário e, em especial, as disposições do Tratado relativas à livre circulação de trabalhadores (13). A necessidade absoluta de assegurar o respeito pela legalidade comunitária tem sido, de resto, recordada pelo Tribunal de Justiça também em relação a outros casos de competências confiadas aos Estados-Membros (14). Julgo, assim, que no presente caso, uma legislação nacional do tipo da legislação alemã aqui analisada não pode, mesmo por razões de carácter financeiro, introduzir derrogações ao Regulamento n._ 1408/71 e ao princípio da livre circulação de trabalhadores (15).

24 Há que realçar a este respeito que, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 13._, n._ 2, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71, segundo o qual uma pessoa que exerce uma actividade assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação desse Estado «mesmo se residir no território de outro Estado-Membro», no sentido de que essa disposição estaria privada de todo o efeito útil «se a condição de residência imposta pela legislação do Estado-Membro no território do qual a actividade assalariada é exercida, para efeitos de admissão ao regime de seguro nela previsto, fosse oponível às pessoas visadas [pelo artigo 13._, n._ 2, alínea a)]» (16). A disposição referida, enunciada no artigo 10._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71, respeitante à «supressão das cláusulas de residência» é também significativa, prevendo que, em princípio, as prestações sociais não possam ser afectadas «pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora». Ora, parece-me que a situação da recorrente no processo principal se encontra plenamente abrangida pelos artigos 10._, n._ 1, e 13._, n._ 2, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71, uma vez que a condição de residência que lhe é exigida a impede de poder fruir de um benefício social que, de outro modo, lhe teria certamente sido reconhecido.

25 De um modo geral, considero que a condição em causa é contrária ao princípio da livre circulação de trabalhadores prevista no artigo 48._, n._ 1, do Tratado, na medida em que a legislação alemã coloca os trabalhadores migrantes numa situação menos favorável que a dos trabalhadores que não tiram partido da livre circulação relativamente aos benefícios sociais aqui tratados. É de assinalar a este respeito que a circunstância de U. Elsen ser nacional alemã não tem qualquer relevância para a resposta a dar à questão prejudicial. Nas conclusões que apresentei em 29 de Setembro de 1998 no processo Swaddling (17), tive já a ocasião de observar que se pode deduzir o princípio da igualdade de tratamento entre o trabalhador migrante e o trabalhador que não tirou partido da livre circulação nos termos do artigo 48._ do Tratado, igualdade essa que deve ser entendida no sentido de que, salvo excepções manifestamente fundadas na nacionalidade e, portanto, interditas em qualquer caso, é compatível com tratamentos diferenciados se estes forem justificados por exigências compatíveis com o direito comunitário e respeitarem plenamente o princípio da proporcionalidade (18). De resto, o Tribunal de Justiça declarou já várias vezes que o referido artigo 48._ aplica um princípio fundamental consagrado pelo artigo 3._, alínea c), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3._, n._ 1, alínea c), CE], segundo o qual «a acção da Comunidade implica a abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas» (19). Nesta perspectiva, o Tratado CE obsta certamente às legislações nacionais que desfavorecem os nacionais comunitários quando estes decidam exercer actividades económicas no território de um Estado-Membro. Assim, as eventuais disposições nacionais que dissuadem um trabalhador de exercer o seu direito à livre circulação constituem «entraves a essa liberdade, mesmo que se apliquem independentemente da nacionalidade dos trabalhadores em causa» (20). Aplicando estes princípios, deve considerar-se que, no caso em apreço, o trabalhador que se encontre na situação da recorrente no processo principal vê limitado o exercício de um dos seus direitos fundamentais, a saber, o direito à livre circulação, na medida em que a legislação alemã anterior a 1 de Janeiro de 1986 fazia depender a fruição de certos benefícios sociais, destinados a favorecer a educação dos filhos, da condição de que essa educação tivesse lugar no território alemão e que, assim, o trabalhador em questão residisse no território alemão com os seus filhos.

26 A tese que proponho não está em contradição com o disposto no n._ 19 da rubrica C do Anexo VI do Regulamento n._ 1408/71, número este aditado pelo Regulamento n._ 2195/91 com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1986. Esta disposição permite, de facto, tomar também em consideração - para efeitos do cômputo das cotizações obrigatórias abstractas para o seguro de velhice - o período durante o qual o trabalhador em questão educa um filho num outro Estado-Membro, fazendo depender esta possibilidade de condições bem precisas: é exigido, com efeito, que o trabalhador esteja em licença de maternidade ou em licença parental e que não tenha exercido uma actividade qualificada de «menor» pela legislação alemã. Ora, parece-me que a nova disposição inserida no Regulamento n._ 1408/71 não tem por finalidade inovar em relação ao passado, visto que não introduz um benefício social ainda não previsto, mas antes regulamenta em detalhe o regime aplicável a uma situação que, anteriormente, dava lugar a algumas dúvidas de interpretação (como demonstra, de resto, a questão prejudicial aqui tratada). Nesta perspectiva, a resposta que proponho dar à questão não interfere com a opção de política legislativa feita pelo Conselho em 1991, opção essa que, tanto em razão da formulação literal da alteração como pelos seus efeitos, não diz respeito directamente à situação da recorrente no processo principal.

Conclusão

27 À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à questão prejudicial apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio:

«O artigo 48._, n._ 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._, n._ 1, CE), e os artigos 10._, n._ 1, e 13, n._ 2, alínea a), do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que estava em vigor na Alemanha antes de 1 de Janeiro de 1986, por força da qual os períodos consagrados por um trabalhador fronteiriço à educação de um filho são unicamente tomados em consideração para o cômputo das cotizações abstractas para o seguro de velhice obrigatório com a condição de que a educação do filho tenha tido lugar na Alemanha ou seja equiparável a uma educação desse tipo.»

(1) - O termo «educação» refere-se, no âmbito do presente processo, aos cuidados que os progenitores dedicam na criação dos filhos.

(2) - V. as observações escritas do Governo alemão, n._ 6.

(3) - JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98.

(4) - JO L 230, p. 8; EE 05 F3 p. 53.

(5) - JO L 206, p. 2.

(6) - No acórdão de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala (C-85/96, Colect., p. I-2691, n._ 36), o Tribunal de Justiça afirmou que uma pessoa tem a qualidade de trabalhador na acepção do Regulamento n._ 1408/71 «quando está segurada, mesmo que contra um só risco, a título de um seguro obrigatório ou facultativo no âmbito de um regime geral ou especial de segurança social [...] e isto independentemente da existência de uma relação de trabalho».

(7) - § 1, n._ 1, da lei relativa ao subsídio e à licença para guarda dos filhos (Bundeserziehungsgeldgesetz), de 6 de Dezembro de 1985. No acórdão de 10 de Outubro de 1996, Hoever e Zachow (C-245/94 e C-312/94, Colect., p. I-4895, n._ 27), o Tribunal de Justiça considerou que uma prestação como o subsídio de guarda dos filhos prevista pela referida lei deve ser equiparada a uma prestação familiar na acepção do artigo 4._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71.

(8) - V. o n._ 6 das observações escritas do Governo alemão no presente processo, e o n._ 26 das conclusões do advogado-geral Jacobs no processo Hoever e Zachow, já referido na nota 7.

(9) - Importa recordar que, no acórdão de 16 de Julho de 1992, Hughes (C-78/91, Colect., p. I-4839, n._ 15), o Tribunal de Justiça determinou, lembrando a sua jurisprudência anterior, que «uma prestação pode ser considerada uma prestação de segurança social na medida em que seja concedida, sem se proceder a qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, aos beneficiários com base numa situação legalmente definida e que se relacione com um dos riscos enumerados expressamente no artigo 4._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71».

(10) - Acórdão de 16 de Fevereiro de 1995, Aubertin e o. (C-29/94 a C-35/94, Colect., p. I-301, n._ 9). A Comissão recorre a este acórdão e à jurisprudência aí referida no n._ 43 das suas observações escritas. O caso aí analisado não apresenta, no entanto, qualquer analogia com a situação dos trabalhadores fronteiriços. Esse acórdão diz respeito, com efeito, à compatibilidade, com a interdição comunitária, de uma legislação francesa que, para a gestão de um salão de cabeleireiro, exige dos próprios nacionais condições mais rigorosas (em particular, a detenção de um diploma) que as impostas aos nacionais de outros Estados-Membros, criando assim uma «discriminação inversa».

(11) - Acórdão de 26 Março de 1996, García e o. (C-238/94, Colect., p. I-1673, n._ 15).

(12) - Acórdão de 26 de Janeiro de 1999, Terhoeve (C-18/95, Colect., p. I-345, n._ 33).

(13) - Refiro-me sobretudo aos acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker (C-120/95, Colect., p. I-1831, n._ 23), e Kohll (C-158/96, Colect., p. I-1931, n._ 19).

(14) - Por exemplo, o sector da fiscalidade directa. No acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n._ 21), o Tribunal de Justiça observou que, «embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontre enquanto tal incluída na esfera de competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário».

(15) - Para defender a sua tese, a Comissão refere também o acórdão de 11 de Junho de 1998, Kuusijärvi (C-275/96, Colect., p. I-3419), sustentando que este último havia confirmado que uma pessoa que não exerce qualquer actividade assalariada estaria geralmente sujeita à legislação do Estado-Membro de residência. Não me parece que esta referência seja pertinente. De facto, em Agosto de 1984, U. Elsen devia seguramente ser considerada uma trabalhadora fronteiriça que, segundo a legislação alemã, beneficiava de uma licença de maternidade. Estava, portanto, sujeita à legislação da República Federal da Alemanha, onde trabalhava e estava sujeita a um seguro de velhice obrigatório, e não à legislação de França, onde residia.

(16) - Acórdão de 3 de Maio de 1990, Kits van Heijningen (C-2/89, Colect., p. I-1755, n._ 21). V. também o acórdão Kuusijärvi, já referido na nota 15, n._ 31.

(17) - Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999 (C-90/97, Colect. p. I-1077).

(18) - No acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, proferido no processo referido na nota 17, o Tribunal de Justiça reconheceu que uma legislação que subordina o direito de obter um subsídio suplementar à condição de residência habitual num Estado-Membro viola os artigos 1._, alínea h), e 10._-A do Regulamento n._ 1408/71. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não examinou a eventual incidência do artigo 48._ do Tratado CE.

(19) - Acórdão Terhoeve, já referido na nota 12, n._ 36.

(20) - Acórdão Terhoeve, já referido na nota 12, n._ 39. V. também o acórdão de 7 de Março de 1991, Masgio (C-10/90, Colect., p. I-1119, n.os 18 e 19).

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