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Document 61997CJ0269

    Acórdão do Tribunal de 4 de Abril de 2000.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Europeia.
    Regulamento (CE) n.º 820/97 - Base jurídica.
    Processo C-269/97.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-02257

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:183

    61997J0269

    Acórdão do Tribunal de 4 de Abril de 2000. - Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Europeia. - Regulamento (CE) n.º 820/97 - Base jurídica. - Processo C-269/97.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-02257


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Actos das instituições - Escolha da base jurídica - Critérios - Contexto da adopção do acto - Falta de pertinência - Aplicação das normas do Tratado em vigor no momento da adopção do acto

    2 Agricultura - Organização comum de mercado - Carne de bovino - Sistema de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino - Regulamento n._ 820/97 - Base jurídica - Artigo 43._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 37._ CE) - Tomada em consideração da saúde pública

    [Tratado CE, artigos 39._ e 129._, n._ 1, terceiro parágrafo (que passaram, após alteração, a artigos 33._ CE e 152._, n._ 1, terceiro parágrafo, CE), e artigo 43._ (que passou, após alteração, a artigo 37._ CE); Regulamento n._ 820/97 do Conselho]

    Sumário


    1 No quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto. Quanto a este aspecto, não tem qualquer influência a pretensão duma instituição de participar de forma mais intensa na adopção de um acto determinado, o trabalho efectuado a outro título no domínio de acção em que o acto se insere ou o contexto da adopção do acto. Além disso, os actos comunitários devem ser adoptados em conformidade com as normas do Tratado em vigor no momento da sua adopção.

    (cf. n.os 43-45)

    2 O artigo 43._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 37._ CE) constitui a base jurídica adequada para toda a regulamentação relativa à produção e à comercialização dos produtos agrícolas enumerados no Anexo II do Tratado, que contribua para a realização de um ou vários objectivos da Política Agrícola Comum enunciados no artigo 39._ do Tratado (actual artigo 33._ CE).

    O Regulamento n._ 820/97, que estabelece um regime de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino, ao regular as condições de produção e de comercialização da carne de bovino e dos produtos à base desta na perspectiva de uma melhoria da transparência destas condições, tem por finalidade essencial atingir os objectivos do artigo 39._ do Tratado, nomeadamente a estabilização do mercado dos produtos em causa, tendo, em consequência, sido a justo título adoptado com base no artigo 43._ do Tratado.

    Esta conclusão não é abalada pelo facto de o regime estabelecido pelo regulamento ter efeitos positivos sobre a protecção da saúde pública. Com efeito, a tomada em conta da saúde pública no quadro de actos adoptados com base no artigo 43._ está em conformidade com o artigo 129._, n._ 1, terceiro parágrafo, do Tratado (actual artigo 152._, n._ 1, terceiro parágrafo, CE). De resto, a protecção da saúde contribui para a realização dos objectivos da Política Agrícola Comum visados pelo n._ 1 do artigo 39._ do Tratado, designadamente quando a produção agrícola está imediatamente dependente do escoamento junto de consumidores cada vez mais preocupados com a sua saúde.

    (cf. n.os 47, 49, 59-62)

    Partes


    No processo C-269/97,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. van Nuffel e G. Berscheid, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

    recorrente,

    apoiada por

    Parlamento Europeu, representado por J. Schoo, chefe de divisão no Serviço Jurídico, e E. Waldherr, administradora no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,

    interveniente,

    contra

    Conselho da União Europeia, representado por J.-C. Piris, director-geral do Serviço Jurídico, J. Carbery e M. Sims, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

    recorrido,

    que tem por objecto a anulação do Regulamento (CE) n._ 820/97 do Conselho, de 21 de Abril de 1997, que estabelece um regime de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino (JO L 117, p. 1),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, D. A. O. Edward e L. Sevón (relator), presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J.-P. Puissochet, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

    advogado-geral: A. Saggio,

    secretário: R. Grass,

    visto o relatório do juiz-relator,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 1999,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Julho de 1997, a Comissão das Comunidades Europeias pediu, nos termos do artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), a anulação do Regulamento (CE) n._ 820/97 do Conselho, de 21 de Abril de 1997, que estabelece um regime de identificação e registo de bovinos e relativo à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino (JO L 117, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»).

    2 Em 2 de Outubro de 1996, a Comissão apresentou duas propostas de regulamento, uma que estabelecia um sistema de identificação e registo de bovinos (JO C 349, p. 10) e outra que era relativa à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino (JO C 349, p. 14). Estas duas propostas baseavam-se no artigo 43._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37._ CE).

    3 Em 19 de Fevereiro de 1997, estas propostas foram objecto de discussão comum em sessão plenária do Parlamento Europeu, o qual adoptou, na proposta relativa à rotulagem, uma emenda tendo em vista a substituição do artigo 43._ do Tratado pelo artigo 100._-A do Tratado CE (que passou após alteração, a artigo 95._ CE). Em contrapartida, na proposta relativa à identificação e ao registo de bovinos, não foi adoptada nenhuma emenda neste sentido, mas o relator, apoiado por outros intervenientes, pediu à Comissão que aceitasse alterar a base jurídica desta proposta e substitui-la pelo artigo 100._-A do Tratado.

    4 As duas propostas de regulamento foram a seguir fundidas pela Comissão que apresentou, em 7 de Março de 1997, uma proposta alterada única baseada no artigo 100._-A do Tratado (JO C 100, p. 22).

    5 Em 21 de Abril de 1997, o regulamento impugnado foi adoptado por unanimidade pelo Conselho, após este lhe ter alterado, nomeadamente, a base jurídica e ter optado pelo artigo 43._ do Tratado.

    6 O título I do regulamento impugnado organiza o regime de identificação e registo dos bovinos. Nos termos do artigo 3._ do referido regulamento, este regime inclui marcas auriculares para identificar individualmente os animais, bases de dados informatizadas, passaportes para os animais e registos individuais mantidos em cada exploração. As disposições relativas a este regime substituem, no que se refere aos bovinos, as que figuram na Directiva 92/102/CEE do Conselho, de 27 de Novembro de 1992, relativa à identificação e ao registo de animais (JO L 355, p. 32).

    7 O título II do regulamento impugnado diz respeito à rotulagem da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino. Este regulamento autoriza a rotulagem pelos operadores ou organizações que o pretendam, segundo um sistema de aprovação pelos Estados-Membros, e enumera, no artigo 16._, as informações que podem figurar nos rótulos. O artigo 19._, n._ 1, deste regulamento prevê a introdução dum regime comunitário de rotulagem obrigatório a partir de 1 de Janeiro de 2000, não excluindo todavia a possibilidade de um Estado-Membro aplicar esse regime apenas a título facultativo à carne de bovino comercializada no seu território. O artigo 19._, n._ 4, deste mesmo regulamento autoriza, além disso, os Estados-Membros que disponham dum sistema de identificação e de registo de bovinos suficientemente desenvolvido a imporem um regime de rotulagem antes de 1 de Janeiro de 2000.

    8 A Comissão sustenta que a adopção do regulamento impugnado com base no artigo 43._ do Tratado e segundo os processos aí previstos constitui uma violação de formalidades essenciais na acepção do artigo 173._, segundo parágrafo, do Tratado. A Comissão considera, a título principal, que a base jurídica correcta do regulamento impugnado é o artigo 100._-A do Tratado e, a título subsidiário, que este regulamento devia ter-se baseado nos artigos 43._ e 100._-A do Tratado. Nas duas hipóteses, deveria ter sido adoptado segundo o processo de co-decisão.

    9 Segundo a Comissão, o recurso ao artigo 100._-A do Tratado justificava-se pelo facto de o objecto principal do regulamento impugnado ser a protecção da saúde humana, prevista no artigo 129._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 152._ CE), e que, num domínio tão importante, o Parlamento deve poder participar no processo legislativo.

    10 Com efeito, foi no contexto da crise da encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «EEB») que o regulamento impugnado foi adoptado tendo em vista a protecção da saúde humana. As medidas de conhecimento dos antecedentes foram especificamente concebidas tendo em vista a luta contra a EEB e respondem ao pedido expresso pelo Conselho na sessão extraordinária que teve lugar de 1 a 3 de Abril de 1996 e que era consagrada à EEB. Além disso, as informações previstas pelo sistema de rotulagem visam assegurar ao consumidor que a carne que compra não apresenta riscos para a saúde.

    11 Este objectivo específico de protecção da saúde, expresso nomeadamente nos primeiro e terceiro considerandos do regulamento impugnado, explica que este regulamento não se aplique aos animais da espécie suína, ovina e caprina, não abrangidos pela crise da EEB.

    12 A Comissão considera que não é pelo facto de o regulamento impugnado dizer respeito a produtos incluídos no Anexo II do Tratado que deveria ser adoptado com base no artigo 43._ Outras regulamentações comunitárias que abrangem, numa parte importante, produtos referidos no Anexo II do Tratado baseiam-se noutras disposições que não o artigo 43._, tais como a Directiva 79/112/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO L 33, p. 1; EE 13 F9 p. 162), baseada nos artigos 100._ do Tratado CE (actual artigo 94._ CE) e 227._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 299._ CE), cujas directivas de alteração são, após a entrada em vigor do Acto Único Europeu, baseadas no artigo 100._-A do Tratado.

    13 A Comissão afirma que os autores do Tratado tinham a intenção de impor o processo de co-decisão para as matérias previstas nos artigos 129._ e 100._-A do Tratado. Conservar uma excepção para as medidas que visam proteger a saúde pública quando estas medidas dizem respeito aos produtos agrícolas seria uma anomalia.

    14 No que se refere ao artigo 129._, n._ 1, terceiro parágrafo, do Tratado, segundo o qual as exigências em matéria de protecção da saúde constituem uma componente das demais políticas comunitárias, a Comissão sustenta que não se pode daí deduzir que uma medida que tem por objectivo principal a protecção da saúde pública se insere na Política Agrícola Comum desde que tenha em vista a produção e a comercialização de produtos agrícolas.

    15 A Comissão reconhece que por várias vezes o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 43._ do Tratado constitui a base jurídica adequada para toda a regulamentação relativa à produção e à comercialização dos produtos agrícolas enumerados no Anexo II do Tratado, que contribua para realização de um ou vários objectivos da Política Agrícola Comum enunciados no artigo 39._ do Tratado CE (actual artigo 33._ CE), e que tais regulamentações podem comportar uma harmonização das disposições de carácter nacional nesse domínio sem que seja necessário recorrer ao artigo 100._ do Tratado (acórdãos de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, 68/86, Colect., p. 855, n._ 14; Reino Unido/Conselho, 131/86, Colect., p. 905, n._ 19; de 16 de Novembro de 1989, Comissão/Conselho, C-131/87, Colect., p. 3743, n._ 10, e de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colect., p. I-4023, n._ 23). A Comissão considera todavia que deve ser feita uma distinção dado que, desde estes acórdãos, o Tratado tem evoluído e, nomeadamente, o artigo 129._ foi introduzido no Tratado CE pelo Tratado da União Europeia.

    16 A Comissão salienta a este propósito que as directivas que estavam em causa nestes dois processos e cuja base jurídica era contestada eram anteriores à entrada em vigor do Acto Único Europeu e baseavam-se no artigo 100._ do Tratado. Daí deduz que, desde a jurisprudência mencionada no número anterior, a evolução das disposições do Tratado relativas à saúde pública permite reconsiderar a interpretação que o Tribunal de Justiça fez, na altura, da relação entre os artigos 43._ e 100._ do Tratado. A Comissão afirma que o seu ponto de vista é confirmado pelo texto do Tratado de Amesterdão, uma vez que o artigo 152._ CE constituirá, segundo o n._ 4, alínea b), a base jurídica para a adopção pelo Conselho, «em derrogação do artigo 37._, [de] medidas nos domínios veterinário e fitossanitário que tenham directamente por objectivo a protecção da saúde pública».

    17 A Comissão conclui que não é contrário à jurisprudência citada considerar que medidas cujo objectivo principal é a saúde pública, mas que dizem igualmente respeito à Política Agrícola Comum, podem ser baseadas numa disposição que não seja o artigo 43._ do Tratado.

    18 A título subsidiário, a Comissão sustenta que o regulamento impugnado devia ser baseado conjuntamente nos artigos 43._ e 100._-A do Tratado. Considera que num domínio tão importante como o da saúde pública, o Parlamento deve poder participar do processo legislativo.

    19 A Comissão considera finalmente que razões importantes, nomeadamente de saúde pública e de segurança jurídica, justificam que, se o Tribunal julgar procedente o seu pedido, mantenha provisoriamente, em aplicação do artigo 174._, segundo parágrafo, do Tratado (actual artigo 231._, segundo parágrafo, CE), todos os efeitos do regulamento impugnado até à adopção pelo legislador comunitário de uma nova regulamentação na matéria, fundada na base jurídica apropriada.

    20 O Parlamento considera que a base jurídica pertinente para a adopção do regulamento impugnado é o artigo 100._-A do Tratado, aplicável em virtude da remissão que para ele é feita pelo artigo 129._-A, n._ 1, alínea a), do Tratado [que passou, após alteração, a artigo 153._, n._ 3, alínea a), CE] que tem em vista a protecção dos consumidores, incluindo a protecção contra os riscos para a saúde.

    21 O Parlamento considera que o contexto em que o regulamento impugnado foi adoptado, que é o elemento objectivo, permite determinar melhor o objectivo do legislador. No caso em apreço, este objectivo ia para além do simples motivo de restabelecer o mercado da carne de bovino e era proteger os consumidores e a sua saúde através de uma melhor transparência criada pelo registo dos bovinos e a rotulagem da carne.

    22 No que se refere à jurisprudência citada pela Comissão, o Parlamento considera que, nestes processos, as regulamentações submetidas ao Tribunal de Justiça tinham por objectivo principal a comercialização dos produtos agrícolas no mercado interno e apenas visavam a saúde pública a título acessório e complementar.

    23 Tal como a Comissão, o Parlamento considera que esta jurisprudência já não é aplicável, uma vez que foi proferida antes da data da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, o qual introduziu os artigos 129._ e 129._-A tendo em vista uma protecção acrescida da saúde pública e dos consumidores.

    24 O Parlamento desenvolve igualmente um argumento que consiste numa interpretação sistemática do Tratado. Em sua opinião, o facto de o Tratado prever, nos seus artigos 129._, 129._-A e 100._-A, o processo de co-decisão deve ser analisado como a expressão de uma vontade geral dos autores do Tratado de fazer participar o Parlamento, na qualidade de co-legislador, na adopção de actos que têm importância directa para o bem-estar dos cidadãos. Sublinha que desempenhou um papel director na investigação sobre os problemas da crise da EEB e tomou iniciativas visando proteger melhor os cidadãos contra os perigos resultantes do consumo de carne de bovino. Seria contrário à nova orientação do Tratado em favor de uma protecção acrescida dos cidadãos e de uma participação qualificada do Parlamento no processo de decisão que as normas em matéria de saúde pública e de protecção do consumidor fossem ainda adoptadas com fundamento exclusivo no artigo 43._ do Tratado. Em apoio da sua argumentação, o Parlamento invoca o acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho (C-300/89, Colect., p. I-2867).

    25 A título subsidiário, o Parlamento sustenta que o regulamento impugnado deveria ter sido baseado nos artigos 43._ e 100._-A do Tratado, pois prossegue dois objectivos indissociáveis.

    26 Dado que o litígio incide sobre uma questão formal e não material do acto, o Parlamento pede que, no caso de anulação do regulamento impugnado, o Tribunal de Justiça mantenha os seus efeitos até ao momento em que o legislador comunitário tenha adoptado um novo acto. Pretende contudo que o Tribunal de Justiça fixe um prazo razoável ao legislador para pôr termo à ilegalidade.

    27 O Conselho contesta que o contexto da adopção de um acto deva ser tomado em consideração para determinar a sua base jurídica. Reconhece que o contexto pode apresentar um certo interesse geral para a compreensão do acto, mas considera que não se trata de um factor determinante da escolha da base jurídica. Quanto a este ponto, recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., nomeadamente, acórdão de 16 de Março de 1996, Parlamento/Conselho, C-271/94, Colect., p. I-1689, n._ 14).

    28 Neste contexto, o Conselho sustenta que a finalidade principal do regulamento impugnado não é a protecção da saúde pública, mas o restabelecimento da estabilidade do mercado da carne de bovino na sequência da crise da EEB, isto é, um objectivo de Política Agrícola Comum previsto no artigo 39._, n._ 1, alínea c), do Tratado, que tem como corolário cumprir determinadas exigências de interesse geral, como restaurar a confiança do consumidor e proteger a saúde humana e animal. A exigência de protecção da saúde pública, indirectamente ligada à finalidade principal, é tomada em conta em conformidade com o disposto no artigo 129._, n._ 1, terceiro parágrafo, do Tratado.

    29 A forma escolhida consistia em melhorar a transparência das condições de produção e de comercialização dos produtos, o que devia restabelecer a confiança dos consumidores na carne de bovino, fazer aumentar as vendas e relançar o mercado (primeiro a quarto considerandos). Através do seu sistema de identificação e de registo dos animais, o regulamento impugnado visava igualmente responder às exigências definidas na legislação veterinária comunitária (quinto e sexto considerandos) e permitir a gestão de certos regimes de ajudas comunitários (sétimo considerando).

    30 O Conselho salienta nomeadamente que o facto de o regulamento impugnado não visar introduzir garantias precisas em matéria de saúde resulta da formulação expressa do artigo 12._ (e do vigésimo segundo considerando), em que se precisa que as disposições adoptadas não põem em causa a legislação comunitária existente no domínio veterinário e contendo garantias em matéria de saúde.

    31 Em particular, a parte do regulamento impugnado relativa à rotulagem visava, segundo o Conselho, melhorar o conhecimento que o consumidor tem do produto, e não directamente garantir-lhe que a carne posta à venda não apresenta qualquer perigo do ponto de vista da saúde pública.

    32 O Conselho considera igualmente que as medidas de conhecimento dos antecedentes facilitarão certamente a detecção dos animais que sofrem de doenças, mas que, tendo em conta o período de incubação da EEB, não podem ser consideradas medidas adequadas de saúde pública capazes de erradicar a EEB.

    33 Tendo em conta o seu conteúdo e os seus objectivos, o regulamento impugnado pertence à categoria das medidas destinadas a regulamentar as condições de produção e de comercialização de produtos enumerados no Anexo II do Tratado, tais como previstas no artigo 2._ do Regulamento (CEE) n._ 805/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector de carne de bovino (JO L 148, p. 24; EE 03 F2 p. 157), que prevê a adopção de medidas com vista a promover uma melhor organização da produção, da transformação e da comercialização e medidas com vista a melhorar a qualidade.

    34 Em contrapartida, a Directiva 79/112, mencionada pela Comissão, não pertence a esta categoria, uma vez que não visa a produção ou a comercialização de produtos agrícolas.

    35 Referindo-se à jurisprudência citada pela Comissão, o Conselho recorda que nestes acórdãos o Tribunal de Justiça declarou nomeadamente que o artigo 38._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 32._, n._ 2, CE) assegura o primado das disposições específicas em matéria de agricultura sobre as disposições gerais relativas ao funcionamento do mercado único.

    36 O Conselho sublinha que o facto de os artigos 100._-A e 129._ do Tratado terem sido acrescentados ao Tratado posteriormente a estes acórdãos não constitui um motivo suficiente para pôr em questão os princípios de direito que decorrem destes acórdãos. Afirma que o artigo 100._-A, n._ 1, do Tratado prevê que as suas disposições se aplicam, «salvo disposição em contrário do presente Tratado».

    37 O Conselho contesta igualmente que a alteração prevista pelo Tratado de Amesterdão implique já o recurso ao artigo 100._-A, contrariamente à jurisprudência existente.

    38 O Conselho afirma que, se a Comissão alterou a sua posição no que se refere à base jurídica da proposta de regulamento, foi por motivos políticos, na sequência de um compromisso tomado para com o Parlamento.

    39 Quanto a este ponto, o Conselho qualifica o argumento do Parlamento que consiste na sistemática do Tratado de argumento fundado nas necessidades políticas mais do que na preeminência do direito. Recorda que o processo de decisão correcto decorre da determinação da base jurídica adequada e não o inverso.

    40 A solução extraída da jurisprudência, segundo a qual é necessário aplicar critérios objectivos para escolher uma base jurídica, é a única que respeita plenamente o Tratado. Permite evitar a subjectividade das instituições e, portanto, a tentação do oportunismo político. Uma mudança da jurisprudência teria por consequência uma multiplicação dos conflitos entre as instituições.

    41 O Conselho rejeita também o pedido subsidiário da Comissão para que o acto seja fundado numa dupla base jurídica, uma vez que não é possível demonstrar que este acto prossegue dois objectivos distintos.

    42 Todavia, no caso de o Tribunal declarar nulo o acto impugnado, o Conselho pede que os seus efeitos sejam mantidos até à adopção de um novo regulamento.

    Apreciação do Tribunal

    43 É jurisprudência assente que, no quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., nomeadamente, acórdãos Parlamento/Conselho, já referido, n._ 14, e de 23 de Fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho, C-42/97, Colect., p. I-869, n._ 36).

    44 Quanto a este aspecto, não tem qualquer influência a pretensão duma instituição de participar de forma mais intensa na adopção de um acto determinado, o trabalho efectuado a outro título no domínio de acção em que o acto se insere ou o contexto da adopção do acto.

    45 Além disso, os actos comunitários devem ser adoptados em conformidade com as normas do Tratado em vigor no momento da sua adopção. Seria contrário ao princípio da segurança jurídica tomar em consideração, para determinar a base jurídica de um acto, uma alegada evolução das relações entre instituições que ainda não estaria consagrada nos textos ou que resultaria de disposições de um Tratado ainda não entrado em vigor.

    46 Assim, é com referência ao Tratado CE, tal como estava em vigor na data da adopção do regulamento impugnado, que se deve verificar se este foi a justo título adoptado com base no artigo 43._, por estar abrangido pela Política Agrícola Comum, ou se deveria tê-lo sido com base no artigo 100._-A, com fundamento em que este regulamento tinha por finalidade e por conteúdo a protecção da saúde pública e/ou a protecção dos consumidores na acepção dos artigos 129._e 129._-A do Tratado, ou ainda se deveria ter sido adoptado com base nos artigos 43._ e 100._-A do Tratado.

    47 Como o Tribunal de Justiça recordou no acórdão de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão (C-180/96, Colect., p. I-2265, n._ 133, e jurisprudência citada), resulta de jurisprudência constante que o artigo 43._ do Tratado constitui a base jurídica adequada para toda a regulamentação relativa à produção e à comercialização dos produtos agrícolas enumerados no Anexo II do Tratado, que contribua para a realização de um ou vários objectivos da Política Agrícola Comum enunciados no artigo 39._ do Tratado.

    48 O Tribunal de Justiça precisou igualmente que, nos termos do artigo 129._, n._ 1, terceiro parágrafo, do Tratado, as exigências em matéria de protecção da saúde constituem uma componente das demais políticas comunitárias e que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prossecução dos objectivos da Política Agrícola Comum não poderá abstrair de exigências de interesse geral, tais como a protecção dos consumidores ou da saúde e da vida das pessoas e dos animais, exigências que as instituições devem ter em conta quando exercem os seus poderes (acórdão de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, já referido, n._ 120).

    49 De resto, a protecção da saúde contribui para a realização dos objectivos da Política Agrícola Comum visados pelo n._ 1 do artigo 39._ do Tratado, designadamente quando a produção agrícola está imediatamente dependente do escoamento junto de consumidores cada vez mais preocupados com a sua saúde (acórdão de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, já referido, n._ 121).

    50 É tendo em conta esta jurisprudência que se deve analisar o conteúdo e a finalidade do regulamento impugnado.

    51 O conteúdo do regulamento impugnado, que não é contestado entre as partes, consiste em estabelecer as normas necessárias, por um lado, para a identificação e o registo dos bovinos e, por outro lado, para a rotulagem da carne de bovino.

    52 O regulamento impugnado diz assim respeito à produção e à comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo II do Tratado.

    53 Quanto à finalidade do regulamento impugnado, importa realçar que, nos termos do seu primeiro considerando, este visa restabelecer a estabilidade do mercado da carne de bovino e dos produtos à base de carne, desestabilizado pela crise da EEB, através de uma melhoria da transparência das condições de produção e de comercialização desses produtos, nomeadamente em matéria de conhecimento dos antecedentes.

    54 Não é contestado que os regimes de identificação e de registo de bovinos e de rotulagem da carne previstos no regulamento impugnado contribuirão de forma essencial para o prosseguimento deste objectivo.

    55 O terceiro considerando enuncia que, «com as garantias fornecidas por essa melhoria, serão igualmente satisfeitas certas exigências de interesse geral, como a protecção da saúde pública». O quarto considerando realça que «assim se encorajará a confiança dos consumidores na qualidade da carne de bovino e dos produtos à base de carne».

    56 Os quinto e sexto considerandos do regulamento impugnado fazem igualmente referência à obrigação de identificação e de registo dos animais destinados ao comércio intracomunitário, prevista no artigo 3._, n._ 1, alínea c), da Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29), que o Tribunal de Justiça decidiu que tinha sido adoptada a justo título com base no artigo 43._ do Tratado (acórdão de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Conselho, já referido, n._ 135).

    57 Nos termos do sétimo considerando do regulamento impugnado, os sistemas de identificação e registo devem, além disso, permitir a aplicação e o controlo de medidas adoptadas no quadro dos regimes de ajudas comunitários no domínio da agricultura.

    58 O nono considerando deste regulamento realça, enfim, a necessidade de adoptar um regulamento específico para os bovinos com o objectivo de reforçar as disposições da Directiva 92/102, a qual, importa recordar, foi igualmente adoptada com base no artigo 43._ do Tratado.

    59 Verifica-se assim que, ao regular as condições de produção e de comercialização da carne de bovino e dos produtos à base de carne de bovino na perspectiva de uma melhoria da transparência destas condições, o regulamento impugnado tem por finalidade essencial atingir os objectivos do artigo 39._ do Tratado, nomeadamente a estabilização do mercado.

    60 Assim, foi a justo título que o mesmo foi adoptado com base no artigo 43._ do Tratado.

    61 Esta conclusão não é abalada pelo facto de, como indica o terceiro considerando, o regime estabelecido pelo regulamento impugnado ter efeitos positivos sobre a protecção da saúde pública.

    62 Com efeito, a tomada em conta da saúde pública no quadro de actos adoptados com base no artigo 43._ está em conformidade com o artigo 129._, n._ 1, terceiro parágrafo, do Tratado e com a jurisprudência recordada no n._ 48 do presente acórdão.

    63 Deve pois concluir-se que, uma vez que só o artigo 43._ é que constitui a base jurídica adequada para a adopção do regulamento impugnado, deve negar-se provimento ao recurso.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    64 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. O Conselho pediu a condenação da Comissão nas despesas. Tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do artigo 69._, n._ 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Parlamento suportará as suas próprias despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

    65 É negado provimento ao recurso.

    66 A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

    67 O Parlamento Europeu suportará as suas próprias despesas.

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