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Document 61995CJ0024

    Acórdão do Tribunal de 20 de Março de 1997.
    Land Rheinland-Pfalz contra Alcan Deutschland GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha.
    Auxílio de Estado - Recuperação - Aplicação do direito nacional - Limites.
    Processo C-24/95.

    Colectânea de Jurisprudência 1997 I-01591

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1997:163

    61995J0024

    Acórdão do Tribunal de 20 de Março de 1997. - Land Rheinland-Pfalz contra Alcan Deutschland GmbH. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesverwaltungsgericht - Alemanha. - Auxílio de Estado - Recuperação - Aplicação do direito nacional - Limites. - Processo C-24/95.

    Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-01591


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    Auxílios concedidos pelos Estados - Recuperação de um auxílio ilegal - Aplicação do direito nacional - Auxílio concedido em violação das regras processuais do artigo 93._ do Tratado - Segurança jurídica - Eventual confiança legítima dos beneficiários - Protecção - Condições e limites - Consideração do interesse da Comunidade

    (Tratado CE, artigo 93._)

    Sumário


    A recuperação de um auxílio ilegal deve ocorrer, em princípio, de acordo com as disposições pertinentes do direito nacional, sem prejuízo, todavia, de serem aplicadas de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário. Em especial, o interesse da Comunidade deve ser respeitado em toda a sua extensão aquando da aplicação de uma disposição que sujeita a revogação de um acto administrativo ilegal à apreciação dos diferentes interesses em causa.

    A este respeito, embora a ordem jurídica comunitária não possa opor-se a uma legislação nacional que assegura o respeito da confiança legítima e da segurança jurídica no domínio da recuperação, todavia, tendo em conta o carácter imperativo do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão nos termos do artigo 93._ do Tratado, as empresas beneficiárias de um auxílio não podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio a não ser que este tenha sido concedido no respeito pelo processo previsto pelo referido artigo. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse processo foi respeitado, mesmo que o Estado em causa seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão de concessão do auxílio que a sua revogação se mostre contrária à boa-fé.

    Além disso, estando em causa auxílios de Estado declarados incompatíveis, o papel das autoridades nacionais está limitado a dar execução a qualquer decisão da Comissão. Face à inexistência de poder discricionário da autoridade nacional, mesmo que ela deixe expirar o prazo de preclusão previsto no direito nacional para a revogação da decisão de concessão do auxílio, o beneficiário de um auxílio concedido ilegalmente deixa de estar na incerteza a partir do momento em que a Comissão adopta uma decisão que declara tal auxílio incompatível e exige a sua recuperação.

    Em consequência, a autoridade nacional competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que:

    - tenha deixado expirar o prazo previsto para esse efeito no interesse da segurança jurídica pelo direito nacional;

    - seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre, no que respeita ao beneficiário do auxílio, contrária à boa-fé, desde que o beneficiário do auxílio não tenha podido ter, por inobservância do procedimento previsto no artigo 93._ do Tratado, uma confiança legítima na regularidade do auxílio; e

    - o direito nacional a exclua em razão da extinção do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio, uma vez que tal extinção é a regra no domínio dos auxílios de Estado que são, em geral, atribuídos a empresas em dificuldades, cujo balanço já não revela, no momento da recuperação, o aumento patrimonial que incontestavelmente resultou do auxílio.

    Partes


    No processo C-24/95,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo Bundesverwaltungsgericht, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Land Rheinland-Pfalz

    e

    Alcan Deutschland GmbH,

    com intervenção do Oberbundesanwalt beim Bundesverwaltungsgericht,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 92._ e 93._, n._ 3, do Tratado CE, no que respeita à obrigação de as autoridades nacionais recuperarem um auxílio de Estado ilegal face às dificuldades resultantes de uma regulamentação nacional que protege o beneficiário do auxílio,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida e J. L. Murray, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann (relator), H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

    advogado-geral: F. G. Jacobs,

    secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação do Land Rheinland-Pfalz, pelo professor Siegfried Magiera, Hochschule fuer Verwaltungswissenschaften, Speyer,

    - em representação da Alcan Deutschland GmbH, por Reiner Kurschat, advogado em Frankfurt am Main,

    - em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e Gereon Thiele, Assessor no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo austríaco, por Franz Cede, Botschafter no Ministério Federal dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Anders Jessen e Paul Nemitz, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações do Land Rheinland-Pfalz, representado pelo professor Siegfried Magiera e por Monika Hentges-Kraetzer, Ministerialraetin no Ministério da Economia, das Comunicações, da Agricultura e da Viticultura do Land Rheinland-Pfalz, da Alcan Deutschland GmbH, representada pelo advogado Reiner Kurschat, do Governo francês, representado por Jean-Marc Belorgey, encarregado de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por Paul Nemitz, na audiência de 10 de Setembro de 1996,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Novembro de 1996,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por despacho de 28 de Setembro de 1994, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de Fevereiro de 1995, o Bundesverwaltungsgericht apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 92._ e 93._, n._ 3, do Tratado CE, no que respeita à obrigação de as autoridades nacionais recuperarem um auxílio de Estado ilegal face às dificuldades resultantes de uma regulamentação nacional que protege o beneficiário do auxílio.

    2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre o Land Rheinland-Pfalz (a seguir «Land») e a Alcan Deutschland GmbH (a seguir «Alcan»).

    3 A Alcan explorou, entre 1979 e 1987, uma fábrica de alumínio em Ludwigshafen, cuja continuidade de exploração ficou comprometida em 1982 por motivo de uma considerável alta do preço da electricidade. Em consequência da intenção da Alcan de fechar a fábrica e de despedir os 330 trabalhadores, o governo do Land propôs-lhe o pagamento de um auxílio de transição no montante de 8 milhões de DM destinado a compensar as despesas de electricidade.

    4 Tendo tido conhecimento deste projecto pela imprensa, a Comissão solicitou, por telex de 7 de Março de 1983, informações ao governo federal.

    5 Por decisão de 9 de Junho de 1983, o Land concedeu uma primeira parcela do auxílio, no montante de 4 milhões de DM.

    6 Por telex de 25 de Julho de 1983, o governo federal confirmou à Comissão que o Land tinha a intenção de conceder um auxílio e, em resposta a um pedido de informações complementares da Comissão, datado de 3 de Agosto, forneceu determinadas precisões.

    7 Em 7 de Novembro de 1983, a Comissão acusou a recepção das informações fornecidas pelo governo federal e verificou que o «prazo de exame de trinta dias começa portanto em 11 de Outubro de 1983». Por telex de 24 de Novembro, recebido pela Comissão a 28 desse mês, o Governo alemão informou-a de que, tendo expirado os prazos de exame, presumia que o auxílio de transição podia ser concedido.

    8 Por carta de 25 de Novembro de 1983, a Comissão informou o governo federal da sua decisão de dar início a um procedimento ao abrigo do artigo 93._, n._ 2, primeiro parágrafo, do Tratado CEE.

    9 O Land foi informado desta decisão em 28 de Novembro de 1993. Apesar disso, pagou à Alcan, por decisão de 30 de Novembro de 1983, a parte restante do auxílio no montante de 4 milhões de DM.

    10 Em 13 de Dezembro de 1983, a Alcan foi informada pelas autoridades nacionais de que o auxílio não fora notificado à Comissão.

    11 Pela Decisão 86/60/CEE, de 14 de Dezembro de 1985, relativa ao auxílio que o Land de Rheinland-Pfalz da República Federal da Alemanha concedeu a uma empresa produtora de alumínio primário, situada em Ludwigshafen (JO 1986, L 72, p. 30), a Comissão constatou que o auxílio era ilegal, dado ter sido concedido com violação do disposto no n._ 3 do artigo 93._ do Tratado, e incompatível com o mercado comum na acepção do artigo 92._, de modo que ordenou que ele fosse objecto de reembolso. A Alcan foi informada desta decisão em 15 de Janeiro de 1986.

    12 Nem o Governo alemão nem a Alcan contestaram a Decisão 86/60.

    13 Em 12 de Fevereiro e 21 de Abril de 1986, o Governo alemão esclareceu a Comissão das consideráveis dificuldades de ordem política e jurídica que se opunham à restituição do auxílio. A Comissão, por carta de 27 de Junho de 1986, exigiu tal restituição e, face à preclusão do prazo de recurso da sua Decisão 86/60, intentou uma acção ao abrigo do artigo 93._, n._ 2, segundo parágrafo, do Tratado CEE.

    14 No seu acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha (94/87, Colect., p. 175), o Tribunal de Justiça declarou que, ao não dar cumprimento à Decisão 86/60, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em virtude do Tratado.

    15 Por decisão de 26 de Setembro de 1989, o Land revogou as decisões de concessão do auxílio de 9 de Junho e de 30 de Novembro de 1983 e ordenou o reembolso das quantias concedidas. A Alcan interpôs recurso de anulação desta decisão, ao qual o Verwaltungsgericht Mainz concedeu provimento. Tendo o Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz negado provimento ao recurso interposto pelo Land, este interpôs um recurso de «revista» para o órgão jurisdicional de reenvio.

    16 A Alcan, para se opor à restituição, baseia-se no artigo 48._ da Verwaltungsverfahrensgesetz (lei sobre o processo administrativo aplicável no Land por força do artigo 1._, n._ 1, da Landesverwaltungsverfahrensgesetz, a seguir «VwVfG»), que determina:

    «(1) Mesmo após se ter tornado definitivo, um acto administrativo irregular pode ser revogado, com efeitos futuros ou retroactivos, no todo ou em parte. Um acto administrativo constitutivo ou declarativo de um direito ou de um benefício de natureza jurídica (acto administrativo constitutivo de direitos) só pode ser revogado sob reserva do disposto nos n.os 2 a 4.

    (2) Um acto administrativo irregular que concede uma prestação pecuniária sob a forma de capital ou de renda ou uma prestação em espécie que seja divisível, ou que é condição de tais prestações, torna-se irrevogável quando o beneficiário se fiou na força jurídica do acto administrativo, desde que, tendo em conta o interesse público na revogação, a sua confiança na existência do acto seja digna de protecção. Em regra, a confiança é digna de protecção quando o beneficiário consumiu as prestações concedidas ou declara ter assumido compromissos de natureza patrimonial de que não pode desligar-se ou de que apenas pode desligar-se sofrendo desvantagens que não é legítimo impor-lhe. O beneficiário não pode, no entanto, invocar a sua confiança na força jurídica do acto administrativo

    1. se o acto administrativo foi obtido por dolo, coação ou corrupção,

    2. se o acto administrativo for obtido com base em indicações inexactas ou incompletas relativas a elementos essenciais,

    3. se o interessado conhecia a natureza irregular do acto administrativo ou se não tinha conhecimento em razão de negligência grave da sua parte.

    Nos casos referidos na terceira frase do n._ 2, o acto administrativo será em regra revogado com efeitos retroactivos. Desde que o acto administrativo tenha sido revogado, as prestações previamente concedidas devem ser restituídas. No que respeita ao montante da restituição, as disposições do código civil relativas ao enriquecimento sem causa são aplicáveis por analogia. O administrado obrigado a restituir as prestações não pode invocar a extinção do enriquecimento quando se verificarem as condições da terceira frase do n._ 2, desde que tivesse conhecimento ou só desconhecesse em consequência de negligência grave da sua parte as circunstâncias que tornam o acto administrativo irregular. Compete à autoridade administrativa em causa fixar, no momento da revogação do acto administrativo, o montante da prestação a restituir.

    ...

    (4) Se a autoridade administrativa tiver conhecimento de circunstâncias que justifiquem a revogação de um acto administrativo irregular, tal revogação deverá ser efectuada no prazo de um ano, contado a partir do momento em que teve conhecimento das circunstâncias em causa. Esta disposição não é aplicável no caso do n._ 2, terceira frase, ponto 1.

    ...»

    17 O órgão jurisdicional de reenvio considera que, com base nestas últimas disposições, deve ser negado provimento ao recurso. Para começar, o prazo mencionado no artigo 48._, n._ 4, primeira frase, da VwVfG já expirou, uma vez que a irregularidade da concessão do auxílio foi verificada pela Decisão 86/60, que é datada de 14 de Dezembro de 1985, ou, o mais tardar, pela carta da Comissão de 27 de Junho de 1986, quando a revogação do acto apenas ocorreu em 26 de Setembro de 1989. O direito nacional opõe-se, portanto, a tal revogação. O órgão jurisdicional de reenvio admite no entanto a possibilidade de o direito comunitário exigir uma limitação das disposições do direito nacional, nomeadamente no caso de o prazo de preclusão ser desviado da sua finalidade pela administração para contrariar a restituição imposta pelo direito comunitário. O Bundesverwaltungsgericht remete, a este respeito, para o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633), do qual resulta, em matéria de restituição de auxílios indevidamente concedidos, por um lado, que o direito nacional deve ser aplicado de modo a não tornar praticamente impossível a recuperação das quantias irregularmente concedidas e, por outro, que o interesse comunitário deve ser plenamente tido em consideração.

    18 O Bundesverwaltungsgericht esclarece seguidamente que o beneficiário do auxílio pode, nos termos do direito interno, opor-se à sua recuperação quando o poder discricionário da autoridade estatal foi exercido de modo irregular. Tais condições estão provavelmente preenchidas no processo principal, na medida em que o auxílio foi praticamente imposto à Alcan, a fim de manter os empregos no decurso de um período que precedeu importantes eleições. Assim, o Land é de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão de concessão do auxílio que a excepção baseada no desvio de poder obsta, segundo o direito interno, à revogação da referida decisão. No entanto, a aplicação dos princípios enunciados no acórdão Deutsche Milchkontor e o., já referido, pode levar a uma diferente apreciação a nível comunitário.

    19 O Bundesverwaltungsgericht realça, finalmente, que, em direito nacional, a Alcan pode ainda basear-se na extinção do enriquecimento, por força do artigo 48._, n._ 2, sexta e sétima frases, da VwVfG, em conjugação com o artigo 818._, n._ 3, do código civil alemão, que determina que a obrigação de restituir ou de indemnizar é excluída quando se mostra que o beneficiário já não está enriquecido.

    20 Foi nestas condições que o Bundesverwaltungsgericht submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) A autoridade competente deverá, para dar cumprimento a uma decisão definitiva de restituição da Comissão das Comunidades Europeias, e por força do imperativo de aplicar o direito nacional `de forma a não tornar praticamente impossível a restituição exigida pelo direito comunitário e respeitando em toda a sua extensão o interesse da Comunidade', revogar a decisão de concessão de auxílio em causa, mesmo no caso de já ter passado o prazo de caducidade previsto em direito nacional no interesse da segurança jurídica?

    2) Caso a resposta à primeira questão seja positiva:

    A autoridade competente deverá, para dar cumprimento a uma decisão definitiva de restituição da Comissão das Comunidades Europeias, e por força do imperativo referido, revogar a decisão de concessão de auxílio em causa, mesmo no caso de ser responsável pela sua ilicitude, de tal forma que a sua revogação represente uma violação das regras da boa fé em relação ao beneficiário?

    3) Caso a resposta à primeira questão seja positiva:

    A autoridade competente deverá, para dar cumprimento a uma decisão definitiva de restituição da Comissão das Comunidades Europeias, e por força do imperativo referido, exigir a restituição do auxílio atribuído ainda que o direito nacional não o permita, por ausência de enriquecimento, na falta de má fé do beneficiário do auxílio?»

    21 As três questões prejudiciais que foram apresentadas dizem respeito à interpretação do direito comunitário relativamente a determinadas regras processuais nacionais aplicáveis à recuperação, exigida por uma decisão da Comissão, de um auxílio de Estado concedido ilegalmente e declarado incompatível com o mercado comum. Há, pois, que recordar, a título preliminar, as regras do direito comunitário na matéria.

    22 O artigo 93._, n._ 2, do Tratado determina que, se a Comissão verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar. Sempre que, contrariamente às disposições do artigo 93._, n._ 3, a subvenção projectada já tiver sido paga, esta decisão pode tomar a forma de injunção às autoridades nacionais para exigir a sua restituição (acórdãos de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colect., p. 901, n._ 24, e de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92, C-279/92 e C-280/92, Colect., p. I-4103, n._ 78).

    23 A obrigação para o Estado de suprimir um auxílio considerado pela Comissão incompatível com o mercado comum visa o restabelecimento da situação anterior (v., nomeadamente, o acórdão de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália, C-348/93, Colect., p. I-673, n._ 26).

    24 A recuperação de um auxílio deve ocorrer, em princípio, de acordo com as disposições pertinentes do direito nacional, sem prejuízo, todavia, de serem aplicadas de forma a não tornar praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário (acórdãos de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n._ 61, e de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, n._ 12; do mesmo modo, no que respeita à recuperação de auxílios comunitários, acórdão Deutsche Milchkontor e o., já referido). Em especial, o interesse da Comunidade deve ser respeitado em toda a sua extensão aquando da aplicação de uma disposição que sujeita a revogação de um acto administrativo ilegal à apreciação dos diferentes interesses em causa (acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, já referido, n._ 12).

    25 A este respeito, embora a ordem jurídica comunitária não possa opor-se a uma legislação nacional que assegura o respeito da confiança legítima e da segurança jurídica no domínio da recuperação, há que pôr em relevo, todavia, que, tendo em conta o carácter imperativo do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão nos termos do artigo 93._ do Tratado, as empresas beneficiárias de um auxílio não podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio a não ser que este tenha sido concedido no respeito pelo processo previsto pelo referido artigo. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse processo foi respeitado (v. os acórdãos de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, já referido, n.os 13 e 14, e de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C-169/95, Colect., p. I-0000, n._ 51).

    26 É tendo em conta o que precede que se deve responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional.

    Quanto à primeira questão

    27 Pela sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a autoridade competente está obrigada a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que tenha deixado expirar o prazo previsto para esse efeito no interesse da segurança jurídica pelo direito nacional.

    28 O órgão jurisdicional nacional considera que a data a partir da qual tal prazo começou a correr é a data da adopção da decisão da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação ou, o mais tardar, a data em que a Comissão reiterou essa injunção numa carta dirigida ao Estado-Membro.

    29 A este respeito, o Land, os Governos alemão e austríaco e a Comissão entendem que a consideração dos interesses comunitários, tal como enunciada no acórdão Deutsche Milchkontor e o., já referido, deve prevalecer sobre a aplicação de um tal prazo. Em contrapartida, a Alcan considera que a segurança jurídica que resulta da fixação desse prazo é um princípio fundamental que o direito comunitário deve garantir, como sucede nas ordens jurídicas nacionais. Nenhum auxílio de Estado ilegal pode, pois, ser recuperado após o termo de um tal prazo.

    30 Resulta do processo principal que o auxílio foi pago sem notificação prévia à Comissão, de modo que era ilegal nos termos do artigo 93._, n._ 3, do Tratado. Com efeito, a primeira parcela foi paga em 9 de Junho de 1983, sem informação prévia à Comissão, e a segunda em 30 de Novembro de 1983, após uma carta da Comissão, datada de 25 de Novembro de 1983, na qual se esclarece o governo federal de que a concessão da primeira parcela tinha sido ilegal e de que a segunda não deveria ser paga.

    31 De acordo com o princípio recordado no n._ 25 do presente acórdão, o beneficiário do auxílio não podia, portanto, ter, nesse momento, uma confiança legítima na regularidade da sua concessão.

    32 A Decisão 86/60, que declarou o auxílio incompatível e ordenou expressamente e sem qualquer condição a restituição das quantias pagas, foi adoptada em 14 de Dezembro de 1985, tendo a Alcan tido conhecimento o mais tardar em 15 de Janeiro de 1986.

    33 Resulta ainda do processo principal que a administração nacional deixou expirar o prazo de um ano previsto no direito nacional, que corria a partir do dia em que teve conhecimento da decisão da Comissão.

    34 Deve declarar-se que, estando em causa auxílios de Estado declarados incompatíveis, o papel das autoridades nacionais está, como sublinhou o advogado-geral no n._ 27 das suas conclusões, limitado a dar execução a qualquer decisão da Comissão. Aquelas autoridades não dispõem, portanto, de nenhum poder de apreciação quanto à revogação de uma decisão de concessão. Assim, quando a Comissão ordena, por uma decisão que não foi objecto de qualquer recurso jurisdicional, a cobrança de quantias indevidamente pagas, a autoridade nacional não tem o direito de fazer qualquer outra constatação.

    35 Quando, no entanto, a autoridade nacional deixa expirar o prazo de preclusão previsto no direito nacional para a revogação da decisão de concessão, tal situação não pode ser equiparada à de um operador económico que ignora se a administração competente se vai pronunciar, caso em que o princípio da segurança jurídica exige que seja posto termo a esta incerteza quanto à expiração de um determinado prazo.

    36 Não gozando a autoridade nacional de um poder discricionário, o beneficiário de um auxílio concedido ilegalmente deixa de estar na incerteza a partir do momento em que a Comissão adopta uma decisão que declara tal auxílio incompatível e exige a sua recuperação.

    37 O princípio da segurança jurídica não pode, portanto, obstar à restituição do auxílio com o fundamento de que as autoridades nacionais se conformaram tardiamente com a decisão que exige essa restituição. A não ser assim, a recuperação das quantias indevidamente pagas tornar-se-ia praticamente impossível e as disposições comunitárias relativas aos auxílios de Estado seriam privadas de qualquer efeito útil.

    38 Deve, pois, responder-se à primeira questão que a autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que tenha deixado expirar o prazo previsto para esse efeito no interesse da segurança jurídica pelo direito nacional.

    Quanto à segunda questão

    39 Pela sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a autoridade competente está obrigada a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que essa autoridade seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre, no que respeita ao beneficiário do auxílio, contrária à boa-fé.

    40 Enquanto o Land, os Governos alemão e austríaco e a Comissão consideram que esta questão deve também ter uma resposta positiva, a Alcan argumenta nomeadamente que as circunstâncias do processo principal foram muito particulares, uma vez que as autoridades nacionais lhe impuseram praticamente o auxílio em litígio, para evitar a cessação da actividade. Assim, uma objecção baseada na boa-fé, ligada a um caso muito específico, nunca poderia levar a tornar a execução do direito comunitário automaticamente ou quase sempre impossível.

    41 Sem que seja necessário apreciar o comportamento das autoridades alemãs no processo principal, apreciação que é apenas da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais e não da do Tribunal de Justiça no âmbito do processo previsto no artigo 177._ do Tratado, deve declarar-se que, como resulta dos n.os 30 e 31 do presente acórdão, o beneficiário do auxílio não pode invocar a confiança legítima na regularidade da sua concessão. A obrigação do beneficiário de se assegurar de que o procedimento do artigo 93._, n._ 3, do Tratado foi respeitado não pode, com efeito, depender do comportamento da autoridade estatal, mesmo que esta seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre contrária à boa-fé.

    42 Em circunstâncias como as do processo principal, a não revogação da decisão de concessão do auxílio causaria graves prejuízos ao interesse comunitário e tornaria praticamente impossível a recuperação exigida pelo direito comunitário.

    43 Há, pois, que responder à segunda questão que a autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que essa autoridade seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre, no que respeita ao beneficiário do auxílio, contrária à boa-fé, desde que o beneficiário do auxílio não tenha podido ter, por inobservância do procedimento previsto no artigo 93._ do Tratado, uma confiança legítima na regularidade do auxílio.

    Quanto à terceira questão

    44 Pela sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a autoridade competente está obrigada a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo quando o direito nacional a exclui em razão da extinção do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio.

    45 A este respeito, a Alcan argumenta que o auxílio foi utilizado, de acordo com a sua finalidade, para compensar uma parte das despesas de electricidade ocorridas entre os meses de Março de 1983 e Fevereiro de 1984, o que, em direito interno, pode ser qualificado como extinção do enriquecimento.

    46 Considera, além disso, que resulta do acórdão Deutsche Milchkontor e o., já referido, que o princípio da objecção da extinção do enriquecimento, que decorre do princípio da proporcionalidade, faz também parte do direito comunitário e deve, portanto, ser respeitado. Além disso, são muito raros os casos de extinção do enriquecimento em matéria de auxílios de Estado, uma vez que, na maior parte dos casos, o auxílio continua a produzir efeitos no património do beneficiário. Na ocorrência, existiram circunstâncias muito particulares que não são aptas a tornar praticamente impossível a execução do direito comunitário.

    47 Em contrapartida, o Land, os Governos alemão e austríaco e a Comissão consideram que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como enunciada no acórdão de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, já referido, se aplica também ao processo principal, de modo que o beneficiário do auxílio não pode arguir a extinção do enriquecimento.

    48 A este respeito, deve pôr-se em relevo que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a consideração, em direito interno, da extinção do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio, resulta do princípio geral da protecção da confiança legítima do beneficiário de um acto administrativo irregular.

    49 Ora, já foi recordado no n._ 25 do presente acórdão, que as empresas beneficiárias de um auxílio só podem ter confiança legítima na regularidade do auxílio quando este foi concedido com respeito pelo procedimento previsto no artigo 93._ do Tratado.

    50 Conclusão similar se impõe, portanto, também no que se refere à objecção baseada na extinção do enriquecimento, que torna praticamente impossível, no caso concreto, a recuperação exigida pelo direito comunitário.

    51 Contrariamente às pretensões da Alcan, a extinção do enriquecimento não constitui um caso atípico do ponto de vista contabilístico, antes sendo a regra no domínio dos auxílios de Estado que são, em geral, atribuídos a empresas em dificuldades, cujo balanço já não revela, no momento da recuperação, o aumento patrimonial que incontestavelmente resultou do auxílio.

    52 Além disso, como sublinhou o advogado-geral no n._ 38 das suas conclusões, uma empresa que sofre perdas após a concessão de um auxílio pode não obstante continuar a obter vantagens resultantes da sua sobrevivência temporária, nomeadamente em termos de manutenção do seu lugar no mercado, de reputação e de clientela. Assim, não pode sustentar-se que o enriquecimento se extinguiu pelo simples motivo de o benefício resultante da concessão de um auxílio de Estado já não figurar no balanço da empresa beneficiária.

    53 Em consequência, o argumento da Alcan de que o Tribunal de Justiça deveria ter em consideração a sua situação particular e atípica, baseado na alegada extinção do enriquecimento, é destituído de fundamento.

    54 Deve pois responder-se à terceira questão que a autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão a um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo quando o direito nacional a exclui em razão da extinção do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    55 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, francês e austríaco, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht, por despacho de 28 de Setembro de 1994, declara:

    56 A autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que tenha deixado expirar o prazo previsto para esse efeito no interesse da segurança jurídica pelo direito nacional.

    57 A autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo que essa autoridade seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre, no que respeita ao beneficiário do auxílio, contrária à boa-fé, desde que o beneficiário do auxílio não tenha podido ter, por inobservância do procedimento previsto no artigo 93._ do Tratado, uma confiança legítima na regularidade do auxílio.

    58 A autoridade competente está obrigada, por força do direito comunitário, a revogar a decisão de concessão de um auxílio atribuído ilegalmente, em conformidade com uma decisão definitiva da Comissão que declara o auxílio incompatível e exige a sua recuperação, mesmo quando o direito nacional a exclui em razão da extinção do enriquecimento, na ausência de má-fé do beneficiário do auxílio.

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