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Document 61995CJ0240

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 27 de Junho de 1996.
Processo-crime contra Rémy Schmit.
Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Metz - França.
Livre circulação de mercadorias - Veículos automóveis - Sistema nacional relativo ao ano-modelo - Discriminação das importações paralelas.
Processo C-240/95.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-03179

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:259

61995J0240

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 27 de Junho de 1996. - Processo-crime contra Rémy Schmit. - Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Metz - França. - Livre circulação de mercadorias - Veículos automóveis - Sistema nacional relativo ao ano-modelo - Discriminação das importações paralelas. - Processo C-240/95.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-03179


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Regulamentação relativa ao ano-modelo dos automóveis que desfavorece as importações paralelas

(Tratado CE, artigo 30. )

Sumário


O artigo 30. do Tratado opõe-se a uma regulamentação de um Estado-Membro em matéria de ano-modelo dos automóveis que leva a administração e os operadores económicos deste Estado-Membro a considerarem que, de dois veículos do mesmo modelo de uma marca vendidos nesse Estado-Membro depois de 30 de Junho, apenas ao introduzido pela importação paralela é proibida a apresentação sob o ano-modelo correspondente ao ano seguinte. Com efeito, esta regulamentação é susceptível de desfavorecer a venda dos veículos em causa na medida em que, quando forem do mesmo modelo dos outros, são apresentados como correspondentes a um ano anterior e sofrem, por esse facto, de uma desvalorização na revenda ou em relação às indemnizações devidas em caso de sinistro.

Além disso, não pode ser justificada por exigências relativas à defesa dos consumidores ou à lealdade das transacções. Com efeito, esta regulamentação não dá garantias ao consumidor de ser informado com certeza de uma diferença de características entre dois veículos de ano-modelo diferentes nem da identidade de fabrico entre dois veículos do mesmo modelo e do mesmo ano-modelo.

Partes


No processo C-240/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pela cour d' appel de Metz (França), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Rémy Schmit,

uma decisão a título prejudicial sobre o artigo 30. do Tratado CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: D. A. O Edward, presidente de secção, J.-P. Puissochet, C. Gulmann, P. Jann e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: M. B. Elmer,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação de R. Schmit, por Jean-Claude Fourgoux, advogado no foro de Paris,

° em representação do Governo francês, por Claude Chavance, secretário dos Negócios Estrangeiros na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Romain Nadal, secretário adjunto dos Negócios Estrangeiros no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Hendrick van Lier, consultor jurídico, e Jean-Francis Pasquier, funcionário nacional destacado no Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Robert Vergobbio e Salvatore La Mancusa, partes civis no processo principal, de Rémy Schmit, representado por Jean-Claude Fourgoux, do Governo francês, representado por Catherine de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Frédéric Pascal, encarregado de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do mesmo ministério, na qualidade de agentes, e da Comissão, representada por Jean-Francis Pasquier, na audiência de 15 de Fevereiro de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Março de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 31 de Maio de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Julho do mesmo ano, a cour de d' appel de Metz colocou, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa ao artigo 30. desse mesmo Tratado.

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um processo penal contra R. Schmit, gerente de uma sociedade, com sede em Yutz (França), especializada na importação e exportação de veículos de turismo e na venda de viaturas usadas. Este é acusado de ter infringido a regulamentação francesa relativa ao ano-modelo dos automóveis, que foi instituída pelo Decreto n. 78-993, de 4 de Outubro de 1978, adoptado para a aplicação aos veículos automóveis da lei de 1 de Agosto de 1905 sobre as fraudes e falsificações, em matéria de produtos e serviços (JORF de 6.10.1978, p. 3491, a seguir "decreto"), e pela portaria de execução de 2 de Maio de 1979 (JORF de 16.5.1979, p. 1144, a seguir "portaria").

3 Antes da sua comercialização, qualquer construtor ou importador de veículos automóveis deve enviar ao ministro dos Transportes francês um documento com uma descrição pormenorizada dos modelos que pretende colocar no mercado francês relativamente a um determinado ano (artigo 1. da portaria), bem como o número de série a partir do qual os veículos serão fabricados em conformidade com o modelo do novo ano (artigo 2. da portaria).

4 Qualquer veículo automóvel conforme ao modelo de que o fabricante determinou as características relativamente a um determinado ano é designado pelo "millésime" do referido ano, denominado "ano-modelo" (artigo 2. do decreto), na medida em que tenha sido vendido ao utilizador depois de 30 de Junho do ano civil anterior (artigo 5. da portaria).

5 Os veículos vendidos entre 1 de Julho e 31 de Dezembro do ano "n" beneficiam assim por antecipação do ano-modelo "n + 1". A este respeito, a regulamentação francesa afasta-se do regime em vigor na maior parte dos outros Estados-Membros, que consideram geralmente o ano civil da venda ou a data do primeiro registo.

6 O ano-modelo deve ser indicado no título de venda, nos documentos de encomenda e de entrega, nas facturas, nos certificados de venda e nos outros documentos comerciais relativos a qualquer veículo colocado à venda em França (artigo 5. do decreto). É proibida a utilização, independentemente da forma, de qualquer indicação, qualquer sinal, qualquer designação de fantasia, qualquer modo de apresentação e de rotulagem, de qualquer processo de exposição, de venda ou de publicidade susceptível de criar confusão no espírito do comprador relativamente ao ano-modelo (artigo 7. do decreto).

7 R. Schmit é acusado de ter omitido conscientemente a menção do ano-modelo nas facturas e de ter atribuído um ano-modelo errado a alguns veículos. Assim, teria vendido sob o ano-modelo 1992 um Renault 25 GTD Beverly, colocado em circulação no Luxemburgo em 13 de Agosto de 1991, ao passo que, segundo os documentos do construtor, o veículo pertencia ao ano-modelo 1991. Os funcionários da repressão das fraudes verificaram também que, no stand do seu estabelecimento, R. Schmit apresentava sob o ano-modelo 1992 um veículo Volkswagen "Corrado", registado pela primeira vez no estrangeiro em 5 de Julho de 1991. Resulta do despacho de reenvio que, no seu auto de notícia, a direcção regional da repressão das fraudes considerou que R. Schmit sabia perfeitamente que esse veículo era do ano-modelo 1991. Além disso, sublinhou que, enquanto profissional do ramo automóvel, R. Schmit não podia ignorar que a alteração do ano-modelo ocorre em França em 1 de Julho de cada ano e no estrangeiro em 1 de Janeiro.

8 Sem contestar a materialidade dos factos que lhe foram imputados, R. Schmit sustentou que, na medida em que a administração francesa interpretava o decreto e a portaria, já referidos, no sentido de reservar o benefício do ano-modelo antecipado aos veículos comercializados em França pelos distribuidores autorizados, a regulamentação nacional era contrária aos artigos 30. e 36. do Tratado CE. Com efeito, desfavorecia as importações paralelas e contribuía, por isso, para a compartimentação dos mercados.

9 Perante estes elementos de facto e de direito, a cour d' appel de Metz suspendeu a instância e colocou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"O artigo 30. do Tratado que institui a Comunidade Europeia é contrário a uma legislação nacional em matéria de ano-modelo dos automóveis, que leva a administração de um Estado-Membro e os operadores económicos do mesmo Estado a entenderem que, de dois veículos do mesmo modelo de uma marca, colocados no mercado no mesmo momento após 1 de Julho, um tenha o direito de ser apresentado sob o ano-modelo correspondente ao ano seguinte, enquanto ao outro, produzido noutro Estado-Membro e introduzido por importação paralela, é proibida idêntica apresentação?"

10 A título preliminar, há que sublinhar em primeiro lugar que o local de produção dos veículos em causa não é significativo. Relativamente ao artigo 30. , um veículo fabricado no território nacional, exportado e depois reimportado pelas vias paralelas, constitui um produto importado nos mesmos termos que um veículo fabricado num outro Estado-Membro e depois directamente introduzido no território nacional.

11 Seguidamente, há que precisar que o benefício do ano-modelo antecipado é reservado aos veículos vendidos a partir de 1 de Julho.

12 Por último, deve assinalar-se que, não tendo sido adoptada qualquer medida de harmonização em matéria de ano-modelo de automóveis, a questão colocada deve ser examinada unicamente em relação aos artigos 30. e seguintes do Tratado.

13 O Governo francês alega que a regulamentação em causa é aplicável indistintamente aos veículos produzidos em França e aos fabricados nos outros Estados-Membros. Baseia-se nomeadamente numa decisão do tribunal de grande instance de Paris de 15 de Março de 1995, donde resulta que a regulamentação em causa não pode "em caso algum ser interpretada como sendo destinada a reservar apenas aos veículos fabricados e vendidos em França pelos concessionários franceses o benefício de uma atribuição precoce dos ano-modelo recusando-o aos veículos que têm as mesmas características vendidos no estrangeiro. (...) qualquer veículo correspondente às características daqueles a que a regulamentação francesa permite conceder, desde 1 de Julho de um ano civil, o ano-modelo do ano civil seguinte deve beneficiar, quando for revendido no território francês, das mesmas condições do ano-modelo, independentemente do local da sua aquisição".

14 Como o alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que lhes é dada pelos órgãos jurisdicionais nacionais (acórdãos de 16 de Dezembro de 1992, Katsikas e o., C-132/91, C-138/91 e C-139/91, Colect., p. I-6577, n. 39, e de 8 de Junho de 1994, Comissão/Reino Unido, C-382/92, Colect., p. I-2435, n. 36), a regulamentação em causa não limita directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio entre os Estados-Membros.

15 Esta argumentação não pode ser acolhida.

16 Deve observar-se que a referência a uma única decisão não permite considerar assente tal interpretação. Além disso, mesmo que, como afirma o tribunal de grande instance de Paris, a regulamentação em causa não possa "em caso algum ser interpretada como sendo destinada a reservar apenas aos veículos fabricados e vendidos em França pelos concessionários franceses o benefício de uma atribuição precoce do ano-modelo recusando-o aos veículos que têm as mesmas características vendidos no estrangeiro", não se pode deixar de constatar que tal regulamentação tem por efeito que os veículos importados pelas vias paralelas não são, de facto, susceptíveis de corresponder às exigências que a mesma impõe para beneficiar do ano-modelo antecipado.

17 Com efeito, esta regulamentação não afecta da mesma maneira a comercialização, por um lado, dos veículos automóveis fabricados em França e destinados ao mercado nacional ou dos importados pelos distribuidores autorizados e, por outro, dos veículos importados ou reimportados por vias paralelas.

18 Como foi salientado nos n.os 3 a 5 do presente acórdão, apenas os veículos conformes às características declaradas pelo construtor ou pelo importador à administração e tendo um número pertencente a uma série declarada nas mesmas condições podem beneficiar do ano-modelo antecipado. Dependendo essa atribuição de declarações que só podem ser efectuadas pelo construtor ou pelo importador oficial, conclui-se que ela é, de facto, excluída para os veículos que são objeto de uma importação ou reimportação paralela. Estes veículos devem, na prática, ser comercializados sob o ano-modelo aplicado no Estado-Membro do qual são importados e que corresponde geralmente ou ao ano civil da venda ou à data do primeiro registo.

19 Conclui-se que esta regulamentação é susceptível de desfavorecer a venda dos veículos em causa na medida em que, quando forem do mesmo modelo que os outros, são apresentados como correspondentes a um ano anterior e sofrem, por esse facto, de uma desvalorização na venda ou relativamente às indemnizações devidas em caso de sinistro.

20 Por outro lado, resulta dos autos que determinados construtores e concessionários franceses não deixaram de tirar um argumento publicitário dessa diferença de tratamento para incitar os consumidores a comprar os veículos comercializados na sua rede de venda.

21 Neste sentido uma organização dos concessionários lançou em 1994 uma campanha afirmando que um veículo comprado na rede em França depois de 1 de Julho seria do "ano-modelo" 95 ao passo que o mesmo veículo comprado fora de França seria ainda considerado do ano-modelo 1994. Do mesmo modo, um construtor de automóveis levou a cabo uma campanha publicitária através de cartazes, mostrando duas viaturas iguais novas separadas por uma placa de sinalização de alfândega e com a menção: "... já um ano as separa."

22 De todas estas considerações resulta que uma regulamentação tal como a que está aqui em causa tem por efeito impedir as importações (v. acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Colect., p. 837).

23 Todavia, o Governo francês sustenta que a regulamentação em causa tem por objectivo garantir a lealdade das transacções entre o comprador de um veículo e o seu vendedor. Efectivamente, tem por objectivo permitir ao cliente identificar o veículo em função das características mencionadas no documento apresentado no Ministério dos Transportes.

24 A este respeito, basta declarar que uma regulamentação como aquela que aqui está em causa não é apropriada para satisfazer as exigências invocadas relativas à defesa dos consumidores ou à lealdade das transacções comerciais.

25 Com efeito, além de a regulamentação em causa se limitar a prever a notificação ao Ministério dos Transportes do documento descritivo do modelo sem organizar de resto a colocação à disposição do consumidor das informações contidas nos documentos, o sistema do ano-modelo previsto por essa regulamentação só é susceptível de dar ao consumidor uma informação muito reduzida. Por um lado, não lhe permite determinar as diferenças de características dos veículos segundo o seu ano-modelo, dado que dois veículos do mesmo modelo colocados à venda no decurso do segundo semestre do ano civil podem ter um ano-modelo diferente e que, inversamente, dois veículos de modelo diferente colocados à venda no decurso do primeiro semestre podem ter o mesmo ano-modelo. Por outro lado, este sistema não oferece garantias ao consumidor quanto à data de fabrico do veículo, dado que não impede o produtor de comercializar sob um novo ano-modelo um veículo que não sofreu praticamente alterações de um ano para outro ou, inversamente, de modificar um veículo no decurso do ano. Assim, o consumidor não pode finalmente assegurar-se nem de uma diferença de características relativa a dois veículos de ano-modelo diferente, nem de uma identidade de fabrico relativa a dois veículos do mesmo modelo e do mesmo ano-modelo.

26 Vistas as considerações precedentes, há que responder que o artigo 30. do Tratado é contrário a uma legislação de um Estado-Membro em matéria de ano-modelo dos automóveis que leva a administração de um Estado-Membro e os operadores económicos desse Estado a considerarem que, de dois veículos de um mesmo modelo de uma marca vendidos nesse Estado-Membro depois de 30 de Junho, apenas ao introduzido por importação paralela é proibida a apresentação sob o ano-modelo do ano seguinte.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

27 As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pela cour d' appel de Metz, por acórdão de 31 e Maio de 1995, declara:

O artigo 30. do Tratado opõe-se a uma regulamentação de um Estado-Membro em matéria de ano-modelo dos automóveis que leva a administração e os operadores económicos deste Estado-Membro a considerarem que, de dois veículos do mesmo modelo de uma marca vendidos nesse Estado-Membro depois de 30 de Junho, apenas ao introduzido pela importação paralela é proibida a apresentação sob o ano-modelo correspondente ao ano seguinte.

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