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Document 61997CJ0167

Acórdão do Tribunal de 9 de Fevereiro de 1999.
Regina contra Secretary of State for Employment, ex parte Nicole Seymour-Smith e Laura Perez.
Pedido de decisão prejudicial: House of Lords - Reino Unido.
Trabalhadores masculinos e femininos - Igualdade de remuneração - Igualdade de tratamento - Indemnização por despedimento abusivo - Conceito de remuneração - Direito do trabalhador a não ser despedido sem justa causa - Inclusão no âmbito de aplicação do artigo 119. do Tratado CE ou da Directiva 76/207/CEE - Critério jurídico para apreciar se uma medida nacional constitui uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119. do Tratado - Justificação objectiva.
Processo C-167/97.

Colectânea de Jurisprudência 1999 I-00623

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:60

61997J0167

Acórdão do Tribunal de 9 de Fevereiro de 1999. - Regina contra Secretary of State for Employment, ex parte Nicole Seymour-Smith e Laura Perez. - Pedido de decisão prejudicial: House of Lords - Reino Unido. - Trabalhadores masculinos e femininos - Igualdade de remuneração - Igualdade de tratamento - Indemnização por despedimento abusivo - Conceito de remuneração - Direito do trabalhador a não ser despedido sem justa causa - Inclusão no âmbito de aplicação do artigo 119. do Tratado CE ou da Directiva 76/207/CEE - Critério jurídico para apreciar se uma medida nacional constitui uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119. do Tratado - Justificação objectiva. - Processo C-167/97.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-00623


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Remuneração - Conceito - Indemnização por despedimento abusivo - Inclusão

(Tratado CE, artigo 119._)

2 Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Artigo 119._ do Tratado - Igualdade de tratamento no acesso ao emprego e nas condições de trabalho - Directiva 76/207 - Âmbitos de aplicação respectivos

(Tratado CE, artigo 119._; Directiva 76/207 do Conselho)

3 Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Medida nacional que implica uma discriminação indirecta - Apreciação pelo juiz nacional - Critérios - Prova de uma justificação objectiva que incumbe ao Estado-Membro

(Tratado CE, artigo 119._)

Sumário


4 A indemnização concedida por decisão judicial em caso de violação do direito a não ser despedido sem justa causa constitui uma remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado. Esta indemnização destina-se designadamente a conceder ao trabalhador o que este deveria ter recebido se o empregador não tivesse ilegalmente posto termo à relação de trabalho.

De onde se conclui que a indemnização por despedimento sem justa causa é paga ao trabalhador em virtude do emprego que teve e que teria continuado a ter não fora o despedimento sem justa causa. Esta indemnização cabe, por conseguinte, no conceito de remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado.

5 As condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a uma indemnização estão abrangidas pelo artigo 119._ do Tratado. Em contrapartida, as condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a obter a sua reintegração ou a sua readmissão são abrangidas pela Directiva 76/207 relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

6 Para verificar se uma regra adoptada por um Estado-Membro, que determina que a protecção contra despedimentos sem justa causa só se aplica aos trabalhadores assalariados que tenham trabalhado durante um período mínimo de dois anos, afecta de modo diferente os homens e as mulheres a tal ponto que isso equivale a uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado, o juiz nacional, ao qual compete determinar, tendo em conta todas as circunstâncias jurídicas e de facto pertinentes, a data em que se deve apreciar a legalidade dessa regra, deve verificar se os dados estatísticos disponíveis mostram que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos pode satisfazer a condição imposta por essa medida. Se assim for, há discriminação indirecta baseada no sexo, salvo se essa medida se justificar por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação baseada no sexo.

Quanto a este último aspecto, incumbe ao Estado-Membro, na sua qualidade de autor da regra alegadamente discriminatória, demonstrar que essa regra responde a um objectivo legítimo da sua política social, que esse objectivo é alheio a qualquer discriminação fundada no sexo e que podia razoavelmente considerar que os meios escolhidos eram adequados à realização desse objectivo. Simples generalizações a respeito da aptidão de uma medida destinada à promoção do emprego não bastam para demonstrar que o objectivo da referida regra é alheio a qualquer discriminação em razão do sexo nem a fornecer elementos que permitam razoavelmente concluir que essa medida é adequada à realização desse objectivo.

Partes


No processo C-167/97,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pela House of Lords (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Regina

e

Secretary of State for Employment,

ex parte: Nicole Seymour-Smith e Laura Perez,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119._ do Tratado CE, bem como da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. J. G. Kapteyn, J.-P. Puissochet, G. Hirsch e P. Jann, presidentes de secção, G. F. Mancini (relator), J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, J. L. Murray, D. A. O. Edward, H. Ragnemalm, L. Sevón, M. Wathelet, R. Schintgen e K. M. Ioannou, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas

secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de N. Seymour-Smith e L. Perez, por Robin Allen, QC, e Peter Duffy, QC, mandatados por Gay Moon, solicitor,

- em representação do Governo do Reino Unido, por Lindsey Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por Patrick Elias, QC, e Nicholas Paines, QC,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Christopher Docksey e Marie Wolfcarius, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de N. Seymour-Smith e L. Perez, representadas por Robin Allen e Peter Duffy, mandatados por Gay Moon, do Governo do Reino Unido, representado por Stephanie Ridley, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por Nicholas Paines, e da Comissão, representada por Christopher Docksey e Marie Wolfcarius, na audiência de 12 de Maio de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Julho de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 13 de Março de 1997, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de Maio do mesmo ano, a House of Lords submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, cinco questões a respeito da interpretação do artigo 119._ do Tratado CE, bem como da Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

2 Estas questões foram levantadas no quadro de um pedido de «judicial review» (fiscalização judicial da legalidade) apresentado na High Court of Justice por N. Seymour-Smith e L. Perez a propósito da Unfair Dismissal (Variation of Qualifying Period) Order 1985 (decreto de alteração do período de emprego exigido para beneficiar de protecção contra um despedimento abusivo, S I 1985, n._ 782, a seguir «decreto de 1985»), que altera o artigo 54._ do Employment Protection (Consolidation) Act 1978 (lei sobre a protecção do emprego, a seguir «lei de 1978»).

A legislação nacional

3 O artigo 54._ da lei de 1978 prevê que um trabalhador assalariado ao qual seja aplicável este artigo tem o direito de não ser despedido sem justa causa pelo respectivo empregador. Disposição análoga consta do artigo 94._ do Employment Rights Act 1996 (lei sobre os direitos de emprego, a seguir «lei de 1996»), que não estava em vigor na altura dos factos em causa no processo principal.

4 Antes da entrada em vigor do decreto de 1985, os assalariados beneficiavam de protecção contra o despedimento abusivo ao abrigo do artigo 54._ da lei de 1978, se, na data da cessação efectiva da relação de trabalho, tivessem trabalhado continuadamente durante pelo menos um ano para um empregador com pelo menos vinte assalariados. Nos termos do artigo 64._, n._ 1, da lei de 1978, na redacção que lhe foi dada pelo decreto de 1985, o artigo 54._ não era aplicável ao despedimento de um assalariado se este não tivesse estado empregado continuamente durante um período mínimo de dois anos que terminasse na data do despedimento efectivo (a seguir «regra contestada»). O artigo 108._, n._ 1, da lei de 1996 contém disposições análogas às da regra contestada.

5 Nos termos do artigo 68._, n._ 1, da lei de 1978, quando um Industrial Tribunal conclui pela procedência de um pedido contra um despedimento sem justa causa, indica à demandante as medidas que podem ser tomadas, isto é, a reintegração ou a readmissão, e as circunstâncias em que podem ser tomadas e pergunta-lhe se pretende que o Industrial Tribunal tome uma medida desse tipo.

6 Segundo o n._ 2 do mesmo artigo, se, no quadro de um pedido contra um despedimento sem justa causa, o Industrial Tribunal verificar a procedência do pedido e a impossibilidade de ordenar uma medida de reintegração ou de readmissão, atribui uma indemnização por despedimento sem justa causa.

7 A indemnização concedida por despedimento sem justa causa é composta por dois elementos, isto é, uma indemnização de base e uma indemnização compensatória. A indemnização de base corresponde à remuneração de que o assalariado foi privado devido ao despedimento. Nos termos do artigo 74._, n._ 1, da lei de 1978, a indemnização compensatória corresponde ao montante que o Industrial Tribunal entende justo e equitativo, tendo em consideração todas as circunstâncias, em relação com o prejuízo sofrido pelo trabalhador como consequência do despedimento, na medida em que este despedimento seja imputável ao empregador. O n._ 2 desse mesmo artigo determina que todas as despesas razoáveis suportadas pelo trabalhador na sequência do despedimento, bem como a perda de qualquer benefício que razoavelmente tivesse podido esperar obter se não tivesse sido despedido devem ser havidas como fazendo parte desse prejuízo.

A legislação comunitária

8 O primeiro parágrafo do artigo 1._, da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52), estabelece que o princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos constante do artigo 119._ do Tratado, implica, para um mesmo trabalho ou para um trabalho a que é atribuído valor igual, a eliminação, no conjunto dos elementos e condições de remuneração, de qualquer discriminação em razão do sexo.

9 Segundo dispõe o seu artigo 1._, a Directiva 76/207 tem em vista a realização, nos Estados-Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere designadamente ao acesso ao emprego e às condições de trabalho.

10 Nos termos do n._ 1 do artigo 5._ da Directiva 76/207, a aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento, implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.

O litígio no processo principal

11 N. Seymour-Smith começou a trabalhar em 1 de Fevereiro de 1990, como secretária, para a Christo & Co. e foi despedida em 1 de Maio de 1991. Em 26 de Julho de 1991, N. Seymour-Smith intentou no Industrial Tribunal uma acção por despedimento sem justa causa pela sua anterior entidade patronal.

12 L. Perez começou a trabalhar para a Matthew Stone Restoration Ltd em 19 de Fevereiro de 1990 e foi despedida em 25 de Maio de 1991. Em 19 de Junho de 1991, L. Perez intentou no Industrial Tribunal uma acção por despedimento sem justa causa contra a sua anterior entidade patronal. Em 20 de Junho de 1991, foi informada pela Secretaria Geral dos Industrial Tribunals de que o seu pedido não podia ser admitido, visto não ter estado empregada por um período superior a dois anos. Porém, em 12 de Agosto de 1991, L. Perez intentou nova acção no Industrial Tribunal por despedimento sem justa causa.

13 Resulta dos autos do processo principal que os pedidos das duas demandantes destinados a obter a declaração de despedimento sem justa causa bem como uma compensação foram considerados inadmissíveis pelo Industrial Tribunal, pelo facto de as demandantes não satisfazerem o requisito dos dois anos de emprego, imposto pela regra contestada.

14 Na audiência no Tribunal de Justiça, as demandantes no processo principal precisaram que os processos relativos aos seus pedidos tinham sido suspensos pelo Industrial Tribunal a fim de lhes permitir apresentar, paralelamente, um pedido de «judicial review» para impugnação da legalidade da regra contestada.

15 Em 15 de Agosto de 1991, apresentaram na High Court of Justice um pedido de autorização para apresentação do pedido de «judicial review» contra a regra contestada, alegando que esta era contrariava o disposto na Directiva 76/207. Esta autorização foi-lhes dada em 12 de Setembro de 1991.

16 Em 20 de Maio de 1994, a High Court rejeitou o pedido de «judicial review», entendendo que, embora a regra contestada afectasse mais as mulheres que os homens, as estatísticas não demonstravam que essa incidência fosse desproporcionada. A High Court referiu, no entanto, que, se assim fosse, não via qualquer razão objectiva susceptível de justificar uma tal discriminação.

17 As demandantes no processo principal recorreram desta decisão para a Court of Appeal, que as autorizou a invocar o artigo 119._ do Tratado e a Directiva 76/207.

18 Em 31 de Julho de 1995, a Court of Appeal decidiu que a regra controvertida tinha um efeito indirectamente discriminatório na data do despedimento das demandantes no processo principal e que não tinha justificação objectiva. Entendendo, porém, que a qualificação da indemnização por despedimento sem justa causa como remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado não decorria de uma interpretação do artigo como acto claro, a Court of Appeal limitou-se a declarar que a exigência da lei de 1978, com a redacção então em vigor, de um período de emprego de dois anos era incompatível com a Directiva 76/207 na data do despedimento das demandantes no processo principal.

As questões prejudiciais

19 Tanto o Secretary of State como as demandantes no processo principal recorreram para a House of Lords desta decisão. Este órgão jurisdicional decidiu anular a declaração da Court of Appeal, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A atribuição de uma reparação por violação do direito a não ser despedido sem justa causa nos termos de uma legislação nacional como o Employment Protection (Consolidation) Act 1978 constitui uma `remuneração', na acepção do artigo 119._ do Tratado CE?

2) Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa, regem-se pelo artigo 119._ ou pela Directiva 76/207 as condições que determinam se um trabalhador tem direito a não ser despedido sem justa causa?

3) Qual é o critério jurídico a utilizar para decidir se uma medida tomada por um Estado-Membro produz um grau tal de efeitos diferentes consoante se trate de homens e mulheres que deve ser considerada como redundando numa discriminação indirecta para efeitos do disposto no artigo 119._ do Tratado CE, salvo quando se demonstre que se funda em factores objectivamente justificados diferentes do sexo?

4) Quando devem estes critérios jurídicos ser aplicados a uma medida tomada por um Estado-Membro? Mais especificamente, em qual dos momentos seguintes, ou em qualquer outro, devem estes critérios ser aplicados à medida em causa:

a) na data da adopção da medida

b) na data da entrada em vigor da medida

c) na data do despedimento do trabalhador?

5) Quais são as condições jurídicas que permitem considerar demonstrada, para efeitos da discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado CE, a existência de uma justificação objectiva para uma medida adoptada por um Estado-Membro na prossecução da sua política social? Especificamente, que elementos deve apresentar o Estado-Membro em apoio das causas de justificação que invoca?»

Quanto à primeira questão

20 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se a indemnização concedida por força de uma decisão judicial em caso de violação do direito a não se ser despedido sem justa causa constitui uma remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado.

21 Tanto as demandantes no processo principal como a Comissão sustentam que a indemnização concedida em caso de despedimento sem justa causa constitui uma remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado. Segundo a Comissão, trata-se de uma compensação pelo lucro cessante em termos de salário e de outras regalias ligadas ao emprego.

22 Em contrapartida, o Governo do Reino Unido alega que o processo principal diz respeito a uma alegada desigualdade nas condições de trabalho na acepção da Directiva 76/207, isto é, o direito a não ser despedido sem justa causa. A indemnização susceptível de ser concedida por um Industrial Tribunal não constituiria uma remuneração pelo trabalho efectuado pelo assalariado, mas uma compensação por inobservância de uma das suas condições de trabalho. Em consequência, a principal característica da remuneração, isto é, a contrapartida de um trabalho efectuado, não existiria no presente caso.

23 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o conceito de remuneração, na acepção do segundo parágrafo do artigo 119._, inclui todas as regalias pecuniárias ou em espécie, actuais ou futuras, desde que pagas, ainda que indirectamente, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último (v. nomeadamente os acórdãos, de 9 de Fevereiro de 1982, Garland, 12/81, Recueil, p. 359, n._ 5, e de 17 de Maio de 1990, Barber, C-262/88, Colect., p. I-1889, n._ 12).

24 Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal que a circunstância de determinadas prestações serem pagas após a cessação da relação de trabalho não exclui a possibilidade de terem a natureza de remuneração, na acepção do artigo 119._ do Tratado (acórdão Barber, já referido, n._ 12).

25 No que diz respeito, em especial, às indemnizações concedidas por um empregador a um trabalhador por despedimento, o Tribunal já declarou que constituem uma forma de remuneração diferida a que o trabalhador tem direito em razão do seu emprego, que lhe é paga no momento da cessação da relação de trabalho com o objectivo de facilitar a sua adaptação às novas circunstâncias daí resultantes (v. acórdãos Barber, já referido, n._ 13, e de 27 de Junho de 1990, Kowalska, C-33/89, Colect., p. I-2591, n._ 10).

26 No caso ora em apreço, deve sublinhar-se que a indemnização concedida ao trabalhador por despedimento sem justa causa, composta por uma indemnização de base e por uma indemnização compensatória, se destina designadamente a conceder ao trabalhador o que este deveria ter recebido se o empregador não tivesse ilegalmente posto termo à relação de trabalho.

27 Por um lado, a indemnização de base refere-se directamente à remuneração que seria devida ao trabalhador se não tivesse havido despedimento. Por outro lado, a indemnização compensatória cobre o prejuízo sofrido pelo trabalhador em consequência do despedimento e inclui todas as despesas razoáveis por ele efectuadas na sequência do despedimento e, em determinadas condições, a perda de quaisquer benefícios que podia razoavelmente esperar obter se não tivesse sido despedido.

28 De onde se conclui que a indemnização por despedimento sem justa causa é paga ao trabalhador em virtude do emprego que teve e que teria continuado a ter não fora o despedimento sem justa causa. Esta indemnização cabe, por conseguinte, no conceito de remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado.

29 Esta constatação não pode ser posta em causa pelo simples facto de a indemnização no processo principal ser concedida por força de uma decisão judicial e em conformidade com as disposições legislativas aplicáveis. Com efeito, o Tribunal já esclareceu, quanto a este aspecto, que é irrelevante que o direito à indemnização se encontre previsto numa fonte diferente do contrato de trabalho, e designadamente, na lei (v., neste sentido, acórdão Barber, já referido, n._ 16).

30 À luz do que precede, há que responder à primeira questão que a indemnização concedida por força de uma decisão judicial em caso de violação do direito a não se ser despedido sem justa causa constitui uma remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado.

Quanto à segunda questão

31 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber, no essencial, se as condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a ser reintegrado, readmitido, ou ainda a uma indemnização se incluem no âmbito de aplicação do artigo 119._ do Tratado ou da Directiva 76/207.

32 Uma vez que no processo principal está em causa uma remuneração abrangida no âmbito de aplicação do artigo 119._ do Tratado, as demandantes alegam que a Directiva 76/207 relativa à igualdade de tratamento não é aplicável. Com efeito, a lei não poderia impedir um trabalhador, que beneficia do direito a receber uma indemnização por despedimento sem justa causa no quadro do direito à igualdade de remuneração do artigo 119._, de invocar este mesmo artigo para garantir, face ao empregador, a não aplicação de condições discriminatórias que, caso fossem aplicadas, teriam como efeito esvaziar de conteúdo o princípio da igualdade de remuneração.

33 O Governo do Reino Unido sustenta que, mesmo que a indemnização atribuída por violação do direito a não ser despedido sem justa causa devesse ser havida como remuneração para efeitos do artigo 119._, qualquer alegada violação do princípio da igualdade de tratamento nas condições que determinam o benefício do direito, incluindo a reparação pecuniária, se deve reger pela Directiva 76/207 e não pelo artigo 119._.

34 Em apoio desta tese, invoca o acórdão de 15 de Junho de 1978, Defrenne III (149/77, Colect., p. 463), no qual o Tribunal declarou que o facto de a determinação de certas condições de emprego poder ter consequências pecuniárias não constitui razão suficiente para que tais condições entrem no âmbito de aplicação do artigo 119._, que se baseia na ligação estreita existente entre a natureza da prestação de trabalho e o montante do salário.

35 A este respeito deve salientar-se, como o fez, com razão, a Comissão, que quando o pedido se destina a obter uma indemnização, a condição prevista pela regra contestada diz respeito ao acesso a uma forma de remuneração, ao qual se aplicam o artigo 119._ e a Directiva 75/117.

36 No presente caso, os pedidos apresentados pelas demandantes no processo principal no Industrial Tribunal não visam as eventuais consequências de uma condição de trabalho, isto é, o direito a não ser despedido sem justa causa, mas a indemnização em si mesma. É pois matéria abrangida pelo artigo 119._ do Tratado e não pela Directiva 76/207.

37 Não seria esse o caso, se o pedido se destinasse a obter a reintegração ou a readmissão do trabalhador despedido. Nesse caso, as condições previstas pelo direito nacional diriam respeito a condições de trabalho ou ao acesso ao emprego e ser-lhes-ia, portanto, aplicável a Directiva 76/207.

38 Neste último caso, num pedido de «judicial review» apresentado contra o Secretary of State e destinado a obter uma modificação do artigo 64._, n._ 1, da lei de 1978 resultante do decreto de 1985, as demandantes no processo principal teriam o direito de se opor a uma discriminação baseada no sexo invocando, não o artigo 119._ do Tratado, mas a Directiva 76/207.

39 Com efeito, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, sempre que as disposições de uma directiva se revelem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas por um particular no tribunal nacional contra o Estado (v. designadamente o acórdão de 12 de Julho de 1990, Foster e o., C-188/89, Colect., p. I-3313, n._ 16).

40 Quanto ao artigo 5._, n._ 1, da Directiva 76/207, relativa à proibição de qualquer discriminação baseada no sexo no que se refere às condições de trabalho, nestas incluindo as condições de despedimento, o Tribunal já declarou que o disposto neste artigo é suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular contra o Estado e aplicado por um juiz nacional para afastar a aplicação de qualquer disposição nacional não conforme ao referido artigo 5._, n._ 1 (v. acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall I, 152/84, Colect., p. 723, n.os 52 e 56).

41 Há, assim, que responder à segunda questão que as condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a uma indemnização estão abrangidas pelo artigo 119._ do Tratado. Em contrapartida, as condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a obter a sua reintegração ou readmissão são abrangidas pela Directiva 76/207.

Quanto à quarta questão

42 Com a quarta questão, a que convém responder neste ponto, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se a legalidade de uma regra como a regra contestada deve ser apreciada no momento em que é decidida, no momento em que entra em vigor ou no momento do despedimento do trabalhador.

43 As demandantes no processo principal sustentam que, quando uma medida a ser adoptada e/ou aplicada por um Estado-Membro apresenta um risco, inerente à sua própria natureza, de produção de um efeito diferente sobre a remuneração dos homens e mulheres, o Estado-Membro em causa age em violação do Tratado CE se mantiver essa medida, salvo se se puder comprovar que a sua aplicação assenta em factores objectivamente justificados, diferentes do sexo. O Tratado exigiria, além disso, dos Estados-Membros que estes controlem periodicamente qualquer medida que afecte a remuneração dos trabalhadores assalariados e que afastem a aplicação de uma medida se verificarem que há violação de qualquer das obrigações impostas pelo Tratado nesta matéria.

44 O Governo do Reino Unido defende, pelo contrário, que o momento em que deve ser apreciada a incidência de uma medida deve situar-se na data do despedimento da trabalhadora assalariada. Esta seria a data da produção dos efeitos da regra contestada de que se queixa a trabalhadora, ou seja, o impedimento da propositura da acção contra o despedimento sem justa causa. O carácter, discriminatório ou não, de uma medida não estaria fixado na data da adopção ou da entrada em vigor de uma medida, mas dependeria das circunstâncias existentes na data em que a incidência da medida é contestada.

45 Sublinhe-se, em primeiro lugar, que as exigências do direito comunitário devem ser respeitadas em qualquer momento pertinente, tanto quando da adopção, como da entrada em vigor ou da aplicação ao caso concreto de uma medida.

46 Há que reconhecer, no entanto, que a data em que a legalidade de uma regra como a regra controvertida deve ser apreciada pelo juiz nacional pode depender de diferentes circunstâncias, tanto jurídicas como de facto.

47 Assim, quando se invoca uma alegada incompetência da autoridade nacional que adoptou um acto, a legalidade desse acto deve ser, em princípio, apreciada na data da sua adopção.

48 Em contrapartida, quando se trata da aplicação a uma situação individual de um acto nacional legalmente adoptado, pode ser pertinente apreciar se, no momento da sua aplicação, esse acto continua conforme ao direito comunitário.

49 No que diz respeito designadamente a estatísticas, pode ser pertinente ter em conta não só as estatísticas disponíveis na data da adopção do acto, mas igualmente estatísticas posteriores susceptíveis de dar indicações quanto à incidência desse acto em relação aos trabalhadores masculinos e femininos, respectivamente.

50 Deve assim responder-se à quarta questão que compete ao juiz nacional determinar, tendo em conta todas as circunstâncias jurídicas e de facto pertinentes, a data em que se deve apreciar a legalidade de uma regra como a regra contestada.

Quanto à terceira questão

51 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende determinar o critério jurídico que permite estabelecer se uma medida adoptada por um Estado-Membro afecta de modo diferente os homens e as mulheres a tal ponto que isso equivale a uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado.

52 Há que recordar, quanto a este aspecto, que o artigo 119._ do Tratado afirma o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual. Este princípio obsta à aplicação não só de normas que criem discriminações directamente assentes no sexo, mas também das que mantenham diferenças de tratamento entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos através de critérios não assentes no sexo, quando tais diferenças de tratamento não possam ser explicadas por factores objectivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (v. o acórdão de 15 de Dezembro de 1994, Helmig e o., C-399/92, C-409/92, C-425/92, C-34/93, C-50/93 e C-78/93, Colect., p. I-5727, n._ 20).

53 É pacífico que a regra contestada não estabelece discriminações directamente fundadas no sexo. Ter-se-á, portanto, que verificar se pode constituir uma discriminação indirecta contrária ao artigo 119._ do Tratado.

54 As demandantes no processo principal sustentam que, quando uma medida adoptada por um Estado-Membro apresenta o risco, decorrente da sua própria natureza, de afectar diversamente a remuneração dos homens e das mulheres e/ou quando esse efeito diferente é concretamente demonstrado por estatísticas fiáveis e significativas, há violação do artigo 119._ do Tratado, salvo se se puder demonstrar que a medida em causa se baseia em factores objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

55 As demandantes alegam em particular que, perante estatísticas significativas, que abrangem o conjunto da mão de obra e que demonstram a existência de fenómenos a longo prazo que não podem ser qualificados como fortuitos, qualquer diferença de incidência superior a uma diferença mínima não cumpre a obrigação de aplicação do princípio da igualdade de tratamento.

56 Segundo o Governo do Reino Unido, os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência sobre discriminação indirecta demonstram claramente que o Tribunal procura expressar uma diferença de impacto importante.

57 A Comissão, por seu lado, propõe um teste de «pertinência estatística», segundo o qual as estatísticas devem constituir parâmetros de comparação adequados e o órgão jurisdicional nacional deve estar atento para evitar que as estatísticas sejam deformadas por aspectos específicos do caso concreto. A existência de estatísticas significativas bastaria para comprovar uma incidência desproporcionada e para fazer recair o ónus da prova da justificação sobre o autor da medida alegadamente discriminatória.

58 Para verificar a existência de uma discriminação indirecta, deve em primeiro lugar analisar-se se uma medida como a regra contestada produz em relação aos trabalhadores femininos efeitos mais desfavoráveis do que os que essa mesma medida implica para os trabalhadores masculinos.

59 Há que salientar, a seguir, como observou com razão o Governo do Reino Unido, que o melhor método de comparação das estatísticas consiste na comparação, por um lado, das proporções respectivas de trabalhadores que satisfazem e não satisfazem a condição de dois anos de emprego exigida pela regra contestada entre a mão de obra masculina e, por outro, entre as mesmas proporções em relação à mão de obra feminina. Não basta tomar em consideração o número de pessoas afectadas pela medida, dado que este número depende do número de trabalhadores activos no conjunto do Estado-Membro, bem como da repartição do trabalho entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos nesse Estado-Membro.

60 Ter-se-á, portanto, que verificar, como o Tribunal de Justiça já esclareceu múltiplas vezes, se os dados estatísticos disponíveis mostram que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos satisfaz a condição dos dois anos de emprego imposta pela regra ora em discussão. Essa situação revelaria uma aparente discriminação baseada no sexo, a menos que a regra contestada fosse justificada por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação baseada no sexo.

61 O mesmo poderia acontecer se os dados estatísticos revelarem uma diferença menos importante mas persistente e relativamente constante durante um longo período entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos que satisfazem a condição dos dois anos de emprego. Compete, porém, ao juiz nacional a apreciação das conclusões a tirar desses dados estatísticos.

62 Importa recordar igualmente que cabe ao juiz nacional apreciar se os dados estatísticos que caracterizam a situação da mão de obra são válidos, se podem ser tomados em consideração, isto é, se dizem respeito a um número suficiente de indivíduos, se não são expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e, de um modo geral, se parecem ser significativos (v. acórdão de 27 de Outubro de 1993, Enderby, C-127/92, Colect., p. I-5535, n._ 17). Incumbe igualmente ao órgão jurisdicional nacional verificar, tendo em conta a resposta dada à quarta questão, se as estatísticas de 1985 respeitantes às percentagens de trabalhadores masculinos e de trabalhadores femininos que satisfazem a condição dos dois anos de emprego imposta pela regra contestada são pertinentes e suficientes para a solução do litígio perante ele pendente.

63 No presente caso, resulta do despacho de reenvio que, em 1985, ano em que entrou em vigor a condição dos dois anos de emprego, 77,4% dos trabalhadores masculinos e 68,9% dos trabalhadores femininos satisfaziam essa condição.

64 À primeira vista, estes dados estatísticos não parecem indicar que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos pode satisfazer a condição imposta pela regra contestada.

65 Há, assim, que responder à terceira questão que, para verificar se uma medida adoptada por um Estado-Membro afecta de modo diferente os homens e as mulheres a tal ponto que isso equivale a uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado, o juiz nacional deve verificar se os dados estatísticos disponíveis mostram que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos pode satisfazer a condição imposta por essa medida. Se assim for, há discriminação indirecta baseada no sexo, salvo se essa medida se justificar por factores objectivos alheios a qualquer discriminação baseada no sexo.

Quanto à quinta questão

66 Com a quinta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber quais os critérios jurídicos que permitem verificar, para efeitos de discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado, a existência de uma justificação objectiva para uma medida adoptada por um Estado-Membro em aplicação da sua política social.

67 A este respeito, importa lembrar que é, em última análise, ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar a matéria de facto e para interpretar a legislação nacional, que cabe estabelecer se e em que medida é que uma disposição legislativa aplicável independentemente do sexo do trabalhador, mas que atinge de facto uma percentagem consideravelmente mais elevada de mulheres do que de homens, se justifica por razões objectivas e estranhas a qualquer discriminação fundada no sexo (v. acórdão de 13 de Julho de 1989, Rinner-Kühn, 171/88, Colect., p. 2743, n._ 15).

68 No entanto, embora caiba ao órgão jurisdicional nacional, no âmbito de um reenvio prejudicial, verificar a existência de tais factores objectivos no caso concreto que lhe é submetido, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis ao juiz nacional, tem competência para fornecer indicações, baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, susceptíveis de permitir ao órgão jurisdicional nacional decidir (acórdão de 7 de Março de 1996, Freers e Speckmann C-278/93, Colect., p. I-1165, n._ 24).

69 Resulta de jurisprudência constante que, se um Estado-Membro puder demonstrar que os meios escolhidos respondem a um objectivo legítimo da sua política social, são aptos para atingir o objectivo prosseguido por esta e necessários para esse efeito, a mera circunstância de a disposição legislativa afectar um número consideravelmente mais elevado de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos não pode ser considerada uma violação do artigo 119._ do Tratado (v. nomeadamente os acórdãos, de 14 de Dezembro de 1995, Megner e Scheffel, C-444/93, Colect., p. I-4741, n._ 24, e Freers e Speckmann, já referido, n._ 28).

70 No presente caso, o Governo do Reino Unido alega que o risco, para os empregadores, de serem alvo de processos por despedimento sem justa causa movidos por trabalhadores recém-recrutados constitui um elemento susceptível de ter um efeito dissuasor sobre o recrutamento e, por conseguinte, que o alargamento do período de emprego necessário para beneficiar dessa protecção contra os despedimentos teria efeitos favoráveis no recrutamento dos trabalhadores.

71 É incontestável que a promoção do emprego constitui um objectivo legítimo de política social.

72 Há que verificar ainda, tendo em conta todos os elementos pertinentes e a possibilidade de atingir esse objectivo de política social por outros meios, se o objectivo em causa se revela alheio a qualquer discriminação baseada no sexo e se a regra contestada, como meio destinado a atingir esse objectivo, pode contribuir para a sua realização.

73 O Governo do Reino Unido sustenta quanto a este aspecto que um Estado-Membro devia apenas ter de demonstrar que podia razoavelmente supor que a medida contribuiria para a realização de um objectivo de política social. Baseia-se, para fazer esta afirmação no acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Nolte (C-317/93, Colect., p. I-4625).

74 É verdade que no n._ 33 deste último acórdão o Tribunal afirmou que os Estados-Membros, ao escolherem as medidas susceptíveis de realizar os objectivos da sua política social e de emprego, dispõem de uma larga margem de apreciação.

75 Se é verdade que no estado actual do direito comunitário a política social é, no essencial, da competência dos Estados-Membros, não é menos verdade, no entanto, que a margem de apreciação de que os Estados-Membros dispõem nesta matéria não pode ter como efeito esvaziar de conteúdo a aplicação de um princípio fundamental do direito comunitário como o é o da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos.

76 Simples generalizações a respeito da aptidão de uma determinada medida para a promoção do emprego não bastam para demonstrar que o objectivo da regra controvertida é alheio a qualquer discriminação em razão do sexo nem a dar elementos que permitam razoavelmente concluir que essa medida é adequada à realização desse objectivo.

77 Deve, portanto, responder-se à quinta questão que, caso se verifique que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos satisfaz a condição dos dois anos de emprego imposta pela regra contestada, incumbe ao Estado-Membro, na sua qualidade de autor da regra alegadamente discriminatória, demonstrar que essa regra responde a um objectivo legítimo da sua política social, que esse objectivo é alheio a qualquer discriminação fundada no sexo e que podia razoavelmente considerar que os meios escolhidos eram adequados à realização desse objectivo.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

78 As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela House of Lords em despacho de 13 de Março de 1997 declara:

1) A indemnização concedida por força de uma decisão judicial em caso de violação do direito a não se ser despedido sem justa causa constitui uma remuneração na acepção do artigo 119._ do Tratado.

2) As condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a uma indemnização estão abrangidas pelo artigo 119._ do Tratado. Em contrapartida, as condições que determinam se um trabalhador tem direito, em caso de despedimento sem justa causa, a obter a sua reintegração ou readmissão são abrangidas pela Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.

3) Compete ao juiz nacional determinar, tendo em conta todas as circunstâncias jurídicas e de facto pertinentes, a data em que se deve apreciar a legalidade de uma regra que determina que a protecção contra despedimentos sem justa causa só se aplica aos trabalhadores assalariados que tenham trabalhado durante um período mínimo de dois anos.

4) Para verificar se uma medida adoptada por um Estado-Membro afecta de modo diferente os homens e as mulheres a tal ponto que isso equivale a uma discriminação indirecta na acepção do artigo 119._ do Tratado, o juiz nacional deve verificar se os dados estatísticos disponíveis mostram que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos pode satisfazer a condição imposta por essa medida. Se assim for, há discriminação indirecta baseada no sexo, salvo se essa medida se justificar por factores objectivos alheios a qualquer discriminação baseada no sexo.

5) Caso se verifique que uma percentagem consideravelmente mais baixa de trabalhadores femininos do que de trabalhadores masculinos satisfaz a condição dos dois anos de emprego imposta pela regra descrita no n._ 3 deste dispositivo, incumbe ao Estado-Membro, na sua qualidade de autor da regra alegadamente discriminatória, demonstrar que essa regra responde a um objectivo legítimo da sua política social, que esse objectivo é alheio a qualquer discriminação fundada no sexo e que podia razoavelmente considerar que os meios escolhidos eram adequados à realização desse objectivo.

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