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Document 61997CJ0114

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Outubro de 1998.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Liberdade de estabelecimento - Livre prestação de serviços - Actividades de segurança privada - Condições de nacionalidade.
Processo C-114/97.

Colectânea de Jurisprudência 1998 I-06717

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:519

61997J0114

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 29 de Outubro de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha. - Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Liberdade de estabelecimento - Livre prestação de serviços - Actividades de segurança privada - Condições de nacionalidade. - Processo C-114/97.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-06717


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Livre prestação de serviços - Derrogações - Actividades que participam no exercício da autoridade pública - Actividade das empresas e do pessoal de segurança privada - Exclusão

(Tratado CE, artigos 55._, primeiro parágrafo, e 66._)

2 Livre circulação de pessoas - Derrogações - Protecção da ordem pública, da segurança pública e da saúde pública - Exclusão geral das actividades de segurança privada - Inadmissibilidade

(Tratado CE, artigos 48._, n._ 3, 52._ e 56._)

3 Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Livre prestação de serviços - Restrições - Administradores e directores de empresas de segurança submetidos a uma condição de residência - Inadmissibilidade - Justificação por razões de segurança pública - Inexistência

(Tratado CE, artigos 56._, n._ 1, e 66._)

Sumário


1 Como derrogação à regra fundamental da liberdade de estabelecimento, a excepção prevista no artigo 55._, primeiro parágrafo, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado, deve ter uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que esta disposição permite aos Estados-Membros proteger. Assim, a derrogação que essa disposição prevê deve restringir-se às actividades que, consideradas em si próprias, constituam uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública.

Assim não sucede com a actividade das empresas e do pessoal de segurança que tem por objecto assegurar missões de vigilância e de protecção com base em relações de direito privado, cujo exercício não implica que estejam investidas de poderes de coerção. Com efeito, a simples contribuição para a manutenção da segurança pública, que todo e qualquer indivíduo pode ser chamado a dar, não constitui exercício da autoridade pública.

2 Ao excluir o exercício, por uma pessoa ou por uma empresa que tenham a nacionalidade de outro Estado-Membro, de actividades de segurança privada, o Estado-Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._ e 52._ do Tratado. Uma tal exclusão geral do acesso a determinadas actividades profissionais só pode ser justificada por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública, referidas nos artigos 48._, n._ 3, e 56._ do Tratado. Com efeito, a faculdade de os Estados-Membros limitarem a livre circulação de pessoas por essas razões não tem por objecto colocar sectores económicos, como o da segurança privada, ao abrigo da aplicação do princípio da livre circulação, do ponto de vista do acesso ao emprego, antes visa permitir que os Estados-Membros recusem o acesso ou a estadia no seu território a pessoas cujo acesso ou estadia nesses territórios constitua, como tal, um perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública.

3 Constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços uma regra nacional segundo a qual os administradores e os directores de todas as empresas de segurança devem residir no território do Estado-Membro em que estas estão estabelecidas. Esta condição de residência não é necessária para garantir a segurança pública no Estado-Membro em causa e não é, por conseguinte, abrangida pela derrogação prevista no artigo 56._, n._ 1, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado. Com efeito, o recurso a esta justificação pressupõe a existência de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade. Ora, podem ser feitos controlos eficazes das actividades desenvolvidas pelas empresas de segurança privada e podem ser aplicadas sanções a toda e qualquer empresa estabelecida num Estado-Membro, qualquer que seja o lugar de residência dos seus dirigentes. Além disso, o pagamento de uma eventual sanção pode ser garantido através da constituição de uma caução prévia.

Partes


No processo C-114/97,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por António Caeiro, consultor jurídico, e Fernando Castillo de la Torre, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por Santiago Ortiz Vaamonde, abogado del Estado, do Serviço Jurídico do Estado, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard Emmanuel Servais,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao manter em vigor os artigos 7._, 8._ e 10._ da Lei 23/1992, de 30 de Julho de 1992, na medida em que sujeitam a concessão da autorização para exercer as actividades de segurança privada, no caso das «empresas de segurança», à condição de estas possuírem a nacionalidade espanhola e de os seus administradores e directores terem a sua residência em Espanha e, no caso do «pessoal de segurança», à condição de este possuir a nacionalidade espanhola, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, em especial, dos seus artigos 48._, 52._ e 59._,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, L. Sevón e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Maio de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Março de 1997, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169._ do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao manter em vigor os artigos 7._, 8._ e 10._ da Lei 23/1992, de 30 de Julho de 1992, na medida em que sujeitam a concessão da autorização para exercer as actividades de segurança privada, no caso das «empresas de segurança», à condição de estas possuírem a nacionalidade espanhola e de os seus administradores e directores terem a sua residência em Espanha e, no caso do «pessoal de segurança», à condição de este possuir a nacionalidade espanhola, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, em especial, dos seus artigos 48._, 52._ e 59._

Enquadramento jurídico

2 Em Espanha, a actividade de segurança privada é regulamentada pela Lei 23/1992, de 30 de Julho de 1992, relativa à segurança privada (a seguir «lei») e pelo Real Decreto 2364/1994, de 9 de Dezembro de 1994, que aprova o regulamento relativo à segurança privada.

3 Em conformidade com o artigo 5._, n._ 1, da lei, as empresas de segurança só podem fornecer os serviços seguintes:

- vigilância e protecção de bens, estabelecimentos, espectáculos, concursos ou convenções [alínea a)];

- protecção de pessoas determinadas [alínea b)];

- depósito, vigilância, verificação e selecção de moedas, notas, valores e objectos de valor, bem como o transporte e a distribuição desses objectos [alíneas c) e d)];

- instalação e manutenção de aparelhos, dispositivos e sistemas de segurança [alínea e)];

- exploração de centrais de recepção, verificação e transmissão de sinais de alarme e sua comunicação às forças e corpos de segurança, bem como prestação de serviços de atendimento que não sejam do âmbito dessas forças e corpos [alínea f)];

- programação e assistência no que respeita às actividades de segurança visadas pela lei [alínea g)].

4 Por força do artigo 7._, n._ 1, da lei, apenas as empresas que tenham obtido autorização do Ministério do Interior, através da sua inscrição num registo, podem fornecer serviços de segurança privada. O n._ 1, alínea b), do mesmo artigo prevê que, para obter essa autorização, «em qualquer caso, as empresas de segurança que empregam pessoal de segurança devem ter a nacionalidade espanhola».

5 O artigo 8._ da lei exige, além disso, que os administradores e os directores de todas as empresas de segurança inscritas no registo referido no artigo 7._, n._ 1, residam em Espanha. Esta condição aplica-se a todas as empresas de segurança, incluindo as que não empregam pessoal de segurança.

6 Finalmente, segundo o artigo 10._, n._ 1, da lei, o pessoal de segurança deve previamente obter uma licença do Ministério do Interior. O artigo 10._, n._ 3, alínea a), subordina a concessão desta autorização à condição de o pessoal de segurança ter a nacionalidade espanhola.

7 Por pessoal de segurança, a lei entende os guardas de segurança, os responsáveis pela segurança, os guarda-costas privados, os guardas campestres privados e os detectives privados. Estas últimas actividades podem ser exercidas a título independente, sem serem integradas numa empresa de segurança.

8 As empresas de segurança que exerçam as actividades descritas no artigo 5._, n._ 1, alíneas e) e g), da lei não necessitam de pessoal de segurança. As outras empresas de segurança empregam tanto pessoal de segurança como pessoal administrativo, ao qual não se aplica a condição da nacionalidade.

O processo pré-contencioso

9 Em 4 de Abril de 1995, a Comissão informou o Governo espanhol de que as disposições espanholas relativas à segurança privada eram, em seu entender, contrárias aos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado e convidou-o a apresentar as suas observações sobre este ponto.

10 Por carta de 21 de Junho de 1995, o Governo espanhol respondeu que as condições de nacionalidade e de residência impostas por essas disposições estavam abrangidas pelas derrogações previstas pelos artigos 48._, n.os 3 e 4, 55._ e 56._ do Tratado CE.

11 Por carta de 11 de Junho de 1996, a Comissão dirigiu ao Governo espanhol um parecer fundamentado em que concluía que, ao manter em vigor as disposições legislativas que sujeitam o exercício das actividades de segurança privada à condição de a empresa de segurança ter a nacionalidade espanhola, de os administradores e directores da empresa residirem em Espanha e, finalmente, de o pessoal de segurança privada ser de nacionalidade espanhola, o Reino de Espanha não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado.

12 Por carta de 20 de Setembro de 1996, o Governo espanhol reiterou os argumentos que tinha invocado na sua resposta à notificação de interpelação.

13 Não ficando satisfeita com estas explicações, a Comissão intentou a presente acção de incumprimento.

A acção

Argumentos das partes

14 No que concerne à liberdade de estabelecimento, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a regra de que os administradores de uma sociedade devem residir no Estado-Membro em que está estabelecida esta última implica uma discriminação baseada na nacionalidade, contrária ao artigo 52._ do Tratado.

15 Seguidamente, a Comissão sustenta que a condição de nacionalidade imposta às empresas pelo artigo 7._ da lei é explicitamente discriminatória e implica uma restrição ao direito das empresas estabelecidas noutro Estado-Membro de exercerem as suas actividades em Espanha através de uma sucursal ou de uma agência, em violação do artigo 52._ do Tratado.

16 Finalmente, segundo a Comissão, a condição de nacionalidade prevista no artigo 10._ da lei é também contrária ao artigo 52._, na medida em que é aplicada ao pessoal de segurança que trabalha por contra própria.

17 Quanto à livre prestação de serviços, a Comissão alega que a condição de nacionalidade da empresa, prevista no artigo 7._ da lei, e a da residência dos dirigentes, prevista no artigo 8._, que pressupõe um estabelecimento estável, têm por efeito excluir toda e qualquer actividade de segurança privada efectuada por empresas ou por pessoal de segurança que não estejam estabelecidos em Espanha. Tais exigências constituem um obstáculo discriminatório à livre prestação de serviços e são, por conseguinte, contrárias ao artigo 59._ do Tratado.

18 A Comissão acrescenta que as actividades em questão não podem ser excluídas do âmbito do artigo 52._ e 59._ do Tratado por participarem do exercício da autoridade pública. Esta excepção, prevista no artigo 55._, primeiro parágrafo, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado CE, deve ser interpretada de modo restritivo e limitada ao que seja estritamente necessário para salvaguardar os interesses que estas disposições permitem que os Estados-Membros protejam. Além disso, a participação no exercício da autoridade pública deve ser directa e específica.

19 Ora, a Comissão considera que, uma vez que a protecção de bens e de pessoas privados correspondem a uma necessidade puramente privada, as empresas e o pessoal de segurança privada não participam de modo directo e específico no exercício da autoridade pública, que, segundo ela, implica o exercício de poderes de coerção. Resulta, pelo contrário, da legislação espanhola, que as empresas e o pessoal de segurança só participam de modo complementar e subordinado nas actividades de segurança pública.

20 Quanto ao artigo 56._, n._ 1, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado, a Comissão remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual uma medida nacional discriminatória só se justifica se for dirigida contra uma ameaça real e suficientemente grave, que afecte um interesse fundamental da sociedade (acórdão de 27 de Outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, Colect., p. 715), e a existência de uma tal ameaça deve ser demonstrada pelo Estado-Membro com base numa apreciação do comportamento individual da pessoa.

21 Segundo a Comissão, o exercício da actividade de detective ou de guarda campestre em Espanha por um nacional de outro Estado-Membro não implica claramente uma ameaça real e suficientemente grave. O mesmo sucede quanto às discriminações relativas às pessoas colectivas. De resto, mesmo perante essa ameaça, os Estados-Membros não podem proceder à exclusão de todo um sector de actividades.

22 Quanto à livre circulação de trabalhadores, a Comissão sustenta que o artigo 10._, n._ 3, da lei viola o artigo 48._ do Tratado, uma vez que exclui trabalhadores assalariados nacionais de outros Estados-Membros do exercício de actividades de segurança privada.

23 A Comissão acrescenta que a derrogação relativa aos empregos na administração pública prevista no artigo 48._, n._ 4, não pode ser aplicada às profissões em questão.

24 Do mesmo modo, a Comissão considera que a condição de nacionalidade imposta pelo artigo 10._, n._ 3, da lei não se justifica por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública, tais como referidas no artigo 48._, n._ 3, do Tratado. Sublinhando a importância de uma interpretação estrita desta disposição, a Comissão salienta que a jurisprudência não inclui qualquer exemplo de uma situação em que essa derrogação tenha sido aplicada a uma proibição feita por um Estado-Membro aos nacionais de outros Estados-Membros de acederem a empregos em empresas privadas.

25 O Governo espanhol não contesta que a sua regulamentação constitua um obstáculo ao exercício das liberdades de estabelecimento, de prestação de serviços e de circulação de trabalhadores no interior da Comunidade. Considera, no entanto, que essas restrições são justificadas pelas derrogações previstas pelo Tratado.

26 Assim, o Governo espanhol alega, em primeiro lugar, que as actividades de segurança privada implicam o exercício de autoridade pública na acepção do artigo 55._ do Tratado devido à sua finalidade, que é manter a segurança pública. A este respeito, enumera diversas obrigações impostas às empresas e ao pessoal de segurança, de onde deduz que é necessária uma relação especial de solidariedade com o Estado. É para este efeito que está prevista uma autorização administrativa, através da inscrição num registo, ou uma licença do Ministério do Interior.

27 Em segundo lugar, o Governo espanhol considera que resulta da natureza das actividades exercidas pelas empresas de segurança privada uma ameaça para a segurança e ordem públicas, ameaça que necessita de controlos rigorosos. Ora, a eficácia desses controlos não poderia ser garantida se as empresas ou as pessoas em causa não tivessem a nacionalidade espanhola ou se não estivessem estabelecidas no Estado-Membro em que exercem as suas actividades.

28 Quanto, em especial, ao artigo 48._, n._ 3, do Tratado, o Governo espanhol precisa que há ainda que ter em conta o facto de os agentes de segurança poderem utilizar armas e outros meios de defesa para prestarem os seus serviços e de deverem, regra geral, usar uniforme. Além disso, estão investidos de determinadas prerrogativas que podem afectar os direitos e as liberdades dos cidadãos.

29 Em terceiro lugar, o Governo espanhol considera que as disposições em litígio se justificam por razões imperiosas, articuladas com um interesse geral e consistentes na necessidade, por um lado, de garantir numa medida satisfatória a segurança das pessoas e bens e, por outro, de precisar os contornos da faculdade dada aos cidadãos de criarem ou de utilizarem serviços privados de segurança. No âmbito desta argumentação, o Governo espanhol invoca, além disso, as razões profundas em que se baseia o serviço de segurança, a necessidade de prevenir delitos, de contribuir para a manutenção da segurança pública, de impedir usurpações e de assegurar o respeito de exigências fundamentais, a ausência de normas de homologação, o perigo de uma formação insuficiente dos guardas, o risco de irregularidades no exercício das suas funções e de prática de numerosas infracções, a necessidade de assegurar que a defesa da segurança não constitua ocasião de agressões, de actos coercivos, de desrespeito de direitos ou de intromissão nas esferas jurídicas e patrimoniais de outras pessoas, bem como a necessidade de velar pela protecção dos beneficiários do serviço e da ordem social.

Apreciação do Tribunal

30 Há que salientar que, como o próprio Governo espanhol reconhece, os artigos 7._, 8._ e 10._ da lei implicam restrições à liberdade de estabelecimento, à livre prestação de serviços e à livre circulação de trabalhadores.

I - Quanto à condição de nacionalidade (artigos 7._ e 10._ da lei)

31 Deve dizer-se, em primeiro lugar, que a condição de nacionalidade imposta às empresas pelo artigo 7._ da lei impede as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros de exercerem as suas actividades em Espanha, através de uma sucursal ou de uma agência. Seguidamente, o artigo 10._ da lei constitui obstáculo a que os nacionais de outros Estados-Membro exerçam, como assalariados ou como independentes e de maneira permanente, a actividade de segurança privada em Espanha. Finalmente, estas mesmas disposições impedem os nacionais de outros Estados-Membros de efectuarem serviços de segurança privada em Espanha.

32 É, todavia, conveniente examinar se estes entraves não são justificados pelas derrogações previstas pelo Tratado, nomeadamente pelos artigos 48._, n._ 4, 55._, primeiro parágrafo, e 66._ do Tratado, por um lado, e pelos artigos 48._, n._ 3, 56._, n._ 1, e 66._ do Tratado, por outro.

Quanto aos artigos 48._, n._ 4, 55._, primeiro parágrafo, e 66._ do Tratado

33 Quanto ao artigo 48._, n._ 4, do Tratado, deve dizer-se que as empresas de segurança privada não fazem parte da administração pública e que, portanto, esta disposição não é aplicável no caso em apreço.

34 Quanto à excepção prevista no artigo 55._, primeiro parágrafo, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado, deve recordar-se que, como derrogação à regra fundamental da liberdade de estabelecimento, deve ter uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que esta disposição permite aos Estados-Membros proteger (acórdão de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, 147/86, Colect., p. 1637, n._ 7).

35 Assim, segundo uma jurisprudência constante, a derrogação que essa disposição prevê deve restringir-se às actividades que, consideradas em si próprias, constituam uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública (acórdãos de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect., p. 325, n._ 45, e de 13 de Julho de 1993, Thijssen, C-42/92, Colect., p. I-4047, n._ 8).

36 No caso presente, resulta dos autos que a actividade das empresas e do pessoal de segurança tem por objecto assegurar missões de vigilância e de protecção com base em relações de direito privado.

37 Ora, o exercício desta actividade não implica que as empresas e o pessoal de segurança estejam investidos de poderes de coerção. Com efeito, a simples contribuição para a manutenção da segurança pública, que todo e qualquer indivíduo pode ser chamado a dar, não constitui um exercício da autoridade pública.

38 Além disso, como demonstrou o advogado-geral nos n.os 26 e 27 das suas conclusões, a legislação espanhola estabelece uma distinção nítida entre as missões confiadas às empresas e ao pessoal de segurança e as reservadas às forças e corpos de segurança. Se os primeiros são, em situações bem determinadas, chamados a assistir os segundos, trata-se aí apenas de funções auxiliares.

39 Daí resulta que as empresas e o pessoal de segurança privada não participam directa e especificamente no exercício da autoridade pública e que a excepção prevista no artigo 55._, primeiro parágrafo, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado, não se aplica no presente caso.

Quanto aos artigos 48._, n._ 3, 56._, n._ 1, e 66._ do Tratado

40 Deve recordar-se que a condição de nacionalidade imposta às empresas e ao pessoal de segurança pelos artigos 7._ e 10._ da lei exclui o exercício, por uma pessoa ou por uma empresa que tenham a nacionalidade de outro Estado-Membro, de actividades de segurança privada.

41 Uma tal exclusão geral do acesso a determinadas actividades profissionais só pode ser justificada por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública, referidas nos artigos 48._, n._ 3, e 56._ do Tratado.

42 Com efeito, a faculdade de os Estados-Membros limitarem a livre circulação de pessoas por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública não tem por objecto colocar sectores económicos, como o da segurança privada, ao abrigo da aplicação deste princípio, do ponto de vista do acesso ao emprego, antes visa permitir que os Estados-Membros recusem o acesso ou a estadia no seu território a pessoas cujo acesso ou estadia nesses territórios constitua, como tal, um perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública (v., no que diz respeito à saúde pública, acórdão de 7 de Maio de 1986, Gül, 131/85, Colect., p. 1573, n._ 17).

43 Este raciocínio vale a fortiori para as razões imperiosas de interesse geral que o Governo espanhol invoca para justificar a condição de nacionalidade.

II - Quanto à condição de residência (artigo 8._ da lei)

44 Há que reconhecer, em primeiro lugar, que a regra segundo a qual os administradores e os directores de todas as empresas de segurança devem residir em Espanha constitui um obstáculo à liberdade de estabelecimento (v., a este respeito, acórdão de 25 de Julho de 1991, Factortame e o., C-221/89, Colect., p. I-3905, n._ 32) e à livre prestação de serviços.

45 Deve observar-se, seguidamente, que esta condição não é necessária para garantir a segurança pública no Estado-Membro em causa e que não é, por conseguinte, abrangida pela derrogação prevista no artigo 56._, n._ 1, conjugado, eventualmente, com o artigo 66._ do Tratado.

46 Com efeito, o recurso a esta justificação pressupõe a existência de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade (v., em relação à ordem pública, acórdão Bouchereau, já referido, n._ 35).

47 Ora, contrariamente ao que pretende o Governo espanhol, não se pode afirmar que esta ameaça resulte da impossibilidade em que se encontram as autoridades espanholas, na falta da norma em litígio, de efectuarem um controlo eficaz das actividades exercidas pelas empresas de segurança privada. Com efeito, podem ser feitos controlos e podem ser aplicadas sanções a toda e qualquer empresa estabelecida num Estado-Membro, qualquer que seja o lugar de residência dos seus dirigentes. Além disso, o pagamento de uma eventual sanção pode ser garantido através da constituição de uma caução prévia (v., neste sentido, acórdão de 7 de Maio de 1998, Clean Car Autoservice, C-350/96, Colect., p. I-2521, n._ 36).

48 Resulta de tudo o que precede que, ao manter em vigor os artigos 7._, 8._ e 10._ da Lei 23/1992, de 30 de Julho de 1992, na medida em que sujeitam a concessão da autorização para exercer as actividades de segurança privada, no caso das empresas de segurança, à condição de estas possuírem a nacionalidade espanhola e de os seus administradores e directores terem a sua residência em Espanha e, no caso do pessoal de segurança, à condição de este possuir a nacionalidade espanhola, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

49 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal for requerido. Tendo o Reino de Espanha sido vencido, e tendo a Comissão feito um pedido nesse sentido, há que condenar o primeiro nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção)

decide:

50 Ao manter em vigor os artigos 7._, 8._ e 10._ da Lei 23/1992, de 30 de Julho de 1992, na medida em que sujeitam a concessão da autorização para exercer as actividades de segurança privada, no caso das empresas de segurança, à condição de estas possuírem a nacionalidade espanhola e de os seus administradores e directores terem a sua residência em Espanha e, no caso do pessoal de segurança, à condição de este possuir a nacionalidade espanhola, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 48._, 52._ e 59._ do Tratado CE.

51 O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

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