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Document 61996CJ0399

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 12 de Novembro de 1998.
Europièces SA contra Wilfried Sanders e Automotive Industries Holding Company SA.
Pedido de decisão prejudicial: Cour du travail de Bruxelles - Bélgica.
Política social - Aproximação das legislações - Transferência de empresas - Manutenção dos direitos dos trabalhadores - Directiva 77/187/CEE - Âmbito de aplicação - Transferência de uma empresa em liquidação voluntária.
Processo C-399/96.

Colectânea de Jurisprudência 1998 I-06965

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:532

61996J0399

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 12 de Novembro de 1998. - Europièces SA contra Wilfried Sanders e Automotive Industries Holding Company SA. - Pedido de decisão prejudicial: Cour du travail de Bruxelles - Bélgica. - Política social - Aproximação das legislações - Transferência de empresas - Manutenção dos direitos dos trabalhadores - Directiva 77/187/CEE - Âmbito de aplicação - Transferência de uma empresa em liquidação voluntária. - Processo C-399/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-06965


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Política social - Aproximação das legislações - Transferências de empresas - Manutenção dos direitos dos trabalhadores - Directiva 77/187 - Âmbito de aplicação - Transferência parcial ou integral dos activos de uma empresa em liquidação voluntária - Inclusão

(Directiva do Conselho 77/187, artigo 1._, n._ 1)

2 Política social - Aproximação das legislações - Transferências de empresas - Manutenção dos direitos dos trabalhadores - Directiva 77/187 - Oposição do trabalhador à transferência do seu contrato para o cessionário - Admissibilidade - Modificação substancial das condições de trabalho em virtude da transferência - Rescisão imputável à entidade patronal

(Directiva do Conselho 77/187, artigos 3._, n._ 1, e 4._, n._ 2)

Sumário


1 O artigo 1._, n._ 1, da Directiva 77/187, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta se aplica quando uma sociedade em liquidação voluntária transferir total ou parcialmente os seus activos para outra sociedade que, em seguida, comunica ordens ao trabalhador que a sociedade em liquidação diz deverem ser executadas.

2 O artigo 3._, n._ 1, da Directiva 77/187, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o contrato de trabalho proposto pelo cessionário implica uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador. Nesse caso, o artigo 4._, n._ 2, da directiva obriga os Estados-Membros a considerarem que a rescisão foi da responsabilidade da entidade patronal.

Partes


No processo C-399/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pela cour du travail de Bruxelles, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Europièces SA, em liquidação,

e

Wilfried Sanders,

Automotive Industries Holding Company SA, em falência,

"uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Segunda Secção),

composto por: G. Hirsch, presidente de secção, G. F. Mancini (relator) e R. Schintgen, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,

secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo do Reino Unido, por L. Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por E. Sharpston, barrister,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Maio de 1998,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 11 de Dezembro de 1996, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de Dezembro seguinte, a cour du travail de Bruxelles submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122, a seguir «directiva»).

2 Essa questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe W. Sanders, representante comercial, à Europièces SA (a seguir «Europièces»), em liquidação, a propósito do pagamento de uma indemnização compensatória de pré-aviso bem como de outras indemnizações.

O direito comunitário

3 Nos termos do seu artigo 1._, n._ 1, a directiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário.

4 Nos termos do seu artigo 3._, n._ 1, primeiro parágrafo, os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por este facto, transferidos para o cessionário.

5 Em conformidade com o artigo 4._, n._ 1, da directiva, a transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento não constitui, em si mesma, fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui todavia obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças no plano do emprego.

6 O artigo 4._, n._ 2, da directiva dispõe além disso que, se o contrato de trabalho ou a relação de trabalho forem rescindidos pelo facto de a transferência, na acepção do n._ 1, do artigo 1._, implicar uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador, a rescisão do contrato de trabalho ou da relação de trabalho considera-se como sendo da responsabilidade do empregador.

7 Na pendência do processo no Tribunal de Justiça, a directiva foi substituída pela Directiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de Junho de 1998 (JO L 201, p. 88).

O direito nacional

8 As disposições da directiva foram transpostas para direito belga pelo segundo capítulo da convenção colectiva n._ 32-bis, de 7 de Junho de 1985, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de entidade patronal devida a uma transferência convencional de empresa e que regulamenta os direitos dos trabalhadores cujo vínculo foi mantido em caso de retoma do activo após falência ou concordata judicial por abandono do activo, tornada obrigatória pelo decreto real de 25 de Julho de 1985 (Moniteur belge de 9 de Agosto de 1985, p. 11527), alterada designadamente pela convenção colectiva n._ 32-quater, de 19 de Dezembro de 1989, por sua vez tornada obrigatória pelo decreto real de 6 de Março de 1990 (Moniteur belge de 21 de Março de 1990, p. 5114).

9 O terceiro capítulo da convenção colectiva n._ 32-bis determina os direitos dos trabalhadores em caso de mudança de entidade patronal na sequência de uma retoma do activo após falência ou concordata por abandono do activo. Em particular, previu-se que a aplicação da convenção colectiva ficasse subordinada à condição de a retoma ocorrer num prazo de seis meses a contar da data da falência ou da concordata; se isso não acontecer, o pessoal não é abrangido pela convenção.

O litígio no processo principal

10 Desde 15 de Fevereiro de 1974 que W. Sanders era empregado da Europièces, como representante comercial na sede de Erpent. Em Julho de 1993, a Europièces foi posta em liquidação voluntária e nomeado um liquidatário. Em 27 de Julho seguinte, este despediu W. Sanders através de um pré-aviso de 22 meses.

11 Em 13 de Agosto de 1993, o liquidatário da Europièces anunciou a W. Sanders que a Europièces tinha cedido uma parte das existências e do material à Automotive Industries Holding Company SA (a seguir «Automotive Industries»), que nem todas as actividades da Europièces tinham sido assumidas pela Automotive Industries e que W. Sanders, a partir de 24 de Agosto, devia exercer as suas actividades por conta da liquidação na sede de Bruxelas, sob as instruções directas do representante da liquidação. O liquidatário indicou igualmente nessa carta estar informado de que a Automotive Industries tinha feito propostas de contrato de trabalho a alguns membros do pessoal, entre os quais W. Sanders, que recusara essa oferta.

12 Em resposta a uma carta de W. Sanders de 18 de Agosto seguinte, perguntando a razão pela qual devia, como representante na sede de Erpent e isto para o sector da província de Namur, Luxemburgo e Hainaut, exercer as suas actividades por conta da liquidação em Bruxelas, o liquidatário, por carta de 25 de Agosto, precisou simplesmente o papel e as tarefas de W. Sanders. Este último estava encarregado de ajudar na realização óptima das existências das peças de liquidação e de colaborar na diminuição do passivo da Europièces. Segundo o liquidatário, essa enumeração não era exaustiva e podia ser completada posteriormente. Além disso, indicou que a actividade da Europièces, que só já existia para efeitos da noção de «venda», estava limitada à liquidação das existências.

13 Por carta de 8 de Setembro de 1993, W. Sanders pediu ao liquidatário que especificasse se continuava a ser, principalmente, representante comercial ou se devia desempenhar outras tarefas, indicando no entanto não consentir numa modificação das suas funções.

14 Em 20 de Setembro de 1993, o liquidatário respondeu que não havia qualquer vontade de modificação unilateral das funções de W. Sanders, mas que as circunstâncias e exigências legais impunham que lhe fossem atribuídas outras tarefas.

15 Na sequência de outra troca de correspondência, W. Sanders, em 18 de Outubro de 1993, enviou uma última missiva ao liquidatário, na qual verificava a rescisão unilateral do seu contrato de representante comercial ou, pelo menos, a sua resolução.

16 W. Sanders intentou, na sequência, uma acção contra a Europièces e a Automotive Industries no tribunal du travail de Bruxelles.

17 O tribunal du travail de Bruxelles considerou ter havido realmente, no plano dos factos, cessão das existências, da clientela e do arrendamento ou da propriedade do imóvel de Erpent e que, pelo menos, a entidade económica de Erpent, à qual pertencia W. Sanders, tinha sido transferida mantendo a sua identidade, tendo a Automotive Industries prosseguido o exercício de actividades idênticas.

18 Por decisão de 5 de Setembro de 1995, o tribunal du travail de Bruxelles condenou, portanto, a Europièces no pagamento a W. Sanders de indemnizações e juros legais. Declarou igualmente a acção contra a Automotive Industries admissível e convidou W. Sanders a pronunciar-se sobre a aplicabilidade da directiva às transferências realizadas por uma sociedade em liquidação voluntária e, eventualmente, a pedir que fosse fixada nova data para apresentação de alegações.

A questão prejudicial

19 Em 16 de Novembro de 1995, a Europièces recorreu da decisão de 5 de Setembro de 1995 para a cour du travail de Bruxelles. No que toca à Automotive Industries, posteriormente declarada em falência, W. Sanders sustentou perante este órgão jurisdicional ter havido transferência de empresa na acepção da directiva em virtude da cessão da entidade de Erpent ter tido lugar no início do processo de liquidação. A legislação belga não tinha equiparado a transferência em caso de liquidação a uma transferência em caso de falência.

20 No seu acórdão de 11 de Dezembro de 1996, a cour du travail de Bruxelles observou que a convenção relativa à cessão de activos entre a Europièces e a Automotive Industries não tinha sido junta, por forma que era impossível conhecer com exactidão o seu conteúdo. Embora parecesse que a entidade económica de Erpent tinha sido transferida, W. Sanders não tinha apresentado conclusões convincentes a propósito da aplicabilidade da directiva a uma sociedade que é objecto de uma liquidação voluntária.

21 Nestas circunstâncias, a cour du travail de Bruxelles decidiu confirmar a decisão recorrida na parte relativa à Europièces e, no que toca ao pedido respeitante à Automotive Industries, suspender a instância para submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A Directiva 77/187/CEE aplica-se ao caso em que uma sociedade em liquidação transfere todos ou parte dos seus activos para outra sociedade que em seguida dá ordens ao trabalhador, ordens essas que a sociedade em liquidação diz deverem ser executadas?»

22 A título preliminar, importa examinar se há que responder à questão prejudicial ou se esta deve, como o Governo do Reino Unido sustenta, ser declarada inadmissível em virtude de o órgão jurisdicional de reenvio não ter fornecido ao Tribunal de Justiça indicações sobre o contexto jurídico e factual dessa questão.

23 É verdade que o Tribunal de Justiça considerou que a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões, (acórdão de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o., C-320/90 a C-322/90, Colect., p. I-393, n._ 6; despachos de 26 de Abril de 1993, Monin Automobiles, C-386/92, Colect., p. I-2049, n._ 6, e de 8 de Julho de 1998, Agostini, C-9/98, na Colect., p. I-0000, n._ 4).

24 Todavia, no caso em apreço, deve declarar-se que os autos enviados pelo órgão jurisdicional de reenvio contêm informações suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça interpretar as regras de direito comunitário na perspectiva da situação objecto do litígio principal. Além disso, integra-se num quadro jurídico já largamente conhecido devido a um reenvio prejudicial precedente (acórdão de 12 de Março de 1998, Dethier Équipement, C-319/94, Colect., p. I-1061) relativo ao processo belga de liquidação.

25 Nestas circunstâncias, há que responder à questão submetida.

26 Com essa questão visa-se determinar, em primeiro lugar, se o artigo 1._, n._ 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de esta se aplicar quando uma sociedade em liquidação voluntária transfere total ou parcialmente os seus activos para outra sociedade que, em seguida, comunica ordens ao trabalhador que a sociedade em liquidação diz deverem ser executadas. Em segundo lugar, tendo em conta as circunstâncias do processo principal e com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional, importa determinar se o artigo 3._, n._ 1, da directiva obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho.

Quanto à existência de uma transferência na acepção da directiva

27 A este propósito, há que observar, em primeiro lugar, que a directiva não se aplica à transferência de uma empresa, de um estabelecimento ou de parte de estabelecimento no quadro de um processo de falência (acórdão de 7 de Fevereiro de 1985, Abels, 135/83, Recueil, p. 469).

28 Todavia, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para apreciar se a directiva se aplica à transferência de uma empresa que é objecto de um processo administrativo ou judicial, o critério determinante a tomar em consideração é o do objectivo prosseguido pelo processo em causa (acórdãos de 25 de Julho de 1991, D'Urso e o., C-362/89, Colect., p. I-4105, n._ 26, e de 7 de Dezembro de 1995, Spano e o., C-472/93, Colect., p. I-4321, n._ 24). Além disso, importa ter em conta as regras do processo em causa, nomeadamente na medida em que estas impliquem que a actividade da empresa prossiga ou cesse, assim como as finalidades da directiva (acórdão Dehtier Équipement, já referido, n._ 25).

29 No acórdão Dethier Équipement, já referido, n._ 27, o Tribunal de Justiça declarou que, embora as finalidades da liquidação judicial possam assemelhar-se às da falência, não é necessariamente assim, uma vez que este processo pode ser utilizado em todos os casos em que se pretenda pôr termo à actividade de uma sociedade e sejam quais forem as razões de tal opção.

30 Assim, dado que o critério do objectivo prosseguido pelo processo de liquidação judicial não se mostrou concludente, o Tribunal de Justiça procedeu ao exame das regras do referido processo.

31 Em particular, no que toca à nomeação e às funções do liquidatário, o Tribunal de Justiça declarou, no n._ 30 do acórdão Dethier Équipement, já referido, que a situação de uma empresa em liquidação judicial apresenta diferenças consideráveis relativamente à de uma empresa em falência e que as razões que conduziram o Tribunal de Justiça a excluir a aplicação da directiva nesta última hipótese podem não existir no caso de uma empresa em liquidação judicial.

32 O Tribunal de Justiça considerou, portanto, no acórdão Dethier Équipement, já referido, que a directiva se aplica em caso de transferência de uma empresa em situação de liquidação judicial quando a actividade da empresa prossegue. Observou, nomeadamente, no n._ 31, que, quando a actividade da empresa prossegue durante a liquidação judicial, a continuidade da exploração é assegurada quando a empresa é objecto da transferência. Por conseguinte, nada justifica que os trabalhadores sejam privados dos direitos que a directiva lhes garante nas condições que esta estipula.

33 Quanto ao caso no processo principal, há que recordar que a liquidação voluntária é, em substância, análoga à liquidação judicial, excepto no que respeita ao facto de a decisão de proceder à liquidação, à nomeação dos liquidatários e à determinação dos seus poderes ser da competência da assembleia geral da sociedade e não do juiz. Só quando não seja possível reunir uma maioria dos sócios é que a sociedade deve recorrer ao juiz para que a liquidação seja decretada, designando o juiz os liquidatários em conformidade com os estatutos da sociedade ou com a decisão da assembleia geral, salvo se se afigurar certo que o desentendimento entre os sócios impedirá a assembleia geral de se pronunciar, caso em que o juiz designará um liquidatário judicial.

34 Revela-se portanto que, pelo menos no que toca a alguns dos seus aspectos, a liquidação voluntária difere ainda mais da falência do que a liquidação judicial.

35 Tendo em conta o que precede, deve salientar-se que as razões que, no acórdão Dethier Équipement, levaram o Tribunal de Justiça a considerar que a directiva é susceptível de se aplicar às transferências ocorridas na pendência do processo de liquidação judicial se aplicam a fortiori quando a empresa transferida for objecto de liquidação voluntária.

36 Deve portanto responder-se à primeira parte da questão, tal como foi reformulada supra, que o artigo 1._, n._ 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que esta se aplica quando uma sociedade em liquidação voluntária transferir total ou parcialmente os seus activos para outra sociedade que, em seguida, comunica ordens ao trabalhador que a sociedade em liquidação diz deverem ser executadas.

Quanto à faculdade de o trabalhador se opor à transferência do contrato ou da relação de trabalho

37 No que toca à segunda parte da questão tal como foi reformulada supra, o Tribunal de Justiça tem decidido, de maneira constante, que a directiva tem por objectivo assegurar a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de mudança de empresário permitindo-lhes ficar ao serviço do novo empresário nas mesmas condições que as acordadas com o cedente (v. acórdãos D'Urso e o., já referido, n._ 9, e de 16 de Dezembro de 1992, Katsikas e o., C-132/91, C-138/91 e C-139/91, Colect., p. I-6577, n._ 21).

38 Todavia, a protecção que a directiva pretende garantir carece de objecto se o próprio interessado, na sequência de uma decisão por si livremente tomada, decide não continuar, após a transferência, a relação de trabalho com o novo empresário. Em tal situação, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 3._, n._ 1, da directiva não se aplica (acórdãos de 11 de Julho de 1985, Danmols Inventar, 105/84, Recueil, p. 2639, e Katsikas e o., já referido, n._ 30).

39 Nessa hipótese, em que o trabalhador decida livremente não continuar o contrato ou a relação de trabalho com o cessionário, compete aos Estados-Membros decidir do destino reservado ao contrato ou à relação de trabalho. Os Estados-Membros podem prever que, neste caso, o contrato ou a relação de trabalho deve ser considerado como rescindido, quer por iniciativa do trabalhador quer por iniciativa da entidade patronal. Podem também prever que o contrato ou a relação de trabalho se mantenha com o cedente (acórdão de 7 de Março de 1996, Merckx e Neuhuys, C-171/94 e C-172/94, Colect., p. I-1253, n._ 35).

40 Por outro lado, deve recordar-se que, nos termos do artigo 4._, n._ 2, da directiva, se o contrato de trabalho ou a relação de trabalho forem rescindidos pelo facto de a transferência, na acepção do n._ 1, do artigo 1._, implicar uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador, a rescisão considera-se como sendo da responsabilidade do empregador.

41 Ora, do acórdão de reenvio resulta que foram feitas propostas de contrato de trabalho a certos membros do pessoal, entre os quais o interessado, que as recusou.

42 Ademais, afigura-se que o liquidatário informou o interessado não pretender modificar unilateralmente as suas funções, mas que as circunstâncias e as exigências legais obrigavam a que lhe fossem atribuídas outras tarefas.

43 Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar as razões pelas quais o assalariado recusou o contrato de trabalho que lhe foi proposto e determinar se a referida proposta de contrato de trabalho implicava uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador.

44 Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda parte da questão, tal como foi reformulada supra, que o artigo 3._, n._ 1, da directiva não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o contrato de trabalho proposto pelo cessionário implica uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador. Nesse caso, o artigo 4._, n._ 2, da directiva obriga os Estados-Membros a considerarem que a rescisão foi da responsabilidade da entidade patronal.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

45 As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Segunda Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pela cour du travail de Bruxelles, por acórdão de 11 de Dezembro de 1996, declara:

1) O artigo 1._, n._ 1, da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta se aplica quando uma sociedade em liquidação voluntária transferir total ou parcialmente os seus activos para outra sociedade que, em seguida, comunica ordens ao trabalhador que a sociedade em liquidação diz deverem ser executadas.

2) O artigo 3._, n._ 1, da directiva não obsta a que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho, na condição de que essa decisão seja por ele livremente tomada. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o contrato de trabalho proposto pelo cessionário implica uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador. Nesse caso, o artigo 4._, n._ 2, da directiva obriga os Estados-Membros a considerarem que a rescisão foi da responsabilidade da entidade patronal.

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