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Document 61998CC0399

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 7 de Dezembro de 2000.
Ordine degli Architetti delle province di Milano e Lodi, Piero De Amicis, Consiglio Nazionale degli Architetti e Leopoldo Freyrie contra Comune di Milano, com intervenção de: Pirelli SpA, Milano Centrale Servizi SpA e Fondazione Teatro alla Scala.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia - Itália.
Empreitadas de obras públicas - Directiva 93/37/CEE - Legislação nacional que permite ao titular de uma licença de construção e de um loteamento aprovado efectuar directamente as obras de equipamento em dedução de uma contribuição - Legislação nacional que permite às autoridades públicas negociar directamente com um particular o conteúdo dos actos administrativos que lhe dizem respeito.
Processo C-399/98.

Colectânea de Jurisprudência 2001 I-05409

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:671

61998C0399

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 7 de Dezembro de 2000. - Ordine degli Architetti delle province di Milano e Lodi, Piero De Amicis, Consiglio Nazionale degli Architetti e Leopoldo Freyrie contra Comune di Milano, com intervenção de: Pirelli SpA, Milano Centrale Servizi SpA e Fondazione Teatro alla Scala. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia - Itália. - Empreitadas de obras públicas - Directiva 93/37/CEE - Legislação nacional que permite ao titular de uma licença de construção e de um loteamento aprovado efectuar directamente as obras de equipamento em dedução de uma contribuição - Legislação nacional que permite às autoridades públicas negociar directamente com um particular o conteúdo dos actos administrativos que lhe dizem respeito. - Processo C-399/98.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-05409


Conclusões do Advogado-Geral


1. O presente processo é submetido ao Tribunal de Justiça para que este se pronuncie sobre o âmbito de aplicação material do direito comunitário de empreitadas de obras públicas num contexto em que está em causa uma legislação nacional de urbanismo.

2. O conflito de interesses públicos e privados, tal como surge num processo de loteamento, não pode deixar de levantar algumas interrogações sobre as modalidades segundo as quais o direito nacional deixa aos particulares o encargo de executarem eles próprios as obras de equipamentos de base e mesmo os equipamentos públicos de simples lazer, que integram os seus projectos.

3. É com este tipo de incerteza que o órgão jurisdicional italiano se encontra confrontado no litígio no processo principal, o que o leva a solicitar ao Tribunal de Justiça que examine as questões prejudiciais relativas à análise das condições de aplicação da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas .

I - Quadro Jurídico

A - A regulamentação comunitária

4. O artigo 1.° , alíneas a), b) e c), da directiva dispõem:

«a) Os contratos de empreitada de obras públicas são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um empreiteiro, por um lado, e uma entidade adjudicante, definida na alínea b), por outro, que tenham por objecto quer a execução quer conjuntamente a execução e concepção das obras relativas a uma das actividades referidas no anexo II ou de uma obra definida na alínea c), quer a realização, seja por que meio for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante;

b) São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público;

...

c) Entende-se por obra o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a preencher, por si mesmo, uma função económica ou técnica;»

5. As actividades do anexo II constantes da alínea a) do artigo 1.° são actividades de construção e de engenharia civil, correspondentes à classe 50 da Nomenclatura Geral das Actividades Económicas nas Comunidades Europeias (NACE). A construção de edifícios consta expressamente no número destas actividades.

6. O artigo 2.° da directiva dispõe o seguinte:

«1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que as entidades adjudicantes observem ou assegurem a observância do disposto na presente directiva sempre que subsidiem directamente em mais de 50% um contrato de empreitada de obras celebrado por uma entidade exterior a elas próprias.

2. O disposto no n.° 1 diz apenas respeito aos contratos da classe 50, grupo 502 da Nomenclatura Geral das Actividades Económicas nas Comunidades Europeias (NACE) e aos contratos de obras de construção de hospitais, de instalações desportivas, recreativas e de ocupação de tempos livres, estabelecimentos de ensino e edifícios para uso administrativo.»

7. Os artigos 4.° e 5.° enumeram as categorias de empreitadas às quais não se aplica a directiva, como é o caso das empreitadas regulamentadas pela Directiva 90/531/CEE , dos contratos de empreitada que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança ou dos contratos públicos regidos por regras processuais diferentes e celebrados por força de acordos internacionais específicos.

8. O artigo 6.° fixa o limiar de aplicação da directiva em 5 milhões de ECU, calculado sem IVA.

9. O artigo 7.° , n.os 2 e 3, enumera os casos em que as entidades adjudicantes podem recorrer aos processos de negociação, o que tem por objectivo, segundo a definição constante da alínea g) do artigo 1.° da directiva, os processos nacionais segundo os quais «as entidades adjudicantes consultam empreiteiros à sua escolha, negociando as condições do contrato com um ou mais de entre eles».

10. Do artigo 7.° , n.° 4., resulta que, em todos os outros casos que não são mencionados no artigo 7.° , n.os 2 e 3, as entidades adjudicantes adjudicam as empreitadas recorrendo a um concurso público ou a um concurso limitado.

B - A legislação italiana

A legislação italiana em matéria de urbanismo e de equipamentos colectivos

11. Segundo a legislação nacional aplicável, a actividade de construção está submetida ao controlo das entidades públicas. De acordo com o artigo 1.° da Lei n.° 10/77, de 28 de Janeiro de 1977 , qualquer actividade que comporte uma transformação urbanística e imobiliária do território comunal implica uma participação nos respectivos encargos e a execução das obras fica subordinada à concessão de uma licença de construção pelo «sindaco».

12. Nos termos do artigo 3.° da mesma lei, a concessão da licença implica o pagamento de uma contribuição proporcional às despesas de equipamento e aos custos da construção.

13. A contribuição de urbanização é paga à comuna no acto da entrega da licença. Todavia, para efeitos do n.° 1 do artigo 11.° da Lei n.° 10/77, o concessionário da licença pode obrigar-se a realizar directamente as obras de equipamento, segundo as modalidades e as garantias estabelecidas pela comuna, deduzindo total ou parcialmente o seu custo no montante da contribuição devida.

14. Tratando-se, mais especificamente, da realização coordenada de um conjunto de obras que fazem parte de um plano de loteamento, hipótese em apreciação no litígio no processo principal, o n.° 5 do artigo 28.° da Lei urbanística n.° 1150/42 sujeita a autorização do loteamento pela comuna à celebração de uma convenção, cujo registo é da responsabilidade do proprietário, que deve prever o seguinte:

«1. ... a cessão gratuita das áreas necessárias para as obras de equipamento secundário dentro dos limites referidos no n.° 2;

2. a assunção pelo proprietário dos custos relativos às obras de equipamento primário e de uma quota-parte das obras de equipamento secundário relativas ao loteamento ou das obras que sejam necessárias para efectuar a ligação da zona aos serviços públicos; essa quota será determinada na proporção do volume e características das zonas de loteamento;

3. prazos não superiores a dez anos dentro dos quais deve ser ultimada a execução das obras a que se refere o parágrafo anterior».

O artigo 28.° , n.° 7, da Lei urbanística n.° 1150/42 estabelece, além disso, que é de dez anos o prazo fixado para a execução das obras de equipamento a cargo do proprietário.

15. De acordo com o artigo 4.° da Lei n.° 847/64, de 29 de Setembro de 1964 , os equipamentos culturais e sanitários constituem obras de equipamento secundário.

16. O artigo 8.° da Lei regional 60, de 5 de Dezembro de 1977, da Lombardia prevê a realização por particulares de obras de equipamento, com dedução dos encargos de equipamento devidos pela concessão de uma licença de construção simples, admitindo que os interessados solicitem da entidade outra autorização de concessão para realizar directamente uma ou mais obras de equipamento primário ou secundário, sendo a licença concedida pelo «sindaco», desde que tal realização directa seja considerada conveniente para o interesse público.

17. Por seu lado, a realização de obras de equipamento previstas num plano de loteamento é regulamentada pelo artigo 12.° da citada Lei Regional, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.° da Lei Regional n.° 31, de 30 de Julho de 1986 . Em conformidade com este artigo, a convenção da qual depende a concessão da licença de construção relativa às intervenções previstas nos planos de loteamento deve prever a realização, a expensas dos proprietários, de todas as obras de equipamento primário e de uma quota-parte das obras de equipamento secundário ou daquelas que sejam necessárias para estabelecer a ligação da zona aos serviços públicos. Quando a realização das obras implica custos inferiores aos previstos separadamente para o equipamento primário e secundário, deverá ser reposta a diferença. A comuna goza, em qualquer caso, da faculdade de exigir, em vez da realização directa das obras, o pagamento de uma soma proporcional ao custo efectivo das obras de equipamento inerentes ao loteamento, assim como ao volume e características das construções que, de qualquer modo, não pode ser inferior aos custos previstos pela deliberação comunal referida no artigo 3.°

18. A legislação regional contem igualmente uma lista de obras de equipamento secundário que inclui os equipamentos culturais .

A legislação em matéria de procedimento administrativo

19. A jurisdição de reenvio faz notar que os procedimentos em causa no processo principal não são estranhos ao que se convencionou chamar, em Itália, administração consensual. Através deste «modus operandi», a Administração Pública renuncia ou atenua as características de autoridade e unilateralidade da sua intervenção para negociar directamente com os particulares o conteúdo dos actos administrativos que lhes dizem respeito .

20. A Lei geral n.° 241, de 7 de Agosto de 1990, sobre os procedimentos, fixa novas regras em matéria de procedimento administrativo e do direito de acesso aos documentos administrativos.

21. O seu artigo 11.° permite à Administração Pública celebrar, sem prejuízo dos direitos de terceiros e da prossecução do interesse público, acordos com os interessados com o objectivo de determinar o conteúdo discricionário da medida final ou, até, nos casos previstos na lei, em substituição desta.

II - A matéria de facto e o procedimento no processo principal

22. Através da deliberação n.° 82/96, de 12 de Setembro de 1996, o Consiglio Comunale de Milão aprovou um programa de trabalhos, assente em diversas intervenções, denominado «progetto Scala 2001».

23. Estas intervenções consistem, em síntese, na realização das seguintes obras:

- restauro e adaptação do edifício histórico do Teatro alla Scala;

- adaptação dos edifícios comunais de um complexo imobiliário, e

- construção de um novo teatro, na zona designada «la Bicocca», com cerca de 2 300 lugares, num terreno com uma área de 25 000 m2 (mais 2 000 m2 de parque de estacionamento), destinado a albergar, numa primeira fase, as actividades da sede histórica da Piazza Scala, durante o tempo necessário à execução dos trabalhos de restauro e adaptação . Numa segunda fase, este edifício albergará todas as representações de obras teatrais e outras manifestações de carácter cultural.

24. Foi concebido um projecto de loteamento para a zona la Bicocca que previa a adaptação de um amplo conjunto de construções, com vista à reconversão desta velha zona industrial. A società Pirelli (a seguir «Pirelli») agia, em conjunto com outros particulares, na qualidade de proprietária do loteamento. Esta iniciativa privada, iniciada já há bastante tempo, tendo já ultrapassado todas as fases do procedimento administrativo , estava em vias de conclusão na época dos factos na origem do litígio no processo principal.

25. Entre as medidas de urbanismo programadas para este local, a cidade de Milão tinha já previsto a realização de um complexo de interesse geral «de carácter pluricomunal». O teatro devia fazer parte desse complexo.

26. Com a deliberação n.° 82/96, o Consiglio Comunale de Milão assumiu uma série de compromissos relativos à realização das obras, aos prazos e ao financiamento do projecto «Scala 2001», aprovando uma convenção específica celebrada entre a cidade de Milão, por um lado, e Pirelli, Ente Autonomo Teatro alla Scala e Milano Centrale Servizi SpA , mandatária dos promotores do «Progetto Bicocca» (projecto Bicocca), por outro. Esta convenção, celebrada em 18 de Outubro de 1996 , prevê as modalidades de execução a seguir referidas no que respeita à vertente «Bicocca» do «Scala 2001»:

- À MCS, na qualidade de mandatária dos promotores do projecto de loteamento, competia realizar a construção do edifício do novo teatro (assim como o respectivo parque de estacionamento) como equipamento secundário, na zona da Bicocca e no terreno para o efeito cedido a título gratuito pelos promotores à cidade de Milão. A construção do teatro seria executada «em dedução» das contribuições de urbanismo impostas pelas legislações nacional e regional. O compromisso assumido limitava-se à realização do «invólucro externo» do edifício. O acabamento interior, segundo a MCS, ficava a cargo da cidade de Milão, que, para o efeito, deveria realizar um concurso público, e

- a entrega do edifício pela MCS devia ter lugar antes do fim de 1998.

27. A Ordine degli Architetti delle Province di Milano e Lodi (Ordem dos Arquitectos das Províncias de Milão e Lodi) e, uti singuli, o arquitecto Piero De Amicis interpuseram recurso de anulação da deliberação n.° 82/96, para o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Itália).

28. Na sequência das novas orientações tomadas pela nova administração comunal no início do ano de 1998, o Consiglio Comunale de Milão emitiu a deliberação n.° 6/98, em 16 e 17 de Fevereiro, nos termos da qual:

- aprovou o anteprojecto de construção do teatro;

- confirmou que a execução da obra seria realizada, em parte, por execução directa dos requerentes do loteamento, «em cumprimento das obrigações contratuais relativas ao plano de loteamento»; foi igualmente determinado que o montante das obras ascende a 25 biliões de ITL, e

- alterou os prazos de execução, constantes da convenção, em certas medidas. A data de conclusão do novo teatro foi, assim, fixada em 31 de Dezembro de 2000.

29. O Consiglio Nazionale degli Architetti (Conselho Nacional dos Arquitectos) e, uti singuli, o arquitecto Leopoldo Freyrie interpuseram recurso de anulação da deliberação n.° 6/98 no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia.

30. Nos dois recursos interpostos para este órgão jurisdicional, os requerentes contestam a validade das deliberações, quer face ao direito italiano em matéria de urbanismo, quer face ao direito comunitário em matéria de empreitadas de obras públicas. No que diz respeito a este último aspecto, as partes sustentam que o teatro apresenta características de uma obra pública, pelo que o Consiglio Comunale deveria ter recorrido ao processo de concurso público previsto pela regulamentação comunitária, em vez de ajuste directo, lesando desta forma os interesses categóricos da OAML e dos arquitectos recorrentes.

III - As questões prejudiciais

31. O Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia conclui, no seu despacho de reenvio, que a cidade de Milão aplicou correctamente a legislação italiana (nacional e regional) em matéria de urbanismo. Ao invés, no que se refere à legislação comunitária, o órgão de jurisdição nacional afirma ter dúvidas sobre se a realização directa de uma obra de equipamento, em dedução da contribuição, apresenta as características de uma empreitada de obras públicas, sob o ponto de vista do direito comunitário.

32. Em face do que antecede, decidiu solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais:

«1) A regulamentação estatal e regional que permite ao construtor (titular de uma licença de construção ou de um plano de loteamento aprovado) a realização directa de obras de equipamento, deduzidas total ou parcialmente da contribuição devida (artigo 11.° da Lei n.° 10/77, artigos 28.° e 31.° da Lei n.° 1150, de 17 de Agosto de 1942; artigos 8.° e 12.° da Lei n.° 60, Regione Lombardia, de 5 de Dezembro de 1977) está ou não em contradição com a Directiva 93/37/CEE, em particular com os princípios de rigorosa concorrência que o direito comunitário impõe aos Estados-Membros no âmbito das obras públicas de valor igual ou superior a 5 000 000 [euros]?

2) Não obstante os princípios de concorrência expostos, podem considerar-se compatíveis com o direito comunitário os acordos entre a Administração e os particulares (admitidos em termos genéricos pelo artigo 11.° da Lei n.° 241, de 7 de Agosto de 1990) em matérias caracterizadas pela escolha, por parte da Administração Pública, de um sujeito com o qual estipula prestações deste tipo, quando excedam o limiar previsto pelas directivas nesta matéria?»

IV - Sobre a admissibilidade da primeira questão prejudicial

33. A cidade de Milão e a FTS põem em dúvida a existência de uma relação entre a primeira questão prejudicial e o objecto do litígio no processo principal.

34. De salientar que o órgão da jurisdição nacional limitou a admissibilidade dos recursos interpostos aos aspectos relativos à atribuição do trabalho de concepção do teatro, excluindo os que dizem respeito à execução das obras. Esta decisão justifica-se pela qualidade dos requerentes, que não são construtores, mas sim arquitectos e os respectivos órgãos profissionais.

Portanto, a primeira questão prejudicial, que se limita à interpretação da directiva, não se afigura útil para a solução de um contencioso que tem por objecto uma prestação de serviços.

35. A cidade de Milão e a FTS acrescentam que o trabalho de concepção do teatro foi pura e simplesmente oferecido à Administração comunal pela Pirelli e pela MCS. O seu custo não pode, pois, ser incluído no custo das obras, que deve ser deduzido na contribuição de urbanização.

Através deste argumento, as partes no processo principal parecem defender a ideia de que o carácter gratuito desta parte do processo litigioso o subtrai ao âmbito de aplicação da directiva, que presume que a operação em causa tem carácter oneroso.

36. De acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, no quadro da cooperação entre este e as jurisdições nacionais, instituída pelo artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), compete apenas ao juiz nacional perante o qual se encontra pendente o litígio, assumir a responsabilidade da decisão a ser pronunciada, apreciar as suas especificidades, bem como avaliar da necessidade de uma decisão prejudicial, por forma a estar habilitado a fazer o seu julgamento sobre a pertinência das questões colocadas ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, sempre que as questões dizem respeito à interpretação do direito comunitário, é ao Tribunal de Justiça que, em princípio, compete pronunciar-se .

37. O indeferimento de um pedido apresentado por um órgão da jurisdição nacional só é possível quando se verifica manifestamente que a interpretação do direito comunitário solicitada não apresenta qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal .

38. No caso vertente, não poderá admitir-se que um processo relativo à forma de escolha de um particular encarregado da construção de um teatro não apresenta qualquer relação com a regulamentação comunitária sobre empreitadas de obras públicas, uma vez que o projecto foi da iniciativa de uma comuna e que a obra em causa é considerada pela legislação nacional como sendo um equipamento colectivo.

39. Além disso, a afirmação segundo a qual a admissibilidade dos recursos se limita aos aspectos do litígio relativos à concepção do teatro e não às obras propriamente ditas, não encontra qualquer eco no despacho de reenvio. Esta afirmação é mesmo desmentida pelo facto de o recurso ser considerado admissível, sem fazer menção a esse tipo de restrição . É de acrescentar que, nos termos do artigo 1.° , alínea a), da directiva, as empreitadas de obras públicas compreendem os contratos que têm por objecto «conjuntamente a execução e concepção das obras...».

40. Finalmente, estando em causa o carácter gratuito do trabalho de concepção, o argumento expendido diz respeito a uma questão essencial sendo irrelevante para a admissibilidade. Não existe, pois, qualquer motivo para, com base neste considerando, concluir que a questão levantada não tem relação com o litígio no processo principal.

41. Consequentemente, a primeira questão prejudicial deve ser declarada admissível.

V - Sobre as questões prejudiciais

42. O órgão da jurisdição de reenvio coloca ao Tribunal de Justiça duas questões sobre a compatibilidade de várias disposições do direito urbanístico italiano com o direito comunitário.

43. Existem razões para se ter em conta a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça segundo a qual, se este não é competente, nos termos do artigo 177.° do Tratado, para aplicar a regulamentação comunitária a um determinado caso concreto e para qualificar uma disposição de direito nacional à luz desta regulamentação, pode, no entanto, no quadro da cooperação judiciária instituída por este artigo, com base nos documentos constantes do processo, facultar ao órgão jurisdicional nacional elementos de interpretação do direito comunitário que lhe poderão ser úteis na apreciação dos efeitos desta disposição .

44. Daqui resulta a necessidade de interpretar a directiva a fim de habilitar o juiz de reenvio a pronunciar-se sobre a conformidade com o direito comunitário de uma regulamentação que permite a um particular participar na construção de uma obra pública sem abertura de concurso.

45. É de recordar que a segunda questão prejudicial incide em saber se os acordos entre as entidades públicas e os particulares em domínios que se caracterizam por uma escolha, pelas entidades públicas, de um interlocutor privado com o qual acordam certas prestações, são compatíveis com o ordenamento jurídico comunitário quando as prestações excedem o limite previsto nas directivas sobre a matéria.

46. Quando, como no caso vertente, a questão colocada pode ser entendida no sentido de visar a interpretação do direito comunitário, mas não indica as disposições deste direito cuja interpretação é solicitada, compete ao Tribunal de Justiça determinar, com base no conjunto dos documentos fornecidos pelo órgão da jurisdição nacional, aquelas que requerem uma interpretação, tendo em conta o objecto do litígio .

47. Por esta razão, o juiz de reenvio entende submeter ao direito comunitário um princípio do direito italiano denominado «administração consensual», «quer dizer, um modus operandi segundo o qual a Administração Pública renuncia ou atenua as características de autoridade e de unilateralidade da sua intervenção para negociar directamente com um particular o conteúdo dos actos administrativos que lhe dizem respeito» .

48. O juiz italiano defende a tese de que as prestações às quais podem ser aplicados estes acordos «excedem o limiar previsto pelas directivas sobre a matéria» . Afigura-se, pois, que, na ausência de elementos mais concretos sobre a regulamentação comunitária em causa, a questão não tem outra interpretação que não seja a do direito comunitário das empreitadas de obras públicas.

49. A jurisdição de reenvio refere, além disso, que «o presente processo... pode... inserir-se no quadro de uma mais ampla legislação nacional que pretende favorecer modelos de actuação negociada» , indicando, assim, o artigo 11.° da Lei Geral n.° 241/90.

50. Contudo, não nos faculta elementos sobre o carácter específico desta legislação, tal como poderia ser aplicada ao litígio no processo principal, relativamente à legislação em matéria de urbanismo visada na primeira questão.

Nestas condições, afigura-se que a interpretação da regulamentação comunitária pertinente em matéria de empreitadas de obras públicas é de natureza a facultar ao juiz italiano os elementos de resposta de que necessita para avaliar a legalidade dos dois tipos de legislação. Não existem, pois, razões para distinguir as duas questões prejudiciais.

51. Consequentemente, deve considerar-se que, através das questões colocadas, o juiz de reenvio pergunta, no essencial, se a directiva se opõe a uma legislação nacional que prevê que, quando a execução de um plano de loteamento torna necessárias obras de construção de um equipamento colectivo, compete ao titular da licença de construção executar essas obras, a expensas suas, contra a dispensa do pagamento de contribuição devida à comuna a título da licença de construção, a não ser que a comuna prescinda de receber a contribuição em substituição da execução directa das obras, sem recorrer aos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas previstos na mesma directiva.

52. Antes de proceder à análise da directiva, parece-nos necessário debruçarmo-nos um pouco sobre o equipamento que está na base do litígio no processo principal.

A - Sobre a natureza jurídica do teatro face ao direito nacional e ao direito comunitário

53. Do despacho de reenvio resulta que, face ao direito italiano, o teatro constitui uma obra de equipamento secundário .

Nos termos da lei nacional, os equipamentos culturais em que este edifício se insere estão incluídos na categoria das obras de equipamento secundário, sem que exista «qualquer restrição ligada a uma finalidade ou funcionalidade do bairro» . Esta ausência deliberada de delimitação decorre, segundo o juiz italiano, «da vontade do legislador de ir além, para aquelas obras, do estrito quadro urbanístico de referência» .

54. O facto de um equipamento cultural com vocação nacional ser considerado uma obra necessária à organização de um loteamento pode parecer estranho .

A similitude de regime jurídico entre um teatro nacional e um equipamento destinado à ligação de um loteamento aos serviços públicos - qualificado pelo direito italiano como equipamento primário - ou um equipamento qualificado como secundário, como é o caso das creches ou dos espaços verdes, leva a assimilar-se o teatro a um atributo necessário ao loteamento em construção.

55. Deste modo, um teatro cuja actividade excede largamente o quadro restrito do bairro em que se insere deve obedecer, por força desta qualificação jurídica, à regulamentação urbanística geradora de obrigações específicas ligadas às necessidades e à recreação deste bairro. A título de exemplo, refere-se que, por força da lei italiana, o requerente, sendo um particular, tem a obrigação de tomar a seu cargo os encargos justificados pela natureza da obra, o que, no caso vertente, o leva a suportar um custo particularmente elevado .

56. Não nos compete apreciar a disposição legal em questão, que é da exclusiva competência do legislador e da concepção que se tem sobre a gestão urbana.

57. Todavia, o Tribunal de Justiça deve assegurar-se de que uma organização do espaço urbano desta natureza não corre o risco de prejudicar os interesses que a legislação comunitária de empreitadas de obras públicas visa proteger.

58. Ora, de acordo com a jurisdição de reenvio, a construção do teatro reveste a natureza de obra pública, na acepção da directiva . Apesar disso, a qualificação jurídica atribuída pelo direito nacional a este tipo de equipamento tem consequências concretas, que se afiguram derrogatórias do regime instituído pela directiva. O requerente do loteamento tem a obrigação de realizar, directamente, ou através de terceiros, as obras de construção , salvo decisão em contrário da comuna . Convém, ainda, realçar que a comuna não pode recusar a execução directa em vez do pagamento em dinheiro, a não ser por motivos de interesse público fundamentados na execução correcta e eficaz do plano de loteamento .

59. Pode recear-se que a multiplicação de legislações análogas nos Estados-Membros venha a privar de efeitos a regulamentação comunitária das empreitadas de obras públicas. Os Estados-Membros podem ser tentados a incluir nas respectivas legislações de urbanismo categorias inteiras de obras públicas a fim de as subtraírem ao direito comunitário de empreitadas de obras públicas, considerado constrangedor e dispendioso em tempo e dinheiro.

60. O resultado do debate sobre uma legislação nacional com estas características, não deve, portanto, ser subestimado.

61. Para determinar se é admissível a não aplicação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas constantes da directiva num caso como o do processo principal há que delimitar o âmbito de aplicação material deste normativo à luz dos seus objectivos.

B - Sobre o conceito de empreitadas de obras públicas

62. A definição de «empreitadas de obras públicas», na acepção da directiva, consta do seu artigo 1.° , alínea a).

63. As seis condições previstas nesta disposição são as seguintes: a adjudicação deve ser formalizada através de um contrato a título oneroso, celebrado por escrito entre um empreiteiro e uma entidade adjudicante, e deve ter por objecto um certo tipo de obras ou de trabalhos.

64. Já atrás afirmámos que as obras de construção do teatro são consideradas obras públicas ou, pelo menos, que este edifício é uma obra pública, no sentido da directiva . A natureza escrita da convenção não é contestada. Uma comuna é uma entidade adjudicante, no sentido do artigo 1.° , alínea b), da directiva, uma vez que são consideradas como tal as autarquias locais .

65. Somos de parecer que relações jurídicas como as estabelecidas entre a cidade de Milão e as outras partes demandadas no processo principal, nas condições definidas pela legislação nacional, não são de natureza contratual. Por outro lado, a condição relativa à qualidade do empreiteiro que, de acordo com a directiva, o interlocutor da entidade adjudicante deve revestir, não é necessariamente observada numa legislação como a em apreço. Finalmente, relações do tipo das existentes entre a comuna e o requerente do loteamento não revestem, quanto a nós, o carácter oneroso requerido pela directiva.

66. Reanalisemos sucessivamente estas três condições.

Sobre a condição relativa à natureza contratual da relação jurídica

67. Na verdade, foi celebrada uma convenção entre as partes. Mas o seu conteúdo limita-se às modalidades de execução do projecto, como é o caso da repartição das obras entre a MCS, para a realização do invólucro externo do edifício, e a cidade de Milão, para a sua adaptação interior, bem como o da data de entrega do edifício.

68. Mas, a convenção não contém o que, quanto a nós, constitui um elemento essencial da relação contratual: a faculdade de escolher a parte contratante. De acordo com o juiz de reenvio, o operador chamado a realizar as obras é indicado pura e simplesmente pela lei, no caso vertente o artigo 12.° da Lei regional n.° 60, de 1977 . Na verdade, desta última disposição resulta que as obras devem ser feitas pelo proprietário do terreno.

69. Esta origem não contratual do devedor da obrigação de realizar as obras é confirmada pela sua natureza jurídica no âmbito do direito nacional. A FTS cita um acórdão da Corte Suprema di Cassazione, segundo o qual «a obrigação de o proprietário assumir os encargos relativos às obras de equipamento primário e parte das obras de equipamento secundário... constitui uma obrigação real. Acresce que estas obras devem ser realizadas por aqueles que são proprietários no momento da concessão da licença de construção, os quais podem perfeitamente ser pessoas diferentes das que celebraram a convenção, na medida em que adquiriram uma parte dos terrenos sobre os quais serão criados vários lotes ou grupos de lotes» .

70. A ausência de possibilidade de escolher a entidade encarregada de executar as obras atenua consideravelmente, quanto a nós, os riscos de discriminação que ocorrem quando as entidades adjudicantes pretendem favorecer os agentes económicos nacionais ou locais.

71. Detenhamo-nos um pouco sobre o principal objectivo da directiva: consiste precisamente em eliminar estas práticas discriminatórias no âmbito das empreitadas de obras públicas. Veremos que a letra do seu artigo 1.° , alínea a), traduz com grande exactidão, na parte relativa à exigência de uma relação contratual, a finalidade que lhe foi atribuída pelo legislador comunitário.

72. A directiva visa excluir o risco de se dar preferência aos proponentes ou candidatos nacionais aquando da adjudicação de empreitadas pelas entidades adjudicantes .

73. A existência de uma preferência nacional constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, princípios que estão na base da directiva , bem como ao desenvolvimento de uma concorrência efectiva . Não podemos deixar de reconhecer que, se é dada uma vantagem aos agentes económicos nacionais em detrimento dos seus concorrentes de outros Estados-Membros, estes últimos serão dissuadidos de se instalarem em território nacional ou de se deslocarem para lá, ainda que ocasionalmente, para aí exercerem as suas actividades.

74. Se uma entidade adjudicante tem a liberdade de escolher um empreiteiro para o encarregar da realização remunerada de um trabalho ou de uma obra pública, existe um risco real, numerosas vezes constatado na actuação das autoridades públicas dos Estados-Membros, de que estas escolham os seus interlocutores com base em critérios que não são puramente económicos.

75. A intenção de favorecer os agentes económicos nacionais abstrai de quaisquer juízos sobre a qualidade das obras e do seu preço, critérios que devem presidir à escolha dos empreiteiros. Esta situação prejudica os interesses dos concorrentes excluídos, lesados pela ausência de ganhos resultantes da sua exclusão, bem como os dos contribuintes, uma vez que a utilização dos dinheiros públicos pelas entidades públicas não é ditada por razões puramente económicas.

76. É por este motivo que a regulamentação comunitária das empreitadas de obras públicas, e em particular a directiva, coordena os processos de adjudicação de empreitadas, promovendo a concorrência dos agentes económicos.

77. É também por esta razão que a directiva fixa, entre as condições que determinam a sua aplicabilidade, a exigência do estabelecimento de uma relação contratual. Com efeito, as formalidades processuais do direito comunitário de empreitadas de obras públicas apenas se justificam quando as entidades adjudicantes dispõem de uma margem de apreciação na designação dos agentes económicos. Se esta não existir, não há razão para se verificar o risco de violação das liberdades de circulação e de concorrência. Lembremo-nos de que a liberdade de escolher é também a de discriminar.

78. Aqui a liberdade de escolha não existe. Esta poderá reaparecer quando o requerente do loteamento que, como veremos, não é necessariamente um empreiteiro, tem a sua actuação limitada pela entidade adjudicante, em particular no que respeita à escolha do profissional que executará a obra. É claro que qualquer infracção neste domínio pela entidade pública constituirá uma fraude à lei - senão à lei nacional, pelo menos à norma comunitária - e deveria ser celebrado um contrato entre a entidade adjudicante e o empreiteiro.

79. Em todo o caso, a liberdade de intervenção da administração comunal é nula no caso vertente, quer se trate da escolha do empreiteiro, quer das relações com este na fase de execução do contrato, tal como é reconhecido pela quase totalidade das partes.

80. Salientamos que, de acordo com a legislação nacional em questão, a comuna pode decidir quanto ao pagamento da contribuição de urbanismo, substituindo esta obrigação à da execução directa da obra.

81. É preciso assegurar-se de que a reintrodução de um elemento de decisão na escolha do empreiteiro não implique o risco de a entidade adjudicante vir a recorrer novamente a práticas discriminatórias.

82. Esta questão só se põe, naturalmente, na hipótese de a comuna decidir exercer o direito de receber a contribuição, em prejuízo da execução da obra «em dedução» da contribuição.

83. É evidente que, nestas condições, os processos estabelecidos pela directiva devem ser aplicados, visto que a entidade adjudicante decide dirigir-se a outros empreiteiros. Mas, ao fazê-lo, está precisamente a fazer uma escolha, pelo menos pela negativa, ao recusar ao requerente do loteamento o direito de executar directamente a obra.

84. Não pensamos que estes receios sejam justificados. Por um lado, não é ponto assente que o requerente do loteamento seja sempre um empreiteiro, e, se o for, que pretenda exercer sistematicamente o direito de executar as obras. Nestas duas hipóteses, este direito pode também ser considerado um encargo excessivo e, sob um ponto de vista pessoal, injustificado. Do mesmo modo que, quando é o requerente do loteamento a assegurar ele próprio a execução da obra, se os encargos dela decorrentes são inferiores ao que tinha sido previsto, fica obrigado a entregar a diferença à comuna. Assim, a execução das obras pode constituir uma obrigação sem perspectivas de um aligeiramento financeiro resultante da sua execução directa. Por outro lado, se o requerente do loteamento assim excluído pretende executar a obra, é-lhe sempre permitido, desde que a directiva seja correctamente aplicada, concorrer ao concurso público.

85. Daqui decorre que a condição relativa à natureza contratual da relação jurídica não pode ser considerada preenchida.

Sobre a condição relativa à existência de um empreiteiro

86. O facto de o requerente do loteamento não ser sempre um empreiteiro constitui o segundo motivo pelo qual pensamos ser de afastar a ideia de que uma legislação nacional que impõe, salvo excepção, a execução directa da obra «em dedução» infringe a directiva.

87. Como sabemos esta supõe a existência de um contrato entre uma entidade adjudicante e um empreiteiro.

88. Ora, a legislação nacional em questão não exige que o requerente do loteamento seja um empreiteiro. Se aquele não está em condições de executar ele próprio a obra, deve designar o empreiteiro que a fará. É com este último que estabelecerá relações contratuais, passando assim a ser o dono da obra, e não com a entidade adjudicante. Na medida em que, como já tivemos ocasião de sublinhar , a comuna não intervém nas relações entre o requerente do loteamento e o empreiteiro, a sua capacidade de influência fica, assim, significativamente reduzida.

89. A qualificação de obra pública deve ser afastada não somente por força da inexistência de um empreiteiro como interlocutor directo da comuna, mas também pela falta de intervenção da entidade adjudicante na obra encomendada pelo requerente do loteamento ao empreiteiro .

90. Face a esta situação, desaparecem as razões que justificariam a aplicação da directiva. A fronteira que delimita o domínio das empreitadas de obras públicas relativamente ao das relações de natureza estritamente privada está superada. O requerente do loteamento, particular encarregado do pagamento da obra «em dedução» da contribuição de urbanismo, submete-se de novo a uma lógica de pura racionalidade económica que o incentiva a fazer uma escolha tendo em conta os seus próprios interesses. As exigências do controlo das despesas de um empreiteiro que poderá, demasiado rapidamente, considerar-se livre de qualquer restrição orçamental, desaparecem com a vigilância de um particular, naturalmente preocupado em limitar as suas despesas. Assim, encontra-se assegurado, de maneira quase automática, o respeito pela concorrência efectiva já que, com esta preocupação de economia, o particular com liberdade de escolher o empreiteiro, e devedor a título exclusivo do preço que irá pagar, procurará optar pela melhor proposta ao melhor preço.

Sobre a condição relativa ao carácter oneroso da relação jurídica

91. Resta expor as razões pelas quais pensamos que as relações entre o requerente do loteamento e a comuna, no que respeita à obra em litígio, são desprovidas de qualquer carácter oneroso, na acepção do artigo 1.° , alínea a), da directiva.

92. Pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, quando o titular de uma licença de loteamento executa a obra de equipamento, não efectua qualquer prestação a título gratuito. Acima de tudo, está a pagar uma dívida de igual valor a favor da comuna ao prontificar-se a executar obras que implicam aquelas exigências de equipamento .

93. Verificamos que a finalidade da directiva consiste em suprimir as práticas discriminatórias das entidades adjudicantes. Contudo, podemos perguntar se os riscos de infracção às liberdades de circulação e de concorrência se mantêm quando não existe contrapartida pecuniária para a execução da obra.

94. O que motiva os agentes económicos é a perspectiva de obterem um benefício económico com a atribuição da obra. As atribuições discriminatórias de empreitadas são inadmissíveis precisamente porque são acompanhadas pelo pagamento aos empreiteiros escolhidos. Não havendo financiamento da empreitada pela entidade adjudicante, será difícil imaginar qualquer favoritismo em relação ao escolhido. Se a existência de uma prestação a título gratuito ou financiada por aquele que faz executar a obra não tem em conta o princípio da concorrência é porque ela prejudica os interesses deste último e não porque o privilegia em relação aos seus concorrentes.

Nestas condições, a atribuição discriminatória a um empreiteiro de uma obra sem contrapartida financeira não justifica que se recorra aos processos da directiva. Basta, supondo que as relações são de natureza contratual e não legal, que o agente económico se recuse a adjudicar a empreitada para que a desvantagem concorrencial desapareça.

95. Ora, quais são, a este respeito, as características da legislação nacional em apreço?

96. Se nos limitarmos aos elementos que resultam do processo, afigura-se que se podem apresentar duas alternativas.

97. O requerente do loteamento executa ou faz executar obras em dedução da contribuição de urbanismo ou paga a contribuição à comuna por imposição desta, que, então, faz executar a obra respeitando a regulamentação sobre empreitadas de obras públicas. Como já vimos, esta última hipótese constitui uma excepção à execução directa «em dedução», que constitui o princípio.

98. O órgão jurisdicional de reenvio considera que o requerente do loteamento não realiza qualquer prestação a título gratuito. Tem razão, na medida em que o facto de o requerente do loteamento executar a obra «em dedução» o desobriga do pagamento da contribuição a seu cargo. A sua actuação reveste-se, então, de um carácter económico que lhe é conferido pela existência de um pagamento. Mesmo que este seja em espécie e não em dinheiro, a dívida é satisfeita.

99. Portanto, examinando bem a relação económica - ou, melhor dizendo, «fiscal», tendo em conta a natureza da contribuição que é substituída pela execução da obra «em dedução» - constatamos que o risco de discriminação, que resulta normalmente do financiamento público de actividades privadas, não existe no caso vertente.

100. Com efeito, o carácter económico da relação entre o requerente do loteamento e a comuna na legislação nacional em questão não é a mesma coisa que o carácter oneroso do contrato exigido pela directiva, o único que constitui, quanto a nós, uma ameaça contra os interesses protegidos por este normativo.

101. Contrariamente à situação mais frequente na adjudicação de empreitadas de obras públicas, não se afigura que a comunidade pública faça um financiamento no caso de execução directa de obras «em dedução» . Por seu lado, o requerente do loteamento, que não recebe qualquer pagamento, toma a seu cargo as despesas. Afinal, uma vez concluída a obra, o património da comuna é acrescido do valor desta mesma obra, sem despesas da sua parte, enquanto o património do requerente do loteamento se vê diminuído deste mesmo valor, sem outra contrapartida financeira que não seja a dispensa do pagamento da contribuição.

102. Daqui resulta que apenas as relações entre o requerente do loteamento e o empreiteiro têm um carácter oneroso, o mesmo não acontecendo nas relações entre o requerente do loteamento e a comuna. Na verdade, a relação contratual que mais se assemelha ao modelo previsto na directiva é a que liga o requerente do loteamento e o empreiteiro.

103. Por isso, as relações entre a comuna e o requerente do loteamento não podem ser qualificadas como relação jurídica «a título oneroso», na acepção da directiva. Se a comuna não participa no financiamento da obra, na hipótese de execução directa «em dedução», não se pode considerar que está a favorecer o operador ao qual adjudica a obra, no caso de não se aplicar a directiva.

104. O argumento segundo o qual o artigo 2.° da directiva impõe a aplicação desta deve ser rejeitado pelas mesmas razões.

105. Recordemos que esta disposição impõe aos Estados-Membros a obrigação de tomarem as medidas necessárias para que as entidades adjudicantes respeitem ou façam respeitar a directiva, desde que subsidiem directamente em mais de 50% uma empreitada adjudicada por outra entidade.

106. Esta disposição visa evitar certas práticas destinadas a infringir a regulamentação de empreitadas de obras públicas. Certas entidades adjudicantes podem ser tentadas a encarregar organismos privados de proceder à execução de obras públicas . Não sendo eles próprios entidades adjudicantes, será fácil a estes organismos contornar as restrições legais em prejuízo dos interesses protegidos pela directiva. Este risco é atenuado, ao invés, quando as subvenções públicas são inferiores a 50% da obra, já que, sendo o projecto financiado maioritariamente por um particular, este é incentivado a mais discernimento na gestão dos seus fundos.

107. No caso vertente, não se pode considerar que o artigo 2.° da directiva é aplicável às obras adjudicadas pelo requerente do loteamento a um empreiteiro quando estas não são financiadas pela comuna.

Conclusão

108. À luz destas considerações, propomos que o Tribunal de Justiça responda às questões colocadas pelo Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia nos termos seguintes:

«O artigo 1.° , alínea a), da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, não está em contradição com uma legislação nacional que prevê que, quando a execução de um plano de loteamento torna necessárias obras de construção de um equipamento colectivo, compete ao titular da licença de construção executar estas obras a expensas suas, em contrapartida da dispensa de pagamento da contribuição devida à comuna a título da licença de construção, a menos que a comuna decida receber a contribuição em vez da execução directa das obras, sem exigir a aplicação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas previstos na referida directiva.»

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