Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61995CJ0366

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Maio de 1998.
    Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet contra Steff-Houlberg Export I/S, Nowaco A/S, Nowaco Holding A/S e SMC af 31/12-1989 A/S.
    Pedido de decisão prejudicial: Højesteret - Dinamarca.
    Ajudas comunitárias indevidamente pagas - Reposição - Aplicação do direito nacional - Condições e limites.
    Processo C-366/95.

    Colectânea de Jurisprudência 1998 I-02661

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:216

    61995J0366

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Maio de 1998. - Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet contra Steff-Houlberg Export I/S, Nowaco A/S, Nowaco Holding A/S e SMC af 31/12-1989 A/S. - Pedido de decisão prejudicial: Højesteret - Dinamarca. - Ajudas comunitárias indevidamente pagas - Reposição - Aplicação do direito nacional - Condições e limites. - Processo C-366/95.

    Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-02661


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    Recursos próprios das Comunidades Europeias - Ajudas comunitárias indevidamente pagas - Reposição - Aplicação do direito nacional - Norma que permite a tomada em consideração de certos critérios para excluir a reposição - Admissibilidade - Condições

    Sumário


    O direito comunitário não se opõe, em princípio, a que uma regulamentação nacional permita excluir a reposição de ajudas comunitárias indevidamente pagas, tomando em consideração, na condição de estar provada a boa fé do beneficiário, critérios tais como o comportamento negligente das autoridades nacionais e o decurso de um lapso de tempo importante desde o pagamento das ajudas em causa, sem prejuízo, todavia, de as condições previstas serem as mesmas que existem para a recuperação de prestações financeiras puramente nacionais e de o interesse da Comunidade ser plenamente tomado em consideração. Em contrapartida, a culpa de um terceiro com o qual o beneficiário da ajuda tem relações contratuais constitui um risco comercial habitual e releva mais da esfera jurídica do beneficiário do que da da Comunidade.

    No que respeita, mais especificamente, à condição relativa à boa fé do beneficiário da ajuda, e no caso em que um exportador redige e apresenta uma declaração para obter restituições à exportação que se verifica inexacta, o simples facto de a ter efectuado não lhe pode retirar a faculdade de invocar a sua boa fé quando a declaração é exclusivamente baseada em informações prestadas por um co-contratante e cuja veracidade não tem possibilidade de verificar. Do mesmo modo, a realização de um controlo relativo ao processo de fabrico ou às matérias-primas utilizadas pelo terceiro seu fornecedor, a fim de verificar a qualidade da referida mercadoria, constitui uma obrigação desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido, não podendo o direito comunitário fazer depender a possibilidade de um exportador invocar a sua boa fé quanto à conformidade da mercadoria com a descrição que ele fez, do exercício de tal controlo, excepto se houver razões especiais para duvidar que o conteúdo da declaração corresponde à realidade ou a circunstâncias específicas, tais como preços anormalmente baixos ou grande margem de lucro das empresas exportadoras.

    Partes


    No processo C-366/95,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Højesteret (Dinamarca), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet

    e

    Steff-Houlberg Export I/S,

    Nowaco A/S et Nowaco Holding A/S,

    SMC af 31/12-1989 A/S,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação de princípios de direito comunitário aplicáveis no âmbito de acções intentadas pelas autoridades nacionais tendo em vista a reposição de restituições à exportação indevidamente pagas,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet, J. C. Moitinho de Almeida, P. Jann (relator) e L. Sevón, juízes,

    advogado-geral: A. La Pergola,

    secretário: L. Hewlett, administradora,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação do Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet, por Karsten Hagel-Sørensen e Gregers Larsen, advogados em Copenhaga,

    - em representação da Steff-Houlberg Export I/S, Nowaco A/S e Nowaco Holding A/S, bem como da SMC af 31/12-1989 A/S, por Martin Beck, advogado em Vejle, bem como por Jon Stokholm e Henrik Christrup, advogados em Copenhaga,

    - em representação do Governo alemão, por Ernst Röder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

    - em representação do Governo francês, por Claude Chavance, secretário dos Negócios Estrangeiros na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Frédéric Pascal, encarregado de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Hans Peter Hartvig, consultor jurídico, e James Macdonald Flett, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações do Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet, representado por Karsten Hagel-Sørensen, da Steff-Houlberg Export I/S, representada por Martin Beck, da Nowaco A/S e da Nowaco Holding A/S, representadas por Jon Stokholm, da SMC af 31/12-1989 A/S, representada por Henrik Christrup e Lotte Kelstrup, advogados em Copenhaga, do Governo alemão, representado por Bernd Kloke, Oberregierungsrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por Hans Peter Hartvig, na audiência de 20 de Março de 1997,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 29 de Abril de 1997,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por despacho de 22 de Novembro de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 do mesmo mês, o Højesteret colocou, ao abrigo do artigo 177._ do Tratado CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação de princípios de direito comunitário aplicáveis no âmbito de acções intentadas pelas autoridades nacionais com vista à reposição das restituições à exportação indevidamente pagas.

    2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um processo que opõe o Landbrugsministeriet - EF-Direktoratet (a seguir «ministério») às sociedades dinamarquesas Steff-Houlberg Export I/S, Nowaco A/S e Nowaco Holding A/S e à SMC af 31/12-1989 A/S (a seguir «empresas exportadoras»), a respeito da recuperação de restituições à exportação indevidamente pagas.

    3 As empresas exportadoras adquiriram, durante alguns anos e até 1989, quantidades importantes de «ground beef» no matadouro da sociedade Slagtergården Bindslev A/S (a seguir «Slagtergården») para exportação para os países árabes.

    4 Nos termos da regulamentação comunitária, em especial do artigo 18._ do Regulamento (CEE) n._ 805/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de bovino (JO L 148, p. 24; EE 03 F2 p. 157), do artigo 6._ do Regulamento (CEE) n._ 885/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece, para o sector da carne de bovino, as regras gerais respeitantes à concessão de restituições à exportação e os critérios de fixação do respectivo montante (JO L 156, p. 2; EE 03 F2 p. 182), bem como do Regulamento (CEE) n._ 1315/84 da Comissão, de 11 de Maio de 1984, que fixa as restituições à exportação no sector da carne de bovino (JO L 125, p. 38), as empresas exportadoras receberam cerca de 100 milhões de DKR. Segundo a regulamentação aplicável, o montante das restituições dependia da proporção de carne de bovino que entra na composição do produto, isto é, no caso concreto, 60%.

    5 Em 1989, o ministério foi informado que, segundo análises efectuadas no Médio Oriente, produtos de carne de bovino originários da Dinamarca e destinados aos países muçulmanos continham carne de porco. Assim, a administração aduaneira dinamarquesa procedeu a controlos nas instalações de produção da Slagtergården. Os inquéritos revelaram que a composição dos produtos fabricados pela Slagtergården diferia consideravelmente da que tinha sido indicada aos compradores e às autoridades. Uma parte da carne que dava direito às restituições tinha sido substituída por outros ingredientes que não conferiam esse direito. Assim, o teor em carne de bovino do produto relativamente ao qual as empresas exportadoras tinham pedido e recebido as restituições à exportação era na realidade só de 28%, em vez do teor exigido de 60%.

    6 Por conseguinte, o ministério procedeu à recuperação das restituições. Paralelamente, foi instaurado procedimento criminal contra o principal administrador da Slagtergården.

    7 As empresas exportadoras opuseram-se à reposição exigida pelo ministério alegando que o comportamento repreensível da Slagtergården não podia ser-lhes imputado. Enquanto empresas comerciais, não tinham tido qualquer contacto com a mercadoria e, deste modo, nenhuma possibilidade de controlo sobre a mesma. Os controlos tinham sido sempre e exclusivamente efectuados pelas autoridades competentes. No caso em apreço, verificaram-se graves lacunas no sistema de controlo do ministério e da administração das alfândegas.

    8 Resulta do despacho de reenvio que as diferentes autoridades nacionais em causa no processo principal, apesar da verificação de certas irregularidades nas práticas da Slagtergården, não reforçaram os controlos a esta sociedade. A falha de certos controlos por parte de autoridades estatais, entre outras na Dinamarca, foi, aliás, salientada no relatório especial n._ 2/90 do Tribunal de Contas, de 5 de Abril de 1990, relativo à gestão e ao controlo das restituições à exportação (JO C 133, p. 1), na sequência do qual parecem ter sido reforçados os controlos.

    9 Por decisão de 25 de Junho de 1992, o Østre Landsret, a quem foi submetido o processo em primeira instância, julgou procedentes os pedidos das empresas exportadoras e decidiu que elas não podiam ser obrigadas, segundo as normas internas, a repor os montantes pagos. Este órgão jurisdicional admitiu que as empresas exportadoras estavam de boa fé, que as restituições indevidas tinham a sua origem em circunstâncias especiais de carácter excepcional e que, vistos os elementos recolhidos no decurso da instância quanto à organização do sistema de controlo das autoridades e à execução prática desse controlo, a autoridade que pagava as restituições era a mais indicada para suportar os riscos.

    10 O ministério interpôs recurso dessa decisão para o Højesteret. Este último, tendo em conta os princípios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, a seguir «acórdão Deutsche Milchkontor»), teve algumas dúvidas quanto ao alcance, no processo que lhe foi submetido, das exigências do direito comunitário em matéria de reposição de ajudas comunitárias indevidamente pagas.

    11 Deste modo, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) a) Os princípios de direito comunitário que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à recuperação dos montantes de ajudas indevidamente pagas e segundo os quais devem ser tidos em conta em toda a sua extensão os interesses da Comunidade não obsta a que no direito nacional, como critérios para excluir o reembolso de ajudas indevidamente pagas, se tome em consideração

    - a boa fé dos beneficiários da ajuda e, portanto, a protecção da confiança legítima,

    - a circunstância de terem decorrido cinco a dez anos desde o pagamento das ajudas, pelo que seria particularmente oneroso para os beneficiários se tivessem de reembolsar agora os respectivos montantes,

    - o facto de a causa de as ajudas terem sido indevidamente pagas ser devida a circunstâncias extraordinárias constituídas por uma grave fraude e por factos criminalmente puníveis praticados por um terceiro,

    - o facto de a autoridade que efectuou o controlo - do qual as empresas exportadoras estavam ao corrente - ter efectuado o controlo regular no local da produção sem descobrir e/ou intervir relativamente àquela fraude.

    - o facto de a entidade pagadora durante todo o período de pagamento ter tido conhecimento de que o valor do sistema de controlo estava dependente da veracidade das informações do próprio controlado e apesar disso não ter exigido a verificação das receitas ou a verificação das contas do produtor relativas à compra dos produtos de base,

    quando se constata que os mesmos critérios são aplicáveis à recuperação de montantes de ajudas puramente nacionais?

    b) A resposta será a mesma no caso de no direito nacional também ser tido em conta o facto de não existirem, além disso, circunstâncias que devessem dar motivo às empresas exportadoras para duvidarem de que os produtos exportados davam direito às restituições à exportação?

    2) Os princípios de direito comunitário que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à recuperação dos montantes de ajudas indevidamente pagas e segundo os quais devem ser tidos em conta em toda a sua extensão os interesses da Comunidade obstam a que se possa considerar que uma empresa exportadora está de boa fé e, portanto, deve ser isenta da obrigação de reembolsar aqueles montantes, no caso de se constatar que a empresa exportadora, no contrato com o produtor, não se reservou o direito de proceder ela própria ao controlo da produção para se assegurar de que a composição dos produtos estava conforme com as informações que o exportador subscreveu, quando se verifica,

    - que o produtor estava aprovado para exportação pela autoridade pagadora,

    - que a empresa exportadora era uma empresa comercial que não manuseava os produtos,

    - que a empresa exportadora sabia que as autoridade de controlo exerciam o controlo regular nos locais de produção, e

    - que os preços dos produtos acabados de espécie e qualidade correspondentes eram os mesmos nos produtores da Dinamarca e do estrangeiro?

    3) Pode um terceiro, concretamente um beneficiário de uma ajuda, invocar uma eventual negligência imputável às autoridades de controlo, tendo como resultado que, após uma apreciação global da causa, será de excluir o reembolso da restituição à exportação já paga?»

    12 No seu despacho de reenvio, o Højesteret refere que deseja obter uma clarificação das circunstâncias em que a tomada em consideração dos interesses da Comunidade, que constitui um dos elementos essenciais do acórdão Deutsche Milchkontor, se opõe a que as normas nacionais que prevêem, em princípio, o reembolso de montantes indevidamente pagos, permitem que seja julgada improcedente uma acção destinada à recuperação das restituições à exportação na medida em que as empresas exportadoras, de boa fé, apresentaram declarações inexactas relativas à composição do produto. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se certos outros factores, além da boa fé das empresas exportadoras como condição da confiança legítima, podem igualmente ser tomados em consideração para esse efeito. Mais especialmente, o órgão jurisdicional nacional coloca a questão da relevância de uma eventual fraude por parte de um terceiro e da negligência no comportamento das autoridades nacionais às quais competiam os controlos necessários, bem como razões de equidade, nomeadamente o lapso de tempo considerável que decorreu depois do pagamento das restituições em causa e o efeito da reposição na situação financeira do beneficiário da restituição.

    13 Segundo o Højesteret, os princípios do direito dinamarquês na matéria, por um lado, não tornam impossível, na prática, a reposição de ajudas indevidamente pagas e, por outro, aplicam-se, independentemente de se tratar da reposição de fundos comunitários ou de fundos nacionais.

    Quanto à exigência da boa fé como condição da confiança legítima

    14 Em primeiro lugar, há que recordar que compete aos Estados-Membros, por força do artigo 5._ do Tratado CE, assegurar no seu território o cumprimento das regulamentações comunitárias, nomeadamente no âmbito da política agrícola comum (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 17). Do mesmo modo, resulta do artigo 8._, n._ 1, do Regulamento (CEE) n._ 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220), que os Estados-Membros devem adoptar as medidas necessárias para recuperar as importâncias perdidas na sequência de irregularidades ou de negligências (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 18). Todo o exercício de um poder de apreciação sobre a oportunidade de exigir ou não a restituição de fundos comunitários indevida ou irregularmente concedidos é incompatível com essa obrigação (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 22).

    15 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os litígios relativos à recuperação de montantes indevidamente pagos por força do direito comunitário devem, na falta de disposições comunitárias, ser decididos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos termos do direito nacional, sem prejuízo dos limites impostos pelo direito comunitário, no sentido de que as regras previstas pelo direito nacional não podem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil a aplicação da regulamentação comunitária e que a aplicação da legislação nacional deve fazer-se de modo não discriminatório relativamente aos procedimentos destinados a solucionar litígios nacionais do mesmo tipo (v., nomeadamente, acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 19, bem como, relativos ao direito processual nacional, acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, C-312/93, Colect., p. I-4599, n._ 12, bem como Van Schijndel e Van Veen, C-430/93 e C-431/93, Colect., p. I-4705, n._ 17). Embora o direito nacional faça depender a revogação de um acto administrativo ilegal da apreciação dos diferentes interesses em causa, isto é, por um lado, o interesse geral na revogação do acto e, por outro, a protecção da confiança do seu destinatário, o interesse da Comunidade deve ser totalmente tomado em consideração (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 32).

    16 Nesse acórdão, tendo em conta esses elementos, o Tribunal declarou que o direito comunitário não se opõe à tomada em consideração pela legislação nacional em causa, para a exclusão de uma recuperação de ajudas comunitárias indevidamente pagas, da protecção da confiança legítima (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 33).

    17 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, nas circunstâncias do processo que lhe foi submetido, o direito comunitário se opõe ao facto de as empresas exportadoras invocarem a sua boa fé em resposta a um pedido de reposição das restituições. Resulta a este respeito do despacho de reenvio que, no acórdão recorrido no órgão jurisdicional de reenvio, o Østre Landsret tinha considerado que essas empresas, ao apresentarem declarações inexactas baseadas em informações prestadas pela Slagtergården, estariam de boa fé uma vez que, como empresas comerciais, não participam de nenhum modo na cadeia de fabrico dos produtos e não procedem, elas próprias, ao controlo dos referidos produtos, na medida em que, por um lado, não tinham acesso às receitas da Slagtergården, à contabilidade da produção e aos locais de produção e, por outro, os controlos tinham sido exercidos por diversas autoridades estatais.

    18 Segundo o ministério, as empresas exportadoras não podiam invocar a sua boa fé, dado que elas próprias tinham redigido as declarações em causa. Com efeito, o exportador profissional tem a obrigação, por força do artigo 3._, n._ 5, do Regulamento (CEE) n._ 3665/87 da Comissão, de 27 de Novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO L 351, p. 1), de apresentar uma declaração por escrito que contenha informações relativas à natureza e à composição da carne, necessárias para efeitos do cálculo da restituição à exportação. Assim, o exportador profissional é responsável, independentemente dos erros cometidos pela autoridade nacional competente ou de actos fraudulentos de terceiros, pelo conteúdo das suas declarações numa base próxima da responsabilidade objectiva.

    19 A Comissão partilha esta análise e considera que o Tribunal de Justiça já fixou, nessas situações, um regime de responsabilidade objectiva. Invoca, a este respeito, o acórdão de 5 de Fevereiro de 1987, Plange (288/85, Colect., p. 611), do qual resulta que, quando um operador económico se compromete a exportar produtos que devem preencher certas condições e que os referidos produtos não correspondem, esse operador deveria automaticamente reembolsar as restituições à exportação pagas. Por outro lado, o artigo 11._, n._ 3, do Regulamento n._ 3665/87, na versão resultante do Regulamento (CE) n._ 2945/94 da Comissão, de 2 de Dezembro de 1994 (JO L 310, p. 57), prevê expressamente a obrigação de restituir ajudas que, como as que estão em causa no processo principal, foram indevidamente pagas.

    20 Do mesmo modo que as empresas exportadoras, o Governo alemão considera, em contrapartida, que não existe um regime de responsabilidade objectiva para as reposições no plano comunitário que exclua a aplicação do direito nacional e inverta, desse modo, os princípios definidos no acórdão Deutsche Milchkontor. Em especial, esse regime não pode ser deduzido do Regulamento n._ 2945/94, que não é aplicável ratione temporis aos factos do processo principal.

    21 A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que é apenas na condição de estarem de boa fé quanto à conformidade da mercadoria com a declaração que apresentaram para receber a restituição em causa que as empresas exportadoras estão em situação de contestar a reposição. A fim de saber se é esse o caso, há que examinar se, por um lado, tendo as próprias empresas exportadoras redigido, para obterem as restituições, a declaração que contém uma descrição da mercadoria podem, apesar desse facto, invocar a sua boa fé, e por outro, se, para estarem de boa fé, deveriam ser obrigadas a proceder a inspecções da mercadoria ou do processo de fabrico.

    22 Há que recordar que, no caso em apreço, diferentemente do processo Plange, já referido (v., nomeadamente, n._ 10), nenhuma disposição comunitária regulamenta a recuperação de restituições no caso de estas terem sido pagas com base em documentos que seguidamente foram considerados não conformes com a realidade. Há que observar a este respeito que o Regulamento n._ 2945/94, invocado pela Comissão em apoio da sua tese, não é aplicável ratione temporis às restituições em causa. Nestas circunstâncias, na medida em que um exportador redige e apresenta uma declaração para obter restituições à exportação, o simples facto de a ter efectuado não lhe pode retirar a faculdade de invocar a sua boa fé quando a declaração é exclusivamente baseada em informações prestadas por um co-contratante e cuja veracidade não tem possibilidade de verificar.

    23 Seguidamente, há que examinar se, segundo o direito comunitário, um exportador beneficiário de uma restituição à exportação só pode invocar a sua boa fé quando, com o objectivo de verificar a conformidade da mercadoria com a descrição que foi feita na declaração que apresentou às autoridades nacionais de controlo, inspeccionou a composição das mercadorias, bem como o processo de fabrico e as matérias-primas utilizadas.

    24 As empresas exportadoras observaram a este respeito que não dispunham de meios práticos que permitissem detectar a composição fraudulenta da carne que lhes foi fornecida pelo matadouro, salvo se exercessem uma vigilância sobre as operações de produção. Esse controlo da execução pelo seu co-contratante das suas obrigações convencionais não foi, no entanto, considerado, dada a dificuldade técnica de o aplicar e o facto de esse procedimento de controlo, muito dispendioso, não ser utilizado no sector em causa.

    25 Na hipótese de estas circunstâncias se comprovarem, a realização desse controlo seria onerosa e tecnicamente difícil de fazer e constituiria, por isso, uma obrigação desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido. Portanto, nessas circunstâncias, o direito comunitário não pode fazer depender a possibilidade de um exportador invocar a sua boa fé, quanto à conformidade da mercadoria com a descrição que ele fez na declaração apresentada para obter a restituição à exportação, do exercício de um controlo relativo ao processo de fabrico ou às matérias-primas utilizadas pelo terceiro seu fornecedor, a fim de verificar a qualidade da referida mercadoria, excepto se houver razões especiais para duvidar que o conteúdo da declaração corresponde à realidade ou a circunstâncias específicas, tais como preços anormalmente baixos ou grande margem de lucro das empresas exportadoras.

    Quanto à culpa de um terceiro

    26 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as declarações apresentadas pelas empresas exportadoras, relativas ao teor em carne das mercadorias exportadas, que dão direito às restituições eram inexactas, em especial, devido a actos graves que relevam do direito penal, cometidos por um terceiro, isto é, o produtor, e tendo por objecto e por efeito contornar as regras fixadas pelo ministério. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se este elemento pode ser tomado em consideração e, se for esse o caso, em que medida.

    27 O ministério e a Comissão alegam que, em conformidade com o acórdão de 9 de Agosto de 1994, Boterlux (C-347/93, Colect., p. I-3933), o comportamento fraudulento de um terceiro deve ser considerado um risco comercial habitual para o beneficiário da ajuda com a consequência de o reembolso não poder ser excluído por essa razão.

    28 Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Boterlux, já referido, n._ 35, que, no âmbito de um pedido de restituição à exportação, regido pelo direito comunitário, a fraude de um terceiro não constitui um caso de força maior, mas um risco comercial habitual. Embora esse acórdão não tenha sido proferido, como no caso ora vertente, no âmbito de um reembolso regido pelo direito nacional, também é um facto que, quando se trata de efectuar uma ponderação entre os interesses da Comunidade e os do operador económico, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em conta o facto de que a culpa de um terceiro com o qual o beneficiário da ajuda tem relações contratuais releva mais da esfera jurídica do beneficiário da ajuda do que da da Comunidade.

    Quanto às negligências cometidas pelas autoridades nacionais

    29 Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, as autoridades nacionais encarregadas dos controlos não procederam a um controlo adequado com base nas informações contidas nas receitas ou nas contas do produtor relativas à compra das matérias-primas nem tomaram medidas concretas contra a Slagtergården, apesar da existência de algumas suspeitas.

    30 Parece que, nos termos do direito dinamarquês, nas circunstâncias do processo principal, a imprudência e/ou a passividade das diferentes autoridades nacionais que estavam encarregadas dos controlos devem ser tomadas em consideração como critério que exclui uma reposição por parte do beneficiário. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o direito comunitário se opõe a essa tomada em consideração.

    31 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu, no acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 31, que o direito comunitário não se opõe, quando de um pedido de reposição de somas indevidamente pagas, à tomada em consideração de causas de exclusão da reposição ligadas a um comportamento da própria administração e que esta pode desde logo evitar.

    32 Com efeito, resulta já do princípio de cooperação enunciado no artigo 5._ do Tratado, mas também de disposições como as do artigo 8._ do Regulamento n._ 729/70, que as autoridades nacionais são obrigadas a verificar, através de controlos adequados, a conformidade dos produtos relativamente aos quais as ajudas comunitárias foram solicitadas, a fim de assegurar que estas não sejam pagas em relação a produtos que não devem beneficiar (acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 43). Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar quais eram, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço e os métodos técnicos disponíveis na altura dos factos para o produto em causa, os controlos necessários para esse efeito e, portanto, as eventuais negligências, bem como a sua gravidade. No caso de as circunstâncias invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio serem demonstradas, nada parece prima facie opor-se a que o comportamento das autoridades nacionais seja qualificado de negligência que pode excluir o reembolso. Do mesmo modo, a verificação de um comportamento negligente das autoridades nacionais por um órgão comunitário como o Tribunal de Contas é um indício especial a este respeito.

    Quanto ao fundamento da equidade

    33 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por último, se a circunstância de ter decorrido um período de cinco a dez anos depois do pagamento dos montantes recebidos a título de ajudas, na medida em que um eventual reembolso dos referidos montantes deve ser considerado como uma medida particularmente rigorosa para os destinatários da ajuda, pode ser tomada em consideração quando do reembolso.

    34 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Deutsche Milchkontor, n._ 33, que o direito comunitário não se opõe à tomada em consideração pelo legislador nacional em causa, para a exclusão de uma reposição de ajudas indevidamente pagas, de critérios tais como o decurso de um prazo. Tratava-se, nesse acórdão, de uma regulamentação nacional que previa que a revogação de um acto administrativo ilegal devia ser efectuada no prazo de um ano a partir do momento em que a administração teve conhecimento de determinadas circunstâncias, elemento que, segundo o direito nacional em causa nesse acórdão, era constitutivo de uma confiança legítima do beneficiário.

    35 No caso em apreço no processo principal, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que, na ordem jurídica dinamarquesa, as autoridades nacionais têm a possibilidade de recusar ou não a reposição de uma ajuda indevidamente concedida tomando em consideração o lapso de tempo que decorreu desde o pagamento das restituições. O direito comunitário não se opõe à tomada em consideração desse fundamento de equidade, sem prejuízo, no entanto, de corresponder às condições enunciadas no acórdão Deutsche Milchkontor.

    36 Vistas as considerações precedentes, há que responder que o direito comunitário não se opõe, em princípio, a que uma regulamentação nacional permita excluir a reposição de ajudas comunitárias indevidamente pagas, tomando em consideração, na condição de estar provada a boa fé do beneficiário, critérios tais como o comportamento negligente das autoridades nacionais e o decurso de um lapso de tempo importante desde o pagamento das ajudas em causa, sem prejuízo, todavia, de as condições previstas serem as mesmas que existem para a recuperação de prestações financeiras puramente nacionais e de o interesse da Comunidade ser plenamente tomado em consideração.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    37 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e francês, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Højesteret, por despacho de 22 de Novembro de 1995, declara:

    O direito comunitário não se opõe, em princípio, a que uma regulamentação nacional permita excluir a reposição de ajudas comunitárias indevidamente pagas, tomando em consideração, na condição de estar provada a boa fé do beneficiário, critérios tais como o comportamento negligente das autoridades nacionais e o decurso de um lapso de tempo importante desde o pagamento das ajudas em causa, sem prejuízo, todavia, de as condições previstas serem as mesmas que existem para a recuperação de prestações financeiras puramente nacionais e de o interesse da Comunidade ser plenamente tomado em consideração.

    Top