Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61998CC0106

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 9 de Novembro de 1999.
    Comité d'entreprise de la Société française de production, Syndicat national de radiodiffusion et de télévision CGT (SNRT-CGT), Syndicat unifié de radio et de télévision CFDT (SURT-CFDT), Syndicat national Force ouvrière de radiodiffusion et de télévision e Syndicat national de l'encadrement audiovisuel CFE-CGC (SNEA-CFE-CGC) contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Pessoas singulares ou colectivas - Acto que lhes diz directa e individualmente respeito - Auxílios de Estado - Decisão que declara incompatível um auxílio com o mercado comum - Sindicatos e comités de empresa.
    Processo C-106/98 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-03659

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:545

    61998C0106

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 9 de Novembro de 1999. - Comité d'entreprise de la Société française de production, Syndicat national de radiodiffusion et de télévision CGT (SNRT-CGT), Syndicat unifié de radio et de télévision CFDT (SURT-CFDT), Syndicat national Force ouvrière de radiodiffusion et de télévision e Syndicat national de l'encadrement audiovisuel CFE-CGC (SNEA-CFE-CGC) contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Pessoas singulares ou colectivas - Acto que lhes diz directa e individualmente respeito - Auxílios de Estado - Decisão que declara incompatível um auxílio com o mercado comum - Sindicatos e comités de empresa. - Processo C-106/98 P.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-03659


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1 Diferentes órgãos de representação do pessoal de uma empresa de produção audiovisual, beneficiária de um auxílio de Estado, contestam a legalidade da decisão da Comissão que o declarou incompatível com o mercado comum, interpondo o recurso previsto no quarto parágrafo do artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE). Não me parece que a construção jurisprudencial seja o meio apropriado para traduzir, no âmbito processual, a dimensão social dos Tratados. Em contrapartida, parece-me, todavia, que o presente recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância deve servir para esclarecer a interpretação que o Tribunal de Justiça faz dos requisitos de legitimidade activa dos particulares afectados directa e individualmente por uma decisão de que não são destinatários. Seria, com efeito, muito desejável que, em matéria de legitimidade processual, o actual casuísmo fosse substituído por critérios gerais, mais claros e mais seguros.

    II - Matéria de facto

    2 Tal como resulta do despacho recorrido, a matéria de facto na origem do presente processo resume-se do seguinte modo:

    «A Société française de production (a seguir `SFP') é uma sociedade controlada pelo Estado francês, cuja actividade principal é a produção e a transmissão de programas de televisão.

    Por decisões de 27 de Fevereiro de 1991 e 25 de Março de 1992, a Comissão autorizou a concessão de dois auxílios pelas autoridades francesas à SFP, efectuados de 1986 a 1991, num montante global de 1 260 milhões de FRF.

    Posteriormente, o Estado procedeu a novas intervenções em benefício da SFP, concedendo-lhe 460 milhões de FRF em 1993 e 400 milhões de FRF em 1994. Considerando-se prejudicadas pelos preços pouco elevados que o auxílio recebido pela SFP lhe permitia praticar, várias sociedades concorrentes apresentaram, em 7 de Abril de 1994, queixa à Comissão.

    Por decisão de 16 de Novembro de 1994, a Comissão deu início ao processo previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado CE relativamente aos dois últimos auxílios concedidos em 1993 e 1994, e, através da comunicação 95/C 80/04 (1), convidou o Governo francês e terceiros interessados a apresentarem as suas observações. Solicitou ainda ao Governo francês que lhe fornecesse um plano global de reestruturação para a empresa e se comprometesse a não fornecer quaisquer fundos publicos à SFP, sem sua autorização prévia. As autoridades francesas apresentaram observações por carta de 16 de Janeiro de 1995.

    Por decisão de 5 de Maio de 1996, que determinou a comunicação 96/C 171/03 (2), a Comissão decidiu alargar o procedimento a novos auxílios públicos, no montante de 250 milhões de FRF, cuja concessão tinha sido anunciada pelas autoridades francesas em 19 de Fevereiro de 1996.

    Nenhuma observação dos outros Estados-Membros ou de interessados foi apresentada à Comissão na sequência da instauração do procedimento.

    Em 2 de Outubro de 1996, a Comissão adoptou a Decisão 97/238/CE, relativa ao auxílio concedido pelo Estado francês à sociedade de produção audiovisual Société française de production (a seguir `decisão') (3). Nesta decisão, considerou que o auxílio em causa, consistente em sucessivos fornecimentos de fundos efectuados entre 1993 e 1996, no montante total de 1 110 mil milhões de FRF, era ilegal porque foi atribuído com desrespeito do procedimento de notificação prévia previsto no n._ 3 do artigo 93._ do Tratado. Considerou ainda aquele auxílio incompatível com o mercado comum, uma vez que não podia incluir-se em qualquer das excepções previstas no artigo 92._, n._ 3, alíneas c) e d), do Tratado. Por conseguinte, determinou que o Governo francês procedesse à sua recuperação, majorado de juros relativos ao período compreendido entre a data da sua concessão e a do seu reembolso.»

    III - O processo perante o Tribunal de Primeira Instância

    3 Mediante requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Junho de 1997, o comité d'entreprise de la SFP, o Syndicat national de radiodiffusion et de télévision CGT, o Syndicat unifié de radio et de télévision CFDT, o Syndicat national Force ouvrière de radiodiffusion et de télévision e o Syndicat national de l'encadrement audiovisuel CFE-CGC interpuseram recurso da decisão, com base no artigo 173._ do Tratado CE. Nos termos do artigo 114._, n._ 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão levantou uma questão prévia de inadmissibilidade, relativamente à qual os recorrentes foram ouvidos.

    4 Em 18 de Fevereiro de 1998, o Tribunal de Primeira Instância proferiu um despacho em que, acolhendo a excepção suscitada pela recorrida, declarou inadmissível o recurso e condenou os recorrentes nas despesas.

    IV - O recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância

    5 As organizações ora recorrentes alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância interpretou incorrectamente o artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado CE, ao considerar que os órgãos reconhecidos de representação dos trabalhadores de uma empresa beneficiária de um auxílio de Estado não são individualmente afectados por uma decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de tal auxílio com o mercado comum.

    Os recorrentes consideram também juridicamente incorrecto o despacho do Tribunal de Primeira Instância ao declarar que os então recorrentes não eram directamente afectados pela mesma decisão da Comissão de 5 de Maio de 1996.

    Tratarei separadamente de cada uma destas alegações, examinando previamente uma importante questão levantada, a título preliminar, pelos recorrentes.

    a) Quanto à alegação preliminar dos recorrentes

    6 Os recorrentes afirmam, liminarmente, que, contrariamente ao que se passa em matéria de concentração de empresas, em que a actuação da Comissão se coloca exclusivamente no âmbito da concorrência, no domínio dos auxílios de Estado a sua intervenção deverá, antes de mais, procurar respeitar os objectivos gerais da Comunidade, entre os quais se devem contar os relativos a «um elevado nível de emprego e de protecção social» [artigo 2._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 2._ CE)]. Esta obrigação seria o corolário da faculdade de que a Comissão dispõe, no âmbito da fiscalização dos auxílios, de proibir ou impor opções de política geral. A título de exemplo, os recorrentes invocam o processo relativo ao Fundo nacional francês para o emprego (4).

    7 Admito que a questão de saber quais são os destinatários naturais do regime comunitário dos auxílios de Estado tem, no processo em apreço, uma importância crucial. A ela me referirei mais adiante, quando tratar da questão da afectação individual. Porém, as afirmações dos recorrentes, embora sugestivas, parecem mais propostas de política legislativa do que uma interpretação, de lege lata, da realidade jurídica actual.

    8 Não se encontram nos Tratados nem na jurisprudência deste Tribunal elementos que permitam sustentar que, em matéria de auxílios de Estado, os actos da Comissão e o controlo da sua legalidade devam orientar-se pelos objectivos gerais da Comunidade, nomeadamente os de carácter social, mais do que se verifica noutras áreas da actividade comunitária, como poderá ser a do controlo das concentrações de empresas. Tanto numa como noutra, o objectivo primordial da política comunitária é a manutenção de um nível efectivo de concorrência.

    Os ensinamentos que se podem retirar do processo do Fundo nacional francês para o emprego, invocado pelos recorrentes, não permitem chegar a outra conclusão. Com efeito, naquele processo, o Tribunal de Justiça limitou-se a confirmar a legalidade de uma decisão da Comissão que estabelecia que uma determinada intervenção do Estado nos custos com o despedimento e reinserção profissional decorrentes de uma reestruturação constituía um auxílio, embora pudesse beneficiar da excepção prevista no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 3, CE). Esta disposição prevê que podem ser autorizados certos auxílios destinados a «facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira a contrariarem o interesse comum». Conforme consta do mesmo acórdão (5), para aplicar esta disposição, a Comissão baseou-se na redução de capacidade resultante da reestruturação, no facto de os trabalhadores despedidos serem os principais beneficiários do auxílio e no montante limitado do auxílio concedido. Se alguma coisa confirma este acórdão, é o amplo poder discricionário de que dispõe a Comissão quando procede à apreciação da compatibilidade com base, nomeadamente, em critérios de carácter social (6).

    9 De qualquer modo, ainda que o artigo 92._, n._ 3, alínea c), pudesse ser inequivocamente interpretado no sentido de permitir autorizar os auxílios destinados a melhorar o nível do emprego e da protecção social, é duvidoso que, só por esta razão, tivesse que se sujeitar o regime comunitário dos auxílios de Estado a considerações de política social e mais duvidoso ainda que de tal sujeição resultasse que os próprios destinatários da política social, e em especial os trabalhadores, ocupassem, no âmbito dos artigos 92._ e 93._ do tratado CE (actual artigo 88._ CE), uma posição semelhante à que ocupam os sujeitos típicos da concorrência, ou seja, as empresas. Posto isso, a legitimidade dos trabalhadores - ou dos seus representantes reconhecidos - para impugnar uma decisão só seria teoricamente possível se apresentassem provas jurídicas de que a autorização ou recusa de um auxílio, além dos efeitos sobre determinados interesses restritos a uma empresa ou um sector, tem ou pode ter um efeito negativo sobre o nível do emprego e da protecção social na Comunidade ou numa parte substancial da mesma.

    Assim, sendo certo que o Tribunal de Justiça reconheceu em várias ocasiões que, ao apreciar a compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado comum, a Comissão pode ter em conta considerações de ordem económica ou social, não me parece, ao contrário do que a Comissão afirma na sua contestação, que tais considerações sejam, de um modo geral, susceptíveis de controlo jurisdicional. Por um lado, a Comissão dispõe, neste âmbito, de amplos poderes discricionários; por outro lado, o direito comunitário sobre a matéria não tem, no seu estado actual, precisão suficiente para permitir a criação de direitos - económicos ou sociais - susceptíveis de serem invocados em juízo pelos particulares.

    10 Em definitivo, não me parece que, neste momento, o direito comunitário exija maior atenção para com os objectivos gerais de um elevado nível de emprego e de protecção social no âmbito do regime europeu dos auxílios de Estado do que, por exemplo, no contexto do controlo das operações de concentração.

    b) Quanto à afectação individual dos recorrentes

    11 Na primeira vertente do seu único fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que os órgãos de representação do pessoal da empresa beneficiária do auxílio não eram individualmente afectados pela decisão da Comissão, na acepção do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado. O Tribunal de Primeira Instância teria formulado uma definição incorrecta de «pessoa individualmente afectada» e apreciado incorrectamente as circunstâncias próprias do caso em apreço.

    12 Permitam-me, antes de mais, que resuma a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância no que se refere ao requisito da afectação individual.

    O Tribunal de Primeira Instância começou por considerar que os recorrentes não podiam invocar eficazmente o raciocínio contido nos seus acórdãos de 27 de Abril de 1995, CCE de la Societé génerale des grandes sources e o./Comissão (7) (a seguir «acórdão Perrier») e CCE de Vittel e o./Comissão (8) (a seguir, «acórdão Vittel»), em que tinha considerado que uma decisão da Comissão que declarava uma operação de concentração compatível com o mercado comum dizia individualmente respeito aos representantes reconhecidos dos trabalhadores das empresas que podiam ser atingidas por essa operação de concentração.

    Nesses acórdãos - entende o tribunal a quo - o Tribunal de Primeira Instância considerou que a operação dizia individualmente respeito aos representantes reconhecidos dos trabalhadores das empresas interessadas por o Regulamento (CEE) n._ 4064/89 (9) os mencionar expressamente entre os terceiros titulares de um interesse suficiente para serem ouvidos pela Comissão durante o procedimento administrativo, o que os caracterizava relativamente a qualquer outro terceiro. O Tribunal de Primeira Instância concluiu que não existe qualquer norma de aplicação semelhante em matéria de auxílios.

    O Tribunal de Primeira Instância continuou, recordando que o objectivo do procedimento previsto pelo n._ 2 do artigo 93._ é permitir à Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, obter completo conhecimento de todos os elementos do processo e recolher todas as informações necessárias para determinar se o auxílio submetido à sua apreciação é ou não compatível com o mercado comum. Não pode, portanto, excluir-se que os órgãos de representação dos trabalhadores da empresa beneficiária de um auxílio, na qualidade de interessados, na acepção do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado, apresentem à Comissão as suas observações sobre considerações de ordem social que sejam, eventualmente, tomadas em consideração por essa instituição. Tal não basta, porém, para os individualizar de modo semelhante ao do Estado-Membro destinatário da decisão, uma vez que a mera qualidade de interessado não basta para individualizar os recorrentes relativamente a qualquer outro terceiro potencialmente interessado.

    Prossegue o Tribunal de Primeira Instância, sublinhando que os recorrentes não intervieram em momento algum junto da Comissão, no decurso do procedimento administrativo, para lhe apresentarem observações, na qualidade de interessados, sobre eventuais considerações de ordem social. Mas, ainda que o tivessem feito, apenas esta circunstância também não bastaria para os individualizar de forma análoga à do destinatário, uma vez que não podiam demonstrar que a decisão impugnada afectava substancialmente a sua posição no mercado, na acepção do acórdão Cofaz e o./Comissão (10), nem que incidia sobre a sua posição de negociadores, na acepção dos acórdãos Van der Kooy e o./Comissão (11) e CIRFS e o./Comissão (12).

    Decorre do que precede que, não sendo substancialmente afectada uma posição concorrencial e não tendo sido efectivamente prejudicada a faculdade de apresentar observações no procedimento instaurado junto da Comissão, de que poderiam dispor na qualidade de interessados, na acepção do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado, procedimento esse em que aliás não participaram, não podem os recorrentes invocar qualquer tipo de afectação de interesses susceptível de demonstrar que a sua situação jurídica foi substancialmente afectada pela decisão impugnada. Como tal, não pode considerar-se que a decisão lhes dizia individualmente respeito, no sentido do quarto parágrafo do artigo 173._ do Tratado.

    13 Na opinião dos recorrentes, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à legitimidade activa de terceiros afectados por uma decisão varia consoante se trate de uma empresa concorrente ou de uma associação profissional. No primeiro caso, e segundo a jurisprudência do acórdão Cofaz e o./Comissão, o Tribunal de Justiça exige que a posição no mercado da empresa recorrente tenha sido substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão impugnada, enquanto, no segundo caso, e em conformidade com a jurisprudência do acórdão Van der Kooy e o./Comissão, o acto impugnado deve lesar a posição negocial da associação profissional recorrente. Nestas circunstâncias, torna-se necessário, por um imperativo de coerência, que o juiz comunitário defina critérios adaptados à situação dos órgãos de representação do pessoal. Uma vez que a decisão lhes interessa pelas suas repercussões de carácter social, haverá que determinar, para verificar se a decisão lhes diz individualmente respeito, se a decisão incidiu substancialmente sobre a sua posição a nível laboral ou, se se preferir - uma vez que os representantes dos trabalhadores são, por definição, partes nas negociações colectivas -, sobre a sua capacidade de negociação das consequências sociais de uma decisão.

    14 Por seu lado, a Comissão alega que a jurisprudência relativa à legitimidade de terceiros em matéria de auxílios de Estado, tal como resulta dos acórdãos Cofaz e o./Comissão e Van der Kooy e o./Comissão, não é aplicável ao caso em apreço, que segue uma lógica diferente. Nos processos referidos, as recorrentes intervinham, na qualidade de operadores ou de negociadores, nas relações de concorrência que as disposições comunitárias sobre auxílios de Estado visam proteger. Alargar o âmbito do círculo mais ou menos determinado de pessoas visado pelo quarto parágrafo do artigo 173._ (13), incluindo, por exemplo, os diferentes credores da empresa beneficiária (bancos, fornecedores, clientes) ou os seus órgãos internos de representação (da direcção, do pessoal, dos accionistas) tornaria este recurso semelhante a uma acção popular, com consequências negativas tanto no plano processual como substantivo. Quanto ao resto, a Comissão concorda com o teor do despacho impugnado.

    15 Para interpretar o quarto parágrafo do artigo 173._, há que partir do pressuposto de que o Tratado estabeleceu um sistema de acesso restrito ao controlo da legalidade das decisões das instituições. Só a condição cumulativa de a decisão dizer directa e individualmente respeito ao particular que dela não seja destinatário lhe confere legitimidade para pedir a sua impugnação. Dada a necessidade de se verificarem ambos os requisitos, o Tribunal de Justiça tem-se limitado, na maioria dos processos que tem julgado, a apurar, em cada caso, se se verifica, pelo menos, um deles. Caso contrário, por óbvias razões de economia processual (14), não apura se se verifica o outro requisito. Apesar da ordem das expressões no texto da disposição, o Tribunal de Justiça tem preferido analisar o requisito da afectação individual. Esta opção é correcta. Com efeito, a noção de individualização de um terceiro permite, em princípio, uma maior abstracção do que a de incidência directa (15). A definição de critérios susceptíveis de delimitar categorias ideais de particulares afectados por uma decisão parece mais adequada para atingir o objectivo da segurança jurídica que deve presidir sobre qualquer norma relativa ao controlo jurisdicional do que a do carácter directo dessa afectação, dependente em maior escala das circunstâncias de cada caso. Acresce que, no processo em apreço, a questão de saber se a autorização ou proibição de um auxílio de Estado afectou directamente uma determinada pessoa é, pela sua própria natureza, mais hipotética, e, como tal, mais difícil de controlar jurisdicionalmente.

    16 Decorre de jurisprudência constante, desde o acórdão de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (16), que, para terem legitimidade activa nos termos do quarto parágrafo do artigo 173._, as pessoas que não sejam destinatárias de uma decisão devem demonstrar que esta lhe diz respeito como consequência de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que as caracteriza relativamente a quaisquer outras pessoas e que, como tal, as individualiza de modo análogo ao destinatário.

    Foi dito - não sem razão - que a definição da afectação individual fornecida pelo Tribunal de Justiça desloca a questão crucial para a identificação das qualidades ou circunstâncias de facto susceptíveis de identificar suficientemente determinados particulares. De qualquer modo, a via pela qual o Tribunal de Justiça optou consiste em apreciar o mérito de cada caso para apurar se, em cada um deles, se verificam os necessários requisitos de caracterização. Note-se que, no âmbito deste exercício, o Tribunal de Justiça tem tendido a basear a sua apreciação em situações de facto, para procurar encontrar a afectação individual, deixando de lado a noção, mais abstracta, das qualidades específicas. Com efeito, o Tribunal de Justiça recorre a estas quase exclusivamente para afastar a existência de tal afectação (17), o que provavelmente contribuiu para reforçar o casuísmo de que enferma a sua jurisprudência.

    17 No âmbito do artigo 93._ do Tratado CE (18), os diferentes terceiros cuja afectação individual (e directa) foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça podem distribuir-se, para efeitos da análise, em três categorias: a) as empresas actual ou potencialmente beneficiárias do auxílio de Estado em questão; b) as empresas concorrentes da beneficiária e as suas associações profissionais, e c) determinadas associações de operadores económicos, cuja capacidade de negociação seja afectada. Trata-se, em qualquer caso, de entidades que, relativamente ao acto impugnado, são determinadas ou, pelo menos, determináveis.

    18 É pacífica a legitimidade activa da empresa beneficiária do auxílio ou do projecto de auxílio sobre cuja compatibilidade com o mercado comum a Comissão se pronuncia (19).

    19 As empresas ou associações de empresas que se encontram em concorrência com a beneficiária podem demonstrar um nexo individual com a decisão impugnada se tiverem participado activamente tanto na definição do quadro político em que se inserem os auxílios como no procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado (20), ou se, tendo participado em tal procedimento, a sua posição no mercado for substancialmente afectada pelo auxílio (21), ou mesmo quando a Comissão tenha declarado a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum sem dar início a tal procedimento, sempre que o recorrente possa ver os seus interesses afectados pela concessão do auxílio (22).

    20 Apesar de o Tribunal de Justiça ter preferido evitar qualquer afirmação categórica, creio que pode dizer-se, de um modo geral e com algum grau de certeza, que qualquer empresa substancialmente concorrente da empresa beneficiária de um auxílio de Estado tem legitimidade para interpor recurso de anulação de uma decisão relativa a tal auxílio, quando da sua concessão possam resultar danos para a sua posição no mercado (23). Com efeito, na medida em que, num regime de livre concorrência, qualquer vantagem concedida a uma empresa se reflecte nos danos que sofrem as suas concorrentes, não pode considerar-se que estas últimas sejam afectadas menos directamente ou menos individualmente do que a empresa favorecida pelo auxílio.

    21 É certo que o Tribunal de Justiça parece exigir, na maioria dos casos, que a empresa que pretende ver a sua legitimidade reconhecida tenha tido uma certa participação na fase administrativa prévia, requerendo que se dê início ao procedimento ou apresentando observações ou, pelo menos, que a empresa tenha tido direito a tal participação, por pertencer ao grupo teórico de «interessados» previsto pelo artigo 93._ do Tratado. Todavia, esta condição não deve, na minha opinião, ser considerada como um requisito adicional para se poder interpor recurso, o que seria contrário à disposição do quarto parágrafo do artigo 173._ Acrescentar-se-ia assim, com efeito, uma condição não prevista no Tratado. Além disso, seria pelo menos estranho que o exercício do direito substantivo de interpor um determinado recurso estivesse sujeito ao reconhecimento de determinadas prerrogativas processuais. Por isso, penso que o Tribunal de Justiça considera antes essas prerrogativas de natureza processual como indícios de que os seus titulares são afectados individualmente, relativamente a qualquer outra empresa (24).

    22 É manifesto que as entidades recorrentes não pertencem, nem alegam pertencer, a categorias susceptíveis de equiparação às das beneficiárias do auxílio ou das empresas concorrentes. Como tal, é preciso examinar os outros casos em que o Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade activa prevista no artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado.

    23 Ora, a par da clara jurisprudência acima exposta, que, logicamente, privilegia as actores naturais da livre concorrência, os órgãos jurisdicionais comunitários têm, sempre no domínio do regime dos auxílios de Estado, reconhecido situações particulares de terceiros, relativamente ao destinatário, que beneficiam da tutela do artigo 173._, quarto parágrafo, de um modo que nem sempre é fácil reconduzir a um esquema coerente. É o que revelam, em especial, os acórdãos proferidos nos processos Van der Kooy e o./Comissão e CIRFS e o./Comissão.

    24 Nesta fase da análise, é oportuno recordar que o Tribunal de Justiça não reconhece, em princípio, a chamada «legitimidade corporativa». Uma organização cujo objecto é a defesa dos interesses colectivos de uma categoria de sujeitos de direito não pode considerar que um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria lhe diz directa e individualmente respeito (25). As associações de empresas que interpõem um recurso de anulação não beneficiam, portanto, de maiores prerrogativas de que as que correspondem às empresas que representam consideradas separadamente. A mesma solução se impõe quanto aos órgãos de representação dos trabalhadores (26), que não têm legitimidade específica, ainda que tenham participado nas negociações preliminares do acto impugnado (27).

    25 Ora, no processo Van der Kooy e o./Comissão, vários horticultores individuais neerlandeses, tal como um organismo público de representação dos interesses gerais desses profissionais, a Landbouwschap, interpuseram recurso da decisão da Comissão que declarava incompatível com o mercado comum um auxílio concedido sob a forma de uma tarifa preferencial do gás natural destinado a estufas aquecidas. O advogado geral G. Slynn considerou que o recurso devia ser considerado admissível relativamente aos horticultores, uma vez que estes eram substancialmente afectados pela medida que exigia a devolução do auxílio (28) e inadmissível relativamente à Landbouwschap, recordando a jurisprudência relativa à «legitimidade corporativa» acima referida. A solução proposta pelo advogado-geral enquadrava-se, portanto, no esquema jurisprudencial acima descrito. Ora, o Tribunal de Justiça não seguiu tal orientação.

    Quanto aos horticultores recorrentes, o Tribunal de Justiça entendeu que a decisão da Comissão lhes dizia respeito apenas pela sua qualidade de profissionais desse ramo estabelecidos nos Países Baixos, susceptíveis de beneficiar da tarifa preferencial de gás pelas mesmas razões que qualquer outro horticultor na mesma situação. Assim, a decisão apresentava-se, em relação a eles, como uma medida de alcance geral aplicável a situações objectivamente determinadas e que implicava efeitos jurídicos para uma categoria de pessoas definidas de forma genérica e abstracta, sem que pudessem ser considerados como individualmente afectados pela decisão impugnada (29). Esta conclusão dá, inevitavelmente, a impressão de que os requisitos da afectação individual são diferentes consoante o número dos beneficiários do auxílio (30), e é tanto mais estranha quanto o processo respeitava, nomeadamente, à devolução de um auxílio já concedido, o que permitia a identificação de todos os beneficiários.

    Quanto à Landbouwschap, a solução do Tribunal de Justiça consistiu em sublinhar que este organismo público tinha participado activamente no processo nos termos do artigo 93._, n._ 2, do Tratado e que figurava entre os signatários do acordo que fixou a tarifa preferencial. A sua legitimidade decorreria, portanto, dos danos que sofria, pela sua qualidade de negociadora das tarifas do gás em defesa dos interesses dos horticultores (31). É difícil não ver aqui um reconhecimento da «legitimidade corporativa» que o Tribunal de Justiça tinha afastado em termos claros.

    26 As conclusões do advogado-geral C. O. Lenz, quando se levantaram questões semelhantes relativamente ao processo CIRFS e o./Comissão, já referido, confirmam que a jurisprudência do acórdão Van der Kooy e o./Comissão não é muito convincente. Nesse recurso, o CIRFS, associação dos principais fabricantes mundiais de fibras sintéticas, e várias empresas do sector, a título individual, contestaram a legalidade de uma decisão da Comissão de não dar início ao procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, relativamente a um projecto de auxílio. O advogado-geral propôs que a petição do CIRFS fosse declarada inadmissível, em aplicação dos princípios relativos à legitimidade das associações de empresas para interpor recursos, e que fosse acolhida a de uma das empresas recorrentes, por ter participado activamente no processo que tinha levado à decisão de recusa impugnada. Na opinião do advogado-geral C. O. Lenz, se o Tribunal de Justiça tinha admitido, no processo Van der Kooy e o./Comissão, o recurso da Landbouwschap, tal explicava-se porque este organismo público podia equiparar-se, de algum modo, à autoridade que tinha concedido o auxílio (32).

    Porém, o Tribunal de Justiça preferiu sublinhar que o CIRFS, em representação dos produtores de fibras sintéticas, tinha empreendido diversas acções relativas à política de reestruturação do sector, intervindo como interlocutor da Comissão quanto ao estabelecimento, prorrogação e adaptação das normas de conduta a que se submetia. Acresce que, no decurso do procedimento que precedeu o litígio, o CIRFS tinha participado activamente nas negociações com a Comissão, apresentando observações escritas e mantendo-se em estreito contacto com os serviços competentes. Por tudo isso, a decisão impugnada afectava a posição do CIRFS na sua qualidade de negociador da disciplina (33).

    Por razões de economia processual, o Tribunal de Justiça entendeu que não era necessário apreciar a legitimidade dos outros recorrentes (34).

    27 Assim consolidada, a jurisprudência do acórdão Van der Kooy e o./Comissão parece ter aberto uma nova via para a impugnação, por parte de terceiros, de decisões das instituições. Concretamente, no âmbito dos auxílios de Estado, têm legitimidade para interpor recurso de anulação, além dos operadores económicos que vejam a sua posição no mercado substancialmente afectada, as pessoas que tenham participado activamente no processo de formação do acto ou do regime jurídico em que o mesmo se enquadra, na medida em que seja lesada a sua posição de negociadoras.

    28 Confesso que não consigo perceber por que razão o simples interesse em negociar - sem que esteja ligado ao funcionamento da livre concorrência - merece maior protecção jurídica do que tantos outros interesses legítimos que se apresentam. Nesta situação, é compreensível que os ora recorrentes considerem que o Tribunal de Primeira Instância devia ter definido critérios de admissibilidade adaptados à situação dos órgãos de representação do pessoal. Porém, se assim fosse, haveria que aceitar que qualquer interesse legítimo poderia dar lugar a um recurso de anulação, contrariamente aos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, e à jurisprudência deste Tribunal de Justiça. Por outro lado, a função jurisdicional não pode limitar-se a decidir casuisticamente, sem tentar atingir um certo nível de abstracção de raciocínio, retirando, consequentemente, às decisões judiciais a necessária previsibilidade.

    29 Nestas condições, parece-me útil formular um critério geral comum às duas situações que merecem admissibilidade que acima descrevi: a das empresas concorrentes e a de certas pessoas com vocação para negociar. Como já se viu, se, no contexto da primeira, o Tribunal de Justiça teve em consideração a protecção de garantias processuais, no da segunda, sublinhou a participação da recorrente na formação do acto. A afectação individual pode assim definir-se, de modo geral, em função da cooperação objectiva da pessoa na criação do acto que pretende impugnar. Por outras palavras, as pessoas que a instituição autora do acto tenha em consideração, ou melhor, aquelas que, de direito, deva ter em consideração, consideram-se individualmente afectadas por tal acto.

    Assim entendia o advogado-geral C. O. Lenz quando, nas conclusões que apresentou no processo CIRFS e o./Comissão, se interrogava sobre o sentido, no contexto da legitimidade decorrente do artigo 173._, quarto parágrafo, da intervenção do recorrente no processo:

    «Sou de opinião» - explica o advogado-geral - «de que, antes de mais, ele tem uma conexão estreita com o exame do próprio fim de protecção da norma de direito da concorrência, cuja expressão é constituída pelas garantias processuais. Além disso, exige-se, deste modo, que essa protecção, prevista nas disposições aplicáveis, se realize precisamente pela participação do interessado no processo administrativo. Neste caso, com efeito, as autoridades comunitárias têm de ter em conta os argumentos por este alegados não só no interesse de uma aplicação normal do direito comunitário, mas também no próprio interesse dele» (35).

    30 Este mesmo raciocínio pode tornar-se extensivo às organizações a quem o direito comunitário confere legitimidade para participar, como negociadoras, na formação de um acto. Tal como no caso das garantias processuais, o seu interesse individual não decorre da intervenção prévia no processo, circunstância externa à decisão de fundo; pelo contrário, tanto a afectação individual (e, consequentemente, a legitimidade activa) como a própria participação no procedimento administrativo se justificam pela obrigação da instituição de considerar a situação de determinadas pessoas quando adopta um acto (36).

    31 Parece-me que é nesta perspectiva que devem ser interpretados os dois interessantes acórdãos proferidos em 27 de Abril de 1995 pelo Tribunal de Primeira Instância, Perrier e Vittel, já referidos. Embora se enquadrem num contexto normativo diferente - o do controlo das operações de concentração -, permitem extrair elementos de apreciação com utilidade para a presente análise.

    Quanto ao que agora nos interessa, tratava-se, em ambos os casos, de verificar se os representantes reconhecidos dos trabalhadores da empresa adquirida tinham legitimidade para impugnar uma decisão da Comissão relativa à compatibilidade com o mercado comum da operação de aquisição.

    O Tribunal de Primeira Instância sublinhou que o instrumento normativo que rege o controlo comunitário das operações de concentração, a saber, o Regulamento n._ 4064/89, exige, por um lado, à Comissão que proceda a uma apreciação económica da operação em questão, nela podendo ser tidas em conta considerações de ordem social (décimo terceiro considerando) (37), consagrando expressamente, por outro, o direito dos representantes dos trabalhadores a serem ouvidos (artigo 18._, n._ 4). Nessas circunstâncias, a situação dos trabalhadores das empresas objecto de uma operação de concentração pode ser tida em conta pela Comissão ao adoptar a sua decisão. Em matéria de controlo de concentrações, portanto, a designação expressa dos representantes dos trabalhadores entre os terceiros titulares de um interesse suficiente para serem ouvidos pela Comissão, basta para os distinguir de qualquer outro terceiro, sem que seja necessário demonstrar, para efeitos da apreciação da admissibilidade do recurso, se, pelo menos à primeira vista, tal operação é susceptível de prejudicar os objectivos sociais visados pelo Tratado (38).

    O Tribunal de Primeira Instância termina a sua fundamentação observando, correctamente, que a legitimidade dos terceiros titulares de um interesse suficiente não está necessariamente dependente da sua participação no procedimento administrativo. Essa participação implica, quando muito, uma presunção a favor da admissibilidade do recurso (39).

    32 Deduz-se do que precede que, em matéria de concentrações, a Comissão está vinculada - em virtude do Regulamento n._ 4064/89 - a tomar especificamente em consideração a situação dos trabalhadores das empresas afectadas. Este colectivo de pessoas é, por esta razão, individualizado de modo análogo ao do destinatário do acto que a Comissão eventualmente adopte. Com efeito, em cada um dos domínios da acção comunitária, as pessoas que, no decurso de um processo que resulta na adopção do acto e com vista à formulação do seu conteúdo, tenham direito a ser ouvidas em virtude de disposição expressa do Tratado ou do direito derivado, distinguem-se, desde logo, de qualquer outro terceiro cuja situação jurídica possa ser afectada pelo acto em questão. Daqui resulta que, nos termos do quarto parágrafo do artigo 173._, podem pedir ao órgão jurisdicional comunitário que verifique não só se os seus direitos processuais foram respeitados, mas também se a decisão adoptada com base em tal procedimento está ou não viciada de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (40).

    33 Ora, nenhuma destas condições se verifica no caso em apreço. Em matéria de auxílios de Estado, a parca legislação existente (essencialmente, os artigos 92._ e 93._ do Tratado) (41), contrariamente ao que se passa no âmbito das concentrações de empresas, não confere aos representantes dos trabalhadores um direito especial a serem ouvidos. Além disso, nenhuma disposição obriga a Comissão, ao examinar a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum, a ter especificamente em conta a situação dos trabalhadores, os seus interesses ou, em termos mais gerais, qualquer consideração de ordem social.

    34 Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância agiu de forma juridicamente correcta quando concluiu que, não tendo os recorrentes sido afectados numa posição concorrencial e não tendo sido efectivamente atingidos na faculdade de apresentarem observações durante o procedimento instaurado na Comissão, não podem invocar qualquer tipo de afectação de interesses susceptível de demonstrar que a sua situação jurídica foi substancialmente afectada pela decisão recorrida, pelo que não pode considerar-se que lhes diz individualmente respeito na acepção do quarto parágrafo do artigo 173._ do Tratado (42).

    c) Quanto à afectação directa dos recorrentes

    35 Na segunda vertente do seu único fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a decisão impugnada não os afectava directamente. Na sua opinião, a devolução do auxílio e a reestruturação da empresa que a devia acompanhar teriam como consequência inevitável a supressão de postos de trabalho ou a perda de regalias sociais, prejudicando, em qualquer caso, os direitos dos trabalhadores, cuja representação colectiva lhes compete.

    36 Começo por recordar a argumentação do Tribunal de Primeira Instância e por resumir muito sumariamente as principais alegações das partes. Não quero, porém, deixar de lembrar que, se o Tribunal de Justiça considerar - tal como eu - que os ora recorrentes não podem invocar que são directamente afectados pela decisão que pretendem impugnar, não será necessário, por razões de economia processual, analisar também se se verificam os requisitos da lesão directa (43).

    37 No seu despacho, o Tribunal de Primeira Instância observa, em primeiro lugar, que, para que a decisão impugnada pudesse implicar as consequências que os recorrentes lhe imputam, seria necessário que a própria empresa ou os parceiros sociais adoptassem medidas autónomas em relação à decisão da Comissão, relativamente às quais gozariam de uma margem de actuação. Quanto à convenção colectiva do sector, mesmo na hipótese de ser denunciada, os trabalhadores conservariam as regalias sociais se esta não fosse substituída por uma nova convenção dentro dos prazos previstos na lei. De qualquer modo, o simples facto de um acto ser susceptível de influenciar a situação material dos recorrentes não basta para que possa considerar-se que lhes diz directamente respeito (44).

    O Tribunal de Primeira Instância prossegue, argumentando que, mesmo sem a decisão impugnada, os trabalhadores não teriam qualquer garantia contra a supressão de postos de trabalho ou a redução das regalias, o que demonstraria a falta de um nexo directo de causalidade entre a decisão impugnada e o prejuízo alegadamente sofrido pelos interesses dos trabalhadores.

    Por fim, o tribunal a quo considera que as pretensões que os recorrentes pretendem fazer valer perante o órgão jurisdicional comunitário são da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, no exercício do controlo da legalidade que lhes cabe sobre as medidas de direito interno que sejam adoptadas pela empresa ou pelos parceiros sociais e que possam ser causa directa de lesões dos direitos dos trabalhadores.

    38 Os recorrentes alegam, perante o Tribunal de Justiça, que a margem de negociação de que a empresa e os parceiros sociais gozam existe relativamente a qualquer medida de carácter económico. Também as empresas concorrentes da beneficiária de um auxílio poderiam reagir, reduzindo os seus custos de produção, por exemplo, sem que tal incidisse sobre o facto de serem directamente afectadas. No que respeita à convenção colectiva e à sua eventual denúncia, os recorrentes precisam que, segundo o direito francês, só poderiam ser mantidos os direitos adquiridos individualmente e apenas pelo período de um ano.

    Os recorrentes entendem, portanto, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a decisão impugnada não impunha condições que lesavam directamente os interesses dos trabalhadores.

    39 Na opinião da Comissão, a sua decisão não pode afectar directamente os trabalhadores uma vez que não prejudica de modo algum as disposições de carácter social a adoptar no seio da SFP, e limita-se a lamentar a inexistência de um plano de reestruturação. A multiplicidade das opções possíveis com vista à elaboração de tal plano convertem-no numa decisão autónoma relativamente à adoptada pela Comissão. A recorrida acrescenta que os recorrentes não podem ser directamente afectados quando não conseguem indicar quais as consequências lesivas concretas que a decisão provocaria. Quanto à conservação ou não das regalias previstas na convenção colectiva, a Comissão insiste que a decisão impugnada não impõe a sua denúncia.

    40 Pela minha parte, entendo que a conclusão a que o Tribunal de Primeira Instância chega relativamente à pretensa afectação directa dos recorrentes é juridicamente correcta. Não é inútil recordar, mais uma vez, que o Tratado proíbe, de um modo geral, qualquer auxílio de Estado que falseie ou ameace falsear a concorrência, favorecendo determinadas empresas ou produções. No domínio do artigo 93._, n._ 2, a Comissão, depois de comprovada a incompatibilidade do auxílio com o mercado comum, tem a faculdade de decidir que o Estado em questão o suprima ou o modifique dentro de um dado prazo. Este poder de modificação ou de supressão, para ter um efeito útil, pode implicar a obrigação de exigir a devolução de um auxílio concedido em violação do Tratado (45).

    Ora, no processo em apreço, a Comissão limitou-se, nos artigos 1._ e 2._ da sua decisão de 2 de Outubro de 1996, a declarar que o auxílio no montante de 1 110 milhões de FRF concedido à SFP era ilegal e incompatível com o mercado comum, e a ordenar ao Governo francês que exigisse à SFP o seu reembolso, acrescido dos respectivos juros. A eficácia jurídica da decisão impugnada resume-se a estes termos. A instituição comunitária não exigiu uma redução do pessoal ou uma diminuição das regalias sociais dos trabalhadores da empresa, nem tinha poderes para exigir tais medidas. A Comissão limitou-se, seguindo as linhas de orientação a que tinha decidido submeter a sua acção (46), a comprovar que não se verificavam os requisitos de aplicação da excepção prevista no artigo 92._, n._ 3, alínea c), relativamente aos auxílios que podem ser concedidos a empresas em dificuldades e, em especial, que não tinha sido elaborado um plano de reestruturação susceptível de retirar a contribuição financeira do Estado da categoria dos auxílios ao funcionamento. As demais considerações contidas na decisão (relativas, por exemplo, à necessidade de suprimir a convenção colectiva ou de procurar novos sócios) não constituem obrigações que possam ser impostas à destinatária da decisão, uma vez que a Comissão, como referi, não tem tal faculdade. Assemelham-se antes a recomendações de conteúdo económico, sem qualquer eficácia jurídica. Se serviram para formar a vontade da Comissão, tais considerações relevam da ampla margem de apreciação que há que reconhecer àquela instituição no âmbito do controlo dos auxílios de Estado.

    41 Nestas circunstâncias, é manifesto que os recorrentes não demonstraram, nem mesmo apresentaram indícios, de que a decisão da Comissão afectasse directamente os interesses dos trabalhadores, sendo desnecessário analisar em pormenor cada uma das consequências alegadas. A supressão de postos de trabalho ou a renegociação da convenção colectiva impõe-se, eventualmente, não em virtude da decisão da Comissão, mas como consequência da situação da empresa no seio de um mercado caracterizado pela livre concorrência. Há que afirmar, portanto - parafraseando os termos do acórdão Alcan Aluminium Raeren e o./Comissão (47) -, que a anulação da decisão impugnada «não proporcionaria aos recorrentes as vantagens que estes pretendem», no sentido de que a autorização do auxílio, na falta de um plano de reestruturação, não bastaria para eliminar o risco de supressão de postos de trabalho ou de regalias sociais.

    42 O Tribunal de Primeira Instância interpretou, portanto, correctamente o artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado quando declarou que «uma decisão que considere um auxílio incompatível com o mercado comum e ordene a sua recuperação não pode, só por si, determinar as consequências alegadas quanto ao nível e às condições de emprego na empresa beneficiária do auxílio em causa» (48).

    V - Despesas

    43 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118._, a parte vencida é condenada nas despesas. Por conseguinte, se, conforme proponho, se negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, há que condená-los nas despesas do processo.

    VI - Conclusão

    44 Pelas razões acima expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso interposto do despacho do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Fevereiro de 1998, que declarou inadmissível o recurso de anulação interposto contra a Decisão 97/238/CE da Comissão, de 2 de Outubro de 1996, relativa ao auxílio concedido pelo Estado francês à sociedade de produção audiovisual Siciété française de production, e que condene expressamente os recorrentes nas despesas.

    (1) - JO 1995, C 80, p. 7.

    (2) - JO 1996, C 171, p. 3.

    (3) - JO 1997, L 95, p. 19.

    (4) - Acórdão de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão (C-241/94, Colect., p. I-4551).

    (5) - Acórdão já referido na nota 4, n._ 6.

    (6) - Embora tenha a impressão de que, no processo do Fundo francês para o emprego, primaram considerações que se colocam, essencialmente, no âmbito da defesa da livre concorrência e não do da protecção social.

    (7) - T-96/92, Colect., p. II-1213.

    (8) - T-12/93, Colect., p. II-1247.

    (9) - Regulamento do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1).

    (10) - Acórdão de 28 de Janeiro de 1986 (169/84, Colect., p. 391).

    (11) - Acórdão de 2 de Fevereiro de 1988 (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219).

    (12) - Acórdão de 24 de Março de 1993 (C-313/90, Colect., p. I-1125).

    (13) - Acórdão de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, Recueil, p. 3809, n._ 16).

    (14) - Ou, se se preferir, «economia de razões processuais». V., neste sentido, Barav, A.: «Direct and individual concern: An almost unsurmountable barrier to the admissibility of individual appeal to the EEC Court», Common Market Law Review, 1974, vol. 11, n._ 2, pp. 191 a 198, especialmente p. 192.

    (15) - Facilitando assim uma apreciação preliminar, sem ter que entrar no fundo da questão.

    (16) - 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, especialmente p. 284.

    (17) - V., neste sentido, os acórdãos Van der Kooy e o./Comissão, já referido na nota 11, n._ 15, relativamente aos horticultores, e de 7 de Dezembro de 1993, Federmineraria e o./Comissão (C-6/92, Colect., p. I-6357, n._ 16).

    (18) - O artigo 33._ do Tratado CECA segue uma lógica diferente.

    (19) - V. o acórdão de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris Holland/Comissão (730/79, Recueil, p. 2671, n._ 5), cujo teor, porém, leva a crer que a admissibilidade do recurso depende da falta de oposição da instituição recorrida. Em sentido contrário, o acórdão CIRFS e o./Comissão e o., já referido na nota 12, considera que a excepção de ilegitimidade para interpor um recurso de anulação constitui uma excepção de ordem pública, na acepção do artigo 92._, n._ 2, do Regulamento de Processo, pelo que deve ser apreciada oficiosamente (n._ 23).

    (20) - Acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido na nota 12, n.os 29 e 30.

    (21) - Acórdão Cofaz e o./Comissão, já referido na nota 10, n._ 25.

    (22) - Acórdão de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão (C-198/91, Colect., p. 2487, n.os 24 e 25).

    (23) - V., neste sentido, as conclusões apresentadas pelos advogados-gerais C. O. Lenz, no processo Cofaz e o./Comissão, já referido na nota 10, especialmente p. 406, e G. Tesauro, no processo Cook/Comissão, já referido na nota 22, especialmente n._ 39.

    (24) - V., neste sentido, Saggio, A.: «Appunti sulla recevibilità dei ricorsi d'annullamento proposti da persone fisiche o giuridice in base all'art. 173, quarto comma, del Trattato CE», em Scritti in onore di Giuseppe Federico Mancini, vol. II, 1998, pp. 879 e segs., que se refere a «segnale del carattere individuale delle lesioni subite dal ricorrente» (p. 895).

    (25) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de fruits et légumes e o./Conselho (16/62 e 17/62, Colect. 1962-1964, p. 175, especialmente pp. 180 e 181).

    (26) - V., a este respeito, o acórdão de 18 de Março de 1975, Union syndicale e o./Conselho (72/74, Recueil, p. 401, n._ 17; Colect., p. 159).

    (27) - Acórdão Union syndicale e o./Conselho, já referido na nota 26, n._ 19.

    (28) - Acórdão já referido na nota 11, conclusões, Colect., p. 245.

    (29) - Acórdão já referido na nota 11, n._ 15.

    (30) - É duvidoso que o Tribunal de Justiça tivesse decidido do mesmo modo se a «categoria de pessoas definidas de forma genérica e abstracta» apenas compreendesse três ou quatro pessoas.

    (31) - Acórdão já referido na nota 11, n.os 21 a 23.

    (32) - Acórdão já referido na nota 12, n._ 98 das conclusões.

    (33) - Acórdão já referido na nota 12, n.os 29 e 30.

    (34) - Acórdão já referido na nota 12, n._ 31.

    (35) - Acórdão já referido na nota 12, n._ 90 das conclusões.

    (36) - Ou, como explica A. Saggio, na obra já referida na nota 24, p. 902: Esta particularidade «caracteriza-se pelo facto de que, no processo decisório que levou à adopção do acto, a situação concreta de determinada pessoa foi tomada em conta, no sentido de que o acto foi, em certa medida, modelado segundo as exigências específicas de tal pessoa».

    (37) - Na minha opinião, as considerações de ordem social não só podem como devem ser tidas em conta, sob pena de se converter a audição dos interessados numa mera formalidade. A decisão final dependerá, evidentemente, de uma avaliação complexa dos diferentes elementos.

    (38) - V., relativamente ao acórdão Perrier, os n.os 29 a 31 e, relativamente ao acórdão Vittel, os n.os 39 a 41.

    (39) - V., relativamente ao acórdão Perrier, o n._ 36 e, relativamente ao acórdão Vittel, o n._ 47.

    (40) - Ibidem.

    (41) - Não é pertinente, nem rationae temporis nem rationae materiae, o Regulamento (CE) n._ 994/98 do Conselho, de 7 de Maio de 1998, relativo à aplicação dos artigos 92._ e 93._ do Tratado que institui a Comunidade Europeia a determinadas categorias de auxílios estatais horizontais (JO L 142, p. 1).

    (42) - N._ 45 do despacho recorrido.

    (43) - V., nomeadamente, o acórdão Plaumman, já referido na nota 16, p. 284.

    (44) - Referindo-se ao acórdão de 10 de Dezembro de 1969, Eridania e o./Comissão (10/68 e 18/68, Colect. 1969-1970, p. 171, n._ 7).

    (45) - Acórdão de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha (70/72, Colect., p. 309, n._ 13).

    (46) - Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1994, C 368, p. 12).

    (47) - Acórdão de 16 de Junho de 1970 (69/69, Recueil, p. 385, n._ 13; Colect. 1969-1970, p. 369).

    (48) - N._ 47 do despacho recorrido.

    Top