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Document 61998CC0478
Opinion of Mr Advocate General Jacobs delivered on 15 June 2000. # Commission of the European Communities v Kingdom of Belgium. # Loans issued abroad - Prohibition of acquisition by Belgian residents. # Case C-478/98.
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 15 de Junho de 2000.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Empréstimos emitidos no estrangeiro - Proibição de aquisição por residentes belgas.
Processo C-478/98.
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 15 de Junho de 2000.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Empréstimos emitidos no estrangeiro - Proibição de aquisição por residentes belgas.
Processo C-478/98.
Colectânea de Jurisprudência 2000 I-07587
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:327
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 15 de Junho de 2000. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica. - Empréstimos emitidos no estrangeiro - Proibição de aquisição por residentes belgas. - Processo C-478/98.
Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-07587
1 Na presente acção, intentada nos termos do artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE), a Comissão pede que seja declarado que, ao proibir aos residentes belgas a aquisição de euro-obrigações emitidas pelo Reino da Bélgica no mercado das euro-obrigações, este não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado CE (actual artigo 56._ CE).
2 A acção diz especificamente respeito a uma emissão de euro-obrigações efectuada pelo Reino da Bélgica em 1994. As euro-obrigações são títulos negociáveis representativos de uma dívida com a duração inicial de pelo menos um ano, pelos quais um mutuário se compromete contratualmente a efectuar, em certas e determinadas datas, o pagamento de juros sobre os fundos emprestados e o reembolso do capital. As euro-obrigações são subscritas, distribuídas e negociadas no mercado das euro-obrigações, que representa actualmente mais de 3 000 biliões de USD. As emissões são expressas em 29 divisas diferentes, incluindo o euro.
3 Diversas características do mercado das euro-obrigações apresentam um interesse especial no presente processo. Em especial, há que salientar que as obrigações são emitidas sob a forma de títulos ao portador, numa divisa que não é a do emissor e que os juros são pagos sem retenção do «précompte mobilier» pelo banco que o emissor designou como agente pagador aos investidores que apresentem para pagamento, os cupões ou os títulos obrigacionistas. A maioria das emissões são estruturadas de modo que os investidores não são obrigados a assinar declarações ou a identificar-se de outra forma perante o emissor. É prática corrente nas emissões públicas de euro-obrigações, em especial nas destinadas a investidores privados, respeitar o carácter anónimo das euro-obrigações tradicionais não solicitando qualquer certificado ou declaração relativos à identidade dos seus detentores. Uma parte importante do mercado ignorará pura e simplesmente uma emissão que imponha uma declaração relativa à identidade dos investidores.
4 Em Outubro de 1994, o Reino da Bélgica emitiu no mercado euro-obrigacionista obrigações ao portador num montante de mil milhões de DEM. Este empréstimo, em marcos alemães, foi subscrito por um consórcio internacional de bancos e de instituições financeiras liderado pelo Dresdner Bank AG e pelo Schweizerischer Bankverein (Deutschland) AG. As condições de emissão do empréstimo continham a seguinte disposição:
«Restrições de venda
Reino da Bélgica
As obrigações não podem ser oferecidas ou vendidas, directa ou indirectamente, a residentes do Reino da Bélgica, nem a sociedades ou outras pessoas colectivas que aí tenham a sua sede, salvo, na condição de a oferta ou a venda não constituir uma oferta pública no Reino da Bélgica, a (i) um banco aí residente ou que aí tenha a sua sede, (ii) uma empresa de investimento, um intermediário ou uma instituição assimilável de nível internacional cuja actividade consista nomeadamente em negociar valores mobiliários ou em gerir fundos de clientes, aí residentes ou que aí tenham a sua sede, e (iii) uma companhia de seguros aí residente ou que aí tenha a sua sede...»
5 Segundo o que foi referido, o empréstimo foi emitido com base num decreto real de 4 de Outubro de 1994. Este decreto enuncia o seguinte:
«ALBERTO II, Rei dos Belgas,
...
Decretámos e decretamos:
Artigo 1._ O Nosso Ministro das Finanças é autorizado a contrair um empréstimo público de taxa fixa no montante de mil milhões de Deutsche Mark com o Dresdner Bank AG e o Schweizerischer Bankverein (Deutschland) AG em Frankfurt. Este empréstimo pode ser objecto, no todo ou em parte, de uma ou mais operações swap.
Artigo 2._ As condições e as modalidades deste empréstimo e das eventuais operações swap serão fixadas por convenções concluídas com as instituições financeiras em questão.
Artigo 3._ Renuncia-se à percepção do `précompte mobilier' sobre os juros relativos a este empréstimo.
A subscrição por residentes belgas, que não sejam os bancos, intermediários financeiros e investidores institucionais mencionados nas convenções referidas no artigo 2._ e nas condições aí determinadas, não será admitida.
Os títulos definitivos só serão entregues aos beneficiários mediante a apresentação de uma declaração que comprove que esses beneficiários são não residentes ou que preenchem as condições previstas no parágrafo anterior.
Artigo 4._ As convenções visadas no artigo 2._ e qualquer outro documento relativo à emissão deste empréstimo, bem como às eventuais operações swap, serão assinados em nome do Estado belga pelo Nosso Ministro das Finanças ou por um funcionário da Administração da Tesouraria a quem o Nosso Ministro das Finanças conceda poderes para o efeito.
Artigo 5._ O presente decreto entra em vigor em 26 de Setembro de 1994.
Artigo 6._ O Nosso Ministro das Finanças é encarregado da execução do presente decreto.
Feito em Bruxelas, em 4 de Outubro de 1994.»
6 A Comissão considera que esta proibição de compra imposta aos residentes belgas constitui um entrave à livre circulação de capitais incompatível com o artigo 73._-B do Tratado, que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (1). Por isso, a Comissão deu início ao processo pré-contencioso previsto no artigo 169._ O Reino da Bélgica respondeu que a proibição se devia unicamente a razões fiscais, ou seja, garantir que as pessoas singulares residentes na Bélgica não se subtraiam fraudulentamente (2) ao imposto belga omitindo a declaração dos juros recebidos, e que o decreto real era baseado no artigo 73._-D do Tratado (actual artigo 58._ CE), que permite aos Estados-Membros a) aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido e b) tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal (3). Segundo o Reino da Bélgica, a proibição não é nem arbitrária nem discriminatória e não se trata de uma restrição disfarçada à livre circulação de capitais e de pagamentos; além disso, é proporcionada ao objectivo de prevenção da fraude fiscal.
7 A Comissão não ficou convencida com estes argumentos e emitiu um parecer fundamentado ao qual o Reino da Bélgica não respondeu. A Comissão intentou, então, a presente acção.
8 O Reino da Bélgica invocou no Tribunal de Justiça um argumento diferente do que foi avançado na fase pré-contenciosa. Segundo o seu principal fundamento de defesa, o artigo 73._-B do Tratado não é aplicável à emissão de euro-obrigações em causa, porque essa emissão constituía uma operação comercial na qual o Estado belga tinha participado não na qualidade de autoridade pública, mas nas mesmas condições que um mutuário privado. A argumentação do Reino da Bélgica segundo a qual a medida contestada é justificada e proporcionada apenas é invocada a título subsidiário. Por conseguinte, abordarei antes de mais a questão essencial de saber se a proibição de aquisição imposta aos residentes belgas é, em princípio, contrária ao artigo 73._-B. No entanto, antes de analisar os argumentos apresentados, proponho que se faça um breve historial das disposições aplicáveis do Tratado bem como um resumo da jurisprudência relevante porque, como se verificará, a jurisprudência relativa aos textos anteriores mantém a sua importância para a interpretação dos artigos 73._-B e 73._-D.
Os artigos 73._-B e 73._-D no seu contexto histórico
9 O artigo 67._ do Tratado CE (revogado pelo Tratado de Amesterdão), que antecedeu o artigo 73._-B, tinha a seguinte redacção:
«1. Os Estados-Membros suprimirão progressivamente entre si, durante o período de transição, e na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do mercado comum, as restrições aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados-Membros, bem como as discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar do investimento.
2. Os pagamentos correntes relativos aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros ficarão livres de quaisquer restrições, o mais tardar no final da primeira fase.»
10 O artigo 69._ do Tratado CE (revogado pelo Tratado de Amesterdão) concedeu poderes ao Conselho para adoptar as directivas necessárias à execução do artigo 67._ A primeira directiva para execução do artigo 67._ do Tratado (4) foi adoptada em 11 de Maio de 1960; a segunda directiva, que altera a primeira, foi adoptada em 18 de Dezembro de 1962 (5).
11 Estas directivas dividiram os movimentos de capitais em quatro listas, correspondendo cada uma a um nível de liberalização diferente. A lista A dizia respeito às transacções e transferências para as quais os Estados-Membros eram obrigados a conceder «todas as autorizações de câmbio»; nela se incluíam os investimentos directos em empresas, os investimentos imobiliários, certos movimentos de capitais de carácter pessoal, certos créditos comerciais e certas transferências de fundos necessárias à prestação de serviços. As transacções e transferências da lista B pressupunham «autorizações gerais» concedidas pelos Estados-Membros; eram essencialmente visadas as operações sobre títulos, nomeadamente a aquisição e a liquidação por não residentes de títulos nacionais negociados na Bolsa e por residentes de títulos estrangeiros negociados na Bolsa. No que respeita à lista C, os Estados-Membros podiam em certas circunstâncias manter ou restabelecer as restrições de câmbios existentes à data da entrada em vigor da directiva; a lista C compreendia a emissão e a colocação de títulos de uma empresa nacional num mercado estrangeiro e de uma empresa estrangeira no mercado nacional, a aquisição e a liquidação transfronteiras de títulos não negociados na Bolsa e de partes de fundos comuns de aplicação, bem como a concessão e o reembolso de certos créditos a longo prazo. Finalmente, a lista D visava os movimentos de capitais que não deviam necessariamente ser liberalizados, ou seja, nomeadamente, a abertura e o aprovisionamento de contas correntes e a prazo, a importação e a exportação física de valores e os empréstimos de carácter pessoal.
12 O n._ 1 do artigo 5._ da primeira directiva previa o seguinte:
«As disposições da presente directiva não limitam o direito dos Estados-Membros de verificarem a natureza e a realidade das transacções ou das transferências, nem de tomarem as medidas indispensáveis para impedir as infracções à respectiva legislação e regulamentação.»
13 Este regime esteve em vigor até 1986, quando a Directiva 86/566/CEE (6) alterou a primeira directiva de modo a fundir as antigas listas A e B numa nova lista A com a mesma obrigação de conceder uma autorização como a que era aplicável à anterior lista A e à qual se acrescentaram as transacções e transferências da antiga lista C, incluindo as rubricas mencionadas acima, bem como uma nova rubrica relativa à aquisição e à liquidação por residentes de títulos nacionais, negociados ou não na Bolsa, emitidos num mercado estrangeiro. O resto da lista C foi rebaptizado lista B e submetido a um regime idêntico ao anteriormente aplicável à lista C; do mesmo modo, a antiga lista D foi rebaptizada lista C e continuou a não ser alvo de liberalização.
14 A Directiva 88/361/CEE (7), que entrou em vigor em 1 de Julho de 1990, estabeleceu finalmente em direito comunitário o princípio essencial da livre circulação de capitais, ao obrigar os Estados-Membros a «suprimir[ão] as restrições aos movimentos de capitais efectuados entre pessoas residentes nos Estados-Membros» (8). O anexo I, intitulado «Nomenclatura dos movimentos de capitais referidos no artigo 1._ da directiva», compreendia nomeadamente as seguintes rubricas:
«III. Operações sobre títulos normalmente transaccionados nos mercados de capitais
...
a) Acções e outros títulos com carácter de participação...
b) Obrigações...
A. Transacções sobre títulos do mercado de capitais
...
2. Aquisição, por residentes, de títulos estrangeiros negociados na Bolsa...
4. Aquisição, por residentes, de títulos estrangeiros não negociados na Bolsa...»
15 O artigo 4._ da Directiva 88/361 previa o seguinte:
«As disposições da presente directiva não prejudicam o direito dos Estados-Membros de tomarem as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal ou de vigilância cautelar das instituições financeiras, nem de preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística.
A aplicação de tais medidas e processos não poderá ter como efeito impedir os movimentos de capitais efectuados nos termos das disposições do direito comunitário» (9).
16 Por força do artigo 73._-A, inserido no Tratado CE pelo Tratado da União Europeia (o Tratado de Maastricht) e revogado pelo Tratado de Amesterdão, os artigos 67._ a 73._ foram substituídos pelos artigos 73._-B a 73._-G a partir de 1 de Janeiro de 1994. Os artigos 73._-B e 73._-D dispõem o seguinte:
«Artigo 73._-B
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»
«Artigo 73._-D
1. O disposto no artigo 73._-B não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com o presente Tratado.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n._ 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 73._-B.»
17 Deve acrescentar-se que os artigos 73._-B e 73._-D passaram a ser os artigos 56._ e 58._ a partir de 1 de Maio de 1999, mas não foram alterados.
Análise da jurisprudência pertinente
18 Visto o historial legislativo dos artigos 73._-B e 73._-D do Tratado, é evidente que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação de certos aspectos da legislação anterior permanece pertinente a respeito dos referidos artigos (10). Os acórdãos a seguir resumidos assumem especial interesse no quadro do presente processo.
19 No processo Brugnoni e Ruffinengo (11), os demandantes no processo principal, que eram residentes italianos, tinham adquirido obrigações emitidas pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e cotadas na Bolsa alemã de valores estrangeiros, no montante de 5 000 DEM. A legislação italiana previa que os residentes italianos apenas podiam deter acções ou obrigações emitidas ou pagáveis no estrangeiro se pagassem uma caução e depositassem os títulos num banco autorizado. Os demandantes sustentavam que esta legislação era ilegal. O Tribunal de Justiça declarou que, embora a obrigação de caução fosse admissível porque expressamente autorizada por uma decisão da Comissão, a obrigação de depositar os títulos era contrária ao artigo 67._ do Tratado e à primeira directiva, a não ser que tal fosse indispensável ao controlo do respeito das condições exigidas pela regulamentação do Estado-Membro em questão em conformidade com o direito comunitário. Competia ao órgão jurisdicional nacional verificar se a medida era «indispensável» na acepção do artigo 5._ da primeira directiva para combater as violações da obrigação, legalmente imposta pela legislação italiana, de constituir uma caução bancária (12).
20 O processo Margetts and Addenbrooke (13) dizia respeito à questão de saber se a aquisição, por residentes, de títulos nacionais num mercado estrangeiro se enquadrava nas regras sobre a livre circulação de capitais; assinalando que as operações desse tipo tinham sido liberalizadas pela Directiva 86/566, o Tribunal de Justiça declarou que as mesmas ainda não tinham sido liberalizadas no momento da ocorrerência dos factos uma vez que a directiva não tinha ainda entrado em vigor. Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, a Comissão indicou que essas operações não tinham sido liberalizadas por força das primeira e segunda directivas, essencialmente em razão da
«necessidade sentida na época de fazer com que a emissão de um empréstimo no estrangeiro provocasse entradas líquidas de capitais e não uma simples recuperação do aforro nacional através do mercado financeiro de outro país. Com efeito, era necessário evitar este risco, na medida em que um empréstimo emitido no estrangeiro, designadamente por um Estado, é frequentemente acompanhado de condições mais vantajosas que as oferecidas no mercado nacional.
Se os residentes pudessem subscrever livremente tais empréstimos emitidos no estrangeiro, o custo interno da dívida pública poderia aumentar ou não serem obtidas as entradas líquidas de capitais desejadas. No momento em que a Comissão formulou as suas propostas de nova directiva (14), tinha chegado à conclusão de que, no contexto da realização do mercado comum e especialmente da criação de uma estrutura financeira unificada, tendo em conta a situação económica actual, já não se justificava a manutenção de restrições deste tipo» (15).
21 No processo Bordessa e o. (16), o Tribunal de Justiça analisou a questão de saber se uma legislação nacional que subordina a exportação de moedas, de notas de banco ou de cheques ao portador a uma declaração ou autorização prévia era justificada à luz do artigo 4._ da Directiva 88/361. O Tribunal de Justiça observou que a autorização tinha um efeito suspensivo sobre a exportação de divisas e fazia-a depender, caso a caso, da aprovação da administração que devia ser solicitada através de um pedido especial: essa exigência equivalia a submeter o exercício da livre circulação de capitais à discricionariedade da administração e era susceptível, por esse facto, de tornar essa liberdade ilusória; poderia ter como efeito impedir os movimentos de capitais efectuados em conformidade com as disposições do direito comunitário, o que seria contrário ao artigo 4._, segundo parágrafo. Em contrapartida, uma declaração prévia pode constituir uma medida indispensável que os Estados-Membros estão autorizados a tomar porque, ao contrário da autorização prévia, essa declaração não suspende a operação em causa, permitindo, no entanto, às autoridades nacionais um controlo efectivo das infracções às suas leis e regulamentos (17). O Governo espanhol sustentou que apenas um sistema de autorização prévia permitia qualificar uma infracção de penal e aplicar, assim, sanções penais; o Tribunal de Justiça rejeitou este argumento porque o Governo espanhol não apresentou provas suficientes de que era impossível ligar sanções penais a uma omissão de fazer uma declaração prévia (18).
22 O processo Sanz de Lera e o. (19) dizia respeito à mesma legislação nacional que o processo Bordessa e o.; a legislação comunitária invocada, no entanto, mais do que a Directiva 88/361, eram os artigos 73._-B e 73._-D do Tratado. O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 73._-D visava nomeadamente as medidas destinadas a assegurar a eficácia dos controlos fiscais e a luta contra actividades ilícitas, como, entre outras, a fraude fiscal (20). A restrição à livre circulação de capitais resultante da exigência de autorização poderia ser eliminada sem prejudicar a eficácia dos objectivos que esta regulamentação prossegue: bastaria criar um sistema de declaração adequado indicando a natureza da operação em causa e a identidade do declarante, que permitisse às autoridades competentes aplicar as sanções necessárias em caso de infracção à legislação nacional (21). Quanto ao argumento do Governo espanhol, segundo o qual apenas um sistema de autorização permitiria qualificar uma infracção de penal e aplicar sanções penais, o Tribunal de Justiça declarou que essas considerações não podiam justificar a manutenção de medidas incompatíveis com o direito comunitário (22).
23 O processo Sandoz (23), mais recente, dizia respeito a uma legislação que impunha o pagamento de um imposto de selo sobre os empréstimos contraídos noutro Estado-Membro. O Tribunal de Justiça salientou que uma legislação desse tipo privava os residentes de um Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma não tributação que poderia dissuadir esses residentes de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros e constituía, portanto, uma restrição aos movimentos de capitais na acepção do artigo 73._-B (24). Um vez que, no entanto, o efeito dessa legislação consistia em obrigar os mutuários a pagar um imposto, tal permitia impedir que, exercendo a liberdade de circulação de capitais garantida pelo artigo 73._-B, n._ 1, os contribuintes pudessem subtrair-se às obrigações decorrentes de uma legislação fiscal nacional. Daqui resulta que essa legislação era indispensável para impedir as infracções às leis e aos regulamentos nacionais em matéria fiscal, no sentido do artigo 73._-D, n._ 1 (25).
24 Finalmente, no processo Konle (26), o Tribunal de Justiça analisou, nomeadamente, a legalidade de uma legislação nacional que subordinava a aquisição de bens imobiliários a uma autorização prévia. O Tribunal de Justiça admitiu que o raciocínio em que tinha fundado a sua decisão nos processos Bordessa e o. e Sanz de Lera e o. - ou seja, que um sistema que subordine às exportações de divisas a autorização prévia poderia tornar ilusória a livre circulação de capitais e que um sistema adequado de declaração atingiria os mesmos objectivos sem restringir essa liberdade - não era directamente transponível para o processo sub judice, porque um processo de declaração não permitia atingir o objectivo prosseguido pela legislação em causa (garantir que os bens imobiliários não servissem de residência secundária). No entanto, o Tribunal de Justiça prosseguiu declarando que uma infracção à legislação nacional sobre as residências secundárias podia ser punida por outros meios; nessas circunstâncias, o processo de autorização em causa constituía uma restrição aos movimentos de capitais, que não era indispensável para evitar as infracções à legislação nacional relativa às residências secundárias (27).
A aplicabilidade do artigo 73._-B
25 O presente processo diz respeito a uma proibição de aquisição de euro-obrigações imposta aos residentes de um Estado-Membro. É incontroverso que, salvo se for justificada, uma proibição desta ordem é, em si, contrária às regras relativas à livre circulação de capitais se for imposta por um Estado-Membro: uma proibição pura e simples é claramente contrária a uma disposição do Tratado que proíbe as restrições. Além disso, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as regras do Tratado relativas à livre circulação de capitais se aplicam às restrições que um Estado-Membro impõe aos seus nacionais para a aquisição de títulos estrangeiros (28). É igualmente evidente, como salienta a Comissão, que as regras impostas por um Estado-Membro, que sejam susceptíveis de dissuadir ou de desencorajar as partes em questão de exercerem uma prerrogativa que constitui uma componente da livre circulação de capitais (29) ou que exijam a esse respeito uma autorização prévia (30), são, em princípio, contrárias ao artigo 73._-B. Portanto, é incontestável que o Estado-Membro que proíbe aos seus residentes a aquisição de títulos estrangeiros, indo mais além do que se os dissuadisse ou desencorajasse de os subscrever ou do que se exigisse uma autorização prévia para esse fim, viola o artigo 73._-B, salvo se a medida for justificada.
26 No entanto, há que analisar duas questões suplementares para determinar se o artigo 73._-B é aqui aplicável. Em primeiro lugar, existe uma restrição à circulação de capitais entre Estados-Membros na acepção do artigo 73._-B quando um Estado-Membro proíbe aos seus residentes a aquisição de euro-obrigações que ele próprio emitiu; por outras palavras, o aspecto intracomunitário é suficientemente importante para que as regras do Tratado se apliquem? Em segundo lugar, a proibição das restrições à livre circulação de capitais prevista no artigo 73._-B aplica-se aos actos do Reino da Bélgica que estiveram na origem do presente processo ou o Reino da Bélgica actuou, tal como sustenta, numa qualidade que não é a de Estado-Membro, o que excluiria a acusação de infracção?
O aspecto intracomunitário
27 Embora o Reino da Bélgica não tente alegar que, visto que a medida em questão diz respeito a euro-obrigações emitidas pelo Reino da Bélgica e se dirige unicamente aos residentes belgas, a situação é puramente interna desse país, a Comissão desenvolve a título preliminar diversos argumentos que tendem a demonstrar que o aspecto intracomunitário é, apesar de tudo, suficientemente importante para que se apliquem as disposições do Tratado sobre a livre circulação de capitais. Como este ponto de vista não é contestado, não exporei exaustivamente a argumentação da Comissão. No entanto, subscrevo incondicionalmente a opinião segundo a qual o princípio da livre circulação de capitais confere às pessoas singulares o direito de livre investimento adquirindo títulos emitidos noutro Estado-Membro (31), que a emissão em questão era de qualquer maneira internacional por natureza (era expressa em marcos alemães, subscrita por um consórcio internacional de bancos e de instituições financeiras, cotada na Bolsa de Francoforte e regida pelo direito da República Federal da Alemanha) e que, mesmo antes do final do processo de liberalização dos movimentos de capitais, o Tribunal de Justiça entendeu serem contrárias ao artigo 67._ do Tratado (antecessor do artigo 73._-B; v. supra n._ 9) as restrições impostas por um Estado-Membro aos seus residentes em matéria de acesso aos capitais estrangeiros (32).
O Reino da Bélgica está sujeito às obrigações de um Estado-Membro ao fixar as condições de emissão?
28 O principal fundamento da defesa do Reino da Bélgica tem dois aspectos conexos.
29 Em primeiro lugar, o Reino da Bélgica alega que a proibição de subscrição, na origem do presente processo, constitui não uma medida estatal de alcance geral, mas sim uma condição contratual negociada no contexto de uma operação em que intervém na mesma qualidade que um mutuário privado. O decreto real de 4 de Outubro de 1994 autoriza simplesmente o ministro a intervir numa determinada operação em condições que devem ser acordadas, ou que aí estejam previstas; é unicamente neste contexto que a restrição de venda impugnada é mencionada pelo decreto real. A restrição impõe-se a terceiros não por força do decreto, mas unicamente como disposição contratual que regula as condições de empréstimo. Portanto, o decreto não constitui uma medida legislativa geral que caia no âmbito de aplicação do artigo 73._-B.
30 Em segundo lugar, o Reino da Bélgica alega que tanto o legislador comunitário, na Directiva 80/723/CEE, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (33), como o Tribunal de Justiça, nos acórdãos Carpaneto Piacentino e o. (34) e LTU (35), fizeram uma distinção entre o papel do Estado enquanto poder público e o seu papel enquanto proprietário ou operador privado. Esta distinção é importante, porque as actividades do Estado enquanto operador privado relativamente a outros operadores privados não podem ser abrangidas pelo artigo 73._-B; esta disposição não tem efeito directo horizontal. Portanto, esse artigo não se aplica a uma disposição, como a restrição de venda impugnada, que figura nas condições de um empréstimo emitido por um Estado na mesma qualidade que um mutuário privado.
31 A Comissão responde que apenas o Estado, na qualidade de autoridade pública, tem competência para conceder uma isenção do «précompte mobilier» sobre os juros a pagar por um dado empréstimo e para proibir aos seus contribuintes a subscrição de um empréstimo em euro-obrigações. O artigo 3._ do decreto real é uma medida de política económica geral tomada pelo Governo belga na qualidade de poder público e não podia em caso nenhum ser tomada por um investidor privado emissor de um empréstimo no mercado das euro-obrigações.
32 A Comissão acrescenta que os exemplos dados pelo Reino da Bélgica não podem ser extrapolados para o presente caso. A Directiva 80/723 visa as relações entre os Estados-Membros e as empresas públicas no interior de cada Estado-Membro e não tem nada a ver com a livre circulação de capitais entre os Estados-Membros. O acórdão Carpaneto Piacentino e o. não é pertinente porque, no presente processo, é manifesto que o Reino da Bélgica não agiu nas mesmas condições jurídicas que os operadores privados: nenhum operador privado tem os mesmos poderes que o Estado belga e nenhum operador privado pode decidir conceder uma isenção do «précompte mobilier» sobre os pagamentos de juros ou proibir aos seus cidadãos (ou a outra categoria de pessoas) a subscrição de um empréstimo em euro-obrigações. O acórdão LTU é igualmente desprovido de pertinência para as questões aqui suscitadas, porque diz respeito à interpretação da expressão «matéria civil e comercial» na acepção da Convenção de Bruxelas (36).
33 No que respeita ao argumento segundo o qual as condições de emissão em causa são puramente contratuais, a Comissão sustenta que, embora o decreto real preveja que as condições e modalidades do empréstimo serão fixadas por convenções concluídas com as instituições financeiras envolvidas, a condição em questão não foi fixada por convenção, mas tem a sua origem num acto regulamentar do ministro das Finanças. Uma vez que não se pode considerar que o Reino da Bélgica agiu como operador privado, a Comissão conclui que a falta de efeito directo horizontal do artigo 73._-B do Tratado não impede que este seja aplicável.
34 O argumento do Reino da Bélgica equivale a sustentar que a medida impugnada não pode constituir um incumprimento na acepção do artigo 169._ do Tratado, porque o Reino da Bélgica não a adoptou na sua qualidade de autoridade pública; o argumento é efectivamente articulado desse modo na sua tréplica.
35 O artigo 73._-B proíbe todas as restrições à livre circulação de capitais. A medida aqui contestada pela Comissão consiste numa proibição pura e simples da aquisição de certas euro-obrigações imposta aos residentes belgas por decreto real. Como indicado supra (37), é incontroverso que, salvo se for justificada, uma proibição dessa ordem é em si contrária às regras relativas à livre circulação de capitais; o argumento do Reino da Bélgica diz apenas respeito à qualidade em que a proibição foi imposta.
36 Não posso aceitar este argumento. A proibição figura no segundo parágrafo do artigo 3._ do decreto real. O Reino da Bélgica reconheceu na audiência que o primeiro parágrafo desse artigo constituía uma medida regulamentar. Não se pode sustentar, em minha opinião, que uma regra prevista pela legislação de um Estado-Membro não é adoptada por esse Estado na sua qualidade de Estado-Membro. Nem a jurisprudência citada pelo Reino da Bélgica nem a Directiva 80/723 da Comissão (38) são pertinentes.
37 O acórdão Carpaneto Piacentino e o. (39) dizia respeito a uma disposição específica da legislação comunitária (40) que previa que os organismos de direito público deviam ser sujeitos ao imposto em relação às actividades ou operações em que a isenção conduziria a distorções da concorrência de uma certa importância. Nenhuma disposição desse tipo é aqui aplicável. O Tribunal de Justiça, no acórdão Carpaneto Piacentino e o., declarou, além disso, o seguinte: «... na medida em que esta disposição subordina a não sujeição dos organismos de direito público à condição de actuarem `na qualidade de autoridades públicas', exclui da não sujeição as actividades realizadas por estes organismos não na sua qualidade de sujeitos de direito público, mas enquanto sujeitos de direito privado» (41). Um Estado-Membro que legisla por decreto real não age manifestamente como um «sujeito... de direito privado».
38 O segundo acórdão invocado pelo Reino da Bélgica, o acórdão LTU (42), no qual o Tribunal de Justiça fez uma interpretação autónoma da noção de «matéria civil e comercial» na acepção da Convenção de Bruxelas, também não traz elementos úteis. O Tribunal de Justiça declarou o seguinte: «Ainda que determinadas decisões proferidas em litígios que opõem uma autoridade pública a uma entidade privada possam entrar no âmbito de aplicação da convenção, o mesmo já não acontece se a autoridade pública actuar como entidade dotada de jus imperii». Este período enuncia simplesmente que uma autoridade pública pode por vezes agir no exercício do poder público e por vezes noutra qualidade. A autoridade pública que era parte no processo principal era a Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol) e a actividade em causa consistia em impor taxas de rota aos proprietários de aeronaves para a utilização de serviços em matéria de segurança aérea. Uma decisão do Tribunal de Justiça, declarando que a decisão proferida num processo intentado pela Eurocontrol para obter o pagamento dessas taxas não entra no âmbito de aplicação da convenção, não pode servir de apoio à argumentação segundo a qual um Estado-Membro que proíbe por decreto real aos seus residentes a aquisição de euro-obrigações não viola a liberdade de circulação de capitais.
39 Enfim, a Directiva 80/723 (43) procura assegurar uma aplicação efectiva das disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado, sem discriminação entre empresas públicas e privadas. Em especial, o seu objectivo é facilitar a função de vigilância da Comissão, permitindo-lhe determinar se se trata de um auxílio quando os fundos são fornecidos, directa ou indirectamente, por autoridades públicas a empresas públicas. Manifestamente, o contexto em que a directiva foi adoptada difere totalmente dos factos que estão na origem do presente processo e não vislumbro como é que a distinção estabelecida pela directiva entre o papel do Estado enquanto autoridade pública e o seu papel enquanto proprietário apresenta alguma relevância no presente caso. O Tribunal de Justiça declarou, além disso, que esta distinção «tem origem no reconhecimento do facto de o Estado poder agir quer no exercício da autoridade pública quer no exercício de actividades económicas de carácter industrial ou comercial, que se traduzem na oferta de bens ou serviços no mercado» (44); com base nesta distinção, uma proibição imposta por decreto real parece de qualquer maneira mais um acto de autoridade pública do que um exercício de actividades comerciais.
40 Concluo, portanto, que a medida em causa no presente processo, que proíbe a certos residentes belgas a aquisição de euro-obrigações emitidas pelo Reino da Bélgica em Outubro de 1994, viola o artigo 73._-B, salvo se for justificada.
Possíveis causas de justificação da proibição
41 O Reino da Bélgica sustenta a título subsidiário que, se se considerar a medida contestada imputável ao Estado, essa medida beneficia de várias causas de justificação e é proporcionada.
42 O Reino da Bélgica aborda separadamente a questão das causas de justificação e a da proporcionalidade. Analisarei antes de mais a sua argumentação segundo a qual existem motivos que justificam a proibição de subscrição. São avançados para o efeito três fundamentos, que parecem constituir outras tantas causas de justificação distintas. O Reino da Bélgica refere-se, em primeiro lugar, ao artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), do Tratado, que autoriza os Estados-Membros a tomar todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal, na condição de essas medidas não constituírem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos. O Reino da Bélgica invoca em seguida em favor da medida duas outras causas de justificação, não baseadas no Tratado, mas derivadas por analogia da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às possíveis causas de justificação das restrições de natureza fiscal à liberdade de estabelecimento: invoca a necessidade de preservar uma coerência fiscal, admitida pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Bachmann (45) e Comissão/Bélgica (46), bem como a necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, que o Tribunal de Justiça reconheceu ser uma razão imperiosa de interesse geral no seu acórdão Futura Participations e Singer (47).
Artigo 73._-D, n._ 1, alínea b)
43 No que respeita ao artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), o Reino da Bélgica sustenta que, como uma das condições essenciais do mercado das euro-obrigações é a inexistência de cobrança de um imposto pelo emissor, toda a documentação relativa a euro-obrigações deve conter quer o compromisso de que nenhum imposto será retido pelo mutuário quando do pagamento dos juros, quer uma cláusula de «gross-up» (48). O recurso do Reino da Bélgica ao mercado das euro-obrigações cria, portanto, uma dificuldade fiscal: uma vez que a isenção do «précompte mobilier» era inerente a esse mercado, é necessário impedir que os residentes belgas se subtraiam ao imposto subscrevendo empréstimos emitidos no estrangeiro. A exclusão dos residentes belgas da subscrição do empréstimo é a única medida susceptível de evitar uma discriminação entre, por um lado, os residentes belgas que subscrevem empréstimos no território belga e são, portanto, devedores do «précompte mobilier», e, por outro, os residentes belgas que não estão sujeitos a esse imposto porque adquiriram euro-obrigações isentas de «précompte mobilier». A proibição justifica-se em primeiro lugar pela necessidade de o Estado belga poder participar nas operações nos mercados financeiros internacionais com vista a uma gestão correcta da sua dívida em pé de igualdade com os operadores privados. O Estado belga deve, portanto, obedecer às características essenciais desse mercado, porque, caso contrário, o seu empréstimo não será qualificado de euro-obrigação, e não terá o apoio dos intermediários financeiros, nem a confiança dos investidores.
44 O Reino da Bélgica parece, portanto, essencialmente, querer demonstrar que a proibição de subscrição é necessária para permitir ao Reino da Bélgica angariar fundos mediante empréstimos nos mercados financeiros internacionais. Seja qual for o valor económico desta argumentação, não vejo como ela pode em si mesma inscrever-se nas condições do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b).
45 Todavia, pode ser que o Reino da Bélgica queira repetir um argumento que aduziu na fase pré-contenciosa, ou seja, que a medida cai no âmbito do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), porque visa impedir a fraude fiscal. Resulta claramente da redacção dessa disposição, que menciona «medidas... para impedir infracções às suas leis... em matéria fiscal», como da jurisprudência do Tribunal de Justiça (49), que as medidas que visam impedir a fraude fiscal podem cair no âmbito de aplicação dessa derrogação prevista no Tratado.
46 Resulta também claramente da redacção do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), que apenas visa as «medidas indispensáveis», e da jurisprudência do Tribunal de Justiça (50) que uma medida deve satisfazer a condição de proporcionalidade a fim de poder beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 73._-D, n._ 1, alínea b); analisarei adiante se a medida contestada no quadro do presente processo satisfaz essa condição.
47 A Comissão suscita também a questão de saber se um Estado-Membro pode invocar o artigo 73._-D para justificar uma medida que proíbe pura e simplesmente a livre circulação de capitais. Este argumento parece-me, no entanto, ligado ao problema da proporcionalidade e, portanto, é nesse âmbito que o mesmo será apreciado.
A eficácia dos controlos fiscais
48 O Reino da Bélgica sustenta igualmente que a medida é justificada pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, que o Tribunal de Justiça reconheceu ser uma razão imperiosa de interesse geral no seu acórdão Futura Participations e Singer (51), e aduz que, como não houve harmonização nesse domínio, os Estados-Membros estão autorizados a tomar a nível nacional as medidas necessárias para impedir a evasão e a fraude fiscais.
49 No seu acórdão Futura Participations e Singer, o Tribunal de Justiça pareceu admitir que mesmo uma restrição discriminatória à liberdade de estabelecimento (no caso em apreço, a exigência de as sociedades com sede fora do Luxemburgo e uma sucursal nesse Estado organizarem, para as actividades dessa sucursal, uma contabilidade distinta conforme às regras fiscais luxemburguesas e conservarem essa contabilidade no local do estabelecimento da sucursal) podia ser justificada por razões imperiosas de interesse geral na acepção do acórdão Cassis de Dijon (52), entre as quais figura a eficácia dos controlos fiscais. Em seguida, diversos acórdãos deram, no entanto, a entender que essa afirmação não era exacta e que a eficácia dos controlos fiscais apenas podia justificar medidas indistintamente aplicáveis ou, por outras palavras, que medidas que se aplicam de maneira diferente - como uma proibição dirigida directamente aos residentes - só são justificáveis em caso de derrogação expressa prevista pelo Tratado (53).
50 Todavia, entendo que não é necessário entrar nesse debate, embora partilhe da opinião segundo a qual medidas discriminatórias apenas podem ser justificadas em caso de derrogação prevista pelo Tratado. Como já foi indicado acima (54), é evidente que as medidas que visam impedir a fraude fiscal, desde que sejam proporcionadas, caem no âmbito de aplicação do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b). Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Sanz de Lera e o. (55), que as medidas indispensáveis para impedir certas infracções e autorizadas pelo n._ 1 do artigo 4._ da Directiva 88/361 (56), nomeadamente as destinadas a assegurar a eficácia dos controlos fiscais, são igualmente abrangidas pelo artigo 73._-D, n._ 1, alínea b). Por conseguinte, não é necessário invocar a título de razão imperiosa, com base no acórdão Futura Participations e Singer, o conceito de eficácia dos controlos fiscais.
A necessidade de preservar a coerência fiscal
51 O Reino da Bélgica invoca também a título de justificação a necessidade de preservar uma coerência fiscal, admitida pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Bachmann (57) e Comissão/Bélgica (58).
52 O acórdão Bachmann (59) suscitou igualmente algumas discussões, porque o Tribunal de Justiça parecia admitir de novo que uma medida que se aplicava de maneira diferente podia ser justificada por motivos de coerência fiscal, o que constituía aparentemente uma nova razão imperiosa na acepção do acórdão Cassis de Dijon (60). No entanto, o Tribunal de Justiça parece ter admitido no acórdão Bachmann que, avaliada no contexto da livre circulação de trabalhadores, a legislação em questão se aplicava de facto sem distinção (relativa à nacionalidade dos trabalhadores) (61), e talvez a sua decisão deva ser analisada desse ponto de vista. De qualquer maneira, entendo que a coerência fiscal não constitui uma causa de justificação no presente processo, pelas razões a seguir enunciadas.
53 Os acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, que são os únicos em que esta justificação foi admitida, diziam respeito à questão de saber se uma legislação nacional, que subordina a possibilidade de dedução fiscal de cotizações de seguro de velhice e de morte ao seu pagamento «na Bélgica», era compatível com o artigo 48._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._ CE). O Tribunal de Justiça deu manifestamente grande importância à relação ou nexo directo entre a possibilidade de dedução das cotizações e a tributação das somas devidas pelos seguradores em execução dos contratos de seguro de velhice e de morte, que implicava que a perda de receitas resultantes da dedução de cotizações de seguro de vida do rendimento total tributável era compensada com a tributação das pensões, rendas ou capitais devidos pelos seguradores (62), e julgou que essas disposições eram justificadas pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal em que se inserem. Desde esses acórdãos, os Estados-Membros tentaram muitas vezes justificar disposições fiscais específicas com a necessidade de preservar uma coerência fiscal. Em cada um desses processos, o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento porque não existia qualquer nexo directo desse tipo (63).
54 No presente processo, a Comissão contesta que a proibição possa ser justificada por razões de coerência fiscal, porque não existe tal nexo directo entre uma vantagem fiscal (por exemplo, a possibilidade de dedução de prémios de seguro) e uma desvantagem correspondente (por exemplo, a tributação de somas devidas em execução da apólice de seguro): o Estado, ao escolher financiar-se no mercado das euro-obrigações, renunciou voluntariamente à vantagem, a saber, sujeitar a um «précompte mobilier» os juros pagos. Aliás, a proibição não pode ser qualificada de desvantagem correspondente porque, em primeiro lugar, todos os juros recebidos por residentes belgas estão, em princípio, sujeitos a imposto na Bélgica e, em segundo lugar, o problema da fraude fiscal coloca-se para todos os rendimentos estrangeiros e nomeadamente para os rendimentos de títulos adquiridos por residentes belgas noutros Estados-Membros.
55 Todavia, segundo o Reino da Bélgica, no presente caso existe a correlação exigida. A renúncia ao «précompte mobilier» não é uma medida de política fiscal; é imposta ao Estado belga pela própria natureza do empréstimo em euro-obrigações. Trata-se de uma condição indispensável para que o Estado possa obter fundos neste mercado internacional, em condições correspondendo a critérios de boa gestão da dívida pública. Quando o Estado pede emprestado no mercado doméstico, o imposto pode certamente ser retido na fonte. Todavia, o Estado não pode limitar-se a esses empréstimos: daí poderia resultar uma perda de receitas para o Estado devido a condições de mercado menos favoráveis. Além disso, e sobretudo, esses empréstimos domésticos são insuficientes para fornecer ao Estado os meios financeiros necessários, em especial, como no presente caso, quando se trata de refinanciar a dívida em moeda estrangeira (64). Assim, o Estado deve poder impedir, primeiro, que a isenção de «précompte mobilier» não se torne uma fonte de fraude fiscal e, segundo, que se crie um mercado doméstico sujeito ao «précompte mobilier» e um mercado de euro-obrigações sem o mesmo «précompte mobilier», ambos acessíveis aos particulares residentes na Bélgica. A proibição de venda permite reconciliar estes imperativos e, portanto, assegurar uma coerência na política de emissão.
56 Segundo o Reino da Bélgica, existe, além disso, uma correlação evidente entre a possibilidade de cobrar o «précompte mobilier» e o imposto final. As estatísticas demonstram que os rendimentos de títulos, em especial de origem estrangeira, que não foram objecto de «précompte mobilier» quase nunca são declarados. A estreita relação entre a renúncia ao «précompte mobilier» - consequência inevitável do recurso às euro-obrigações - e a perda quase certa do imposto sobre os juros devidos em virtude das obrigações conduz portanto o Estado a encontrar uma solução coerente que preserve os interesses do Tesouro sem fornecer aos contribuintes belgas um instrumento de fraude fiscal. A solução não pode ser a renúncia do Estado a pedir empréstimos no mercado das euro-obrigações. Também não pode consistir num sistema de certificação como preconizado pela Comissão, porque semelhante mecanismo é geralmente recusado pelo mercado e pelos intermediários financeiros e reduziria, portanto, seriamente a capacidade do Estado de pedir empréstimos no mercado das euro-obrigações em condições favoráveis. Só a proibição de venda permite conciliar estes dois imperativos de primeira importância. Daí resulta que a coerência do sistema de emissão e das receitas do Estado é assegurada pela medida contestada deixando simultaneamente ao Estado a liberdade de operar no mercado das euro-obrigações.
57 Confesso que me é difícil seguir a argumentação do Reino da Bélgica. Não distingo claramente a natureza da correlação invocada. Não é a isenção de «précompte mobilier» que está aqui em causa. Ao contrário dos processos em que este motivo de justificação foi invocado até agora, que diziam respeito a vantagens ou desvantagens fiscais específicas e identificáveis, no presente caso não foi contestada nenhuma desvantagem fiscal. É a proibição de comprar certos títulos que aqui está em causa. O Reino da Bélgica parece sustentar que esta proibição é justificada, por um lado, pela necessidade de refinanciar a sua dívida pública recorrendo ao mercado das euro-obrigações e, por outro, pela necessidade de prevenir uma fraude fiscal. O contexto, assim descrito, em que a medida foi tomada é, em minha opinião, muito diferente de uma compensação directa de vantagens e desvantagens fiscais que se contrabalançam; ora, o Tribunal de Justiça só admitiu a existência de uma necessidade de coerência fiscal nesta última hipótese (65).
58 Conclui-se assim que a proibição imposta aos residentes de adquirir as euro-obrigações em causa não pode ser justificada por motivos de coerência fiscal. No entanto, como foi indicado acima (66), considero que esta proibição pode ser justificada a título de medida destinada a impedir a fraude fiscal na acepção do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), desde que seja proporcionada. Abordaremos, portanto, agora esta questão.
A proibição é proporcionada?
59 Mesmo que se enquadre numa das causas de justificação admitidas pelo artigo 73._-D, n._ 1, alínea b), do Tratado, uma medida que restringe a livre circulação de capitais apenas é legal na condição adicional de ser proporcionada (67): deve ser adequada para atingir o objectivo prosseguido e não deve ir além do indispensável para o atingir.
60 A Comissão considera que, mesmo que fosse justificada por um dos motivos invocados pelo Reino da Bélgica, a proibição não seria de qualquer maneira proporcionada porque não é indispensável nem adequada para alcançar o objectivo prosseguido.
61 Desde o início da fase pré-contenciosa, o Reino da Bélgica alegou que a proibição é compatível com o direito comunitário, porque a proibição de os residentes belgas adquirirem obrigações de Estado emitidas em marcos alemães impede essas pessoas de se subtraírem fraudulentamente ao imposto belga, omitindo a declaração dos juros recebidos sobre esses títulos, já que o Estado belga renunciou ao «précompte mobilier» normalmente deduzido dos juros dos títulos. A Comissão responde que, como foi o próprio Reino da Bélgica que escolheu obter fundos através de uma emissão de euro-obrigações de que fixa as condições, não pode (de facto) invocar uma necessidade inelutável.
62 O Reino da Bélgica responde que o empréstimo em causa não podia ter sido substituído por outros tipos de empréstimos sem o mesmo risco de fraude fiscal, porque as condições do mercado das euro-obrigações diferem totalmente das condições aplicáveis aos empréstimos domésticos e são mais vantajosas que estas. Uma emissão doméstica não constituía uma solução alternativa a considerar para a emissão em causa. O Governo belga expõe de modo detalhado as razões pelas quais recorreu em 1994 a um empréstimo em marcos alemães, estando estas razões essencialmente ligadas a dificuldades observadas em 1993 no SME que deram origem a taxas de juro mais elevadas na Bélgica do que na Alemanha. Além disso, as emissões privadas dizem respeito a montantes muito mais limitados e são mais difíceis de colocar. Os dois tipos de empréstimos não são, portanto, substituíveis entre si.
63 De qualquer modo, quando um Estado escolhe, pelas razões acima referidas, obter fundos no mercado internacional, deve respeitar as regras aplicáveis a esse mercado. O direito comunitário não deve impedir que um Estado-Membro gira a sua dívida tendo em conta as limitações orçamentais e económicas e que utilize para esse fim os instrumentos financeiros mais adequados a que pode ter acesso no mercado internacional. Do mesmo modo, o direito comunitário não deve restringir a liberdade de escolha de um Estado-Membro, nomeadamente em relação aos operadores privados com os quais se encontra em concorrência.
64 O Reino da Bélgica tenta, enfim, refutar a argumentação da Comissão segundo a qual existiam para a emissão em questão soluções alternativas que teriam permitido evitar criar um obstáculo à livre circulação de capitais e teriam permitido ao Reino da Bélgica atingir o seu objectivo essencial de impedir a fraude fiscal refinanciando simultaneamente a sua dívida. Em primeiro lugar, segundo a Comissão, um processo de declaração teria permitido a identificação individual dos beneficiários dos rendimentos dos títulos. Em segundo lugar, em virtude da Directiva 77/799/CEE (68) relativa à assistência mútua no domínio dos impostos directos, as autoridades podem sempre pedir às autoridades de outro Estado-Membro para lhes fornecerem qualquer informação que lhes permita verificar o montante exacto do imposto devido por um contribuinte. O Reino da Bélgica sustenta que nenhuma destas medidas constituía uma solução alternativa viável. Em primeiro lugar, as estatísticas demonstram que apenas 0,5% dos residentes belgas declaram rendimentos de títulos pagos no estrangeiro. Em segundo lugar, o Reino da Bélgica não podia fundar-se na Directiva 77/799 para obter assistência porque o Estado-Membro em que a emissão teve lugar poderia estar vinculado por legislação relativa ao segredo bancário e, portanto, poderia escapar, em virtude do n._ 1 do artigo 8._ da directiva, à obrigação de dar informações. Mesmo que não fosse esse o caso, o facto de existir na Bélgica legislação relativa ao segredo bancário permitiria que os outros Estados-Membros se recusassem a transmitir informações ao Reino da Bélgica com base no princípio da reciprocidade admitido no n._ 3 do artigo 8._
65 A argumentação do Reino da Bélgica apresenta-se, portanto, essencialmente do seguinte modo: i) o recurso ao mercado das euro-obrigações era indispensável para refinanciar a sua dívida; ii) a proibição era indispensável para impedir a fraude fiscal; iii) a proibição era adequada, porque nenhuma medida alternativa teria sido eficaz.
66 Não estou convencido de que a primeira destas afirmações seja pertinente no quadro de uma avaliação da proporcionalidade. É a legalidade da proibição que está aqui em causa e não a legalidade do recurso do Reino da Bélgica ao mercado das euro-obrigações. De qualquer maneira, não vejo como este poderia ser julgado «indispensável» do ponto de vista do direito comunitário. O Tribunal de Justiça declarou claramente que só permite a aplicação das derrogações autorizadas pelo Tratado às liberdades fundamentais quando estão estritamente preenchidas as condições previstas por essas derrogações.
67 Quanto à segunda afirmação, é claro que uma medida nacional, que tem por efeito impedir os contribuintes de se eximirem às obrigações da legislação fiscal interna usando a livre circulação de capitais garantida pelo n._ 1 do artigo 73._-B do Tratado, pode, em princípio, ser legítima em virtude do artigo 73._-D, n._ 1, alínea b) (69). No entanto, no único processo em que este argumento foi acolhido, a medida em causa era simplesmente uma legislação que impunha um imposto sobre os contratos de empréstimo sem distinção segundo o local em que eram concluídos, o que privava os residentes do Estado-Membro em questão da possibilidade de beneficiarem de uma ausência de tributação que poderia ser associada aos empréstimos subscritos fora do território nacional. O advogado-geral sublinhou expressamente que essa legislação não proibia a contracção de empréstimos no estrangeiro (70).
68 Isto conduz-nos à terceira afirmação do Reino da Bélgica, ou seja, que a proibição era adequada porque nenhuma medida alternativa teria sido eficaz. Parece-me, todavia, evidente, segundo as afirmações do próprio Reino da Bélgica, que uma proibição total não pode impedir a fraude fiscal. Como a Comissão salienta, a proibição não impede que os residentes belgas adquiram euro-obrigações emitidas por outros mutuários, relativamente às quais também não suportarão «précompte mobilier», e não foi demonstrado (71) que os residentes belgas que procuram investimentos escolham em vez disso obrigações do Governo belga emitidas no mercado doméstico e sujeitas ao «précompte mobilier». Se é um facto que 99,5% dos residentes belgas que recebem rendimentos de títulos pagos no estrangeiro se subtraem fraudulentamente ao pagamento do imposto, parece pelo menos improvável que reajam à proibição de aquisição das euro-obrigações em causa investindo voluntariamente em títulos sujeitos ao «précompte mobilier» quando também têm acesso a títulos que não estão sujeitos ao mesmo. Além disso, como salienta a Comissão, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Leur-Bloem (72) que uma presunção geral de fraude fiscal não podia justificar uma medida fiscal geral violando os objectivos de uma directiva. Esta conclusão aplica-se por maioria de razão quando a medida em causa consiste na proibição pura e simples do exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo artigo 73._-B.
69 Em minha opinião, este ponto é decisivo, porque implica que a condição de proporcionalidade não está preenchida. Portanto, entendo que não é necessário analisar se, como pretendeu a Comissão, o Reino da Bélgica teria atingido o seu objectivo de prevenção da fraude fiscal com medidas, como as sugeridas pela Comissão, que teriam restringido menos a livre circulação de capitais do que a proibição pura e simples de subscrição aqui em causa.
Conclusão
Por conseguinte, entendo que o Tribunal de Justiça deve:
«1) Declarar que, ao proibir os residentes belgas de adquirirem euro-obrigações emitidas pelo Reino da Bélgica no mercado das euro-obrigações, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 73._-B do Tratado CE (actual artigo 56._ CE).
2) Condenar o Reino da Bélgica nas despesas.»
(1) - O texto completo é reproduzido no n._ 16 infra.
(2) - Os termos utilizados em francês variam: «luder», que pode ser entendido como um termo neutro, «vasion fiscale» e por vezes «fraude fiscale». Uma vez que o comportamento descrito se enquadra melhor na fraude do que na evasão, utilizei preferencialmente esta última expressão.
(3) - O texto completo é reproduzido no n._ 16 infra.
(4) - JO 1960, 43, p. 921; EE 10 F1 p. 6.
(5) - Directiva 63/21/CEE do Conselho que completa e altera a primeira directiva (JO 1963, 9, p. 62; EE 10 F1 p. 18).
(6) - Directiva do Conselho de 17 de Novembro de 1986 (JO L 332, p. 22).
(7) - Directiva do Conselho de 24 de Junho de 1988 para a execução do artigo 67._ do Tratado (JO L 178, p. 5).
(8) - Artigo 1._, n._ 1.
(9) - Para mais detalhes, v. as explicações, muito úteis, da legislação anterior em Usher J. A., The Law of Money and Financial Services in the European Community (2000), pp. 15 a 22.
(10) - A pertinência da jurisprudência anterior foi expressamente reconhecida pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (C-163/94, C-165/94 e C-250/94, Colect., p. I-4821, n._ 22), e de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer (C-222/97, Colect., p. I-1661, n._ 21).
(11) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986 (157/85, Colect., p. 2013).
(12) - N.os 24 e 25 do acórdão.
(13) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1988 (143/86, Colect., p. 625).
(14) - Ou seja, a proposta da Directiva 86/556 (JO 1986, C 229, p. 3).
(15) - Relatório para audiência, p. 633.
(16) - Acórdão de 23 de Fevereiro de 1995 (C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361).
(17) - N.os 24 a 27 do acórdão.
(18) - N.os 28 a 30 do acórdão.
(19) - Já referido na nota 10.
(20) - N._ 22 do acórdão.
(21) - N.os 26 e 27.
(22) - N._ 29.
(23) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1999 (C-439/97, Colect., p. I-7041).
(24) - N.os 19 e 20 do acórdão.
(25) - N._ 24.
(26) - Acórdão de 1 de Junho de 1999 (C-302/97, Colect., p. I-3099).
(27) - N._ 49 do acórdão.
(28) - Acórdão Brugnoni e Ruffinengo, referido na nota 11 e resumido supra no n._ 19.
(29) - V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson (C-484/93, Colect., p. I-3955, n._ 10); de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer (C-222/97, Colect., p. I-1661, n._ 26 e a jurisprudência aí referida), bem como acórdão Sandoz, referido na nota 23 e resumido supra no n._ 23.
(30) - V. acórdãos Bordessa e o., referido na nota 16 e resumido supra no n._ 21; Sanz de Lera e o., referido na nota 10 e resumido supra no n._ 22; Konle, referido na nota 26 e resumido supra no n._ 24, bem como mais recentemente o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2000, Église de scientologie (C-54/99, Colect., p. I-1335, n._ 14).
(31) - Esse direito existe desde a Directiva 88/361, referida na nota 7.
(32) - Acórdão Brugnoni e Ruffinengo, referido na nota 11 e resumido supra no n._ 19.
(33) - Directiva da Comissão de 25 de Junho de 1980 (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75).
(34) - Acórdão de 17 de Outubro de 1989 (231/87 e 129/88, Colect., p. 3233, n._ 16).
(35) - Acórdão de 14 de Outubro de 1976 (29/76, Colect., p. 629).
(36) - Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186).
(37) - V. n._ 25.
(38) - Referida na nota 33.
(39) - Referido na nota 34.
(40) - N._ 5 do artigo 4._ da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).
(41) - N._ 15 do acórdão.
(42) - Referido na nota 35.
(43) - Referida na nota 33.
(44) - Acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália (118/85, Colect., p. 2599, n._ 7).
(45) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-204/90, Colect., p I-249).
(46) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1992 (C-300/90, Colect., p. I-305).
(47) - Acórdão de 15 de Maio de 1997 (C-250/95, Colect., p. I-2471).
(48) - Tal significa provavelmente que o montante efectivamente pago deve ser suficiente para compensar o imposto devido sobre os juros.
(49) - V., em especial, acórdão Sandoz, referido na nota 23 e resumido supra no n._ 23.
(50) - V. acórdãos Brugnoni e Ruffinengo, referido na nota 11 e resumido supra no n._ 19; Bordessa e o., referido na nota 16 e resumido no n._ 21; Sanz de Lera e o., referido na nota 10 e resumido no n._ 22, Sandoz, referido na nota 23 e resumido no n._ 23.
(51) - Esta razão figura, de facto, entre aquelas que o Tribunal de Justiça enumerou ab initio no seu acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe-Zentral, dito «Cassis de Dijon» (120/78, Colect. 1979, p. 327, n._ 8).
(52) - Referido na nota 51.
(53) - V., por exemplo, entre numerosos processos, os n.os 34 a 36 das conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo Safir (acórdão de 28 de Abril de 1998, C-118/96, Colect., p. I-1897); acórdãos de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland (C-311/97, Colect., p. I-2651, n._ 32); de 28 de Outubro de 1999, Vestergaard (C-55/98, Colect., p. I-7641, n._ 25), bem como o n._ 30 das conclusões do advogado-geral A. Saggio neste último processo.
(54) - V. n._ 45.
(55) - Referido na nota 10 e resumido supra no n._ 22.
(56) - Referida na nota 7.
(57) - Referido na nota 45.
(58) - Referido na nota 46.
(59) - Para efeitos desta discussão, as referências ao acórdão Bachmann visam também o acórdão Comissão/Bélgica, porque tanto as questões como as decisões foram na prática as mesmas nos dois processos.
(60) - Referido na nota 51. V., por exemplo, os n.os 33 e segs. das conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo Safir, referido na nota 53, e o n._ 23 das conclusões do advogado-geral A. La Pergola apresentadas em 24 de Junho de 1999 no processo Verkooijen (acórdão de 6 de Junho de 2000, C-35/98, Colect., p. I-4071).
(61) - V. n.os 8 e 9 do acórdão.
(62) - V. n.os 21 a 23 do acórdão. V. também n.os 56 a 58 do acórdão Verkooijen, referido na nota 60.
(63) - V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, Colect., p. I-2493, n._ 24); Svensson e Gustavsson, referido na nota 29, n.os 16 e 17; de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, p. I-3089, n.os 56 a 60); de 16 de Julho de 1998, ICI (C-264/96, Colect., p. I-4695, n._ 29); de 26 de Outubro de 1999, Eurowings Luftverkehrs (C-294/97, Colect., p. I-7447, n.os 41 e 42); Vestergaard, referido na nota 53, n._ 24; n.os 25 e segs. das conclusões do advogado-geral A. La Pergola apresentadas em 24 de Junho de 1999 e n.os 6 e 7 das conclusões apresentadas em 14 de Dezembro de 1999 no processo Verkooijen referido na nota 60, bem como n._ 40 do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2000, Baars (C-251/98, Colect., p. I-2787).
(64) - É evidente que este argumento não colhe em caso de participação na zona euro dos dois Estados-Membros em questão.
(65) - V., no mesmo sentido, n._ 37 das conclusões do advogado-geral Tesauro no processo Safir, referido na nota 53, bem como n.os 57 e 58 do acórdão Verkooijen, referido na nota 60.
(66) - V. n._ 45.
(67) - V., por exemplo, n.os 22 e 23 do acórdão Sanz de Lera e o., referido na nota 10.
(68) - Directiva do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94).
(69) - V. n._ 25 do acórdão Sandoz referido na nota 23.
(70) - N._ 31 das conclusões do advogado-geral P. Léger.
(71) - O ónus da prova está a cargo do Estado-Membro cujas medidas são contestadas: v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1983, Van Bennekom (227/82, Recueil, p. 3883, n._ 40), em relação com o artigo 36._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 30._ CE).
(72) - N.os 41 a 45 do acórdão de 17 de Julho de 1997 (C-28/95, Colect., p. I-4161).