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Document 61997CC0185

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 2 de Abril de 1998.
    Belinda Jane Coote contra Granada Hospitality Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial: Employment Appeal Tribunal, London - Reino Unido.
    Directiva 76/207/CEE do Conselho - Recusa de uma entidade patronal de fornecer referências a um ex-assalariado despedido.
    Processo C-185/97.

    Colectânea de Jurisprudência 1998 I-05199

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:163

    61997C0185

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 2 de Abril de 1998. - Belinda Jane Coote contra Granada Hospitality Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: Employment Appeal Tribunal, London - Reino Unido. - Directiva 76/207/CEE do Conselho - Recusa de uma entidade patronal de fornecer referências a um ex-assalariado despedido. - Processo C-185/97.

    Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-05199


    Conclusões do Advogado-Geral


    1 No quadro de um litígio que opõe B. Coote à Granada Hospitality Ltd, o Employment Appeal Tribunal submeteu-nos as seguintes questões prejudiciais:

    «1) A Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (1), exige que os Estados-Membros prevejam, no seu direito interno, medidas que possibilitem a uma reclamante dar sequência à sua reclamação mediante processo judicial, nas seguintes circunstâncias:

    i) a demandante era empregada do demandado;

    ii) na vigência da relação de trabalho, a demandante intentou uma acção contra o demandado, por discriminação sexual, acção que terminou por acordo;

    iii) terminada a relação de trabalho, a demandante procurou encontrar trabalho a tempo inteiro, mas sem sucesso;

    iv) o demandado causou ou contribuiu para as dificuldades da demandante em encontrar trabalho, ao recusar dar referências aos potenciais empregadores, quando lhe foram pedidas;

    v) a decisão da entidade patronal de recusar dar referências foi tomada depois de terminada a relação de trabalho da demandante;

    vi) o motivo, ou um dos principais motivos, para a decisão da entidade patronal de recusar referências à demandada foi o facto de esta ter anteriormente intentado contra ela uma acção judicial por discriminação em razão do sexo.

    2) A Directiva 76/207/CEE do Conselho, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, exige que os Estados-Membros prevejam, no seu direito interno, as medidas necessárias para possibilitar a qualquer pessoa a propositura duma acção judicial nas circunstâncias referidas no n._ 1, com as seguintes ressalvas:

    i) a decisão do demandado de recusar dar referências foi tomada antes do termo da relação de trabalho da demandante; mas

    ii) a recusa ou as recusas efectivas de dar referências verificou-se/verificaram-se após o fim da relação de trabalho?»

    2 Em resumo, o Employment Appeal Tribunal pretende, portanto, saber se, por força da Directiva 76/207 (a seguir «directiva»), os Estados-Membros são obrigados a introduzir as medidas necessárias para permitir a um trabalhador agir judicialmente contra a sua antiga entidade patronal, no caso em que considere que a recusa de este último lhe fornecer referências, úteis para a procura de um novo emprego, é fundamentada pelo facto de a referida entidade patronal lhe reprovar de ter proposto contra ela uma acção por causa de discriminação baseada no sexo.

    3 Submetendo-nos esta questão, o Employment Appeal Tribunal leva-nos a apreciar mais uma vez um texto que nos é familiar, tal como atesta a abundante jurisprudência a que deu lugar. Esta familiaridade não significa, no entanto, que a resposta se imponha com evidência, tanto mais que o exame das razões pelas quais é solicitada a nossa apreciação deixa transparecer que as questões submetidas englobam, na realidade, dois problemas, que me parece necessário distinguir. Eis por que julgo útil começar por lembrar os dados essenciais do litígio, tal como se apresenta no órgão jurisdicional nacional.

    O litígio no processo principal e o direito nacional

    4 B. Coote esteve empregada na Granada Hospitality Ltd (a seguir «Granada»), de Dezembro de 1992 a Setembro de 1993. Em 1993, intentou uma acção por discriminação baseada no sexo, com o fundamento de que tinha sido despedida devido à sua gravidez. Esta acção extinguiu-se na sequência de uma transacção entre B. Coote e a sua antiga entidade patronal. Em Julho de 1994, B. Coote tentou encontrar novo emprego, dirigindo-se às agências de colocação. Este regresso ao mercado de trabalho enfrentou dificuldades, que a interessada imputa ao facto de a sua antiga entidade patronal ter recusado fornecer referências a uma das agências de colocação, o que a Granada contesta. B. Coote intentou então uma acção no Industrial Tribunal, alegando que tinha sido lesada pela recusa da Granada em fornecer referências. Esta acção foi julgada improcedente, tendo-se o Industrial Tribunal julgado incompetente, em virtude de a pretensa discriminação, invocada por B. Coote, a supô-la demonstrada, se ter produzido após a extinção da relação de trabalho.

    5 Neste estado da exposição, é necessário debruçarmo-nos sobre as disposições do direito do Reino Unido relativas à proibição de toda e qualquer discriminação contra trabalhadores em razão do sexo a que pertencem e sobre a interpretação que os órgãos jurisdicionais nacionais dela fazem. A Section 4 do Sex Discrimination Act apresenta, com efeito, a particularidade de equiparar, em tudo, a uma discriminação em razão do sexo o tratamento menos favorável que uma entidade patronal reserva a um assalariado em virtude de este último ter intentado uma acção com vista a obter o reconhecimento judicial de que foi vítima de uma discriminação baseada no sexo. Por outras palavras, a medida de retorsão que uma entidade patronal adopta contra um assalariado que invocou a proibição de qualquer discriminação em função do sexo é em si mesma considerada como uma violação da referida proibição.

    6 Trata-se evidentemente de uma disposição muito proteccionista. Por um lado, garante, assegurando-lhe a impunidade, àquele que tiver ousado afrontar a sua entidade patronal, arguindo que esta efectua discriminações em função do sexo, que não terá de se arrepender da sua audácia. Por outro lado, é susceptível de dissuadir os empregadores de sucumbir à tentação de represálias. Tendo em conta esta disposição do direito nacional, B. Coote, a supor que estivesse provado que houvera recusa de referências por parte da Granada e que esta recusa tenha constituído uma medida de retorsão, deveria ganhar a acção que intentou, sem que o tribunal tivesse de se interrogar sobre a interpretação da directiva. Se tal não foi o caso, é porque o tribunal nacional se encontrou confrontado com um problema de âmbito de aplicação ratione temporis do Sex Discrimination Act. Este é, com efeito, interpretado pelos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, à semelhança do Race Relations Act, que proíbe as discriminações raciais, no sentido de que não se aplica às discriminações que um empregador exerça em relação a ex-assalariados. B. Coote, despedida em 1993, não podia, portanto, prevalecer-se do Sex Discrimination Act para intentar uma acção em 1994. E foi por ter dúvidas quanto à questão de saber se a directiva está correctamente transposta para a lei nacional, que proíbe a discriminação apenas na altura do recrutamento e durante a relação de trabalho, e só prevê o direito de recurso jurisdicional em benefício do assalariado quando a discriminação se inscreve nesse contexto, que o tribunal nacional recorreu ao reenvio prejudicial.

    7 O facto de esta questão do âmbito de aplicação ratione temporis das proibições que o legislador deve decretar para transpor a directiva estar, na verdade, no centro do litígio submetido ao órgão jurisdicional nacional, é confirmado pela própria redacção da questão prejudicial. Visando apenas os casos em que a recusa efectiva de fornecer referências teve lugar após o termo do período de emprego, aquela opera, com efeito, uma distinção entre a hipótese de a entidade patronal ter tomado a decisão de recusar fornecer referências após o termo do período de emprego de quem delas teria necessidade e a hipótese de a decisão de recusa ter ocorrido antes do termo do período de emprego.

    O fornecimento de referências cairá no âmbito de aplicação da directiva?

    8 Creio que, se pretendermos fornecer ao órgão jurisdicional uma resposta que vá verdadeiramente ao encontro das suas preocupações, devemos abordar, em primeiro lugar, a questão de saber se o fornecimento de referências cai no âmbito de aplicação da directiva. Por minha parte, estou convencido de que é esse efectivamente o caso, o que não significa, no entanto, que adira em tudo às observações da Comissão sobre esta questão.

    9 A Comissão sustenta, com efeito, que o fornecimento de referências cai, ao mesmo tempo, no âmbito de aplicação do artigo 3._ da directiva e no do seu artigo 5._

    10 O artigo 3._, recordemo-lo, enuncia no seu n._ 1 que «A aplicação do princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo nas condições de acesso, incluindo os critérios de selecção, a empregos ou a postos de trabalho, seja qual for o sector ou o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional.» A Comissão apoia-se no acórdão Meyers (2) para afirmar que, uma vez que é susceptível de facilitar o acesso ao emprego, o fornecimento das referências releva dessa disposição.

    11 Pela minha parte, entendo que a conexão com o artigo 3._ supõe uma interpretação muito elaborada deste, cuja oportunidade me parece duvidosa, uma vez que não é necessária para concluir pela inclusão do fornecimento de referências no âmbito de aplicação da directiva. Creio que se trilha um percurso muito mais seguro, se se incluir o fornecimento de referências no âmbito de aplicação do artigo 5._ da directiva, que visa as condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento.

    12 Ninguém poderá, com efeito, contestar que a apreciação feita pelo empregador em relação à qualidade dos serviços prestados, pois é precisamente disso que se trata quando estão em causa referências que podem servir para encontrar um novo emprego, se inscreve perfeitamente no quadro das relações que se estabelecem entre o assalariado e a sua entidade patronal. Sem querer ir até ao ponto de pretender que se trata quase de um acessório da remuneração, podendo o assalariado pretender obter ao mesmo tempo, em troca dos bons e leais serviços, uma contrapartida pecuniária e uma contrapartida imaterial sob a forma de elogios, entendo que o serviço que presta a entidade patronal ao fornecer ao seu assalariado o apoio que as referências constituem não pode ser desligado das relações de trabalho e, em todo o caso, não o pode ser das condições de despedimento, que o acórdão Burton (3) afirmou deverem ser entendidas em sentido amplo.

    A extinção da relação de trabalho fará desaparecer a protecção assegurada pela directiva?

    13 No que toca ao problema do momento em que ocorre a decisão da entidade patronal quanto ao fornecimento de referências, entendo que não é relevante quando estamos no âmbito de aplicação do artigo 5._ Se é verdade que, na maior parte dos casos, as referências serão fornecidas após a extinção da relação de trabalho, isto é, após a demissão ou o despedimento, não está totalmente excluído que o sejam durante a execução do contrato de trabalho. Basta pensar no caso do assalariado que, porque o seu cônjuge encontrou um emprego noutra região ou, conservando, no entanto, o seu emprego, foi transferido pela sua entidade patronal para uma outra região, prepara a sua própria deslocação para essa região e começa, portanto, a prospectar o mercado de trabalho. Este assalariado vai certamente pedir à sua entidade patronal actual que lhe forneça referências para eventuais futuras entidades patronais.

    14 Seria inteiramente injustificado que a aplicação do princípio da não discriminação em função do sexo a uma decisão de fornecer ou não referências dependesse do momento em que essa decisão é tomada, ou do momento em que se concretiza quer pela entrega de referências quer pela recusa explícita de as fornecer. Salvo no caso acima invocado, em que o assalariado planifica a sua mudança de entidade patronal, o momento em que o assalariado tem verdadeiramente necessidade de referências é precisamente aquele em que, tendo terminado o seu contrato de trabalho, se põe à procura de um novo emprego. Privá-lo, nesse momento, da protecção que a directiva lhe pretende assegurar, pela razão de que se trata de uma discriminação imputável a uma antiga entidade patronal, com a qual já não tem vínculo contratual, seria particularmente inoportuno e contrário ao espírito da directiva. Recordemos que esta, aliás, pretendeu, no seu artigo 3._, proteger o trabalhador contra as discriminações em razão do sexo que pretendesse efectuar uma futura entidade patronal com a qual, por definição, não há ainda qualquer relação contratual.

    15 A jurisprudência do Tribunal de Justiça, aliás, tem sempre considerado, no que tange à igualdade de remuneração, que a proibição de a entidade patronal efectuar discriminações em razão do sexo entre os seus assalariados não cessa de produzir os seus efeitos com o termo do contrato de trabalho. Particularmente claro, a esse propósito, é o acórdão Kowalska (4), em que o Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que havia que fazer aplicação do artigo 119._ do Tratado a prestações pagas após a cessação da relação de trabalho. Nada justificaria que acontecesse de outra forma com a directiva relativa à igualdade de tratamento.

    16 Considero, portanto, que uma entidade patronal não poderá, quando se tratar de fornecer referências relativas a um dos seus assalariados, efectuar uma discriminação em razão do sexo, e isto qualquer que seja o momento, durante ou após a relação de trabalho, em que adopta uma decisão a esse respeito e qualquer que seja o momento em que essas referências lhe são pedidas.

    17 Acrescentaria três esclarecimentos, para evitar eventuais mal-entendidos. O primeiro para sublinhar que, bem entendido, a proibição de discriminação no caso de a entidade patronal fornecer referências não toma partido quanto à existência de uma obrigação de fornecer referências. Tal como reconhece a Comissão, a própria directiva não cria qualquer obrigação nesse sentido. Por outras palavras, só quando é obrigada, quer por uma disposição legislativa quer por uma disposição contratual, explícita ou implícita, a fornecer referências, ou quando segue uma prática consistente em anuir aos pedidos de referências, é que a entidade patronal deve respeitar o princípio da igualdade.

    18 Mas, como já sublinhou o acórdão Garland (5), proferido a propósito de vantagens em matéria de transporte concedidas por uma entidade patronal aos seus antigos assalariados sem que a isso fosse obrigada por contrato, está fora de questão dispensar as entidades patronais de respeitarem o princípio da igualdade de tratamento quando concedem, com base estritamente voluntária, vantagens aos seus assalariados, pois é no conjunto das relações de trabalho que são excluídas todas as discriminações em função do sexo.

    19 Para não ignorar qualquer hipótese, acrescentarei que, no caso de uma entidade patronal ter apenas um assalariado, o facto de recusar a este referências em razão do seu sexo seria ainda uma violação do princípio da não discriminação em função do sexo.

    20 Em segundo lugar, deve esclarecer-se que o facto de o fornecimento de referências a antigos assalariados relevar do âmbito de aplicação da directiva não interfere de maneira nenhuma com eventuais regras do direito nacional relativas à extensão da obrigação da entidade patronal de fornecer tais referências, tal como uma regra que, por razões práticas, limitasse no tempo essa obrigação, prevendo, por exemplo, que o direito de obter referências só pode exercer-se durante o primeiro ano que se segue à extinção da relação de trabalho.

    21 Finalmente, terceiro esclarecimento: a entidade patronal continua inteiramente livre na sua apreciação da qualidade dos serviços prestados, desde que se mantenha nos limites do que impõe o dever de objectividade.

    22 Se não se tratasse de dissipar as dúvidas do órgão jurisdicional nacional quanto ao âmbito de aplicação ratione temporis da proibição de discriminação em função do sexo, que a directiva consagra, poderia ficar por aqui no meu raciocínio, pois cheguei à conclusão de que o fornecimento de referências a um assalariado, que releva do âmbito de aplicação da directiva tal como definido pelo seu artigo 5._, continua sujeito à referida proibição qualquer que seja o momento em que se coloca, durante ou após a relação contratual de trabalho. Mas a questão do órgão jurisdicional nacional, tal como é formulada, não mo permite, na medida em que dá relevo à circunstância de a recusa de fornecer referências constituir uma medida de retorsão subsequente a uma acção judicial proposta pelo interessado para obter o respeito do princípio da igualdade de tratamento e nos pergunta se, em tal circunstância, os Estados-Membros têm a obrigação de introduzir na sua ordem jurídica as medidas necessárias para permitir ao assalariado, que se julgue lesado, fazer valer os seus direitos em justiça.

    A recusa de referências enquanto medida de retorsão

    23 Por outras palavras, a obrigação de proporcionar vias de recurso prevista pelo artigo 6._ da directiva existirá também na hipótese de o assalariado se julgar vítima não de uma discriminação em razão do sexo mas de uma medida de retorsão que tem a sua origem no facto de ter usado do seu direito de recurso para denunciar uma discriminação em função do sexo que tenha sofrido?

    24 A essa questão, a resposta só pode, em minha opinião, ser negativa. Com efeito, o exame das disposições da directiva deixa transparecer claramente que o legislador comunitário, embora perfeitamente consciente do facto de a reivindicação da igualdade dos sexos ser susceptível de irritar certas entidades patronais, a ponto de eles enveredarem pela via das represálias, pretendeu apenas tomar em consideração uma única medida de retorsão, a mais grave mas talvez a mais rara, «o despedimento».

    25 Esta tomada em consideração traduziu-se no artigo 7._ da directiva, nos termos do qual «Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para proteger os trabalhadores contra qualquer despedimento que constitua reacção do empregador a uma queixa formulada a nível da empresa ou a uma acção judicial com o fim de fazer respeitar o princípio da igualdade de tratamento.»

    26 Pode ser-se de opinião de que, ao não obrigar os Estados-Membros a assegurar uma protecção contra as outras formas de retorsão a que podem ser tentadas a recorrer as entidades patronais, ofuscadas por terem sido obrigadas a responder perante um órgão jurisdicional pelo seu comportamento, à luz da proibição de discriminação em função do sexo, o legislador comunitário se mostrou tímido.

    27 Não é, no entanto, possível, a partir de tal constatação e dos descontentamentos legítimos que pode originar, construir um raciocínio jurídico que leve a descobrir na directiva obrigações impostas aos Estados-Membros que nela não figuram.

    28 Uma medida de retorsão diferente do despedimento não confere direito a um recurso jurisdicional, salvo, bem entendido, se se verificar que é em função do sexo do assalariado, que teve a «veleidade» de fazer valer o seu direito à igualdade de tratamento, que a entidade patronal recorre às medidas de retorsão.

    29 Nesse caso, com efeito, encontrar-nos-íamos de novo na presença de uma discriminação directamente baseada no sexo, feita no quadro das relações de trabalho, e aplicar-se-ia o artigo 6._ da directiva.

    30 No entanto, tal não parece, infelizmente para ela, ser a situação de B. Coote, ou pelo menos a interessada não alegou que as represálias exercidas pela sua antiga entidade patronal fossem selectivas, sendo vítimas delas apenas as mulheres.

    31 Reconheço sem esforço que, se não houvesse o artigo 7._, que, como sublinha muito justamente o Governo do Reino Unido, traduz uma escolha política clara, teria sido possível perguntar-se se o artigo 6._ não deveria ser interpretado no sentido de que é necessário não somente, como o Tribunal declarou no processo Von Colson e Kamann (6), que o recurso possa permitir aos assalariados discriminados obter uma reparação efectiva mas também que o seu exercício não possa desencadear represálias.

    32 Tal raciocínio inscrever-se-ia na linha jurisprudencial, rica de potencialidades, que faz apelo à noção de efeito útil. Poder-se-ia considerar que a eficácia do direito de recurso previsto pelo artigo 6._ seria nitidamente reforçada, se não pairasse sobre o demandante ousado a ameaça de medidas de retorsão, e daí deduzir uma obrigação de os Estados-Membros conferirem direito de recurso à vítima dessas medidas. Mas a presença do artigo 7._ parece-me não deixar qualquer espaço para tal construção.

    33 Também não há lugar para uma interpretação que fizesse das medidas de retorsão uma discriminação indirecta em função do sexo, na acepção do artigo 2._ da directiva, que, lembremo-lo, enuncia, no seu n._ 1, que «O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.»

    34 Com efeito, estou persuadido de que, neste artigo, por «indirectamente», deve entender-se que, se bem que não sejam explicitamente trabalhadores de um sexo determinado que são visados por esta ou aquela regra ou medida, é, na realidade, possível rasgar o véu das aparências e identificar com certeza o sexo em causa.

    35 A precisão «nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar» parece-me não deixar pairar qualquer dúvida a esse respeito. Ora, parece que não estamos numa tal hipótese no caso de B. Coote. As questões que nos são submetidas põem, com efeito, o acento no facto de as referências, se é verdade que foram efectivamente recusadas, o terem sido porque ela intentou uma acção contra a sua entidade patronal e não porque é mulher.

    36 Não poderá, portanto, considerar-se que a directiva impõe aos Estados-Membros a obrigação de introduzirem, na sua ordem jurídica interna, as medidas necessárias para permitir ao assalariado, que se julgue lesado por proceder judicialmente, fazer valer os seus direitos numa hipótese como a do comportamento, com toda a evidência moralmente condenável, que teria adoptado a antiga entidade patronal de B. Coote.

    Conclusão

    37 Proponho, finalmente, que o Tribunal de Justiça articule a sua resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Employment Appeal Tribunal, da seguinte forma:

    «1) A proibição de qualquer discriminação em razão do sexo, que consagra a Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, estende-se ao fornecimento pela entidade patronal de referências aos seus assalariados. Não tem relevância a este propósito:

    - que a recusa efectiva de fornecer referências tenha lugar durante o período de emprego ou após o termo deste;

    - que o empregador tenha tomado a decisão antes ou depois do termo do período de emprego.

    2) A Directiva 76/207 não obriga, no entanto, os Estados-Membros a introduzirem na sua ordem jurídica interna as medidas necessárias para permitir a um assalariado fazer valer judicialmente os seus direitos contra a sua antiga entidade patronal que recusou anuir a um pedido de referências a seu respeito, quando essa recusa constitua uma medida de retorsão, na sequência de uma acção judicial intentada pelo assalariado contra a sua entidade patronal para fazer respeitar a igualdade de tratamento entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos.»

    (1) - JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70.

    (2) - Acórdão de 13 de Julho de 1995 (C-116/94, Colect., p. I-2131).

    (3) - Acórdão de 16 de Fevereiro de 1982 (19/81, Recueil, p. 555, n._ 9).

    (4) - Acórdão de 27 de Junho de 1990 (C-33/89, Colect., p. I-2591).

    (5) - Acórdão de 9 de Fevereiro de 1982 (12/81, Recueil, p. 359).

    (6) - Acórdão de 10 de Abril de 1984 (14/83, Recueil, p. 1891). «Decorre [do artigo 6._] que os Estados-Membros são obrigados a tomar medidas que sejam suficientemente eficazes para atingir o objectivo da directiva e a agir de forma a que estas medidas possam ser efectivamente invocadas perante os tribunais nacionais pelas pessoas afectadas» (n._ 18).

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