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Document 61996CC0343

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 28 de Abril de 1998.
Dilexport Srl contra Amministrazione delle Finanze dello Stato.
Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Bolzano, Sezione Distaccata di Vipiteno - Itália.
Imposições internas contrárias ao artigo 95. do Tratado - Repetição do indevido - Regras processuais nacionais.
Processo C-343/96.

Colectânea de Jurisprudência 1999 I-00579

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:174

61996C0343

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 28 de Abril de 1998. - Dilexport Srl contra Amministrazione delle Finanze dello Stato. - Pedido de decisão prejudicial: Pretura circondariale di Bolzano - Itália. - Imposições internas contrárias ao artigo 95. do Tratado - Repetição do indevido - Regras processuais nacionais. - Processo C-343/96.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-00579


Conclusões do Advogado-Geral


1 O Pretore di Bolzano (Itália) colocou ao Tribunal de Justiça seis questões prejudiciais sobre a incidência das normas e princípios do direito comunitário no regime jurídico nacional - Lei italiana n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990 (1) (a seguir «Lei n._ 428») - relativo ao reembolso de determinadas receitas fiscais indevidamente cobradas pela administração italiana.

Matéria de facto, tramitação processual e teor das questões prejudiciais

2 A sociedade demandante pagou à administração italiana, em 12 de Março de 1988, o montante de 6 945 756 LIT, a título de imposto sobre o consumo correspondente a um lote de bananas importadas através da alfândega de Brenner.

3 Considerando que se tratava de um imposto indevidamente pago, porque incompatível com o direito comunitário, a Dilexport Srl apresentou um pedido de reembolso à administração em 1991. Não tendo obtido resposta favorável, interpôs para o Pretore di Bolzano, territorialmente competente, um recurso per ingiunzione, ao abrigo do artigo 633._ do Código de Processo Civil italiano, para obter o reembolso do montante em causa.

4 O Pretore, antes de decidir do recurso, submeteu ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que obsta à adopção por um Estado-Membro de uma regulamentação como a representada pelo artigo 29._ da Lei italiana n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990, que sujeita o reembolso das contribuições cobradas com violação do direito comunitário a prazos de prescrição ou de caducidade e a condições de prova diversas e mais restritivas do que as previstas na regulamentação geral de direito civil? Em especial, relativamente ao princípio segundo o qual as modalidades do exercício do direito ao reembolso definidas pela regulamentação nacional `não podem ser menos favoráveis do que as relativas a impugnações semelhantes de direito interno', pretende saber-se o que deve entender-se pela expressão `impugnações semelhantes de direito interno'.

2) Os princípios fundamentais do ordenamento comunitário impedem que um Estado-Membro - de forma limitada e apenas no que se refere a um sector específico constituído por uma categoria homogénea de imposições fiscais em que prevalecem de forma patente as que são relevantes para o ordenamento comunitário - adopte uma regulamentação especial e derrogatória destinada a restringir e limitar o direito de repetição do indevido, derrogando, dessa forma, as condições gerais relativas à repetição do indevido previstas no artigo 2033 do Código Civil? Em especial, o princípio de não discriminação pode ser interpretado de forma restritiva, podendo entender-se, assim, que não é violado pela regulamentação de um Estado-Membro, como a constante do n._ 2 do artigo 29._ da Lei n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990, pelo simples facto de as condições de reembolso das imposições fiscais comunitariamente relevantes nela estabelecidas, apesar de restritivas quando comparadas com a regulamentação geral de direito comum, se revelarem, contudo, menos gravosas do que as condições especiais de reembolso previstas no n._ 3 do mesmo artigo?

3) Os referidos princípios fundamentais do ordenamento comunitário impedem que um Estado-Membro - após repetidos acórdãos do Tribunal de Justiça que declararam incompatíveis com o direito comunitário diversas contribuições em matéria de direitos aduaneiros de importação, imposto de fabrico, imposto de consumo, adicional sobre o preço do açúcar e emolumentos - adopte uma regulamentação processual, como a introduzida pelo artigo 29._ da Lei n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990, que reduz especificamente a possibilidade de agir em matéria de repetição dos referidos impostos indevidamente cobrados com violação do direito comunitário?

4) Uma lei como a referida - pretensamente adoptada para conformar a legislação nacional com a jurisprudência do Tribunal de Justiça -, aprovada com mais de três anos e meio de atraso relativamente aos acórdãos do Tribunal de Justiça em causa, com consequente enriquecimento indevido por parte do Estado retardatário, é incompatível com o direito comunitário e, em especial, com o declarado no acórdão de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. I-3595), em matéria de provas não admitidas, e, em especial, é ou não incompatível com o direito comunitário a interpretação e aplicação do referido artigo 29._ baseada na afirmação de que - `sendo facto notório a incorporação dos impostos de consumo' - a prova por presunção é prova suficiente para se admitir a repercussão e indeferir, assim, o pedido de reembolso?

5) Por consequência, é lícito à luz do direito comunitário que o órgão jurisdicional nacional ou o seu consultor técnico comprove a repercussão do imposto com base em tais presunções simples, que seriam pretensamente típicas provas livres, excluindo sistematicamente, dessa forma, os pedidos de reembolso, como se verifica na prática, de tal forma que a administração devedora jamais admite dever proceder ao reembolso?

6) Pode impor-se, e, em todo o caso, pode impor-se com efeitos retroactivos, uma norma como a contida nos n.os 4 e 8 do referido artigo 29._, que estabelece formalidades processuais (por exemplo, a obrigação de notificar serviços específicos da própria autoridade devedora) jamais estabelecidas em anteriores casos de reembolso previstos pela disciplina geral desta matéria?»

O enquadramento jurídico nacional e o enquadramento jurídico comunitário

5 O artigo 29._ da Lei n._ 428 (2) contém, sob o título «Restituição de imposições consideradas incompatíveis com as normas comunitárias», as seguintes disposições:

- o n._ 1 alarga o prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 91._ do texto unificado das disposições legislativas em matéria aduaneira a todos os pedidos e acções que têm por objecto a restituição de quantias pagas em conexão com operações aduaneiras; a partir do nonagésimo dia subsequente à entrada em vigor da lei (3), o referido prazo e o prazo de prescrição previsto no artigo 84._ do mesmo texto unificado são reduzidos para três anos;

- o n._ 2 dispõe que «devolver-se-ão os direitos aduaneiros de importação, os impostos de fabrico, os impostos sobre o consumo, a imposição sobre o açúcar e as imposições estatais cobradas em conformidade com disposições nacionais incompatíveis com normas comunitárias, a não ser que o encargo correspondente tenha sido repercutido sobre outros sujeitos»;

- o n._ 4 dispõe que o pedido de reembolso dos direitos e imposições referidos nos n.os 2 e 3 anteriores, quando a respectiva despesa foi tida em conta na determinação do rendimento colectável da empresa, deve também ser comunicado à repartição de finanças que recebeu a declaração de rendimentos do exercício, sob pena de inadmissibilidade;

- o n._ 7 acrescenta que o n._ 2 se aplica mesmo que o reembolso se refira a montantes pagos anteriormente à data de entrada em vigor da lei (a saber, 27 de Janeiro de 1991);

- segundo o n._ 8, o n._ 4 aplica-se a partir do exercício fiscal em curso à data de entrada em vigor da lei.

6 O imposto especial sobre o consumo de bananas originárias doutros Estados-Membros, que a empresa demandante pagou e de que pede o reembolso, foi declarado incompatível com o direito comunitário pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1987, Comissão/Itália (4), por violar o segundo parágrafo do artigo 95._ do Tratado CEE. O acórdão Co-Frutta (5), da mesma data, confirmou que esta disposição do Tratado se opõe a um imposto de consumo que atinge determinadas frutas importadas, uma vez que o mesmo é susceptível de proteger a produção nacional de fruta, e que o artigo 95._ do Tratado é aplicável a todos os produtos provenientes dos Estados-Membros, incluindo os que, originários de países terceiros, foram colocados em livre prática nos Estados-Membros.

A apreciação das diferentes questões prejudiciais

7 Abordaremos a apreciação das questões prejudiciais agrupando-as em função do seu conteúdo, mesmo se o resultado não coincide totalmente com a ordem na qual foram apresentadas no despacho de reenvio:

a) em primeiro lugar, a dualidade de regimes jurídicos aplicáveis ao direito à repetição do indevido (primeira e segunda questões);

b) em segundo lugar, os problemas de ordem temporal - ou seja, os prazos de prescrição e de caducidade bem como a retroactividade - decorrentes da aplicação da Lei n._ 428 ao reembolso do imposto (terceira questão);

c) em terceiro lugar, a utilização de presunções como meio de prova para apreciar a repercussão do imposto sobre terceiros (quarta e quinta questões);

d) finalmente, a exigência de que os pedidos de reembolso sejam comunicados à administração fiscal (sexta questão).

Quanto às primeira e segunda questões prejudiciais

8 As primeira e segunda questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio referem-se ao conteúdo da norma interna enquanto tal - isto é, independentemente da sua aplicação no tempo - e à sua eventual contradição com o direito comunitário. Considero que esta análise deve, em boa lógica, preceder a da questão da retroactividade ou não retroactividade da referida norma, que é objecto da terceira questão prejudicial.

9 O n._ 1 do artigo 29._ da Lei n._ 428, acima transcrito, reflecte uma vontade clara do legislador: a de aplicar o mesmo prazo de caducidade de cinco anos, previsto pela legislação aduaneira, a todo o tipo de pedidos e acções susceptíveis de serem apresentados com vista ao reembolso das quantias pagas em conexão com operações aduaneiras. Para o que aqui interessa, pouco importa que a expressão utilizada pela lei («o prazo de caducidade de cinco anos... deve entender-se aplicável») seja meramente interpretativa ou tenha eficácia constitutiva.

10 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma norma que fixa um tal prazo de caducidade para o reembolso de somas indevidamente pagas, quando esse reembolso deriva da violação de uma norma comunitária, é compatível com o direito comunitário, quando as acções análogas de repetição do indevido estão sujeitas, em direito comum (artigo 2033._ do Código Civil italiano), ao prazo de prescrição de dez anos.

11 A questão coloca-se em termos análogos aos invocados por outros órgãos jurisdicionais italianos, a propósito do prazo de caducidade de três anos aplicado aos pedidos de restituição da taxa anual de concessão governamental pela inscrição das sociedades no registo das empresas, nos processos prejudiciais em que recentemente apresentámos conclusões (Edis, C-231/96; Spac, C-260/96, e Ansaldo e o., C-279/96, C-280/96 e C-281/96). Trata-se de saber, em definitivo, se é admissível, na perspectiva comunitária, que as acções de repetição do indevido contra o fisco estejam sujeitas a prazos de caducidade ou de prescrição diferentes dos estabelecidos para acções análogas entre particulares.

12 Tal como referimos nessas conclusões, consideramos que nenhuma norma ou princípio de direito comunitário impede o legislador nacional de fixar, para a prescrição de direitos ou a caducidade do exercício de acções, prazos diferentes de acordo com o sector do ordenamento jurídico em causa, desde que esses prazos sejam indistintamente aplicados aos direitos decorrentes de normas nacionais ou de normas comunitárias.

13 Com efeito, o legislador nacional é livre de estabelecer prazos de prescrição ou de caducidade em matéria tributária que não têm de coincidir com os fixados para outro tipo de relações privadas. Nenhuma norma ou princípio de direito comunitário o obriga a equiparar, para esses efeitos, as relações tributárias às relações inter privatos.

14 O ordenamento jurídico italiano conhece, além disso, prazos muito diferentes de acordo com o sector do ordenamento jurídico em causa. Precisamente, o prazo geral de prescrição ordinário (dez anos) que consta do artigo 2946._ do Código Civil aplica-se «a todos os casos em que a lei não disponha de outra forma», e são inúmeras as disposições legais que, com efeito, estabelecem prazos inferiores para a prescrição de determinados direitos ou para o exercício de determinadas acções (6).

15 Como todos os Estados-Membros que apresentaram observações neste processo, não encontramos qualquer motivo para recusar que um legislador nacional possa impor às acções de restituição de imposições indevidamente pagas condições de exercício no tempo diferentes daquelas que regem acções semelhantes entre particulares.

16 A legitimidade da referida distinção já foi, além disso, confirmada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 22 a 25 do acórdão de 27 de Março de 1980, Denkavit italiana (7). Após reconhecer que o direito comunitário não exige necessariamente o estabelecimento de uma regra uniforme e comum a todos os Estados-Membros quanto às condições de fundo e de forma que regulam a impugnação ou a restituição de taxas contrárias àquele direito, e que a resolução deste problema varia de um Estado para outro, e mesmo no interior de cada Estado, de acordo com os diversos tipos de imposições, o Tribunal de Justiça reconheceu a validade dos dois tipos de regimes nacionais mais característicos na matéria:

- em alguns casos, as leis nacionais submetem as impugnações ou os pedidos de restituição das imposições ilegalmente cobradas a condições específicas de tempo e de forma, tanto no que respeita às reclamações apresentadas à administração fiscal como aos recursos jurisdicionais;

- noutros casos, as acções de restituição das imposições indevidamente pagas devem ser interpostas nos órgãos jurisdicionais comuns, especialmente sob a forma de acções de restituição do indevido. Este tipo de acções pode ser interposto dentro de prazos maiores ou menores que, por vezes, podem corresponder ao da prescrição do direito comum.

17 Pouco depois, o Tribunal de Justiça, reiterando a sua jurisprudência Rewe e Comet (8), sustenta que, do ponto de vista comunitário, as condições que os diferentes sistemas nacionais devem respeitar, no que toca à restituição de imposições indevidamente pagas e cuja ilegalidade decorre de uma norma comunitária eram as já referidas da inexistência de discriminação e da efectividade das acções correspondentes. Ambas são expressão, segundo o recente acórdão Palmisani, de 10 de Julho de 1997 (9), do «princípio da equivalência» (com os requisitos estabelecidos para as reclamações similares de natureza interna) e do «princípio da efectividade» do direito comunitário, respectivamente.

18 Num caso análogo a este, o Tribunal de Justiça teve a oportunidade de esclarecer um pouco mais a sua anterior posição, ao resolver uma questão prejudicial pela qual se pretendia, «em substância, saber em que medida os princípios gerais do direito comunitário se opõem a normas nacionais que prevêem um prazo imperativo de três anos para qualquer pedido de reembolso de direitos indevidamente cobrados, sem qualquer excepção por caso de força maior».

19 A resposta, dada no acórdão de 9 de Novembro de 1989, Bessin e Salson (10), é perfeitamente aplicável ao caso em apreço, pois a analogia das situações jurídicas é patente. A norma nacional então em questão era o Código Aduaneiro francês, que estabelecia um prazo de três anos para se pedir a devolução dos direitos de importação indevidamente pagos: essa norma especial afastava-se do prazo geral de prescrição, aplicável na falta de qualquer outro, nos termos do Código Civil francês, aos pedidos de restituição do indevido.

20 No acórdão que respondeu àquela questão prejudicial, o Tribunal de Justiça, após recordar que é necessária uma aplicação não discriminatória da legislação nacional relativamente aos processos destinados a resolver litígios puramente nacionais do mesmo tipo, e que essa legislação não pode, na prática, impedir o exercício dos direitos conferidos pelas normas comunitárias, decidiu que o prazo de prescrição de três anos em causa corresponde «a uma opção legislativa que não tem por efeito prejudicar a referida exigência».

21 Finalmente, em dois acórdãos de 17 de Julho de 1997, Texaco e Olieselskabet Danmark (11) e Haahr Petroleum (12), o Tribunal de Justiça reiterou esta mesma doutrina, confirmando que «a fixação de prazos judiciais razoáveis, sob pena de caducidade, que é a aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica, respeita as duas condições indicadas e não pode, nomeadamente, considerar-se que torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário, apesar de, por definição, o decurso desses prazos implicar que a acção não possa proceder no todo ou em parte». Em consequência, declarou que o prazo de prescrição de cinco anos, aplicado pela legislação dinamarquesa aos pedidos de reembolso de imposições nacionais contrárias ao direito comunitário, é compatível com este último, mesmo quando impeça, total ou parcialmente, a devolução pretendida.

22 Assim, existiria discriminação se a norma italiana sobre a caducidade das acções de restituição da taxa indevidamente paga estabelecesse prazos diferentes consoante a origem, nacional ou comunitária, da obrigação de reembolso. Com efeito, assim sucederia se o prazo legal para reclamar a devolução da taxa, por incompatibilidade com o direito comunitário, fosse menor do que o prazo legal para reclamar a devolução dessa mesma taxa por qualquer outro motivo de direito interno. Mas, como isso não se verifica e o prazo fixado no n._ 1 do artigo 29._ da Lei n._ 428 se aplica indistintamente a todas as acções de restituição da taxa, seja qual for o seu fundamento, a resposta à segunda questão prejudicial deve afirmar a compatibilidade desta disposição com o direito comunitário.

23 Com efeito, é esta a interpretação que naturalmente decorre da letra da norma e que foi acolhida pela jurisprudência italiana: assim, num acórdão de 6 de Novembro de 1992 (13), a Corte Suprema di Cassazione afirma:

«O artigo 29._, n._ 1, da Lei n._ 428 de 1990... sujeita a um regime único a devolução das quantias indevidamente cobradas a título de uma grande parte das imposições (impostos indirectos sobre os bens) equiparando, para o efeito, tanto os direitos cobrados nos termos de disposições nacionais incompatíveis com normas comunitárias como os direitos aduaneiros de importação, os impostos sobre o fabrico, sobre o consumo, etc., evitando deste modo para os reembolsos em matéria comunitária a criação de um jus singulare que tornaria o seu exercício menos fácil.»

Quanto à terceira questão prejudicial

24 Uma vez afirmada a compatibilidade da norma, em si mesma considerada, com o direito comunitário, há que em seguida analisar as questões relativas à sua eficácia no tempo e, em concreto, à sua aplicação retroactiva.

25 Tal como a Comissão e, em parte, o Governo francês sublinham nas suas observações, há uma certa confusão a este respeito. A Comissão chega a afirmar que «no que respeita aos efeitos no tempo da norma controvertida, a situação caracteriza-se por uma confusão exemplar: a lei estabelece uma coisa (interpreta retroactivamente uma disposição anterior...), mas os órgãos jurisdicionais da República, incluindo os supremos, aplicam outra (regra da não retroactividade, pelo menos para os pedidos de reembolso apresentados até à entrada em vigor da Lei n._ 428 ...)».

26 A Corte di cassazione, no seu acórdão de 6 de Novembro de 1992, já referido, confirma o carácter retroactivo da norma, motivo que a conduz a decidir pela sua não aplicação. A argumentação desenvolvida nesse acórdão pode ser assim resumida:

a) de acordo com as normas anteriores à entrada em vigor da Lei n._ 428, o prazo de prescrição de cinco anos aplicável à devolução de quantias indevidamente cobradas, regido pelo artigo 91._ do texto único das leis aduaneiras, só se aplicava aos erros de cálculo ou de aplicação da pauta; em todos os outros casos, o prazo de prescrição era o prazo normal de dez anos (14);

b) após a promulgação do artigo 29._, n._ 1, da Lei n._ 428, o prazo de caducidade de cinco anos (e já não de prescrição) é aplicável a todos os pedidos e acções que possam ser apresentados com vista ao reembolso de qualquer quantia paga em conexão com operações aduaneiras (15);

c) este artigo não é apenas interpretativo, mas inovador, e a intenção do legislador foi a de lhe conferir eficácia retroactiva;

d) é precisamente em virtude desta retroactividade que a norma não é compatível com o direito comunitário e que os órgãos jurisdicionais internos não a devem aplicar (16).

27 Se a aplicação para o futuro do artigo 29._ da Lei n._ 428 não nos parece contrária ao direito comunitário, de acordo com o anteriormente exposto, temos dúvidas quanto à sua aplicação aos titulares do direito à devolução das imposições indevidamente pagas antes da sua entrada em vigor, na medida em que pode implicar a aplicação a estes últimos de condições de exercício mais desfavoráveis do que aquelas de que até então beneficiaram.

28 A incompatibilidade com o direito comunitário era clara no que respeita aos pedidos de reembolso apresentados antes da entrada em vigor dos novos prazos: o princípio da segurança jurídica não admite que essas reclamações sejam afectadas por uma norma posterior, inexistente no momento da sua apresentação, que agrava a situação jurídica dos reclamantes. Assim o entenderam os próprios órgãos jurisdicionais italianos, afastando a aplicação retroactiva do artigo em questão.

29 Mas o problema não se coloca apenas para as reclamações apresentadas antes de 27 de Abril de 1991, mas também para as posteriores a esta data, quando se referem a imposições pagas antes da entrada em vigor da nova lei. É este precisamente o caso da Dilexport: os direitos aduaneiros tinham sido (indevidamente) pagos em 1988, antes da promulgação da Lei n._ 428, pelo que um eventual pedido de reembolso era então legalmente admissível durante os dez anos seguintes (prazo comum de prescrição de dez anos). A reclamação efectiva, todavia, só foi apresentada em 1991.

30 No acórdão de 29 de Junho de 1988, Deville (17), o Tribunal de Justiça declarou que «o legislador nacional não pode adoptar, posteriormente a um acórdão do Tribunal de Justiça do qual resulta que determinada legislação é incompatível com o Tratado, uma regra processual que reduza especificamente as possibilidades de obter em juízo a restituição de impostos indevidamente cobrados nos termos dessa legislação. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se a decisão impugnada reduz as possibilidades de obter essa restituição que existiria sem ela» (18).

31 O processo Deville apresenta aspectos que são diferentes do processo sobre o qual ora nos debruçamos: o legislador francês tinha aprovado uma norma específica (artigo 18._ da Lei de 11 de Julho de 1985) para expressamente suprimir um imposto declarado incompatível com o direito comunitário, sobre o qual se tinha pronunciado a título prejudicial o Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de Maio de 1985, Humblot (19). O mesmo artigo dispunha que os contribuintes que reclamaram a devolução do referido imposto posteriormente a 9 de Maio de 1985 poderiam obter essa devolução desde que apresentassem o respectivo pedido num prazo determinado (relativamente a cuja interpretação as partes não estavam de acordo) a contar da data de pagamento do imposto. O Tribunal de Justiça não se considerou competente para decidir, no âmbito da resposta à questão prejudicial, se a legislação interna reduzia ou não, de facto, as possibilidades de recurso anteriormente existentes em favor do contribuinte.

32 No presente processo, em contrapartida,

a) embora a redução das possibilidades de solicitar o reembolso das imposições indevidamente pagas, que a nova lei introduz relativamente à norma anterior, seja manifesta, e assim o sublinharam os órgãos jurisdicionais nacionais, também é verdade que a referida lei permite, de acordo com a interpretação destes últimos, apresentar a reclamação durante os três anos que se seguem à sua entrada em vigor (20), prazo que deve considerar-se suficiente para garantir a efectividade do direito à devolução;

b) ao contrário do processo Deville, a legislação interna em causa não tem natureza especial, que a tornaria exclusivamente aplicável a uma determinada imposição anteriormente declarada incompatível com o direito comunitário, antes afectando toda uma vasta gama de imposições internas, cujo regime de prescrição e caducidade se unifica com o que já existia na legislação aduaneira.

33 Não creio que seja necessário, neste ponto, analisar se uma norma que reduz os prazos de caducidade para o exercício de acções que não foram ainda intentadas, mas que o poderiam ser ao abrigo da legislação anterior, pode ser considerada retroactiva stricto sensu. Como se sabe, as opiniões doutrinais sobre esta questão são divergentes, do mesmo modo que o são as soluções adoptadas pelas leis e pelas mais altas jurisdições nacionais (21). Mas, de qualquer modo, trata-se aqui de examinar se, na medida em que afecta situações protegidas pelo direito comunitário, tal norma era compatível com a doutrina enunciada no acórdão Deville.

34 Por outras palavras, o princípio que subjaz ao acórdão Deville deve ser considerado de tal forma absoluto que não permite, em nenhuma circunstância, uma modificação legislativa posterior que reduza o nível de protecção jurídica anterior? O contribuinte que pagou uma imposição incompatível com o direito comunitário conserva, de modo absoluto, o direito de a reclamar de acordo com as normas internas (não discriminatórias, nem de efeito ilusório) que estavam em vigor quando efectuou o pagamento ou se declarou aquela incompatibilidade?

35 A intenção de protecção que subjaz à jurisprudência Deville é a de respeitar o statu quo ante dos contribuintes que tinham confiado na manutenção das suas possibilidades de juridicamente reagir contra a tributação indevida. Essas possibilidades não devem ser menores precisamente quando se declarou explicitamente - por via jurisprudencial ou legislativa - o carácter indevido da imposição, por incompatibilidade com o direito comunitário.

36 Isto não deve implicar, em nosso entender, a obrigação de manter absolutamente «congelado» o regime jurídico anterior, tornando-o inalterável para o legislador. Consideramos, pelo contrário, que a modificação do referido regime jurídico era admissível enquanto medida legislativa de caráter geral desde que, além disso, não prive os interessados do exercício do seu direito de reclamar, concedendo-lhes para o efeito um prazo suficientemente amplo que respeite o princípio da efectividade da protecção jurisdicional.

37 São estas, justamente, as circunstâncias do litígio no processo principal, tanto de um ponto de vista normativo como de um ponto de vista factual.

38 Por um lado, a norma nacional não afecta exclusivamente uma imposição determinada, antes se apresentando como uma medida de generalização de um regime jurídico já existente (o previsto no texto único das disposições aduaneiras). É certo que, tanto pela rubrica em que se integra como pelo seu conteúdo, o artigo 29._ da Lei n._ 428 se refere expressamente ao reembolso de imposições incompatíveis com o direito comunitário. Mas também é verdade que se trata de uma medida generalizadora com a qual se pretende, precisamente, tanto pôr no mesmo plano as acções de repetição derivadas da violação do direito comunitário com as acções análogas baseadas no direito nacional como sujeitar «a um regime único a devolução das quantias indevidamente cobradas a título de uma grande parte das imposições...» (22).

39 Do ponto de vista factual, tratando-se de taxas pagas em 1988, antes da adopção da nova Lei n._ 428, o prazo de três anos concedido para exigir a devolução era mais do que suficiente para permitir à interessada intentar a acção de restituição em tempo útil. Pôde, portanto, exercer o seu direito à devolução da taxa sem qualquer obstáculo durante um longo período após a entrada em vigor da nova lei.

40 Em resumo, nem as circunstâncias deste caso são análogas às dos processos Deville e Barra, nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelecida nesses acórdãos deve ser interpretada de uma forma tão rigorosa que impeça qualquer alteração legislativa no que respeita ao regime das acções para devolução de quantias indevidamente pagas a seguir a um acórdão do Tribunal de Justiça. Desde que a referida alteração legal mantenha um nível suficiente de possibilidades de solicitar o reembolso dessas imposições (durante um prazo de três anos, por exemplo, como aqui se verifica), não creio que deva ser considerada incompatível com o direito comunitário.

Quanto às quarta e quinta questões prejudiciais

41 Nas suas quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é possível recorrer à prova por presunção para determinar se, após ter pago o imposto indevido, a empresa efectuou mais tarde a repercussão do mesmo sobre terceiros. Como é sabido, o Tribunal de Justiça admite, com alguns matizes, que a administração fiscal não tem a obrigação de devolver o montante do imposto ao sujeito passivo que, após o ter pago, o repercutiu sobre terceiros.

42 As premissas de que parte o órgão jurisdicional de reenvio relativamente à situação jurídica interna são contestadas pelo Governo italiano: no entendimento deste último, nem sempre se qualificou de «facto notório» a repercussão de impostos sobre o consumo em direito italiano, nem o uso da prova por presunção tem como resultado «excluir sistematicamente os pedidos de reembolso».

43 Colocado o debate nestes termos, e dado que o teor do artigo 29._ da Lei n._ 428, a que se refere o órgão jurisdicional na terceira questão, não faz de modo algum alusão a uma presunção legal de repercussão (23), consideramos que a resposta do Tribunal de Justiça não pode ir neste processo para além da reafirmação da sua jurisprudência anterior na matéria, perfeitamente recordada no acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o. (24).

44 Com efeito, tendo-lhe sido submetida pelo órgão jurisdicional a questão de saber «... se um Estado-Membro pode opor-se à restituição de um imposto indevido invocando a respectiva repercussão sobre o comprador, apesar da própria legislação desse Estado impor essa repercussão», o Tribunal de Justiça baseou-se no seu acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, Just (25), no acórdão Denkavit italiana, já referido, no acórdão San Giorgo, igualmente já referido, bem como no acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Bianco e Girard (26), para responder que:

- em primeiro lugar, «o direito de obter o reembolso de impostos cobrados por um Estado-Membro em violação das normas do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições comunitárias que proíbem os referidos impostos... O Estado-Membro é, assim, em princípio, obrigado a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário»;

- em segundo lugar, e como excepção a este princípio, «a protecção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica comunitária não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito comunitário quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre outras pessoas (v., designadamente, acórdão San Giorgio, n._ 13)»;

- finalmente, «compete, por isso, aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas...».

45 No que concerne aos aspectos processuais da questão, as considerações desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bianco e Girard, já referido, permanecem válidas: «Note-se a este respeito que, mesmo que as imposições indirectas sejam concebidas na legislação interna para serem repercutidas sobre o consumidor final, e, habitualmente, no domínio do comércio, tais imposições indirectas sejam parcial ou totalmente repercutidas, não é possível afirmar de modo geral que a imposição é de facto sempre repercutida. Na verdade, a repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores que acompanham cada transacção comercial e a diferenciam de outras situações em contextos diversos. Em consequência, o problema da existência ou não de repercussão de cada imposição indirecta constitui questão de facto da competência do juiz nacional, que goza de liberdade na apreciação das provas. Não é no entanto de admitir que , no caso das imposições indirectas, exista uma presunção de repercussão, cabendo ao contribuinte fazer a prova do contrário.»

46 Se não se pode, portanto, admitir uma presunção geral de repercussão do imposto, tal conclusão não significa de modo algum que o órgão jurisdicional nacional, num caso concreto, perante a matéria de facto e de direito que lhe foi apresentada, não possa formar a sua convicção quanto à existência da repercussão ou da transferência real e efectiva do encargo do imposto, no plano jurídico, a partir dos meios de prova admissíveis de acordo com as suas leis processuais.

47 A valoração dos referidos elementos de apreciação jurídica é uma faculdade soberana do juiz, que pode utilizar para o efeito todos os meios de apreciação de provas permitidos pelo seu ordenamento processual. Entre estes se encontra, sem dúvida, a prudente utilização de presunções, em determinados casos: a partir de um facto provado, e sempre que entre este e o que se trata de demonstrar exista um nexo preciso e directo, de acordo com as regras da razão, o juiz pode «presumir», para efeitos processuais, a existência deste último facto.

48 As presunções deste género, que são diferentes das estabelecidas pela lei num plano geral como presunções juris et de jure ou como presunções juris tantum, são comummente admitidas na maioria dos sistemas jurídicos, e são, de certo modo, inerentes à função jurisdicional: quando decide um caso concreto, o juiz baseia-se muitas vezes em presunções, expressas ou tácitas, como meio de formar a sua convicção sobre a existência ou inexistência de um facto alegado.

49 A jurisprudência do Tribunal de Justiça não impede, portanto, que o juiz utilize as presunções como meio de prova no sentido atrás referido: mas impede-o de partir, como premissa, da presunção geral da repercussão do imposto indirecto contrário ao direito comunitário, mesmo quando a obrigação de repercutir o encargo desse imposto está prevista na lei nacional.

50 O Tribunal de Justiça pronunciou-se, até ao momento, sobre presunções legais de repercussão e declarou-as incompatíveis com o direito comunitário. Essa mesma consequência deveria aplicar-se a uma presunção geral e abstracta de repercussão que, mesmo sem ter a natureza de presunção legal, seja estabelecida por via jurisprudencial no silêncio da lei. Como sustentamos, tal não impede de modo algum que, em cada caso concreto, os órgãos jurisdicionais competentes utilizem a prova por presunção como um meio entre outros para formar a sua convicção sobre a repercussão ou não do encargo fiscal.

51 Quiçá um exemplo seja ilustrativo: nenhum órgão jurisdicional nacional pode pressupor à partida que uma empresa repercutiu sobre os seus clientes todos os impostos indirectos anteriormente pagos ao fisco; mas, se lhe for demonstrado (com a ajuda de relatórios de exames à contabilidade, relatórios económicos ou outros, ou por outros meios de prova) que a referida empresa, durante determinados anos e relativamente a determinados produtos, praticou de modo geral a repercussão do imposto, o juiz pode legitimamente, ao pronunciar-se sobre um caso concreto ocorrido nesses anos, partir da «presunção» de que a imposição foi repercutida também nessa ocasião.

52 Finalmente consideramos que a resposta do Tribunal de Justiça deveria reafirmar os seus acórdãos anteriores: compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar, em cada caso, a repercussão ou não repercussão da imposição como uma questão de facto submetida à livre apreciação das provas, para cuja determinação são admissíveis todos os meios probatórios autorizados em direito interno. Não obstante, o órgão jurisdicional nacional não pode partir, em matéria de imposições indirectas, de uma presunção geral de repercussão da carga fiscal, e impor ao sujeito passivo a prova em contrário.

Quanto à sexta questão prejudicial

53 O n._ 4 do artigo 29._ da Lei n._ 428 impõe nova exigência processual às acções de reembolso de direitos e imposições a que se referem os n.os 2 e 3 do mesmo preceito: quando as quantias em questão contribuíram para determinar os rendimentos da empresa, devem ser comunicadas, sob pena de inadmissibilidade, aos serviços da administração fiscal que tenham recebido as declarações dos rendimentos do exercício em questão.

54 A causa e a finalidade fiscal desta exigência são óbvias: se a empresa computou como «custo» o montante do imposto indevidamente pago, para o deduzir das suas receitas no decurso do exercício fiscal e determinar assim os seus rendimentos tributáveis, é normal que, no caso de acção de repetição desta imposição, a administração fiscal dela tenha conhecimento e possa actuar em conformidade.

55 É certo que o legislador italiano podia ter alcançado a mesma finalidade com outro tipo de medidas menos rigorosas do ponto de vista processual: no fim de contas, os pedidos de devolução das imposições indevidas dirigem-se à administração, que necessáriamente vai ter conhecimento dos mesmos através da avvocatura dello Stato ou de qualquer outro representante do Estado em juízo, o que torna um pouco supérfluo exigir das demandantes que comuniquem, além disso, expressamente os seus pedidos a uma outra instância administrativa. Mas não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre o interesse ou oportunidade de tais medidas.

56 Do ponto de vista comunitário, nada se opõe a essa medida se, como o artigo atrás referido afirma, a mesma se aplica indistintamente ao reembolso de todas as imposições e direitos a que se referem os n.os 2 e 3, pouco importando que a obrigação de reembolso resulte de uma incompatibilidade com o direito comunitário, ou assente noutro motivo.

57 Ao invés, é incompatível com o direito comunitário o alargamento retroactivo da referida medida tanto aos pedidos de reembolso apresentados à administração (27) como às acções judiciais intentadas contra esta pela mesma razão, quando uns e outras são anteriores à entrada em vigor da lei. Tal interpretação retroactiva tornaria impossível o exercício da acção de repetição, em termos já condenados pela jurisprudência comunitária, uma vez que redundaria em impor a posteriori uma condição que, no momento da propositura da acção ou da apresentação do pedido administrativo, não era obrigatória e que se torna depois impossível de preencher.

58 O n._ 8 do artigo 29._ estabelece que a obrigação de notificar a administração fiscal «... é aplicável a partir do exercício fiscal em curso à data de entrada em vigor da presente lei». Se bem que a interpretação desta norma não tenha sido pacífica na fase escrita do procedimento prejudicial - e podemos observá-lo comparando as teses perfilhadas pelo Governo italiano nas suas observações com as que a demandante lhe atribuiu nas suas próprias observações -, as duas partes reconheceram no decurso da fase oral que a Corte di Cassazione tinha posto cobro a essas divergências pronunciando-se pela não retroactividade da disposição.

59 Com efeito, o acórdão n._ 10697, proferido pela Corte di Cassazione em 29 de Outubro de 1997, reconhece que o dever de comunicar à administração fiscal os pedidos de reembolso dos pagamentos que foram efectuados, mas que não eram devidos por razões decorrentes do direito comunitário, se refere unicamente aos exercícios fiscais posteriores à entrada em vigor da Lei n._ 428, e não aos anteriores a essa lei. Baseia-se, para chegar a esta conclusão, no facto de que a interpretação contrária não apenas violaria a jurisprudência constitucional italiana mas igualmente a do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da eficácia da tutela judicial.

60 Excluído, pois, o risco de aplicação retroactiva e não existindo dúvidas sobre o respeito do princípio da equivalência, a obrigação objecto deste preceito não suscita inconvenientes do ponto de vista do direito comunitário.

Conclusão

Por conseguinte, propomos ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Pretura circondariale di Bolzano do seguinte modo:

«1) O direito comunitário não obsta a que as ordens jurídicas nacionais sujeitem a propositura de acções contra a administração fiscal para o reembolso de imposições indevidamente pagas a um prazo de caducidade de três anos, mesmo que esse prazo seja diferente do estabelecido para as acções de repetição do indevido entre particulares, mas desde que se aplique indistintamente às acções para reembolso que tenham fundamento no direito interno e às que decorram da aplicação de normas comunitárias.

2) O direito comunitário não se opõe a uma norma nacional que, para unificar o regime jurídico aplicável a certas categorias de imposições, reduz os prazos de prescrição de direitos ou de caducidade de acções até então aplicáveis à devolução de impostos cobrados em violação das disposições de uma directiva, desde que a referida norma conceda um prazo suficiente (como, por exemplo, três anos) a partir da sua entrada em vigor para intentar as acções correspondentes.

3) A questão de saber se uma imposição foi repercutida ou não constitui, em cada caso, uma questão de facto da competência do juiz nacional, e que este deve analisar no uso da sua liberdade de apreciação da prova, e para cuja determinação são admissíveis todos os meios de prova utilizáveis no seu direito interno. No entanto, o juiz nacional não pode admitir que, no caso de impostos indirectos, exista uma presunção geral de repercussão da carga fiscal, que incumbiria ao sujeito passivo ilidir fazendo prova do contrário.

4) Nada obsta a que a legislação nacional exija que as acções de reembolso de imposições indevidas, por serem incompatíveis com o direito comunitário, sejam comunicadas, sob pena de inadmissibilidade, aos serviços fiscais competentes. Tal inadmissibilidade não pode ter carácter retroactivo, ou seja, não pode aplicar-se às acções intentadas antes da entrada em vigor da lei.»

(1) - Lei relativa à aplicação das obrigações decorrentes da pertença da República Italiana às Comunidades Europeias (GURI, suplemento n._ 10 de 1991).

(2) - O teor literal do n._ 1 é o seguinte: «O prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 91._ do texto unificado das disposições legislativas em matéria aduaneira, aprovado pelo Decreto n._ 43 do Presidente da República, de 23 de Janeiro de 1973, deve entender-se aplicável a todos os pedidos e acções que têm por objecto a restituição de quantias pagas em conexão com operações aduaneiras. A partir do nonagésimo dia subsequente à entrada em vigor da presente lei, o referido prazo e o prazo de caducidade previsto no artigo 84._ do mesmo texto unificado são reduzidos para três anos.» Por seu turno, o artigo 91._ do texto unificado previa, na sua versão original, o seguinte: «O contribuinte tem direito ao reembolso dos montantes indevidamente pagos na sequência de erros de cálculo na liquidação ou da aplicação de um direito não fixado pela pauta aplicável à mercadoria descrita aquando da verificação, desde que o pedido seja introduzido no prazo peremptório de cinco anos, contados desde o dia do pagamento, e que o referido pedido seja acompanhado da factura original que comprove o pagamento.»

(3) - A Lei n._ 428, publicada na Gazetta Ufficiale de 12 de Janeiro de 1991, entrou em vigor em 27 de Janeiro do mesmo ano; por consequência, o prazo de cinco anos foi reduzido a três a partir de 21 de Abril de 1991.

(4) - 184/85, Colect., p. 2013.

(5) - 193/85, Colect., p. 2085.

(6) - No próprio Código Civil italiano os artigos 2947._ e segs., sob as rubricas «Da prescrição breve» e «Da prescrição presumida», regulam hipóteses em que os prazos são inferiores ao normal. Por exemplo, em matéria de ressarcimento de danos e prejuízos (cinco anos), de relações entre sociedades (cinco anos), de contratos de transporte e seguros (um ano), de relações laborais (um ou três anos conforme os casos), etc.

(7) - 61/79, Recueil, p. 1205.

(8) - Acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe (33/76, Colect., p. 813), e Comet (45/76, Recueil, p. 2043, Colect., p. 835).

(9) - C-261/95, Colect., p. I-4025.

(10) - 386/87, Colect., p. 3551, n.os 15 a 18.

(11) - C-114/95 e C-115/95, Colect., p. I-4263, n.os 45 a 49.

(12) - C-90/94, Colect., p. I-4085, n.os 46 a 53

(13) - O acórdão tem o n._ 12024 (Massimario del Foro italiano 1992) e corresponde ao n._ RGN 4373/91. Por vezes é citado pela data que consta do seu texto (10 de Abril de 1992), enquanto outras é citado pela data em que foi entregue na Secretaria (6 de Novembro de 1992).

(14) - «Sobre a questão relativa ao prazo de prescrição, esta Corte pronunciou-se em diversas ocasiões afirmando que - de acordo com a leitura da norma anterior à entrada em vigor do artigo 29._, n._ 1, da Lei n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990 - a disposição contida no artigo 91._ do texto unificado das leis aduaneiras (sobre o prazo de prescrição de cinco anos) referia-se apenas aos casos de reembolso das quantias pagas em excesso na sequência de erros de cálculo ou na aplicação da pauta; em contrapartida, quando se tratava - como no caso em apreço - de uma caso de repetição do indevido (porque a administração tinha cobrado quantias que não eram devidas), o prazo de prescrição era o prazo de dez anos de direito comum (acórdãos n.os 2217 de 1989 e 2464 de 1987).»

(15) - «O recurso [de cassação] deve, no entanto, ser analisado na perspectiva da regulamentação, mais tarde aprovada, contida no n._ 1 do artigo 29._ da Lei n._ 428, de 29 de Dezembro de 1990; ao referir-se ao artigo 91._ do texto único das leis aduaneiras, esta disposição fala de um prazo de caducidade de cinco anos (e já não de prescrição), que declarou aplicável a qualquer pedido e acção que possa ser apresentado para reembolso de qualquer quantia paga em conexão com operações aduaneiras.»

(16) - «Todavia, esta Corte declarou que esta norma (acórdão n._ 7248 de 1991) era total e plenamente inovadora, pois transformou um prazo de prescrição num prazo de caducidade e foi ela que alargou a aplicação do artigo 91._ a casos (como o das receitas comunitárias indevidamente cobradas) que não foram decerto incluídos na leitura anterior deste artigo. Assim, mesmo supondo que o legislador tenha pretendido atribuir efeitos retroactivos a essa norma, esta, como já se afirmou com base em argumentos substancialmente corroborados pela Corte Costituzionale (despacho n._ 444 de 1991), não deve ser aplicada no que respeita aos pedidos de devolução de receitas comunitárias indevidamente cobradas que estavam pendentes na data da sua entrada em vigor, pois tornou mais difícil o exercício do direito ao reembolso (dada a impossibilidade de interromper os prazos de caducidade) e pode inclusivamente fazer desaparecer esse direito (pois a caducidade pode ser apreciada oficiosamente).»

(17) - 240/87, Colect., p. 3513.

(18) - O mesmo princípio já tinha sido enunciado no acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, Barra (309/85, Colect., p. 355), para declarar incompatível com o direito comunitário uma legislação que limitava o reembolso das quantias devidas em virtude de um acórdão anterior do Tribunal de Justiça (13 de Fevereiro de 1985, Gravier, 293/83, Recueil, p. 593) apenas às pessoas que tivessem intentado uma acção com esse objectivo antes da prolação deste último acórdão.

(19) - 112/84, Recueil, p. 1367.

(20) - Foi neste mesmo sentido que, na audiência, se pronunciou o representante do Governo italiano.

(21) - Segundo o artigo 252._ das disposições de aplicação e disposições transitórias do Código Civil italiano (RD n._ 318, de 30 de Março de 1942), quando o exercício de um direito depende da expiração de um prazo mais curto que o previsto pelos diplomas anteriores, o novo prazo aplica-se igualmente ao exercício de direitos surgidos anteriormente, mas começa a correr na data de entrada em vigor da nova disposição. Preceitos análogos podem ser encontrados em numerosos códigos civis ou disposições similares.

(22) - A este propósito, v. considerações da Corte di Cassazione, transcritas no n._ 23 das presentes conclusões.

(23) - O artigo 29._, n._ 2, da Lei n._ 428 dispõe que os direitos aduaneiros são reembolsados «a não ser que o encargo correspondente tenha sido repercutido sobre outros sujeitos». É manifesto que, contrariamente à norma italiana anterior, que foi examinada no âmbito do acórdão San Giorgio, já referido, não se trata aqui de presunção. Esta última norma (artigo 10._ do Decreto-Lei n._ 430, de 10 de Julho de 1982) estabelecia expressamente uma presunção legal de repercussão, baseada no simples facto de as mercadorias sujeitas ao direito aduaneiro ou a um imposto sobre o fabrico ou sobre o consumo terem sido objecto de cessão, transformação, entrega, etc. À luz do acórdão San Giorgio, o legislador italiano de 1990 suprimiu esta presunção legal na nova lei.

(24) - C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165.

(25) - 68/79, Recueil, p. 501.

(26) - 331/85, 376/85 e 378/85, Colect., p. 1099.

(27) - Surgiu certa discussão, que se reflectiu nas observações da demandante, quanto a saber se os termos «domanda di rimborso» abrangem unicamente as acções judiciais em sentido estrito ou se se reportam igualmente a pedidos de reembolso apresentados pela via administrativa.

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