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Document 61996CJ0187

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Março de 1998.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica.
Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Artigo 48. do Tratado CE - Artigo 7. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 - Pessoa que trabalha no serviço público de um Estado-Membro - Reconhecimento mútuo dos períodos de serviço efectuados no serviço público de outro Estado-Membro.
Processo C-187/96.

Colectânea de Jurisprudência 1998 I-01095

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:101

61996J0187

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Março de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica. - Incumprimento de Estado - Livre circulação de trabalhadores - Artigo 48. do Tratado CE - Artigo 7. do Regulamento (CEE) n. 1612/68 - Pessoa que trabalha no serviço público de um Estado-Membro - Reconhecimento mútuo dos períodos de serviço efectuados no serviço público de outro Estado-Membro. - Processo C-187/96.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-01095


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Igualdade de tratamento - Reconhecimento por um Estado-Membro dos períodos de trabalho efectuados na administração pública nacional para efeitos de determinação do salário e da antiguidade dos trabalhadores - Não tomada em consideração, para os nacionais comunitários, dos períodos de serviço efectuados na administração pública de outro Estado-Membro - Discriminação dissimulada - Inadmissibilidade

(Tratado CE, artigo 48._; Regulamento n._ 1612/68 do Conselho, artigo 7._, n._ 1)

Sumário


O Estado-Membro que exclui, através de regulamentações legais ou de práticas administrativas, qualquer possibilidade de contagem, para efeitos de diuturnidades e de classificação numa grelha salarial de um trabalhador empregado num serviço público nacional, dos serviços efectuados numa administração pública de outro Estado-Membro, ao passo que, em certos casos, toma em consideração os períodos de serviço cumpridos na administração nacional, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, especialmente do artigo 48._ do Tratado e do artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68 relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade. Efectivamente, esta regra, que funciona manifestamente em detrimento dos trabalhadores migrantes que cumpriram parte da sua carreira no serviço público de outro Estado-Membro, é, por esse facto, susceptível de violar o princípio da não discriminação consagrado nas referidas disposições.

Partes


No processo C-187/96,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Maria Patakia, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Helénica, representada por Ioanna Galani-Maragkoudaki, consultora jurídica especial adjunta no serviço especial do contencioso comunitário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Stamatina Vodina, colaboradora científica especializada no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Grécia, 117, Val Sainte-Croix,

demandada,

">que tem por objecto fazer declarar que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, nomeadamente do disposto nos artigos 5._ e 48._ do Tratado CE e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 12; EE 05 F1 p. 77), porque exclui, através de regulamentações legais ou de práticas administrativas, para efeitos de diuturnidades e de classificação numa grelha salarial, relativamente aos trabalhadores empregados num serviço público do Estado, a contagem do serviço anterior prestado num serviço público de outro Estado-Membro da Comunidade, com o único fundamento de o serviço anterior não ter sido prestado num serviço público nacional,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet, D. A. O. Edward (relator), P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: H. von Holstein,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 20 de Novembro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Dezembro de 1997,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de Junho de 1996, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, nomeadamente do disposto nos artigos 5._ e 48._ do Tratado CE e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 12; EE 05 F1 p. 77), porque exclui, através de regulamentações legais ou de práticas administrativas, para efeitos de diuturnidades e de classificação numa grelha salarial, relativamente aos trabalhadores empregados num serviço público do Estado, a contagem do serviço anterior prestado num serviço público de outro Estado-Membro da Comunidade, com o único fundamento de o serviço anterior não ter sido prestado num serviço público nacional.

Enquadramento jurídico

2 O artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68 prevê:

«O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.»

3 O artigo 16._, n._ 1, da Lei helénica n._ 1505/84, relativa à grelha salarial do pessoal da administração pública, na redacção da Lei n._ 1810/88 (a seguir «legislação controvertida»), dispõe:

«Anos de serviço que dão direito a um acréscimo salarial e a um prémio de antiguidade

1. Os anos de serviço tidos em conta, para efeitos da subida na grelha salarial estabelecida no artigo 3._, a concessão do prémio de antiguidade previsto no artigo 9._ e a fixação da remuneração dos empregados prevista no artigo 15._, n._ 2, da lei são:

a) os anos de serviço prestados numa administração pública ou junto de pessoas colectivas de direito público ou autarquias locais, no âmbito de uma relação de trabalho de direito público.

b) Os anos de serviço prestados nas entidades acima referidas no âmbito de uma relação de trabalho de direito privado, na medida em que sejam reconhecidos pelo organismo local competente como dando direito a pensão ou que tenham sido tidos em conta para a classificação num grau ou qualquer acréscimo salarial.

c) Os anos de serviço prestados a pessoas colectivas de direito privado, que tenham sido tidos em conta com base em disposições especiais para a nomeação, afectação, classificação num grau ou para qualquer outro acréscimo salarial, ou que sejam reconhecidos pelo organismo local competente como dando direito a pensão..., a antiguidade dos professores nas escolas de Chipre e nas escolas gregas reconhecidas no estrangeiro, bem como um período máximo de oito anos, na medida em que as disposições na matéria exijam um período de `qualificação' com vista à nomeação. Esta `qualificação' pode consistir em antiguidade ou na aquisição de uma especialização ou experiência.

d) Os anos de serviço cumpridos na qualidade de militar de carreira, voluntário ou reincorporado nas forças armadas, serviços de segurança ou polícia portuária, após diminuição do período durante o qual o empregado teria servido como recruta ou reservista se não tivesse sido incorporado como militar (de carreira, voluntário ou reincorporado).

e) Os anos de serviço tidos em conta antes da entrada em vigor da presente lei como condição profissional substancial da nomeação...

f) Os anos de serviço cumpridos nos países socialistas por refugiados políticos repatriados.

d) Os anos de serviço dos agentes de formação nas escolas do ensino privado.»

4 O artigo 3._ da Convenção Colectiva especial n._ 128, de 10 de Outubro de 1989, torna estas disposições aplicáveis ao pessoal empregado, no âmbito de um contrato de direito privado, pelo sector público ou por pessoas colectivas de direito público.

Procedimento administrativo

5 A Comissão foi informada da existência da legislação controvertida por queixa de um particular, de nacionalidade grega, que, desde Abril de 1986, trabalha como músico na orquestra de Salónica, pessoa colectiva de direito público, a que está vinculado por um contrato de direito privado. O interessado tinha anteriormente trabalhado durante cinco anos na orquestra municipal de Nice (França).

6 A queixa do interessado tinha que ver com o facto de as autoridades gregas terem recusado tomar em conta, para efeitos da sua classificação na grelha salarial e da concessão de um complemento de antiguidade, os cinco anos de trabalho prestados em França, quando, se esse período tivesse sido cumprido numa orquestra municipal na Grécia, teria sido tomado em conta.

7 Por carta de 13 de Novembro de 1991, a Comissão pediu às autoridades helénicas que lhe fornecessem informações quanto aos elementos que constavam da queixa. Estas responderam que o período de trabalho cumprido pelo interessado em França não tinha sido tomado em consideração porque o seu reconhecimento teria violado a legislação controvertida.

8 Entendendo que esta regulamentação era contrária às exigências do direito comunitário, a Comissão, por carta de 5 de Outubro de 1993, notificou a República Helénica para apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

9 Não tendo ficado convencida com a resposta fornecida por carta de 10 de Março de 1994, a Comissão enviou à República Helénica, em 18 de Maio de 1995, um parecer fundamentado no qual a convidava a adoptar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da notificação.

10 Por carta de 24 de Agosto de 1995, a República Helénica reiterou a sua posição segundo a qual as disposições controvertidas não tinham por objectivo estabelecer discriminações entre os nacionais gregos nem entre os trabalhadores nacionais e os nacionais de outros Estados-Membros e que, de qualquer modo, não tinham efeito discriminatório.

11 No termo do prazo dado à República Helénica para dar cumprimento ao parecer fundamentado, a Comissão intentou a presente acção.

Quanto ao mérito

12 A Comissão considera que a legislação controvertida é contrária ao princípio da livre circulação de trabalhadores enunciado no artigo 48._ do Tratado e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68, e isto em dois pontos.

13 Em primeiro lugar, mesmo sendo a legislação controvertida textualmente «neutra», comporta na realidade uma discriminação indirecta baseada na nacionalidade. Com efeito, as disposições desta legislação são de molde a desfavorecer sobretudo os trabalhadores migrantes, uma vez que lhes é negado o reconhecimento dos períodos de serviço que prestaram nas administrações públicas de outros Estados-Membros pelo simples facto de esses períodos não terem sido prestados na administração pública grega.

14 Em segundo lugar, esta recusa absoluta de reconhecer os referidos períodos constitui um entrave à livre circulação de trabalhadores gregos, na medida em que os pode igualmente dissuadir de exercerem essa liberdade.

15 A República Helénica entende que o problema da equiparação dos períodos de serviço cumpridos na administração pública de um Estado-Membro aos cumpridos na administração grega não pode ser solucionado apenas pela adopção das normas comunitárias.

16 Com efeito, por um lado, nem sempre é fácil determinar se a actividade exercida noutro Estado-Membro o foi numa administração pública, porque a fronteira entre os sectores público e privado varia de um Estado-Membro para outro. Por outro lado, a comparação entre as tarefas que um trabalhador desempenha nas administrações públicas dos Estados-Membros pode, na prática, causar dificuldades.

17 A título liminar, cabe observar que a derrogação estabelecida no n._ 4 do artigo 48._ do Tratado, segundo o qual as disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores não são aplicáveis «aos empregos na administração pública», não é aplicável ao caso vertente, visto tal disposição se limitar a prever a possibilidade de os Estados-Membros excluírem o acesso de nacionais de outros Estados-Membros a certas funções na administração pública (acórdão de 13 de Novembro de 1997, Grahame e Hollanders, C-248/96, ainda não publicado na Colectânea, n._ 32). A excepção não abrange os elementos que um Estado-Membro toma em conta na fixação das condições de remuneração de um trabalhador já admitido na sua administração pública.

18 Em seguida, segundo jurisprudência constante, a regra da igualdade de tratamento, inscrita tanto no artigo 48._ do Tratado CE como no artigo 7._ do Regulamento n._ 1612/68, proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam na prática ao mesmo resultado (v., nomeadamente, acórdão de 27 de Novembro de 1997, Meints, C-57/96, ainda não publicado na Colectânea, n._ 44).

19 A menos que seja objectivamente justificada e proporcionada ao objectivo prosseguido, uma disposição de direito nacional deve ser considerada indirectamente discriminatória desde que seja susceptível, pela sua própria natureza, de afectar preponderantemente os trabalhadores migrantes, em comparação com os trabalhadores nacionais, e que, em consequência, acarrete o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros (acórdão Meints, já referido, n._ 45).

20 Resulta claramente dos autos que as disposições da legislação controvertida, pelo menos na sua aplicação, excluem qualquer possibilidade de tomada em consideração, para efeitos de classificação de um trabalhador na grelha salarial e da concessão de um complemento de antiguidade, dos períodos de serviço prestados na administração pública de outro Estado-Membro que não a República Helénica, ao passo que são tidos em consideração, em determinadas circunstâncias, os períodos de serviço já cumpridos na administração grega.

21 Esta regra, que funciona manifestamente em detrimento dos trabalhadores migrantes que cumpriram parte da sua carreira no serviço público de outro Estado-Membro que não a República Helénica, é portanto, por esse facto, susceptível de violar o princípio da não discriminação consagrado no artigo 48._ do Tratado e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/658.

22 Assim, mesmo na falta de disposições comunitárias específicas para este efeito, incumbe à República Helénica determinar, a pedido do interessado, se o emprego que este ocupou noutro Estado-Membro é equivalente a um emprego na administração grega tido em consideração para efeitos da classificação na grelha salarial e da concessão de um complemento de antiguidade. O facto de o Estado-Membro em causa considerar que, na prática, esta comparação é difícil de realizar, não pode, em caso algum, justificar a sua recusa de a ela proceder.

23 Não tendo a República Helénica invocado outros elementos susceptíveis de justificar objectivamente o tratamento discriminatório dos trabalhadores migrantes denunciado pela Comissão, há que declarar que este Estado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, nomeadamente do disposto nos artigos 5._ e 48._ do Tratado CE e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento n._ 1612/68, porque exclui, através de regulamentações legais ou de práticas administrativas, para efeitos de diuturnidades e de classificação numa grelha salarial, relativamente aos trabalhadores empregados num serviço público do Estado, a contagem do serviço anterior prestado num serviço público de outro Estado-Membro da Comunidade, com o único fundamento de o serviço anterior não ter sido prestado num serviço público nacional.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

24 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Helénica sido vencida e tendo a Comissão requerido, há que condenar a primeira nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

decide:

1) A República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, nomeadamente do disposto nos artigos 5._ e 48._ do Tratado CE e no artigo 7._, n._ 1, do Regulamento (CEE) n._ 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, porque exclui, através de regulamentações legais ou de práticas administrativas, para efeitos de diuturnidades e de classificação numa grelha salarial, relativamente aos trabalhadores empregados num serviço público do Estado, a contagem do serviço anterior prestado num serviço público de outro Estado-Membro da Comunidade, com o único fundamento de o serviço anterior não ter sido prestado num serviço público nacional.

2) A República Helénica é condenada nas despesas.

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