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Document 61997CC0156

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 23 de Novembro de 1999.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Van Balkom Non-Ferro Scheiding BV.
    Cláusula compromissória - Rescisão de contrato - Direito à restituição das quantias adiantadas.
    Processo C-156/97.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-01095

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:576

    61997C0156

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 23 de Novembro de 1999. - Comissão das Comunidades Europeias contra Van Balkom Non-Ferro Scheiding BV. - Cláusula compromissória - Rescisão de contrato - Direito à restituição das quantias adiantadas. - Processo C-156/97.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-01095


    Conclusões do Advogado-Geral


    1 Ao abrigo da competência conferida pelo artigo 181._ do Tratado CE (actual artigo 238._ CE), foi proposta uma acção no Tribunal de Justiça pela Comissão das Comunidades Europeias, que pede que a sociedade Van Balkom Non-Ferro Scheiding BV (a seguir «Balkom»), com quem celebrou um contrato, seja condenada a restituir-lhe o recebido a mais, acrescido de juros.

    2 O contrato em causa foi celebrado no quadro do Regulamento (CEE) n._ 3640/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativo à promoção de projectos de demonstração e de projectos/piloto industriais no domínio da energia (1). O referido contrato foi celebrado pela Comissão, em 4 de Dezembro de 1990, com três sociedades para a realização por estas, mediante apoio financeiro concedido pela Comunidade, de projecto para a produção de energia a partir de detritos triturados de veículos automóveis.

    3 As referidas sociedades são:

    - Balkom, com sede em Oss (Países Baixos),

    - Van Balkom Seeliger GmbH (a seguir «VBS»), com sede em Heidelberg (Alemanha),

    todas representadas na assinatura do contrato pelo seu director Antoon van Balkom,

    e

    - Deutsche Filterbau GmbH, com sede em Dusseldórfia (Alemanha) (a seguir «DF»).

    4 Nos termos do contrato, as mencionadas sociedades constituem, em relação à Comunidade, devedores solidários. O apoio financeiro da Comunidade para a realização do projecto foi fixado em 17% do seu custo real, sem IVA, com um limite máximo de 987 343 ecus.

    5 O artigo 8._ do contrato prevê a possibilidade de rescisão do contrato pela Comissão, se as empresas contratantes não cumprirem as respectivas obrigações, dispondo o seu artigo 9._, primeiro parágrafo, que:

    «O presente contrato pode ser denunciado por qualquer das partes signatárias se o programa de trabalho previsto no anexo I se tornar caduco devido, nomeadamente, a insucesso técnico ou económico previsível, ou a aumento excessivo dos custos do projecto relativamente às previsões».

    e, no seu terceiro parágrafo, que:

    «Se de um controlo resultar que os montantes pagos pela Comissão são demasiado elevados, a importância indevidamente paga deve ser imediatamente restituída pelo contratante, acrescida de juros devidos a partir da data do encerramento ou do acabamento dos trabalhos previstos no contrato.»

    6 Nos termos do artigo 13._ do contrato, as partes concordaram em submeter ao Tribunal de Justiça todos os conflitos do contrato resultantes, e que tenham por objecto a sua validade, interpretação e aplicação. Todavia, conforme disposto no seu artigo 14._, o contrato está sujeito à lei alemã. O seu anexo I contém um programa de trabalho, articulado em cinco fases: «Engenharia», «Produção e entrega», «Instalação», «Demonstração» e «Relatório final e documentação», estando o seu termo previsto para 30 de Junho de 1993, prazo que as partes no contrato se comprometeram a respeitar, conforme disposto no seu artigo 2._

    7 A execução do contrato conheceu vicissitudes diversas, que levaram a Comissão a usar, em 16 de Agosto de 1994, da faculdade de rescisão, que se baseia no já referido artigo 9._, e a exigir, em 29 de Novembro de 1994, que a Balkom lhe restitua um montante de 334 481 ecus, juros incluídos. Para o efeito, emitiu, em 8 de Fevereiro de 1995, um pedido de restituição.

    8 As diversas vicissitudes podem resumir-se no seguinte:

    Em princípios de 1991, a Comissão pagou à VBS, conforme previsto no anexo II do contrato, o montante de 296 203 ecus, a título de adiantamento. Em 21 de Agosto do mesmo ano, DF enviou uma carta à Comissão comunicando-lhe que não estava em condições de participar no projecto uma vez que, após medidas tomadas no grupo de sociedades a que pertence, deixara de dispor da licença referente à tecnologia a empregar.

    9 Nesta carta, cuja cópia foi enviada à VBS, comunica que as alterações contratuais necessárias para a sua retirada do contrato serão efectuadas com a VBS.

    10 Em 26 de Agosto de 1991, a VBS informou a Comissão da retirada do contrato da DF e comunicou-lhe que a tecnologia com que a DF deveria contribuir pertence hoje a uma outra sociedade do mesmo grupo, a Deutsche Engineering der Voest-Alpine Industrieanlagenbau GmbH (Essen) (a seguir «DE»), com quem a VBS entrou em contacto, pelo que a prossecução do projecto está, em seu entender, totalmente assegurada.

    11 Na mesma carta, a VBS garante que decorrem negociações, com a DF e outra sociedade, para a elaboração das disposições contratuais necessárias e que a Comissão será cabalmente informada do seu desenvolvimento.

    12 Ainda na mesma carta, a VBS refere que o respeito pelos seus compromissos não está de modo algum em causa («Selbstverständlich wird sich an der Einhaltung unserer Verpflichtungen gegenüber der EG-Kommission im Rahmen des Demonstrationsvorhabens nichts ändern») e que, atentas as negociações em curso, deve ter-se como adquirido que todos os compromissos da DF serão aceites pelo novo parceiro.

    13 A VBS expõe no entanto algumas dificuldades que encontrou ao nível da autorização de construção em Heidelberg das instalações previstas no contrato, que impossibilitam o cumprimento do calendário de trabalhos previsto, cuja alteração proporá.

    14 Para todos os efeitos úteis, iniciou já diligências para dispor de outro local, na Turíngia.

    15 Em 7 de Outubro de 1991, a VBS enviou à Comissão os primeiros relatórios, técnico e financeiro, previstos no contrato, referindo-se mais uma vez às dificuldades com que se debate para obter a necessária autorização administrativa para implantação das instalações técnicas. Face a este relatório, a Comissão fez o adiantamento de 39 169 ecus à VBS.

    16 Em 29 de Outubro de 1992, a VBS enviou à Comissão os segundos relatórios, técnico e financeiro, indicando, por um lado, que a sociedade-mãe da DF e da DE se tinham retirado do sector da gaseificação a alta temperatura, pelo que encontrou um novo colaborador, a Veba Oel Technologie GmbH, cuja participação espera ser aceite pela Comissão e, por outro, que o projecto deverá sofrer determinadas alterações técnicas, em virtude do recurso a uma tecnologia diferente.

    17 No entanto, algumas semanas mais tarde, a VBS escreve, com assinatura de Van Balkom, informando a Comissão de que, por diferentes razões, não está em condições de participar na realização do projecto e que, portanto, dele se retira, renunciando a todos os direitos que lhe possam resultar do contrato relativamente à Comissão.

    18 Afirma igualmente que transmitirá tanto o conjunto dos documentos como os conhecimentos adquiridos à Balkom para a prossecução do projecto, e solicita o acordo da Comissão quanto a estas medidas.

    19 Em nova carta de 16 de Fevereiro de 1993, a VBS pede à Comissão que proceda aos cálculos dos montantes com base no segundo relatório financeiro e dá conta de dificuldades financeiras em que se encontra a Balkom, que a impossibilitam da eventual restituição do recebido a mais.

    20 Em 9 de Março de 1993, a Comissão envia uma carta a Van Balkom, considerado como director da Balkom, para, na sequência do encontro em que participou em 3 de Março, fazer o ponto sobre a situação do projecto.

    21 Segundo a Comissão, a situação é a seguinte:

    - A VBS e a DF retiram-se do projecto devido a dificuldades económicas,

    - A Balkom prossegue com o projecto nas seguintes condições:

    - apresentação de uma versão alterada do anexo técnico do contrato,

    - obtenção da autorização para construir as instalações o mais tardar até 31 de Dezembro de 1993,

    - não realização, até aquela data, de quaisquer adiantamentos de fundos pela Comissão.

    Por fim, a Comissão reserva-se o direito de rescindir o contrato com base no respectivo artigo 9._ se o prazo fixado não for cumprido.

    Foi enviada cópia desta carta ao responsável do projecto na VBS.

    22 Em 27 de Setembro de 1993, Van Balkom, na qualidade de liquidador da VBS, escreveu à Comissão informando-a de uma série de acontecimentos. Trata-se, em primeiro lugar, da decisão judicial que recusa à VBS, por insuficiência de activo, a abertura de processo de falência e, em segundo lugar, das graves dificuldades da Balkom, na sequência das do grupo a que pertence.

    23 Em situação de insolvabilidade, a recuperação da Balkom só foi possível mediante acordo entre os credores e o seu banco e pela chegada de um novo investidor, que acabou por se retirar. Nestas condições, a Balkom não estava nem em condições de prosseguir só por si o projecto nem de fazer face aos seus compromissos no caso de denúncia do contrato que a liga à Comissão.

    24 Em termos de liquidação da VBS, estão em curso negociações para encontrar um adquirente. O senhor Balkom não desespera, no entanto, de o conseguir antes de 31 de Dezembro de 1993.

    25 Em 8 de Outubro de 1993, por carta endereçada a Van Balkom, a Comissão reitera que a data de 31 de Dezembro de 1993 é imperativa. Em 20 de Janeiro de 1994, a Comissão, em «nota, que pode constituir uma base de discussão», admite que a restituição que pode exigir com base no artigo 9._ do contrato poderá ser calculada a partir do montante das despesas efectuadas pelos contratantes, no valor de 1 127 800 DEM, desde que disponha de documentos justificativos de tais despesas.

    26 Em 14 de Abril de 1994, a VBS informa a Comissão da existência de um adquirente que se mostrava altamente interessado na prossecução do projecto. Por telecópia de 8 de Junho de 1994, a Comissão concedeu à VBS um novo prazo, que expirava em 30 de Junho do mesmo ano.

    27 Em 29 de Junho de 1994, é o advogado da VBS que, sempre por telecópia, solicita à Comissão que não ponha termo ao contrato, atentas as negociações em curso com um eventual adquirente.

    28 Em 16 de Agosto de 1994, por carta dirigida quer à Balkom quer à VBS, a Comissão comunica a decisão de pôr termo ao contrato e pede-lhes o envio dos necessários documentos para a liquidação definitiva das contas, sem o que a Balkom deverá restituir, acrescida de juros, a integralidade dos adiantamentos pagos.

    29 Em 17 de Outubro de 1994, o advogado da Balkom comunica à Comissão que tem já em seu poder os documentos que solicita e que lhe foram entregues pela VBS, com quem foram sempre tratadas todas as questões financeiras.

    30 Em 29 de Novembro de 1994, a Comissão dirige uma carta à Balkom e à VBS, informando-as de que recusa qualquer outro prazo e de que, com base num montante de despesas aceites de 943 662,74 DEM, ou seja, 492 489 ecus, exige dos codevedores solidários a restituição do montante de 251 649 ecus, a que acrescem 82 832 ecus de juros, contados a partir de 16 de Outubro de 1994, ou seja, um total de 334 480 ecus.

    31 Em 8 de Fevereiro de 1995, a Comissão emitiu uma ordem de restituição do referido montante pela Balkom e pela VBS.

    32 Seguiram-se ainda três trocas de correspondência, a primeira da Comissão, de 30 de Maio de 1995, que propôs à Balkom o pagamento fraccionado da dívida, a segunda, do advogado da Balkom, de 15 de Junho de 1995, de recusa daquela proposta, e a terceira, também do mesmo advogado, de 28 de Junho de 1995, em que contesta a validade da ordem de restituição quanto à Balkom e denuncia o carácter não razoável da exigência a esta empresa da totalidade da restituição, propondo no entanto a procura de um compromisso. Por fim, a Comissão propôs a presente acção em 23 de Abril de 1997.

    33 A resenha dos acontecimentos entre a assinatura do contrato e a propositura da acção no Tribunal de Justiça, tais como constam dos documentos apresentados pelas partes, pode parecer um pouco longa, mas creio que se revelará útil quando se apreciar o fundamento da argumentação apresentada pelas partes e que agora exporemos.

    34 No entender da Comissão, se a acção proposta é unicamente contra a Balkom, é porque, o mais tardar a partir de Março de 1993, a DF e a VBS já não eram partes no contrato. Aliás, supondo mesmo que a sua retirada do contrato não era válida, a Balkom pode, em função da solidariedade acordada entre as partes no contrato com a Comunidade, ser chamada a pagar a integralidade do montante de reembolso que a Comissão poderá exigir, conforme disposto no artigo 9._ do contrato.

    35 Quanto à denúncia do contrato, a Comissão defende que, dado que, à partida, foi estabelecido um calendário preciso para a execução do projecto, não se trata de um contrato de duração indeterminada no sentido do direito alemão, que apenas poderia ser denunciado em relação a todas as partes, pelo que a sua denúncia é válida, mesmo não tendo sido comunicada à DF, a supor, quod non, que esta era ainda parte no contrato à data da denúncia.

    36 Quanto ao fundamento da referida denúncia, a Comissão considera que as condições do artigo 9._, isto é, um previsível insucesso económico, estavam, com toda a evidência, preenchidas em 1994, atentas as diferentes peripécias já recordadas, nomeadamente o facto de, após a retirada da DF e da VBS, a própria Balkom se ver envolvida em graves dificuldades financeiras, não estando manifestamente em condições de levar a bom termo o projecto.

    37 Estando o seu termo previsto para Junho de 1993, o referido projecto estava, de qualquer modo, bloqueado, por falta de autorização de construção das necessárias instalações para o levar a bom termo.

    38 Quanto ao montante reclamado, a Comissão explica que deduziu do total dos fundos pagos à VBS, de que a Balkom é devedora solidária, o montante equivalente a 17% do custo sem IVA das quantias despendidas, tais como resultam do primeiro relatório financeiro que controlou e aprovou, e lembra que, por carta de 9 de Março de 1993, tinha referido que não pagaria mais nada se a autorização administrativa de implantação das instalações não fosse obtida o mais tardar em 31 de Dezembro de 1993.

    39 A Comissão acrescenta que não pode, por isso, ser acusada de não ter tomado decisões quanto ao segundo relatório financeiro. Sustenta aliás que, por força do terceiro parágrafo do artigo 9._ do contrato, em que se apoiou para a sua rescisão, os juros são pedidos a partir de 1 de Julho de 1991, uma vez que é nesta data que a primeira fase do projecto, a única a ser efectivamente levada a cabo, terminou.

    40 A Balkom contradiz totalmente estes diferentes argumentos. Em seu entender, o contrato não foi nunca validamente denunciado. Com efeito, tratando-se de um contrato que considera de duração indeterminada, a denúncia só seria válida se fosse efectuada em relação ao conjunto dos contratantes. Ora, a Comissão nunca notificou a sua denúncia à DF, que, contrariamente ao que a Comissão pretende, continuava a ser parte no contrato à data daquela decisão.

    41 A este propósito, a Balkom lembra que a retirada da DF deve analisar-se como uma cessão do contrato que apenas pode efectuar-se por acordo entre todas as partes, acordo que, nos termos do artigo 7._, exigia a forma escrita.

    42 Ora, a Comissão não apresentou um documento escrito daquela natureza, em que a própria Comissão, a VBS e a Balkom tivessem estabelecido com a DF as condições da retirada desta e a transferência dos seus direitos e obrigações para os seus dois parceiros.

    43 Mas, ainda que a denúncia se tivesse efectuado na forma exigível, não se justificaria, uma vez que, no entender da Balkom, não se pode pretender estar-se na presença de um insucesso económico previsível.

    44 Com efeito, para se compreender o sentido da noção de insucesso económico, há que atender ao anexo I, A, ponto 4, do contrato, que trata dos riscos económicos e técnicos do contrato e define o insucesso a partir de um montante de investimentos demasiado elevado relativamente às condições existentes no mercado.

    45 Ora, no estádio a que chegou a execução do projecto, nada permite afirmar que o custo dos investimentos ultrapassaria, a final, o referido montante. É verdade que a realização do projecto se viu confrontada com dificuldades determinantes de atraso num calendário meramente de previsão, mas tal não permite, de modo algum, a conclusão por um insucesso económico previsível no sentido do contrato.

    46 Levando mais longe a sua argumentação, a Balkom sustenta que a Comissão não poderia basear-se no terceiro parágrafo do artigo 9._ para exigir a restituição das importâncias recebidas a mais, uma vez que os trabalhos ainda não tinham terminado, não sendo possível calcular o montante eventual do excedente recebido, e pretende exercer o direito de retenção sobre uma parte dos montantes reclamados pela Comissão, dado que esta ainda não tomou posição sobre o segundo relatório financeiro que lhe foi apresentado pela VBS e em que se apresentam, em relação ao período de 1 de Julho de 1991 a 30 de Junho de 1992, despesas suplementares em relação às constantes do primeiro relatório, que implicam um pagamento complementar pela Comissão.

    47 Para a Balkom, a recusa de qualquer pagamento complementar que lhe foi comunicada pela Comissão, por carta de 9 de Março de 1993, não pode considerar-se como uma decisão sobre o segundo relatório apresentado pela VBS.

    48 Quanto, finalmente, ao início da contagem dos juros, a Balkom contesta a data de 1 de Julho de 1991, uma vez que, em seu entender, não é possível considerar a data de 30 de Junho de 1991 como o fim da primeira fase da realização do projecto, que, na realidade, se prolongou muito mais.

    Apreciação

    49 Como optar entre estas teses totalmente antagónicas? Considero que para se proceder com método na procura da solução, haverá que isolar os diversos problemas. Para saber se a Comissão tem efectivamente direito à quantia que reclama da Balkom, deverá examinar-se, em primeiro lugar, a validade da sua decisão de por fim ao contrato. Esta depende, em si, de duas condições: respeitou a Comissão a forma prescrita para a denúncia? Podia, atento o estado de realização do projecto no momento em que tomou a referida decisão, usar da faculdade prevista no artigo 9._ do contrato? A nossa apreciação sobre o respeito da forma exigível para a denúncia depende, também ela, de saber se, contrariamente ao que, no entender da própria Comissão, se verificou, a decisão da Comissão deveria ter sido notificada à DF, não obstante esta se ter retirado do contrato.

    50 Uma vez resolvidas estas questões e supondo que se chegou à conclusão de que a Comissão usou correctamente da faculdade de rescisão do contrato que lhe reconhece o artigo 9._ do contrato, haverá que examinar se o montante a reaver foi calculado correctamente pela Comissão, quer na sua importância principal quer quanto aos juros.

    Quanto à validade da denúncia do contrato

    51 Comecemos por examinar se a Comissão, ao denunciar o contrato na sua carta de 16 de Agosto de 1994, respeitou o contrato, ou o disposto no direito alemão quando aplicável por falta de disposição em contrário no mesmo contrato. A referida carta, ninguém o contesta, foi endereçada à VBS e à Balkom, mas não à DF. Teria de sê-lo também a esta?

    52 Seguramente que não, se se tiver de concluir que, naquela data, dos três contratantes iniciais com a Comissão, apenas restava a Balkom, ainda que a denúncia tenha também sido notificada à VBS. Pode considerar-se que, naquela data, a DF já não tinha qualquer laço contratual com a Comissão? Pelo meu lado, sou tentado a responder pela afirmativa, atentas as peripécias já acima referidas.

    53 É verdade que a carta da DF para a Comissão em que lhe comunicava a sua retirada do contrato, atento o seu carácter inteiramente unilateral, não poderia, por si só, ter o efeito de extinguir as relações contratuais estabelecidas em 4 de Dezembro de 1990 e deve ser analisada como uma declaração de intenção, uma proposta de retirada e uma renúncia aos benefícios dos direitos conferidos pelo contrato. Foi esta oferta aceite pelas outras partes no contrato?

    54 Parece-me que a Balkom o contesta agora sem razão. O acordo da Comissão não merece dúvidas, ainda que se possa admirar que a Comissão se tenha conformado tão facilmente com a saída de um contratante, detentor da tecnologia a empregar no projecto. O da VBS pode, parece-me, resultar da carta que escreveu à Comissão em 26 de Agosto de 1991.

    55 É verdade que nesta carta a VBS fala de negociações para resolver os problemas contratuais relacionados com a implicação no projecto da DE, o que significa que aqueles problemas não estavam, na altura, resolvidos, mas deve salientar-se que em momento algum a VBS pôs condições para a retirada da DF; pelo contrário, dá aquela retirada como adquirida, quando teria podido formular reservas e sujeitar o seu acordo quanto à referida retirada à satisfação de determinadas exigências.

    56 Quanto à Balkom, é verdade que não é possível encontrar no processo um documento contemporâneo da retirada da DF, de que possa deduzir-se, sem margem para dúvidas, que estava de acordo com essa retirada.

    57 É verdade que se pode entender que, se a Balkom tivesse objecções àquela retirada, que não poderia ignorar por ter à frente da sua direcção Van Balkom, aliás também dirigente da VBS, tê-las-ia expressado. Não é no entanto necessário lançar mão de um raciocínio deste tipo, que daria prevalência à unidade de direcção em duas pessoas colectivas diferentes, dado que existe a carta, que não pode ser mais explícita, escrita pela Comissão à Balkom em 9 de Março de 1993, e em que a retirada do contrato da DF e da VBS é apresentada como um dado adquirido, carta que é posterior às discussões em que participou Van Balkom, em nome da Balkom, e que não suscitou qualquer reacção negativa desta.

    58 Ora, é lícito supor que naquela altura, quando a realização do projecto estava em perigo, a Balkom teria reagido vigorosamente a uma carta em que se afirmava o seu acordo para a retirada dos dois parceiros, se este acordo não tivesse sido aceite.

    59 Estou por isso convencido de que, da correspondência que acabo de lembrar, entendida à luz do artigo 157._ do Bürgerliches Gesetzbuch (a seguir «BGB»), em cujos termos os contratos devem ser interpretados com base no princípio da boa fé, pode concluir-se que, o mais tardar em Março de 1993, todas as partes tinham como adquirida a retirada da DF do contrato, e que exigir que o consenso naquele sentido tivesse de constar de documento único, assinado por todas as partes, significaria a exigência de um formalismo não justificado.

    60 Todavia, supondo mesmo, como pretende a Balkom, ao prevalecer-se da doutrina alemã, que as condições da retirada da DF são, atenta a natureza do contrato, passíveis de contestação, não creio que a não notificação à DF da decisão de denúncia do contrato pela Comissão possa ter como efeito a sua ineficácia relativamente à Balkom.

    61 Com efeito, para que a Balkom pudesse invocar o não respeito de uma formalidade, seria ainda necessário que demonstrasse que a sua omissão ofendeu os seus direitos e interesses. Ora, a supor que a regularidade da sua retirada do contrato pudesse ser posta em causa, a única que poderia dela prevalecer-se, atenta a solidariedade prevista no mesmo contrato, seria a DF.

    62 No entanto, verifica-se que a DF deu a conhecer, com toda a clareza, que não estava em condições de prosseguir a relação contratual e, por isso, renunciou a ser considerada pela Comissão como parte no contrato de 1990, razão porque não teria seguramente fundamento para acusar a Comissão de não lhe ter comunicado a sua rescisão do contrato.

    63 Considero por isso que, atento o desenrolar da relação contratual entre 1990 e 1994, a denúncia do contrato pela Comissão não padece de qualquer vício de forma.

    Quanto à justificação da rescisão do contrato

    64 A denúncia do contrato pela Comissão tem fundamento? Também neste aspecto creio que as objecções da Balkom não têm grande peso. Esta afirma que a noção de insucesso económico constante do artigo 9._ do contrato deve ser entendida em conjugação com um anexo do mesmo referente aos riscos económicos e técnicos.

    65 No entanto, verifica-se que a disposição em causa, o ponto 4.1 do anexo I, é essencialmente descritivo. Enuncia o montante dos investimentos que a realização do projecto implica e contém o limite do compromisso financeiro subscrito pelas três empresas contratantes com a Comissão. Não pode em caso algum considerar-se como contendo a definição do insucesso económico previsível, no sentido do artigo 9._ do contrato.

    66 Esta interpretação seria aliás incompatível com este último artigo, que dá a qualquer parte a faculdade de denúncia «se o programa de trabalho previsto no anexo I se tornar caduco, devido, nomeadamente, a insucesso técnico ou económico previsível, ou a aumento excessivo dos custos do projecto relativamente às previsões». Não se pode, assim, reduzir a caducidade do programa de trabalho apenas ao aumento dos custos previstos, como pretende a Balkom.

    67 Em seguida, uma vez afastada esta objecção da demandada, creio que não necessita de grande explicação por que razão se pode considerar legitimamente, ao contrário do que argumenta a Balkom, que me parece ter em pouca conta a boa fé, que de facto nos encontramos perante um insucesso económico previsível uma vez que um projecto que deveria terminar em 1993 continua, em 1994, num estádio muito pouco avançado, que, das três empresas associadas à partida, apenas resta uma, que, apesar dos seus esforços, não conseguiu encontrar novos parceiros e que, ela própria, afirma encontrar-se na impossibilidade de continuar a garantir o financiamento necessário para a continuação do projecto e que, além disso, a autorização administrativa, de que dependia a passagem à segunda fase, ainda não tinha sido concedida, não obstante pender uma acção contenciosa.

    68 Dificilmente se poderia imaginar um insucesso mais patente. No máximo, poder-se-á, uma vez mais, estranhar que a Comissão não tenha denunciado o contrato mais cedo ou usado mais cedo a faculdade de retirada, com consequências bem mais danosas para os seus contratantes, como lho permitia o artigo 8._ do contrato, ou, no mínimo, não tenha tomado mais cedo na devida conta este insucesso garantido e, pelo contrário, tenha prolongado os prazos que ela própria tinha antes considerado imperativos.

    69 De qualquer modo, considero que, no momento em que interveio, a denúncia do contrato pela Comissão era perfeitamente justificada face às cláusulas contratuais.

    Quanto ao montante da restituição pedida

    70 Poderá a Comissão, atento o referido, reclamar a restituição das importâncias a mais recebidas, que fixa, considerando que entretanto o euro substituiu o ecu, no montante de 251 649 euros? A Comissão chegou a este montante considerando apenas como despesas efectuadas pelos contratantes, com direito a concurso financeiro, as por ela aceites ao aprovar o primeiro relatório financeiro.

    71 Após a primeira audiência, pareceu-me que seria possível que as partes chegassem a um acordo quanto a saber se determinadas despesas constantes do segundo relatório financeiro, enviado pela VBS à Comissão em 1992, deveriam ser tidas em conta, com a consequência de o montante exigido pela Comissão ser revisto para menos.

    72 Na realidade, não se vê do processo que a Comissão tenha tomado claramente posição sobre o relatório financeiro. Na réplica, a Comissão explicou que tinha decidido sobre aquele relatório («den 2. Finanzbericht beschieden») ao dar à demandada, por carta de 9 de Março de 1993, um prazo até 31 de Dezembro de 1993 para obter a autorização administrativa e ao informá-la de que não procederia a mais adiantamentos até aquela data. Mas, uma coisa é suspender os pagamentos, e outra é afirmar que nada mais se deve.

    73 Aliás, a Comissão tinha, em nota não oficial de 20 de Janeiro de 1994, perspectivado o reconhecimento da fase «engineering» no montante de 1 127 800 DEM, na condição de dispor de documentos justificativos («falls entsprechende Nachweise vorliegen»).

    74 Na segunda audiência, a Comissão esclareceu, no entanto, que nenhuma das despesas referidas no segundo relatório financeiro poderia ser reconhecida, e isto pelas razões seguintes.

    75 Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que, não obstante este segundo relatório referir - o que não é no entanto verdade - despesas referentes à segunda fase do programa, intitulado «Produção e entrega», os trabalhos apenas se iniciaram por conta e risco da demandada, uma vez que, nos termos do ponto 2.2 do anexo I do contrato, esta fase apenas poderia iniciar-se depois de encerrado o processo de pedido de autorização para a construção em causa. Ora, resulta expressamente do segundo relatório técnico que aquele processo estava bloqueado.

    76 Em segundo lugar, a Comissão informou o Tribunal, no decurso da segunda audiência, de que, contrariamente à obrigação constante do artigo 4._, ponto 4.3.2 do contrato, nenhum documento justificativo foi junto ao segundo relatório financeiro, e de que tais documentos também não foram enviados posteriormente, apesar de, na carta de denúncia de 16 de Agosto de 1994, ter referido que pretendia obter os documentos justificativos das despesas passíveis de reconhecimento («The Commission... would like to receive the corresponding statements»).

    77 Por fim, em carta de 17 de Outubro de 1994, que consta do anexo 7 da petição inicial, o advogado da Balkom afirmou à Comissão que:

    «O meu cliente partiu sempre da ideia de que no passado a Comissão havia recebido provas financeiras completas ('full financial statements') por parte de Van Balkom Seeliger.

    ...

    Sem dúvida que o meu cliente gostaria de colaborar da melhor forma e enviar os documentos de contabilidade necessários. Todavia, por razões que lhe foram explicadas, compreenderá que tal representa problemas consideráveis para o meu cliente uma vez que ele próprio nunca teve em seu poder aqueles documentos» (2).

    78 Como, na audiência de 21 de Outubro de 1999, a demandada não pôde demonstrar que os documentos em questão tenham sido enviados, limitando-se a negar que lhe tenham sido pedidos, é permitido concluir que a Comissão não foi colocada em situação de decidir validamente quanto às despesas efectuadas posteriormente ao primeiro relatório financeiro.

    79 É efectivamente muito claro que a Comissão, que deve dar conta dos dinheiros públicos, não pode efectuar despesas sem dispor de documentos justificativos que possa apresentar às autoridades de controlo, nomeadamente ao Tribunal de Contas.

    80 É a Balkom que pretende ter direito a determinado montante, correspondente a uma percentagem, estabelecida no contrato, das despesas efectuadas em virtude da execução do mesmo contrato, e a ela cabe, portanto, provar que realizou tais despesas.

    81 Evidente é que este ónus da prova vai além da mera apresentação de um relatório financeiro e inclui a apresentação de documentos de contabilidade com base nos quais aquele relatório foi elaborado.

    82 Tendo resultado dos debates que é ilusório esperar a apresentação de tais documentos, não cabe oferecer à demandada uma última hipótese de demonstrar o fundamento das suas pretensões quanto aos montantes que lhe seriam ainda devidos e que deveriam ser deduzidos do montante pedido pela Comissão.

    83 Não posso, por conseguinte, deixar de propor ao Tribunal que fixe o montante principal devido pela Balkom em 251 649 euros, reclamados pela Comissão.

    84 A solução proposta torna inútil qualquer discussão sobre um eventual direito de retenção por parte da Balkom.

    Quanto à data do início da contagem de juros

    85 As partes estão também em desacordo quanto à data a partir da qual os juros deverão ser contados.

    86 Segundo a Comissão, esta data decorre do artigo 9._, terceiro parágrafo, do contrato, em cujos termos:

    «Se de um contrato resultar que os montantes pagos pela Comissão são demasiado elevados, a importância indevidamente paga deve ser imediatamente restituída pelo contratante, acrescida de juros devidos a partir da data do encerramento ('Abschluß') ou do acabamento ('Beendigung') dos trabalhos previstos no contrato» (3).

    87 Segundo a Comissão, a Balkom terminou a primeira fase do projecto, tal como fora previsto no contrato, em 30 de Junho de 1991. Por conseguinte, será a partir desta data, isto é, 1 de Julho de 1991, que os juros deverão ser calculados.

    88 A Balkom sustenta que a primeira fase do projecto, «Engenharia», não terminou de modo algum em 30 de Junho de 1991. Actualmente, a Balkom não tem possibilidade de determinar em que data terminou a fase de engenharia. De qualquer modo, a VBS informou, por carta de 29 de Outubro de 1992, a Comissão que o encerramento daquela fase estava previsto para 30 de Setembro de 1993.

    89 Por meu lado, considero que se pode aceitar que a expressão «acabamento dos trabalhos» («Beendigung»), por oposição à de «encerramento» («Abschluß»), se reporta efectivamente ao momento em que os trabalhos cessaram na realidade, sem o projecto ter terminado. A Comissão tentou, com razão, determinar aquele momento, mas é possível que se situe em data posterior à de 30 de Junho de 1991. Mas, como a própria Balkom reconhece que esta data não é de qualquer modo posterior a 30 de Setembro de 1993, é esta data que proponho que seja considerada. Existe efectivamente uma solução alternativa, que consistiria em aplicar o artigo 284._ do BGB. Nos termos desta disposição, os juros devem calcular-se a partir do momento em que o devedor foi instado a pagar. Ora, a ordem de restituição, emitida pela Comissão em 8 de Fevereiro de 1995, fixava à Balkom a data de 30 de Abril de 1995 para cumprir aquela obrigação. Em tal hipótese, os juros seriam devidos a partir de 1 de Maio de 1995. Esta solução parece-me, todavia, de afastar, dado que o início da contagem dos juros devidos no caso de restituição é regido pela próprio contrato no seu artigo 9._

    90 Acrescentarei por fim, para ser exaustivo, que, ao invocar posteriormente à primeira audiência a prescrição prevista no BGB, a Balkom utilizou um novo fundamento que não pode, como a Comissão sustentou, ser aceite.

    Conclusão

    91 Pelas razões expostas, proponho que o Tribunal decida:

    «1) A Van Balkom Non-Ferro Scheiding BV é condenada no pagamento, à Comissão das Comunidades Europeias, do montante de 251 649 euros, acrescido de juros a contar de 1 de Outubro de 1993, calculados às taxas publicadas no primeiro dia útil de cada mês, utilizadas pelo Fundo Europeu para a Cooperação Monetária nas suas transacções em euros.

    2) A acção é julgada improcedente quanto ao mais.

    3) A Van Balkom Non-Ferro Scheiding BV é condenada nas despesas.»

    (1) - JO L 350, p. 29, EE 12 F5 p. 23.

    (2) - Tradução livre do autor.

    (3) - Tradução livre do autor.

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