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Document 61998CC0380

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 11 de Maio de 2000.
    The Queen contra H.M. Treasury, ex parte The University of Cambridge.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court) - Reino Unido.
    Contratos públicos - Processo de adjudicação de contratos públicos de serviços, de fornecimentos e de empreitadas de obras públicas - Entidade adjudicante - Organismo de direito público.
    Processo C-380/98.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-08035

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:229

    61998C0380

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 11 de Maio de 2000. - The Queen contra H.M. Treasury, ex parte The University of Cambridge. - Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court) - Reino Unido. - Contratos públicos - Processo de adjudicação de contratos públicos de serviços, de fornecimentos e de empreitadas de obras públicas - Entidade adjudicante - Organismo de direito público. - Processo C-380/98.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-08035


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1 No presente processo de decisão a título prejudicial, a High Court of Justice (England and Wales), Queen's Bench Division, coloca ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação da noção de entidade adjudicante. Trata-se, nomeadamente, da questão de saber em que condições se deve considerar que um organismo de direito público é «maioritariamente financiado» pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, com a consequência de se dever considerá-lo como entidade adjudicante, na acepção das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos.

    2 Esta questão coloca-se no âmbito de um processo instaurado pela Universidade de Cambridge (a seguir «demandante») contra o H. M. Treasury (a seguir «Treasury»). A demandante põe em causa a proposta do Treasury de manter as universidades do Reino Unido na lista dos organismos de direito público enumerados no Anexo I da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (1), acrescentando-lhe a menção «financiados maioritariamente por outras entidades adjudicantes».

    II - Bases jurídicas

    1. Legislação comunitária

    3 O artigo 1._ da Directiva 93/37 define a noção de entidade adjudicante do seguinte modo:

    «Para efeitos da presente directiva:

    a) ...

    b) são consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público.

    Entende-se por organismo de direito público qualquer organismo:

    - criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial

    e

    - dotado de personalidade jurídica

    e

    - cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, cuja gestão esteja sujeita a um controlo por parte destes últimos ou cujos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

    As listas dos organismos e das categorias de organismos de direito público que preenchem os critérios referidos no segundo parágrafo da presente alínea constam do Anexo I.

    c) a h) ...»

    4 Esta disposição é substancialmente idêntica à do artigo 1._, alínea b), das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (2), e 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (3).

    5 No que respeita ao Reino Unido, a lista dos organismos e das categorias de organismos regidos pelos direito público que consta do Anexo I inclui as «universidades e escolas politécnicas, escolas e colégios subsidiados» (universities and polytechnics, maintained schools and colleges).

    6 O artigo 35._ da Directiva 93/37 prevê o procedimento a adoptar para alterar a lista que consta do Anexo I. Segundo tal procedimento, a Comissão altera o Anexo I para que o mesmo corresponda o mais possível à realidade.

    2. Legislação nacional

    7 As directivas relativas aos contratos públicos foram transpostas no Reino Unido pelos diplomas seguintes:

    - a Directiva 92/50 pelo Public Services Contracts Regulations 1993 (SI 1993/3228),

    - a Directiva 93/36 pelo Public Supply Contracts Regulations 1995 (SI 1995/201),

    - a Directiva 93/37 pelo Public Works Contracts Regulations 1991 (SI 1991/2680).

    8 Estes regulamentos não reproduzem o Anexo I da Directiva 93/37, contendo, porém, uma definição dos organismos de direito público assente na definição dada pelo direito comunitário.

    III - Matéria de facto

    9 Em 1995 e 1996, o Committee of Vice-Chancellors and Principals of the Universities (conselho dos reitores de universidade) do Reino Unido sustentou, face ao Ministério das Finanças, que as directivas relativas aos contratos públicos não se aplicam, em geral, às universidades. Alegou que, consequentemente, a menção «Universidades» contida no Anexo I da Directiva 93/37, a que se referem as Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, devia ser suprimida.

    10 Em 17 de Janeiro de 1997, o Ministério das Finanças propôs à Comissão a seguinte alteração «Universidades... financiados maioritariamente por outras entidades adjudicantes» (universities... financed for the most part by other contracting authorities). Esta indicação permitiria relativizar a aplicabilidade às universidades das directivas referentes à adjudicação de contratos. Esta alteração não foi ainda adoptada pela Comissão.

    11 A alteração proposta pelo Treasury não satisfaz a demandante. Através de um pedido de controlo jurisdicional, de 7 de Novembro de 1996, a universidade pediu autorização para impugnar a posição do Treasury. Foi-lhe concedida autorização para apresentar o pedido de controlo jurisdicional, por este implicar uma questão de fundo referente à correcta interpretação das directivas relativas aos contratos públicos e, mais precisamente, à exacta interpretação da expressão «financiados maioritariamente» (por uma ou várias entidades adjudicantes).

    12 As partes admitiram, no processo principal, que a maioria das universidades do Reino Unido, nomeadamente a Universidade de Cambridge, tinham, decerto, sido criadas para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial e têm personalidade jurídica. Porém, alegaram, além disso, que a sua gestão não está sujeita a um controlo por parte das entidades adjudicantes, e que estas não nomeiam mais de metade dos membros do conselho de administração ou do conselho fiscal da universidade. No caso em apreço, a única questão pertinente é, portanto, a de saber se as universidades são «financiadas maioritariamente por uma ou várias entidades adjudicantes».

    13 No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção, nomeadamente, para o facto de, no Reino Unido, as universidades não serem todas financiadas do mesmo modo e de nem todas receberem financiamentos por parte de entidades adjudicantes. O órgão jurisdicional sublinha que os meios financeiros postos à disposição das universidades provêm de diferentes fontes, são pagos com vista a objectivos diferentes e por razões diferentes e, além disso, as diferentes universidades também não dispõem dos mesmos meios financeiros.

    14 As fontes de financiamento das universidades do Reino Unido mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e também pela demandante são as seguintes:

    1. a) Fundos públicos destinados a actividades universitárias e actividades conexas são concedidos, antes de mais, pelos Higher Education Funding Councils (conselhos para o financiamento do ensino superior) e pela Teacher Training Agency (agência para a formação dos professores), que são, eles próprios, entidades adjudicantes. Os fundos concedidos para o financiamento da investigação são outorgados, em mais de 90%, em função de avaliações periódicas da qualidade das investigações empreendidas. A universidade reparte-os de modo autónomo.

    b) Fundos provenientes dos Research Councils, que são também eles próprios «entidades adjudicantes», são concedidos a uma universidade a pedido específico de certos requerentes que pretendam realizar um projecto de investigação determinado, de que os Research Councils não tirem qualquer proveito directo, sendo atribuídos à universidade. Os subsídios dos Research Councils são atribuídos a quem faça o respectivo pedido, com base numa avaliação do seu mérito. Quando o requerente muda de estabelecimento, o financiamento passa a ser concedido ao novo estabelecimento.

    2. Remuneração pelos serviços de investigação e pelas prestações de serviços encomendados por instituições de beneficência, empresas industriais ou comerciais, ministérios e outras instituições, e prestados a seu favor.

    3. Propinas pagas directamente às universidades pelas entidades adjudicantes. Estes fundos consistem em bolsas concedidas aos estudantes para cobrir as suas propinas. Muitos estudantes têm direito a uma bolsa obrigatória ou, pelo menos, dependente do poder de apreciação da entidade que a paga. Outros são obrigados a financiar, por si próprios, os seus estudos, ou são financiados através de fundos que não provêm do Reino Unido.

    4. Outros financiamentos diversos, provenientes da disponibilização de alojamento e da restauração, mas também de doações e legados.

    15 A High Court of Justice juntou ao seu pedido de decisão prejudicial a síntese das fontes de receitas que constam da contabilidade da universidade, relativamente a 1997, em percentagem do total das suas receitas, e que se apresenta do seguinte modo:

    Bolsas do Funding Council e da Teacher Training Agency30

    Propinas e bolsas de estudo14

    das quais:

    Estudantes nacionais e europeus (alguns dos quais não bolseiros) 9

    Estudantes não europeus 5

    Bolsas de investigação e contratos33

    dos quais:

    Research Councils 14

    Subsídios e contratos provenientes de outros organismos públicos e privados 19

    Outras receitas de exploração12

    das quais:

    Restauração 1

    Transferências do Local Examinations Syndicate 3

    Autoridades sanitárias e hospitalares 2

    Reembolso de IVA 1

    Outros 5

    Receitas das doações e juros a receber11

    Total100.

    16 O órgão jurisdicional de reenvio entende que uma correcta interpretação da expressão «maioritariamente financiados» é determinante para a questão de saber se a universidade deve ser considerada como entidade adjudicante. Por conseguinte, apresentou ao Tribunal de Justiça as quatro seguintes questões a título prejudicial.

    IV - As questões apresentadas

    «1) Quando o artigo 1._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, da Directiva 93/37/CEE do Conselho e da Directiva 93/36/CEE do Conselho (a seguir `directivas') se refere a qualquer organismo `financiado maioritariamente pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público', que fundos devem incluir-se na expressão `financiados... por (uma ou mais autoridades adjudicantes)'? Em particular, relativamente a pagamentos efectuados a uma entidade como a Universidade de Cambridge, aquela expressão inclui:

    a) prémios ou subsídios pagos por uma ou mais entidades adjudicantes e destinados a trabalhos de investigação;

    b) pagamentos efectuados por uma ou mais entidades adjudicantes em contrapartida do fornecimento de serviços que incluem trabalhos de investigação;

    c) pagamentos efectuados por uma ou mais entidades adjudicantes em contrapartida de outros serviços, tais como consultadoria ou organização de conferências;

    d) subsídios concedidos a estudantes e pagos pelas autoridades locais de educação às universidades para subsidiar as propinas dos beneficiários?

    2) Que percentagem, ou outro significado, deve atribuir-se ao termo `maioritariamente' empregue no artigo 1._ das directivas?

    3) No caso de o termo `maioritariamente' ser definido em termos percentuais, o cálculo abrange exclusivamente recursos financeiros destinados a objectivos académicos e afins ou deve também incluir recursos financeiros relativos a actividades comerciais?

    4) Qual o período a considerar para efeitos do cálculo que permite determinar se uma universidade é uma `entidade adjudicante' relativamente a determinado contrato, e de que forma devem ser tomadas em conta alterações previsíveis ou futuras?»

    17 A demandante, os Governos do Reino Unido, neerlandês e austríaco, bem como a Comissão, participaram na fase escrita do processo. O Governo francês apresentou observações na fase oral. Voltaremos depois aos argumentos das partes.

    V - Análise

    1. Considerações liminares

    18 Há que analisar, antes de mais, a questão de saber se é a menção relativa às universidades do Reino Unido que consta do Anexo I da Directiva 93/37 ou a proposta da sua alteração que é relevante para o processo em apreço.

    a) Argumentação das partes

    19 Na opinião do Governo neerlandês, e segundo a posição expressa pelo Reino Unido na audiência, o Anexo I tem valor meramente indicativo. O Governo neerlandês alegou que tal resulta, por um lado, do artigo 35._ da Directiva 93/37 que prevê o procedimento a adoptar para a alteração do anexo e, por outro, da resposta da Comissão, de 16 de Junho de 1992, à pergunta escrita n._ 1443/92 (4).

    b) Análise

    20 Como o Governo neerlandês correctamente alega, a definição pertinente de «entidade adjudicante» consta do artigo 1._, alínea b), das directivas. Só se pode determinar se um organismo é ou não abrangido por tal noção utilizando os critérios que constam deste artigo. A menção na lista já referida não tem natureza vinculativa. Resulta desde logo do artigo 1._, alínea b), que as listas devem ser tão completas quanto possível, e do artigo 35._ da Directiva 93/37, que regulamenta o procedimento a adoptar para a alteração das listas, que as alterações são possíveis e, eventualmente, necessárias quando os organismos que delas constam deixem de corresponder aos critérios enunciados no artigo 1._, alínea b), da directiva. Esta lista também não é exaustiva, havendo, eventualmente, que a completar.

    21 O anexo I da Directiva 93/37 não afecta, consequentemente, a interpretação do artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, da directiva.

    2. Primeira questão

    a) Argumentação das partes

    22 A demandante entende que o objectivo das Directivas 93/36, 93/37 e 92/50 é o de submeter a exigências específicas os organismos relativamente aos quais o Estado está em condições de exercer um controlo efectivo ou potencial aquando da adjudicação de contratos públicos. Invoca, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça (5). As directivas têm por objectivo impedir uma perturbação do mercado único. Se um organismo não está sujeito a tal controlo, ou se este é meramente teórico, as directivas não devem, na sua opinião, ser aplicáveis.

    23 Segundo a demandante, deve responder-se à questão de saber se o Estado exerce ou não um tal controlo com base em critérios qualitativos e quantitativos. Um organismo não passa a ser um organismo de direito público pelo mero facto de uma outra entidade adjudicante lhe prestar um certo número de contribuições financeiras, porque nem todas as contribuições dão propriamente à entidade adjudicante tal possibilidade de controlo. Pelo contrário, há que analisar também o objectivo dos recursos financeiros disponibilizados. Só podem considerar-se como financiamento por parte dos poderes públicos as prestações que sirvam para que o organismo em questão cumpra as suas missões essenciais - no caso da universidade, por exemplo, o ensino e a investigação - e que dão, além disso, à entidade adjudicante que as satisfaz um controlo directo ou indirecto sobre a adjudicação de contratos públicos. A demandante alegou também, na fase oral do processo, que, sendo adoptada uma definição mais ampla, as igrejas, as organizações religiosas, os partidos, as instituições de beneficência subvencionadas pelo Estado ou os jogos de sorte administrados pelo Estado poderiam também ser considerados organismos de direito público, uma vez que são financiados por fundos públicos. A noção de «financiamento» significaria, em qualquer caso, meios financeiros pagos à universidade para lhe permitir o cumprimento das missões essenciais que lhe incumbem. O financiamento de determinados projectos de investigação ou outras formas de financiamento, tais como as doações, não seriam, portanto, abrangidos pela definição em questão. Uma vez que, além disso, as fontes de financiamento enumeradas na primeira questão, alíneas a) a d), do pedido de decisão prejudicial não têm como efeito conferir à entidade adjudicante um controlo sobre as decisões de adjudicação de contratos, não devem ser consideradas como financiamentos na acepção da disposição em questão.

    24 Na opinião do Governo do Reino Unido, o conjunto dos meios financeiros fornecidos pelas entidades adjudicantes a um organismo e que sirvam para este desempenhar as tarefas que lhe incumbem no âmbito da educação e, consequentemente, para a satisfação de interesses gerais, são abrangidas pela noção de financiamento por uma entidade adjudicante. Há que tratar de modo diferente as prestações comerciais fornecidas por uma entidade adjudicante, que não devem ser tomadas em consideração neste âmbito. Para a questão de saber se uma prestação satisfaz necessidades educativas ou comerciais, pode recorrer-se à distinção estabelecida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27 de Setembro de 1988, no processo Humbel (6).

    25 Além disso, o Governo do Reino Unido, nas considerações que apresentou na fase oral do processo, considera, decididamente, como determinante a questão de saber se uma prestação é feita a título gratuito, ou seja, sem dar direito a qualquer contrapartida, tal como, por exemplo, em virtude de uma obrigação resultante do direito público ou se é feita em virtude de uma obrigação contratual específica. Baseia-se no critério estabelecido no acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (7) da «dependência estreita» entre o organismo em questão e a entidade adjudicante, que não se verifica no caso de pagamento de montantes que a instituição em questão obteve de algum modo por si própria, não podendo, consequentemente, ser abrangidos pela noção de financiamento por parte de um organismo público.

    26 O Governo do Reino Unido alega, pelos motivos referidos, que os pagamentos efectuados na acepção da primeira questão, alíneas b) e c), devem ser considerados como meramente comerciais e, como tal, ser excluídos da noção de financiamento por parte de uma entidade adjudicante. Em contrapartida, os subsídios concedidos à universidade na acepção da primeira questão, alínea a), são, na sua opinião, abrangidos por tal noção, ainda que estejam associados a um pedido apresentado por um requerente específico. Por fim, os pagamentos feitos pelas entidades adjudicantes a uma universidade como contribuição para as propinas, na acepção da primeira questão, alínea d), constituem um financiamento do tipo referido, uma vez que colocam à disposição da universidade meios que lhe permitem desempenhar a missão de interesse geral que lhe incumbe, ainda que sejam efectuados para satisfazer as necessidades de estudantes individualmente designados.

    27 Na opinião do Governo neerlandês, os três critérios enunciados no artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, das directivas, a saber, uma actividade financiada maioritariamente, o controlo da gestão e a influência pessoal, devem, em conformidade com o acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (8), ser considerados como expressão de uma «dependência estreita» face ao Estado ou às entidades adjudicantes.

    28 Segundo esta tese, é necessário, por conseguinte, para responder à questão de saber se se trata de um financiamento por parte de uma entidade adjudicante ou de pagamentos de outro tipo, distinguir entre um apoio financeiro e uma verdadeira remuneração paga em contrapartida de uma prestação a fornecer. O critério da «dependência estreita» só é satisfeito no caso de um apoio financeiro. Igual critério é utilizado no artigo 1._, alínea a), ix), da Directiva 92/50, segundo o qual a directiva só se aplica se o pagamento efectuado não constituir uma remuneração. Por conseguinte, no que respeita à primeira questão, alíneas b) e c), há que analisar se se trata de uma contrapartida obtida por uma prestação comercial ou de um apoio financeiro. Regra geral, as prestações fornecidas no âmbito de actividades comerciais não seriam abrangidas pela noção de financiamento por parte de uma entidade adjudicante.

    29 Na sua proposta de interpretação, o Governo austríaco baseia-se na origem da noção de entidade adjudicante. Os três critérios enunciados no artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, caracterizam a descrição de organismos que participam na vida económica sem estarem sujeitos às influências do mercado (9). A noção de financiamento maioritário por parte de uma entidade adjudicante deve, por conseguinte, ser interpretada em sentido lato. Esta noção visa o conjunto das prestações financeiras pagas a um organismo por uma entidade adjudicante e que incluam um elemento de apoio. A situação é diferente quando o organismo em questão recebe uma contrapartida de uma prestação de serviços oferecida no mercado em concorrência com prestações de serviços propostas por outros organismos ou empresas, e cujo montante é determinado pelo mercado.

    30 Segundo os argumentos expostos na audiência, no que respeita à noção de financiamento por parte de uma entidade adjudicante, o Governo francês entende também que se deve distinguir entre prestações fornecidas para satisfazer um interesse geral e prestações que tenham a natureza e uma contrapartida de prestações de serviços fornecidas pelos organismos em questão. Das prestações de serviços visadas pela primeira questão, há que excluir, portanto, da noção de financiamento por parte de uma entidade adjudicante as que têm natureza de uma contrapartida.

    31 A Comissão recorda também o objectivo das directivas, que é o de suprimir os entraves à livre circulação das mercadorias e prestação de serviços. A disposição em questão tem por objectivo visar os organismos que, por serem estreitamente dependentes do Estado ou de entidades adjudicantes, não são obrigados, como outros, a submeter-se às leis do mercado (10). Segundo a Comissão, o acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (11)estabeleceu claramente que, no caso das condições alternativas enumeradas no artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, se devia tratar de um organismo «estreitamente dependente» de uma entidade adjudicante. Tal dependência estreita verifica-se, ainda que indirectamente, no caso de um financiamento maioritário por parte de uma entidade adjudicante. Nas suas observações orais, a Comissão sublinha que uma «dependência estreita» se pode também verificar no caso de relações comerciais. Esta interpretação seria também conforme aos objectivos das directivas, uma vez que as entidades adjudicantes têm uma posição económica forte, mesmo quando se encontram na situação de contraparte num contrato.

    32 A Comissão entende, por conseguinte, que, no caso de uma avaliação orientada pelo critério da «dependência estreita», há, em princípio, que tomar em consideração o conjunto dos pagamento efectuados por uma entidade adjudicante. Segundo a Comissão, não se deve distinguir em função das actividades para cujos fins o pagamento é efectuado, uma vez que o objectivo da directiva não é distinguir entre actividades de interesse geral de outras actividades. A Comissão considera que as bolsas de investigação concedidas a determinadas pessoas deveriam também ser consideradas como receitas universitárias, e que as mesmas visam satisfazer um objectivo universitário. É também claro que os pagamentos destinados a contribuir para as propinas dos estudantes são também meios financeiros destinados à universidade. A Comissão alega também que não é compatível com o objectivo das directivas distinguir entre os diferentes tipos de pagamentos enumerados na primeira questão, alíneas a) a d), e que tal distinção provocaria dificuldades demasiado importantes, por implicar a delimitação de diferentes prestações.

    b) Análise

    33 Antes de mais, coloca-se a questão de saber em que considerações se funda o artigo 1._, alínea b) terceiro travessão, das directivas e quais são as exigências que daí resultam para a interpretação da noção de «financiamento pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público» (também designado a seguir, para simplificar, «financiamento público»).

    34 O objectivo das directivas de coordenação dos processos de adjudicação de concursos públicos é o de excluir o perigo de os organismos em causa se deixarem orientar, aquando da adjudicação dos concursos, por outras considerações que não as considerações económicas. A aplicação das directivas deve impedir que organismos que não estão sujeitos às leis do mercado dêem preferência a um proponente ou a um candidato que lhes convenha mais aquando da adjudicação de um concurso. Assim decidiu o Tribunal de Justiça, no que respeita às directivas em causa no presente processo, no acórdão BFI Holding (12), quanto à Directiva 92/50, e no acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (13), quanto Directiva 93/37; ver também, neste sentido, as conclusões do advogado-geral Léger no mesmo processo (14), bem como no processo 31/87 (15), quanto à Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9).

    35 O Tribunal de Justiça considerou, repetidas vezes, que, no âmbito da questão relativa à forma jurídica do organismo ou das disposições que o constituem, a noção de financiamento por parte de uma entidade adjudicante deve ser entendida em sentido lato e funcional, para assegurar o efeito prático dos princípios da livre circulação das mercadorias e das prestações de serviços (16).

    36 No âmbito da análise das condições necessárias para que se esteja perante um organismo de direito público, o Tribunal de Justiça tinha, no acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (17), descrito as três condições alternativas que constam do artigo 1._, alínea b) terceiro travessão, das directivas, que inclui também o critério do financiamento maioritário como a «dependência estreita» de um organismo (18)(«enge Verbundenheit») relativamente ao Estado, às autarquias locais ou regionais ou a outros organismos de direito público. Segundo o acórdão referido, o artigo em questão define, por conseguinte, as três formas sob as quais um organismo de direito público se apresenta como três variantes de uma «dependência estreita» relativamente a uma outra entidade adjudicante.

    37 É certo que o Tribunal de Justiça tinha declarado, nos seus acórdãos Connemara Machine Turf (19)e Comissão/Irlanda (20), que, para que uma entidade possa ser considerada, na Irlanda, como entidade adjudicante, é necessário que exerça um controlo sobre a adjudicação de contratos públicos (tendo sido considerado suficiente, a este respeito, que o controlo seja exercido indirectamente, ou seja, sem disposição que o preveja explicitamente). É este princípio que a demandante pretende fazer valer no presente processo. Porém, o mesmo não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que a Directiva 77/62/CEE (21), em questão no processo referido, previa ela própria as condições de controlo pelo Estado dos concursos públicos, porquanto o seu anexo se referia ao Estado-Membro em causa, a saber, nesse momento, a Irlanda.

    38 Diga-se, também, que as considerações desenvolvidas pelo advogado-geral Lenz no processo Comissão/Portugal (22), que a demandante invoca em apoio da sua argumentação, não se aplicam, pelo menos no que ao presente processo respeita. Com efeito, o Anexo I da directiva pertinente nesse processo, a Directiva 77/62, pressupunha também, no que respeita à República Portuguesa, que os concursos públicos de fornecimentos estavam sujeitos ao controlo do Estado.

    39 Há que constatar que as directivas se baseiam numa abordagem funcional que exige uma interpretação lata. Porém, em certos casos, pode justificar-se uma interpretação teleológica, tal como entendem, decididamente, os Governos neerlandês e austríaco, bem como o Governo do Reino Unido. Se os pagamentos efectuados por uma entidade adjudicante não têm como efeito a constituição ou reforço de um vínculo específico, o objectivo das directivas já não permite qualificar essa prestação como financiamento público, que apenas visa os casos em que exista uma relação particularmente estreita entre a instituição em questão e a entidade adjudicante.

    40 Por conseguinte, há também que esclarecer a noção de financiamento para dela deduzir uma relação estreita entre o beneficiário e o fornecedor da prestação. Tal como a Comissão correctamente observa, no âmbito de um financiamento público, tal vínculo só existe indirectamente. Consequentemente, não se pode considerar automaticamente qualquer financiamento efectuado pelo Estado como financiamento público, mas apenas as prestações que não representem uma remuneração de uma prestação específica e que, portanto, financiem ou apoiem a actividade geral da instituição em questão através de um auxílio financeiro.

    41 Devem ser consideradas como financiamento público as prestações na acepção da primeira questão, alínea a), que consistem em bolsas ou subsídios concedidos para promover projectos de investigação. Ainda que o beneficiário de tal financiamento não seja concretamente a própria universidade, mas uma pessoa que dela faz parte como prestador de serviços, trata-se de um financiamento que aproveita à universidade no seu conjunto. É precisamente aqui que intervém a relação definida pela directiva, na acepção de uma relação estreita entre a universidade (23) e a entidade adjudicante que a apoia financeiramente (24).

    42 Pode, porém, levantar-se a questão de saber se esta qualificação também é válida para os pagamentos efectuados na acepção da primeira questão, alíneas b) e c). Para a questão de saber se a remuneração paga por uma ou mais autoridades públicas em contrapartida de prestações contratuais da universidade é abrangida pela noção de financiamento público, o objectivo visado pela prestação objecto da remuneração, tal como Reino Unido propõe, não é, por si só, um critério pertinente. É certo que o Tribunal de Justiça tinha declarado, no processo Humbel (25), que os cursos ministrados no âmbito do ensino escolar não eram considerados prestação de serviços, na acepção dos artigos 59._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49._ CE) e 60._ do Tratado CE (actual artigo 50._ CE). O Tribunal de Justiça estabelecia também uma distinção, consoante se tratasse de uma contrapartida de uma prestação fornecida, ou de um pagamento feito pelo Estado no desempenho das suas missões nos domínios social, cultural e educativo (26). O Tribunal de Justiça fundamentava esta distinção, indicando que o objectivo da protecção da livre prestação de serviços não abrangia este último domínio. Não se pode, porém, responder à questão de saber se, no processo em apreço, uma prestação é abrangida pela noção de financiamento público, uma vez que o objectivo de protecção das directivas, tal como foi acima descrito, é completamente diferente do da livre prestação de serviços. Com efeito, o facto de um pagamento ser efectuado como uma contrapartida tem como consequência, precisamente, ser muito difícil saber se daí pode resultar um vínculo estreito, ainda que a prestação fornecida pela instituição em questão vise também objectivos de interesse geral. Além disso, este critério dificulta a delimitação, uma vez que as actividades de interesse geral, no caso de uma universidade, por conseguinte, actividades de ensino e de investigação, podem confundir-se com actividades de carácter comercial, tal como é também demonstrado pela primeira questão, alínea b).

    43 Também não se pode proceder a uma aplicação analógica dos critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão BFI Holding (27). Nesse processo, o Tribunal de Justiça tinha declarado, tomando em consideração o artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 92/50, que o facto de as prestações serem, ou poderem ser, também fornecidas por empresas privadas não impedia que uma determinada missão pudesse ter natureza de interesse geral. À primeira vista, o acórdão poderia dar a impressão de obstar a uma distinção entre as prestações comerciais e as outras, tratando-se também da noção de financiamento público que consta do terceiro travessão do artigo referido. No que respeita aos três critérios cumulativos da definição de organismo público, trata-se, porém, de problemas completamente diferentes, ou seja, da questão de saber se certos pagamentos a um organismo, incontestavelmente constituído para exercer funções de interesse geral, devem ser considerados como financiamento público.

    44 Tendo-se em conta o objectivo das directivas e a questão de saber se uma dependência estreita entre a universidade e a entidade adjudicante existe ou é reforçada, deve responder-se pela negativa à questão de saber se existe um financiamento público quando resulta da interacção entre a prestação e a contra prestação que a entidade adjudicante tem um interesse económico no fornecimento da prestação que ultrapassa o apoio às funções desempenhadas no interesse geral. Só pode haver um vínculo estreito quando a prestação tem por objectivo a promoção de tarefas que incumbem a um determinado organismo e a concessão de um auxílio nesse âmbito. Esta constatação é igualmente válida no caso de uma prestação contratual do organismo em questão ser simultaneamente uma actividade que serve o interesse geral ou objectivos universitários.

    45 De um modo geral, uma dependência estreita deste tipo não surge, precisamente, quando um organismo recebe uma remuneração em contrapartida de uma actividade que oferece, do mesmo modo que uma empresa activa no mercado, de modo independente, em concorrência com empresas privadas e com base num pedido específico de prestação de serviços. Com efeito, o organismo em questão adquire um direito à remuneração num quadro de reciprocidade. Estas prestações são fornecidas, por encomenda, no interesse do organismo em questão, tal como é o caso de projectos de investigação com um objectivo determinado, de trabalhos de consultadoria ou de organização de conferências. O direito à prestação não se baseia, neste âmbito, na decisão de princípio de promover as tarefas que incumbem a tal organismo. Pelo contrário, existe neste caso um direito a uma prestação.

    46 Uma relação contratual tal como a acima descrita pode também resultar numa dependência. Mas esta é de natureza diferente da que resulta de uma simples prestação de apoio. O nexo que existe nas relações de negócios, ainda que, formalmente, uma das partes seja uma entidade adjudicante, não constitui uma «dependência estreita» na acepção das directivas, uma vez que se trata, quanto aos contratos livremente negociados, da prestação de uma contraparte na acepção de um contrato sinalagmático. Adoptando-se uma atitude diferente quanto a esta questão, chegar-se-ia ao resultado paradoxal de até mesmo uma empresa privada que faz a maioria dos seus negócios com entidades adjudicantes se tornar ela própria uma entidade adjudicante, na acepção das directivas relativas aos concursos públicos.

    47 Uma vez que as prestações referidas na primeira questão, alíneas b) e c), não criam uma relação de dependência estreita com a entidade adjudicante, na acepção da directiva, não são abrangidas pela noção de financiamento público.

    48 Coloca-se, por fim, neste âmbito, a questão de saber se as propinas, na acepção da primeira questão, alínea d), que entidades adjudicantes paguem a uma universidade para estudantes individualmente designados podem ser consideradas como financiamento público.

    49 Estes pagamentos constituem também uma medida social em proveito de certos estudantes que beneficiam de uma bolsa para cobrir as propinas que são, para alguns deles, muito elevadas. Porém, trata-se, para o organismo em questão, de uma fonte segura, que provém de financiamentos públicos pagos à universidade. O que é relevante para a questão de saber se se verifica uma «dependência» é que a instituição em questão recebe da entidade adjudicante um auxílio financeiro e que, além disso, tal se verifica sem contrapartida contratual. Por conseguinte, uma prestação na acepção da primeira questão, alínea d), é abrangida pela noção de financiamento público.

    50 Desta categoria devem ser excluídas, manifestamente, as propinas que os estudantes financiam por si próprios a título privado quanto às quais, por conseguinte, nenhuma entidade adjudicante intervém. Os meios financeiros pagos por organismos estrangeiros a título de bolsas ou de outras prestações de auxílio também não são abrangidas por esta noção.

    3. Segunda questão

    51 Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber de que modo deve ser entendida a expressão «maioritariamente» que consta do artigo 1._ das directivas.

    a) Argumentação das partes

    52 Tendo em conta a posição tomada quanto à primeira questão, a demandante considera que não é necessário responder à segunda. É apenas a título subsidiário que alega que a noção «maioritariamente» não deve ser interpretada de modo quantitativo mas sim qualitativo, no sentido de que só devem ser tidas em conta as prestações que conferem a quem as paga o controlo sobre a adjudicação dos contratos. Em qualquer caso, no que respeita ao elemento quantitativo, não pode tratar-se de uma mera superioridade numérica, mas sim de uma preponderância dos meios financeiros em questão, o que, na opinião da demandante, só se verifica quando os mesmos representem três quartos do financiamento total.

    53 O Governo neerlandês, o Governo austríaco e o Governo do Reino Unido, bem como a Comissão, entendem, pelo contrário, que a expressão «maioritariamente» deve ser entendida na sua acepção corrente, no sentido de significar «mais de 50%». O Governo francês aderiu a esta tese quando apresentou as suas observações.

    54 O Governo do Reino Unido entende a este respeito que, a partir do momento em que o financiamento pelas entidades adjudicantes ultrapasse os 50%, justifica-se que controlem a utilização dos meios financeiros obtidos pelo organismo financiado. Igual apreciação resulta também do artigo 2._, n._ 1, da Directiva 93/37, segundo o qual a directiva se aplica também a entidades adjudicantes que subsidiem em mais de 50% um contrato de empreitada de obras celebrado por uma entidade exterior a elas próprias.

    55 Na opinião do Governo neerlandês, esta apreciação resulta desde logo da fundamentação subjacente ao sistema, uma vez que também noutro caso, no âmbito do artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, das directivas, é a maioria que é determinante: considera-se existir dependência quando a entidade adjudicante designe mais de metade dos membros dos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa. Pode, além disso, fazer-se uma comparação baseada na definição de empresa pública que consta do artigo 1._, n._ 2, da Directiva 93/38/CEE (28), bem como na definição de empresa associada, no artigo 3._, n._ 4, terceiro parágrafo, da Directiva 93/37 (29) e no artigo 1._, n._ 3, da Directiva 93/38 (30), relativamente aos quais, em cada caso, é determinante o critério de «mais de metade».

    56 A Comissão entende que maioritariamente significa 50% ou mais e decorre também logicamente da observação que a avaliação só abrange dois elementos, os fundos provenientes das entidades adjudicantes e as outras fontes.

    b) Análise

    57 O significado da noção «maioritariamente» leva a pensar que se deve interpretar o termo quantitativo «mais de», significando, por conseguinte, «mais de metade» ou «mais de 50%». Mesmo que se considere que os termos da directiva a este respeito não são claros, o objectivo da disposição em questão não permite uma interpretação no sentido que a demandante lhe pretende dar, a saber, de certos tipos de financiamento. Há que ter em conta o facto de, em certos casos, poder haver uma dependência estreita, que permita o exercício de influência, mesmo no caso de um financiamento inferior a 50%, se este financiamento representar uma soma única de determinado montante, face uma série de pequenos montantes. Por conseguinte, não é possível adoptar uma abordagem qualitativa para determinar o que se entende pelo termo «maioritário», que mais não seja por tal implicar muitas incertezas. Não é necessário considerar-se aqui esta possibilidade uma vez que se trata apenas, no presente processo, da interpretação da noção «maioritariamente». Deve encontrar-se uma interpretação prática para esta noção que corresponda ao objectivo do artigo em questão.

    58 Aliás, pode também encontrar-se inspiração no artigo 1._, n._ 2, da Directiva 93/38 que define a noção de «empresa pública», nomeadamente, como uma empresa em que o Estado detém directa ou indirectamente a maioria do capital (31). Se esta apreciação quantitativa transforma uma empresa em empresa pública, o mesmo se deve aplicar, por maioria de razão, quando se trata de saber em que condições o financiamento público é «preponderante».

    4. Terceira questão

    59 A questão de saber quais são as prestações abrangidas pelo financiamento por parte de uma entidade adjudicante foi já tratada no âmbito da primeira questão. A terceira questão apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou seja, quais os fundos que devem ser tidos em conta no cálculo efectuado para saber se se está perante um financiamento público, não deve entender-se apenas no sentido dos meios financeiros que devem ser tidos em conta no cálculo de um financiamento público, mas sim como uma questão relativa à totalidade da base de cálculo a tomar em consideração. Trata-se, por conseguinte, de definir o conjunto das receitas de entre as quais os fundos provenientes de um financiamento público devem constituir um «financiamento maioritário».

    a) Argumentação das partes

    60 A demandante e o Governo do Reino Unido pretendem integrar neste cálculo a totalidade das receitas. O Governo francês aderiu aos seus argumentos na fase oral do processo.

    b) Análise

    61 Quando o artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, menciona um financiamento maioritário proveniente de fundos públicos, tal implica que um organismo pode também ser financiado, pelo menos em parte, de outro modo, sem perder a sua qualidade de entidade adjudicante. Para se chegar a uma apreciação correcta, numa perspectiva económica global, da percentagem de financiamento público de um determinado organismo, é necessário, no momento da apreciação das receitas de que o mesmo dispõe, considerar tais receitas no seu conjunto. Para obter uma percentagem total de receitas, com o objectivo de verificar se o financiamento público ultrapassa «os 50%», há, por conseguinte, que tomar em conta o conjunto dos elementos de financiamento de que o organismo em questão beneficia.

    5. Quarta questão

    62 Uma vez que o financiamento da universidade pode ser diferente de um ano para o outro, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, através da sua quarta questão, qual é o período que deve ser tomado em consideração para qualificar um organismo como organismo de direito público e de que modo devem ser tomadas em consideração as alterações previsíveis ou futuras.

    a) Argumentação das partes

    63 A demandante afirma, a este respeito, que deve ser tida em conta a data de abertura do concurso.

    64 Segundo o Governo do Reino Unido, deve, a priori, por razões de ordem prática, proceder-se ao cálculo em questão aquando da abertura do concurso. Chama a atenção para a possibilidade de tomar medidas provisórias no âmbito da Directiva 89/665/CEE (32), que não teria qualquer sentido se o estatuto de um organismo de direito público só fosse determinado a posteriori. Este cálculo permitiria, segundo as observações do Reino Unido na fase oral do processo, ser feito anualmente. Os organismos que pretendam abrir um concurso devem estar em posição de apreciar a situação com as informações de que dispõem à data do concurso em questão, as quais incluem também as bases de cálculo anteriores, bem como uma estimativa razoável, no que respeita à duração prevista do contrato bem como aos meios financeiros já investidos. O elemento relativo às previsões figura, segundo o Reino Unido, nas três directivas.

    65 O Governo austríaco alega que a estimativa em causa deve ser feita a intervalos determinados, e sugere uma abordagem anual, uma vez que as entidades adjudicantes estabelecem os seus orçamentos anualmente. Segundo o Governo austríaco, poder-se-ia fazer referência quer ao ano civil, quer ao exercício anual contabilístico e orçamental. Tal abordagem seria aliás adequada, uma vez que também é praticada noutros casos (artigo 7._, n._ 6, e regras de publicidade que constam do artigo 15._, n._ 1, da Directiva 92/50).

    66 A Comissão entende que resulta do artigo 15._, n._ 1, da Directiva 92/50, bem como do artigo 9._, n._ 1, da Directiva 93/36 (33), que uma entidade adjudicante conserva o seu estatuto durante doze meses. É possível, portanto, que a qualidade de entidade adjudicante conferida a um organismo varie de um exercício orçamental para outro. Propõe, por conseguinte, que o cálculo que permite determinar se uma universidade é uma entidade adjudicante se baseie, em cada ano, nas receitas anuais que se esperam para o exercício orçamental seguinte.

    67 O Governo neerlandês sustenta, pelo contrário, que este cálculo deve ser feito de modo estrutural, uma vez que qualquer outra base de cálculo é incompatível com o princípio da segurança jurídica.

    68 O Governo francês partilhou desta perspectiva nos argumentos que expôs na fase oral do processo. As dificuldades iniciais e as consideráveis incertezas, nomeadamente no caso de um procedimento de adjudicação de contrato de duração prolongada, só podem, na sua opinião, ser ultrapassadas pela utilização de uma base de cálculo estrutural. A qualificação do organismo em questão poderia, caso contrário, ser alterada ao longo do procedimento em causa, que mais não seja em virtude de alterações financeiras temporárias e decididas a curto prazo.

    b) Análise

    69 O Tribunal de Justiça confirmou no seu acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (34) a validade do princípio geral da segurança jurídica em direito comunitário no que respeita à determinação do modo de financiamento. Este princípio exige que uma regra do direito comunitário seja clara e que a sua aplicação seja previsível para toda as pessoas que por ela sejam abrangidas (35). A utilização de critérios objectivos e transparentes para a qualificação de um organismo como organismo de direito público é, por conseguinte, decisiva.

    70 Qualificar um organismo como entidade adjudicante com base em elementos estruturais teria, decerto, a vantagem da segurança jurídica e da clareza; porém, esta qualificação não seria conforme às evoluções dos montantes, nem às eventuais alterações. Neste caso, não seria tido em conta, por exemplo, um pagamento de montante único de fundos públicos, para projectos de construção.

    71 Tomar a data de adjudicação do contrato para qualificar o organismo em questão também não reflecte necessariamente o financiamento a prazo mais prolongado e, como tal, o financiamento real. Este procedimento permitiria também manipulações.

    72 O facto de proceder a esta qualificação anualmente poderia, pelo contrário, pôr em questão a sua previsibilidade, a qual se impõe por motivos de segurança jurídica, uma vez que tal qualificação seria susceptível de se alterar de ano para ano, consoante as fontes de receita do organismo em questão.

    73 Por outro lado, é necessário que a base adoptada para os cálculos acima referidos seja correcta e transparente. É possível, consequentemente, que seja adequado adoptar uma base anual, não tomando, porém, como base um ano decorrido, mas sim o exercício orçamental durante o qual o contrato foi adjudicado. Esta abordagem deve, todavia, ser alargada por razões de segurança jurídica e de protecção dos proponentes, no sentido de o organismo em questão dever manter até ao momento em que o procedimento de adjudicação do contrato termina completamente a qualificação que tinha quando tal procedimento começou, ainda que tal procedimento dure mais do que um exercício orçamental e que o seu modo de financiamento seja susceptível de alteração no decurso de tal exercício orçamental.

    74 Só no caso de se terem verificado alterações importantes no financiamento ou alterações previsíveis com antecedência é que se poderá eventualmente - e também com o objectivo de eliminar determinada manobras - avaliar novamente o financiamento do organismo em questão no decurso de um exercício orçamental para saber se tal organismo pode ser qualificado como entidade adjudicante.

    VI - Conclusão

    75 À luz das considerações anteriores, proponho que se responda às questões prejudiciais colocadas do seguinte modo:

    «1) Pela expressão `financiado... por uma ou mais entidades adjudicantes', na acepção do artigo 1._ das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, deve entender-se as prestações financeiras pagas pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público a um organismo e que tenham como função conceder um apoio financeiro ao organismo em causa. Os pagamentos que uma entidade adjudicante faça em contrapartida de uma prestação fornecida por tal organismo em condições normais de concorrência, no âmbito de um contrato sinalagmático, não constituem um financiamento público na acepção das referidas directivas.

    a) As bolsas ou subsídios pagos por uma ou mais entidades adjudicantes e destinados à promoção de trabalhos de investigação são abrangidos pela noção de `financiamento por uma ou mais entidades adjudicantes'.

    b) Os pagamentos efectuados por uma ou mais entidades adjudicantes em contrapartida do fornecimento de serviços que incluam trabalhos de investigação bem como

    c) outras prestações de serviços, tais como consultadoria ou organização de conferências, são excluídos da noção de `financiamento por uma ou mais entidades adjudicantes'.

    d) As bolsas destinadas aos estudantes e pagas pelas autoridades locais de educação às universidades para subsidiar as propinas de estudantes individualmente designados são abrangidas pela noção de `financiamento por uma ou mais entidades adjudicantes'.

    2) A expressão `maioritariamente' significa `em mais de 50%'.

    3) O cálculo da percentagem correspondente à noção de financiamento `maioritário' deve basear-se no conjunto dos meios financeiros colocados à disposição da instituição/organismo em causa.

    4) Para qualificar um organismo como organismo de direito público, deve tomar-se como base o exercício orçamental da adjudicação do contrato. Quando se verifiquem alterações importantes no financiamento do organismo em questão no decurso do exercício orçamental, deve proceder-se a nova avaliação.»

    (1) - JO L 199, p. 54, alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, que altera as Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE, relativas à coordenação dos processos de adjudicação respectivamente de serviços públicos, de fornecimentos públicos e de empreitadas de obras públicas (JO L 328, p. 1).

    (2) - JO L 209, p. 1.

    (3) - JO L 199, p. 1. Estas duas directivas foram também alteradas pela Directiva 97/52 (já referida na nota 1).

    (4) - JO 1992, C 309, p. 43.

    (5) - Acórdão de 17 de Dezembro de 1998, Connemara Machine Turf (C-306/97, Colect., p. I-8761); conclusões do advogado-geral C. O. Lenz no processo Comissão/Portugal (acórdão de 11 de Julho de 1991, C-247/89, Colect., p. I-3659, e nomeadamente p. I-3670); acórdãos de 15 de Janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C-44/96, Colect., p. I-73, n._ 18 - tratar-se-ia, ao que parece, do n._ 28); de 20 de Setembro de 1988, Beentjes (31/87, Colect., p. 4635, n._ 8), e conclusões do advogado-geral van Gerven de 8 de Maio de 1990, no processo Foster e o. (acórdão de 12 de Julho de 1990, C-188/89, Colect., p. I-3313, e nomeadamente p. I-3326, n.os 13 e 16).

    (6) - 263/86, Colect., p. 5365, n.os 15 a 29.

    (7) - Acórdão já referido na nota 5, n._ 20.

    (8) - Já referido na nota 5, n._ 20.

    (9) - Baseia-se, a este respeito, nas conclusões do advogado-geral Léger de 16 de Setembro de 1997, no processo Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido na nota 5, bem como no acórdão de 10 de Novembro de 1998, BFI Holding (C-360/96, Colect., p. I-6821, n._ 62).

    (10) - Acórdão BFI Holding, já referido na nota 9, n.os 40 a 43.

    (11) - Já referido na nota 5, n.os 20 e 34.

    (12) - Já referido na nota 9, n.os 41 a 43.

    (13) - Já referido na nota 5, n._ 33.

    (14) - Já referido na nota 9, n._ 69.

    (15) - Acórdão Beentjes, já referido na nota 5, n._ 11.

    (16) - Acórdãos Beentjes, já referido na nota 5, n._ 11; BFI Holding, já referido na nota 9, n._ 62, e Connemara Machine Turf, já referido na nota 5, n._ 31.

    (17) - Já referido na nota 9, n._ 20.

    (18) - V., a este respeito, a versão francesa e a versão inglesa que utilizam termos mais restritivos de «dépendant étroitement» ou «closely dependent».

    (19) - Já referido na nota 5, n._ 29.

    (20) - Acórdão de 17 de Dezembro de 1998 (C-353/96, Colect., p. I-8565, n.os 34 e segs).

    (21) - Directiva do Conselho de 21 de Dezembro de 1976 relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29). O artigo 1._ da Directiva 77/62, alínea b), definia a noção de entidades adjudicantes do seguinte modo: «Para efeitos da presente directiva... são consideradas 'entidades adjudicantes'... as entidades equivalentes, enumeradas no Anexo I». Segundo o Anexo I, ponto VI, da Directiva 77/62 são consideradas, na Irlanda, como entidades equivalentes «as outras entidades públicas cujos contratos de fornecimento de direito público se encontram sujeitos ao controlo do Estado».

    (22) - Já referido na nota 5.

    (23) - V. artigo 1._, alínea b), terceiro travessão, da Directiva 93/37.

    (24) - Não é necessário debruçarmo-nos sobre a questão de saber se as igrejas, as organizações religiosas que recebam também fundos públicos, as instituições de beneficência subvencionadas pelo Estado ou os jogos de sorte geridos pelo Estado devem ser considerados organismos de direito público, uma vez que não é esse o objecto do presente processo.

    (25) - Já referido na nota 6.

    (26) - Acórdão Humbel, já referido na nota 6, n.os 15 e segs.

    (27) - Já referido na nota 9, n._ 47.

    (28) - Directiva do Conselho de 14 de Junho de 1993 relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84). As disposições pertinentes são as seguintes (excertos):

    «Para efeitos da presente directiva, entende-se por...

    2. 'Empresa pública': qualquer empresa em relação à qual os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante, em virtude da propriedade, da participação financeira ou das normas que lhe são aplicáveis. Presume-se a existência de influência dominante quando, directa ou indirectamente, em relação a uma empresa, esses poderes:

    - detenham uma participação maioritária no capital subscrito da empresa

    ou

    - disponham da maioria dos votos correspondentes às acções emitidas pela empresa

    ou

    - tenham a possibilidade de designar mais de metade dos membros dos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa...».

    (29) - Este artigo tem a seguinte redacção:

    «Por `empresa associada' entende-se qualquer empresa em que o concessionário possa exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante... Presume-se a existência de influência dominante quando, directa ou indirectamente, em relação a outra, uma empresa:

    - detenha a maioria do capital subscrito da empresa,

    ou

    - disponha da maioria dos votos correspondentes às acções ou partes de capital emitidas pela empresa

    ou

    - possa designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa.»

    (30) - Esta disposição tem a seguinte redacção: Para fins da presente directiva, entende-se por

    ... 3. `Empresa associada'... qualquer empresa sobre a qual a entidade adjudicante possa exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante nos termos do n._ 2 do presente artigo...».

    (31) - V. nota 28.

    (32) - Directiva do Conselho de 21 de Dezembro de 1989 que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos (JO L 395, p. 33); quanto às medidas provisórias, v. o artigo 2._, alínea c), n._ 4, da directiva.

    (33) - O artigo 9._, n._ 1, da Directiva 93/36 tem a seguinte redacção (excertos):

    «No mais curto prazo possível após o início do respectivo exercício orçamental, as entidades adjudicantes darão a conhecer, por meio de anúncio indicativo... a totalidade dos contratos que tencionam celebrar durante os doze meses seguintes...». O artigo 15._, n._ 1, da Directiva 92/50 tem a seguinte redacção (excertos):

    «As entidades adjudicantes darão a conhecer, por meio de um anúncio indicativo a publicar o mais rapidamente possível após o início do respectivo exercício orçamental, o total dos contratos que tencionam celebrar durante os doze meses seguintes, relativamente a... serviços...».

    (34) - Já referido na nota 5, n._ 34.

    (35) - V. também, a este respeito, os acórdãos de 13 de Fevereiro de 1996, Van Es Douane Agenten (C-143/93, Colect., p. I-431, n._ 27), de 10 de Fevereiro de 2000, Fitzwilliam (C-202/97, Colect., p. I-883, n._ 54), e de 14 de Março de 2000, Église de scientologie (C-54/99, Colect., p. I-1335, n._ 22).

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