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Document 61995CC0301

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 12 de Março de 1998.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Incumprimento do Estado - Transposição incorrecta da Directiva 85/337/CEE.
    Processo C-301/95.

    Colectânea de Jurisprudência 1998 I-06135

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:100

    61995C0301

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 12 de Março de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha. - Incumprimento do Estado - Transposição incorrecta da Directiva 85/337/CEE. - Processo C-301/95.

    Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-06135


    Conclusões do Advogado-Geral


    1. Com base no artigo 169._, segundo parágrafo, do Tratado CE, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 5._ e 189._ do mesmo Tratado e da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (1) (a seguir «directiva»), nomeadamente dos seus artigos 2._, 3._, 5._, n._ 2, 6._, n._ 2, 8._, 9._ e 12._, n.os 1 e 2.

    2. O Tribunal de Justiça já por várias vezes analisou estas disposições (2).

    3. Esta directiva foi transposta para a Alemanha através da Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung (lei relativa à avaliação do impacto ambiental, a seguir «UVPG»), de 12 de Fevereiro de 1990, que entrou em vigor em 1 de Agosto de 1990 (3).

    4. A Comissão considera que, no quadro dessa transposição, a demandada não cumpriu, em cinco pontos, as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado e da directiva. Na petição, a Comissão tinha formulado uma sexta acusação relativa à realização de dois projectos determinados. Uma vez que a República Federal da Alemanha lhe comunicou elementos probatórios, dos quais resultava que os pedidos de autorização relativos a esses dois projectos tinham sido apresentados antes de decorrido o prazo de transposição da directiva, a Comissão retirou essa acusação da réplica.

    5. A título liminar, recordo que, segundo jurisprudência assente (4), quando um Estado-Membro não tenha cumprido as obrigações que especificamente lhe incumbem por força de uma directiva, é inútil analisar a questão de saber se, por essa razão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5._ do Tratado.

    Primeira e terceira acusações: transposição tardia da directiva e falta de aplicação desta a todos os projectos autorizados posteriormente a 3 de Julho de 1988

    6. Proponho que o Tribunal de Justiça aprecie conjuntamente as primeira e terceira acusações, uma vez que ambas se referem à questão de saber se é útil ou não que se pronuncie novamente sobre incumprimentos que o Tribunal de Justiça já declarou nos fundamentos, embora não na parte decisória, de acórdãos anteriores.

    7. No quadro da primeira acusação, a Comissão censura o Governo alemão por não ter tomado, dentro do prazo fixado, as medidas necessárias para dar cumprimento à directiva. Com efeito, a UVPG entrou em vigor em 1 de Agosto de 1990, quando o prazo de transposição previsto no artigo 12._, n._ 1, da directiva tinha terminado em 3 de Julho de 1988.

    8. O Governo alemão salienta que, no acórdão Bund Naturschutz in Bayern e o., já referido, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que a directiva tinha sido transposta tardiamente pela Alemanha e que «nova tomada de posição pelo Governo alemão sobre este aspecto se revela[va], consequentemente, supérflua».

    9. No entender da Comissão, a declaração formal do incumprimento pela República Federal da Alemanha impõe-se, uma vez que aquele acórdão foi proferido no quadro de um processo prejudicial.

    10. A terceira acusação da Comissão refere-se à disposição transitória prevista no § 22 da UVPG. Nos termos desta disposição, os processos já iniciados só são sujeitos à avaliação do impacto ambiental se ainda não tiverem sido publicados no momento da entrada em vigor da UVPG. Assim, os processos de autorização apresentados na Alemanha antes de 1 de Agosto de 1990, mas depois de 3 de Julho de 1988, data em que terminou o prazo de transposição da directiva, não foram sujeitos à avaliação do impacto ambiental, prevista na directiva.

    11. O Governo alemão salienta que resulta não só do acórdão Bund Naturschutz in Bayern e o. mas também do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, proferido no quadro de uma acção de incumprimento, que a República Federal da Alemanha não estava autorizada a adoptar a disposição derrogatória prevista no § 22 da UVPG para os projectos em relação aos quais o pedido de autorização tinha sido apresentado posteriormente a 3 de Julho de 1988. Assim, é inútil que o Tribunal de Justiça se pronuncie novamente sobre esta questão de direito.

    12. A Comissão responde que o Tribunal de Justiça não declarou expressamente, na parte decisória dos dois acórdãos em questão, que a República Federal da Alemanha violou o Tratado.

    13. Proponho que o Tribunal de Justiça julgue procedente o pedido da Comissão. Com efeito, esta recorda, acertadamente, que, no processo Bund Naturschutz in Bayern e o., o Tribunal de Justiça se pronunciou no quadro de um pedido prejudicial, cujo objecto era facultar aos juízes de reenvio uma interpretação do artigo 12._, n._ 1, da directiva, e não declarar um eventual incumprimento por parte da República Federal da Alemanha.

    14. No processo Comissão/Alemanha, o Tribunal de Justiça também não declarou formalmente, na parte decisória do acórdão, um incumprimento resultante da adopção do § 22 da UVPG, uma vez que negou provimento ao pedido da Comissão, que se referia apenas a um projecto determinado.

    15. A este propósito, recordarei apenas que o Tribunal de Justiça desde sempre reconheceu à Comissão competência para, oportunamente, se pronunciar sobre o interesse em instaurar um processo por incumprimento contra um Estado-Membro.

    16. Geralmente, a declaração formal de incumprimento é igualmente um requisito prévio ao desencadeamento eventual do processo previsto no artigo 171._ do Tratado CE. Reveste-se igualmente de uma importância essencial no quadro de um eventual pedido de indemnização que um particular pode apresentar contra um Estado-Membro.

    17. Consequentemente, convido o Tribunal de Justiça a declarar formalmente que a República Federal da Alemanha,

    - ao não adoptar, dentro do prazo fixado, as medidas necessárias para dar cumprimento à directiva,

    - ao não sujeitar à avaliação do impacto ambiental todos os projectos em relação aos quais a directiva impõe essa avaliação e cujos processos de autorização tiveram início posteriormente a 3 de Julho de 1988,

    não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 189._, n._ 3, do Tratado, bem como do artigo 12._, n._ 1, da directiva.

    Segunda acusação: falta de notificação de todas as disposições adoptadas no domínio regulado pela directiva

    18. Nos termos do artigo 12._, n._ 2, da directiva:

    «2. Os Estados-Membros comunicarão à Comissão o texto das disposições de direito nacional que adoptem no domínio regulado pela presente directiva.»

    19. Segundo a interpretação da Comissão, esta disposição obriga o governo a notificar não só os textos adoptados a nível federal mas também as disposições aplicáveis nos diferentes Länder no que respeita ao domínio regulado pela directiva.

    20. O Governo alemão replica afirmando, em primeiro lugar, que, nem o artigo 12._, n._ 2, da directiva, nem nenhuma outra disposição de direito comunitário o obrigam a notificar à Comissão todas as medidas que tenha tomado para dar cumprimento à directiva.

    21. Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha faz referência ao § 4 da UVPG que, em seu entender, garante que a directiva é aplicada correctamente em todo o território nacional.

    22. Segundo o § 4, a UVPG só é aplicável se as disposições do Bund ou dos Länder não regularem, de forma mais pormenorizada, a avaliação do impacto ambiental, ou se as suas exigências não corresponderem às da UVPG. Disposições que contenham exigências maiores não são afectadas pela lei.

    23. O Governo alemão considera que a formulação contida no § 4 resulta de uma técnica legislativa destinada a evitar que o legislador seja obrigado a alterar o conteúdo de numerosas leis específicas.

    24. A notificação da UVPG à Comissão permite que esta controle a aplicação da directiva na Alemanha. O § 4 da UVPG confere um primado meramente formal às disposições específicas e prevalece sistematicamente quanto ao fundo. Quando existam, ao nível da federação ou ao nível dos Länder, disposições específicas que imponham a avaliação do impacto ambiental, estas disposições devem ser aplicadas, na medida em que enunciem, em conformidade com a UVPG, a título repetitivo ou declarativo, regras relativas à avaliação do impacto ambiental. Se estas regras forem, quanto ao conteúdo, menos severas do que as regras instituídas pela UVPG, estas são directamente aplicáveis. Assim, a UVPG, cujas disposições têm um valor superior, garante a observância das exigências da directiva.

    25. A Comissão salienta que a própria demandada não nega que as disposições dos Länder são disposições jurídicas adoptadas no domínio regulado pela directiva. De qualquer forma, tratando-se de disposições adoptadas por um Estado-Membro, o Governo alemão tinha a responsabilidade de as notificar à Comissão. A questão das relações hierárquicas entre a legislação federal e a legislação dos Länder pode, é certo, ser importante quando se trate de apreciar se a directiva foi correctamente transposta na Alemanha. Ora, era precisamente esse controlo do conteúdo que a Comissão não pode efectuar enquanto todas as disposições do direito em causa não lhe tiverem sido notificadas.

    26. Esta argumentação da Comissão é convincente. Nos termos do artigo 155._ do Tratado CE, a Comissão vela pela aplicação do direito comunitário. Por outro lado, os Estados-Membros são obrigados a facilitar à Comunidade o cumprimento da sua missão.

    27. O objectivo da obrigação de notificação prevista no artigo 12._, n._ 2, da directiva é precisamente permitir que a Comissão cumpra o seu papel de guardiã do direito comunitário. A este título, compete-lhe apreciar se a directiva é correctamente aplicada nos diferentes Estados-Membros.

    28. Para este efeito, é indispensável que a Comissão conheça todas as disposições aplicáveis num Estado-Membro, no domínio regulado por uma directiva.

    29. De resto, podem surgir situações em que as autoridades do Bund ou dos Länder não detectem qualquer incompatibilidade com o direito comunitário, ao passo que, se a Comissão tiver possibilidade de examinar o conjunto dos diplomas relevantes, pode alertar o Estado-Membro para o problema que se coloca.

    30. Assim, proponho que o Tribunal de Justiça declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._, n._ 2, da directiva, uma vez que não notificou à Comissão o texto de todas as disposições de direito interno adoptadas no domínio regulado pela directiva.

    Quarta acusação: transposição incompleta do artigo 2._ da directiva a propósito dos projectos enumerados no anexo II

    31. O artigo 2._, n._ 1, da directiva tem a seguinte redacção:

    «1. Os Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.

    Estes projectos são definidos no artigo 4._»

    32. O artigo 4._ tem a seguinte redacção:

    «1. Sem prejuízo do disposto no n._ 3 do artigo 2._, os projectos que pertencem às categorias enumeradas no anexo I são submetidos a uma avaliação, nos termos dos artigos 5._ a 10._

    2. Os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._, sempre que os Estados-Membros considerarem que as suas características assim o exigem.

    Para este fim, os Estados-Membros podem nomeadamente especificar determinados tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II, determinar quais os que devem ser submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._»

    33. A República Federal da Alemanha utilizou a faculdade que o artigo 4._, n._ 2, da directiva, em conjugação com o anexo II, lhe concede, para definir, no § 3 da UVPG e no anexo, determinados projectos e sujeitá-los à obrigação de avaliação do respectivo impacto ambiental.

    34. A Comissão considera que os anexos da UVPG não contêm todas as categorias de projectos enumeradas no anexo II da directiva. Assim, segundo a Comissão, os projectos enumerados no anexo II da directiva, sob as diferentes letras do alfabeto que subdividem os pontos 1 a 11, devem considerar-se «categorias» na acepção do artigo 4._

    35. A Comissão esclarece que, nos termos do artigo 2._, n._ 1, da directiva, cabe aos Estados-Membros garantir que a autoridade competente decidirá se todos os projectos do anexo II podem ter, em razão da sua natureza, das suas dimensões ou da sua localização, um impacto ambiental significativo. Esta decisão pode ser tomada em abstracto através da definição de grupos de projectos com base em critérios de apreciação determinados. Mas, se assim não acontecer, há que garantir que a decisão sobre os efeitos previsíveis dos projectos seja tomada caso a caso, em relação a cada projecto, antes da sua autorização.

    36. O Governo alemão interpreta as noções de categorias e de projectos diversamente da Comissão. Em seu entender, o anexo II da directiva enumera, no total, «doze categorias de projectos» subdivididas em projectos «específicos». Nos termos do artigo 4._, n._ 2, da directiva, cada Estado-Membro pode decidir de forma discricionária qual o projecto que, entre os enumerados nas categorias em questão, deve ser sujeito à obrigação de avaliação. A UVPG teve em conta todas as categorias de projectos do anexo II da directiva e, dentro dessas categorias, sujeita à obrigação de avaliação os projectos cujas características exigem, no entender do legislador federal, essa avaliação.

    37. Assim, segundo o Governo alemão, em caso algum se pode pretender que, através do § 3 da UVPG, a República Federal da Alemanha tenha isentado categorias completas de projectos, na acepção do anexo II da directiva, da obrigação de avaliação. Em contrapartida, dentro das diferentes categorias de projectos, apreciou os projectos específicos em função das suas características e determinou seguidamente, no quadro do poder de decisão que o artigo 4._, n._ 2, da directiva lhe concede, quais, dentro das doze categorias enumeradas no anexo II, os projectos a sujeitar ou não à obrigação de avaliação. Para este efeito, o Governo alemão fixou, no uso do seu poder discricionário, para determinados tipos de projectos, critérios e/ou limites determinantes no que respeita à obrigação de avaliação.

    38. A divergência entre a Comissão e a República Federal da Alemanha incide, portanto, sobre a questão de saber o que deve entender-se por «categorias de projectos».

    39. Para uma correcta compreensão do problema, parece-me indispensável não perder de vista a estrutura dos dois anexos.

    40. O anexo I apresenta-se nos seguintes termos:

    Título: Projectos referidos no n._ 1 do artigo 4._

    1. Refinarias de petróleo bruto... 2. Centrais térmicas... 3. Instalações exclusivamente destinadas à... 4. Fábricas integradas... etc.

    São enumerados, no total, nove pontos.

    41. Em contrapartida, o anexo II apresenta-se nos seguintes termos:

    Título: Projectos referidos no n._ 2 do artigo 4._

    1. Agricultura a) Projectos de emparcelamento rural; b) Projectos para destinar às terras não cultivadas... c) Projectos de hidráulica agrícola;

    d) Primeiros repovoamentos florestais, quando podem provocar transformações ecológicas negativas...

    etc., até à alínea h).

    2. Indústria extractiva a) Extracção de turfa; b) Perfurações... c) Extracção de minerais... etc., até à alínea m).

    3. Indústria da energia

    a) Instalações industriais destinadas à produção de energia eléctrica...

    b) Instalações industriais destinadas ao transporte de gás... c) Armazenagem à superfície de gás natural... etc., até à alínea j).

    Seguem-se ainda as seguintes rubricas:

    4. Processamento de metais 5. Fabrico de vidro 6. Indústria química 7. Indústria dos produtos alimentares

    8. Indústria têxtil, indústria de cabedais, da madeira e do papel

    9. Indústria da borracha 10. Projectos de infra-estruturas 11. Outros projectos

    12. Alteração dos projectos que constam do anexo I e dos projectos do anexo II que se destinam exclusiva ou principalmente a desenvolver ou ensaiar novos métodos ou produtos e que não são utilizados durante mais de um ano.

    42. Com excepção dos pontos 5, 9 e 12, estas rubricas encontram-se igualmente subdivididas em sub-rubricas, precedidas das letras do alfabeto, à semelhança dos títulos 1, 2 e 3.

    43. A resolução do litígio entre a República Federal da Alemanha e a Comissão implica, em minha opinião, que se tome como ponto de partida o artigo 4._ que, no n._ 1, determina que «os projectos que pertencem às categorias enumeradas no anexo I são submetidos a uma avaliação» e, no n._ 2, que «os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação... sempre que...» (5).

    44. Ora, é inconcebível que a noção «categorias» possa ter um significado diferente consoante se trate de um ou outro anexo.

    45. Uma vez que, no anexo I, esta noção se refere a categorias de projectos definidos segundo a sua natureza, como as refinarias de petróleo, as centrais térmicas ou as fábricas integradas, só pode, no que respeita ao anexo II, referir-se a categorias do mesmo género, como as instalações para a criação de aves de capoeira, as fábricas de siderurgia, etc.

    46. A noção «categorias de projectos» deixaria de ser inequívoca no artigo 4._ da directiva se por «categorias de projectos», a que o anexo II se refere, devessem entender-se grandes sectores económicos como a agricultura, as indústrias extractivas ou as indústrias da energia.

    47. Este ponto é bem ilustrado através de um exemplo. No anexo I são enumeradas as seguintes categorias de projectos:

    «7. Construção de auto-estradas, de vias rápidas, de vias para o tráfego de longa distância dos caminhos-de-ferro e de aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 2 100 metros ou mais.

    8. Portos de comércio marítimos e vias navegáveis e portos de navegação interna que permitam o acesso a barcos com mais de 1 350 toneladas.»

    48. No anexo II, encontra-se, sob o ponto 10, «Projectos de infra-estruturas», a seguinte rubrica:

    «d) Construção de estradas, de portos (incluindo portos de pesca) e de aeródromos (projectos que não constem do anexo I) (6)».

    49. Esta justaposição mostra que, aos pontos 7 e 8 do anexo I corresponde o ponto 10, alínea d), do anexo II, que enumera os projectos do mesmo tipo, mas de menor envergadura.

    50. Não me parece possível sustentar que os pontos 7 e 8 do anexo I correspondam ao vasto domínio dos projectos de infra-estruturas.

    51. De resto, o resultado a que se chegaria se fosse seguida a interpretação do Governo alemão retiraria à directiva grande parte do seu efeito útil.

    52. Como a Comissão acertadamente sustenta, esta interpretação atribuiria a um Estado-Membro o direito de aprovar apenas um «projecto» (na acepção da concepção alemã desta noção) dentro de cada uma das doze grandes rubricas do anexo II, com a consequência de este mais não ser do que um anexo «à escolha».

    53. Assim, bastaria que um Estado-Membro definisse o limite a partir do qual as «instalações para a criação de aves de capoeira» [ponto 1, alínea e), do anexo II] devem ser objecto de avaliação do impacto ambiental para deixar de dever submeter a avaliação projectos relativos à «recuperação de terrenos ao mar» [ponto 1, alínea h), do anexo II].

    54. Ora, no acórdão Comissão/Bélgica (7), o Tribunal de Justiça declarou que, embora resulte do n._ 2 do artigo 4._ «que os Estados-Membros podem sempre especificar certos 'tipos' de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares para poderem determinar quais dos projectos devem ser objecto de uma avaliação, há que sublinhar que essa faculdade dos Estados-Membros é reconhecida no interior de cada uma das categorias enumeradas no anexo II. Com efeito, o próprio legislador comunitário considerou que todas as categorias de projectos enumeradas no anexo II podem eventualmente, segundo as características que os projectos apresentem no momento da sua elaboração, ter efeitos consideráveis sobre o ambiente».

    55. No acórdão Kraaijeveld e o. (8), o Tribunal de Justiça esclareceu que «embora o artigo 4._, n._ 2, segundo parágrafo, da directiva confira aos Estados-Membros uma margem de apreciação para especificar certos tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou para fixar critérios e/ou limiares a reter, essa margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2._, n._ 1, de submeter a um estudo de impacte ambiental os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização. Deste modo, pronunciando-se a respeito da legislação de um Estado-Membro, segundo a qual determinadas categorias completas de projectos enumeradas no anexo II eram excluídas da obrigação de estudo de impacte ambiental, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão de 2 de Maio de 1996 (9), que os critérios e/ou os limiares mencionados no artigo 4._, n._ 2, têm por finalidade facilitar a apreciação das características concretas que apresenta um projecto (10) com vista a determinar se está sujeito à obrigação de uma avaliação e não a subtrair de antemão a essa obrigação certas categorias completas de projectos enumerados no anexo II, previsíveis no território de um Estado-Membro».

    56. Estas passagens da jurisprudência do Tribunal de Justiça não fariam sentido se por «categorias de projectos» devessem entender-se os doze grandes domínios de actividades identificados por algarismos árabes e não as categorias mais específicas precedidas das letras do alfabeto.

    57. Em minha opinião, o Tribunal de Justiça quis significar que os Estados-Membros têm a possibilidade de decidir que, dentro de uma classe definida de projectos (ou «categorias», segundo a expressão utilizada pela directiva), por exemplo, as «instalações para a criação de gado porcino», apenas os projectos individuais que excedam um certo limiar, por exemplo, «as instalações com capacidade igual ou superior a 1 400 cabeças de gado porcino», que têm determinadas características, por exemplo, «as instalações para a criação de gado porcino, qualquer que seja a sua capacidade, situadas a menos de 300 metros de uma aglomeração» devem ser objecto de estudo, ao passo que as instalações do mesmo tipo, que não preencham um desses critérios, são dispensadas desse estudo (11). No entanto, relativamente às restantes categorias (ou classes) de projectos no domínio da agricultura, para os quais não foram fixados esses critérios, há que examinar cada projecto individual, a fim de determinar se, em razão das suas características próprias, deve ou não ser objecto de avaliação.

    58. Esta interpretação não é incompatível com a declaração do Conselho e da Comissão, inscrita na acta do Conselho, citada pelo Governo alemão, segundo a qual, «... no quadro do artigo 4._, n._ 2, os Estados-Membros podem igualmente decidir quais dos projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II devem ser sujeitos a um exame simplificado ou quais devem ser excluídos do exame». Este texto está em perfeita harmonia com a tese da Comissão, porque, a meu ver, devem entender-se por «projectos» os projectos individuais apresentados por um determinado dono da obra.

    59. Aliás, não há dúvidas de que a tese da Comissão (de que eu compartilho) foi consagrada na nova versão do artigo 4._, introduzida na Directiva 85/337 pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (12). O artigo 4._ passou a ter a seguinte redacção:

    «1. Sem prejuízo do disposto no n._ 3 do artigo 2._, os projectos (13) incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._

    2. Sem prejuízo do disposto no n._ 3 do artigo 2._, os Estados-Membros determinarão, relativamente aos projectos (14) incluídos no anexo II:

    a) Com base numa análise caso a caso; ou b) Com base nos limiares ou critérios por eles fixados;

    se o projecto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._

    Os Estados-Membros podem decidir aplicar os dois procedimentos referidos nas alíneas a) e b).»

    60. A expressão «os projectos pertencentes às categorias enumeradas» no anexo I e no anexo II é, portanto, substituída pela expressão «os projectos incluídos» no anexo I e no anexo II.

    61. Doravante, não há dúvida de que, quanto ao anexo II, a remissão é feita para as categorias de projectos enumeradas segundo as letras do alfabeto, e não para as grandes categorias como a agricultura, as indústrias extractivas, etc.

    62. Além disso, a nova redacção corrobora igualmente a tese da Comissão, segundo a qual todos os projectos devem ser objecto de um exame individual, desde que não façam parte de uma das categorias em relação às quais um Estado-Membro tenha fixado limiares ou outros critérios.

    63. A República Federal da Alemanha sustenta que, uma vez que, segundo a opinião comum dos Estados-Membros, a alteração do artigo 4._ da directiva era necessária, «a transposição feita pela UVPG não constitui, atendendo à falta de precisão e clareza da directiva, um incumprimento das obrigações do Tratado».

    64. A própria Comissão reconhece que a antiga terminologia utilizada pela directiva podia levantar dificuldades de interpretação. Não deixa de ser verdade que vários Estados-Membros interpretaram a directiva no mesmo sentido que a Comissão. Por outro lado, uma acção por incumprimento constitui um processo objectivo e destina-se a esclarecer as obrigações dos Estados-Membros decorrentes do direito comunitário. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a acção de incumprimento permite precisamente determinar o alcance exacto das obrigações dos Estados-Membros em caso de divergências de interpretação (15).

    65. O Tribunal de Justiça deverá, portanto, declarar que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da directiva, uma vez que excluiu categorias completas de projectos, enumeradas no anexo II, de uma avaliação do seu impacto ambiental.

    Quinta acusação: transposição incompleta do artigo 5._, n._ 2, da directiva

    66. O n._ 2 do artigo 5._ define as informações que o dono da obra deve fornecer «pelo menos» à autoridade competente, tendo em vista a avaliação do impacto ambiental de um projecto.

    67. A Comissão reconhece que a demandada definiu, no § 6, n.os 3 e 4, da UVPG, em conformidade com as exigências da directiva, as informações necessárias. Todavia, o § 6, n._ 2, segunda frase, desta lei determina que as disposições em questão só são aplicáveis «se as informações determinadas nos n.os 3 e 4 não forem definidas pormenorizadamente através de uma norma legal».

    68. Isto significa, segundo a Comissão, que outras disposições legais, que definem em pormenor as informações que o dono da obra deve fornecer, prevalecem sobre as disposições da UVPG e, portanto, substituem-nas, independentemente da questão de saber se outras disposições são ou não conformes com as exigências do artigo 5._, n._ 2, da directiva.

    69. Assim, a Comissão considera que, pelo facto de não ter fixado uma obrigação geral no que respeita às informações a fornecer segundo a directiva, a demandada não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 5._ e 189._, terceiro parágrafo, do Tratado, em conjugação com os artigos 5._, n._ 2, e 12._, n._ 1, da directiva.

    70. O Governo alemão responde que a tese defendida pela Comissão não tem em conta o § 4 da UVPG, que regula, em termos gerais, as relações entre a UVPG e as restantes disposições legais, adoptadas pela federação ou pelos Länder no domínio abrangido pela directiva. Este artigo formula o princípio segundo o qual, sempre que as exigências enunciadas em normas legais da federação ou dos Länder forem menos rígidas do que as exigências da UVPG, prevalece esta última.

    71. Em contrapartida, se as disposições legais da federação ou dos Länder exigirem a apresentação de documentos complementares relativamente às exigências previstas no § 6, n.os 3 e 4, da UVPG, estas disposições continuam a ser aplicáveis.

    72. Proponho que o Tribunal de Justiça, sobre este aspecto, acolha os argumentos do Governo alemão. Com efeito, é evidente que o próprio artigo 5._, n._ 2, apenas fixa um mínimo de informações a prestar pelo dono da obra. Por outro lado, o artigo 13._ da directiva permite expressamente que os Estados-Membros fixem regras mais estritas no que respeita ao processo de avaliação do impacto ambiental. Em minha opinião, isto inclui as informações a facultar.

    73. Assim, por exemplo, diferentes domínios aos quais a directiva se pode aplicar podem colocar problemas especiais no que respeita à avaliação do impacto ambiental e, assim, justificar que o dono da obra forneça determinadas informações que não será obrigado a fornecer noutro domínio.

    74. O § 6, n._ 2, da UVPG garante, em conjugação com o § 4 da mesma, que o dono da obra fornecerá sempre, pelo menos, as informações previstas no § 6, n.os 3 e 4 da mesma lei. Ora, estas informações correspondem às informações exigidas no artigo 5._, n._ 2, da directiva.

    75. Consequentemente, considero que a República Federal da Alemanha não transpôs de forma incompleta o artigo 5._, n._ 2, da directiva.

    76. Assim, proponho que o Tribunal de Justiça declare esta acusação infundada.

    Quanto às despesas

    77. Proponho que a República Federal da Alemanha seja condenada nas despesas, uma vez que, em minha opinião, os seus fundamentos devem, no essencial, ser julgados improcedentes.

    Conclusão

    À luz dos elementos precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

    1) declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em virtude do artigo 189._, terceiro parágrafo, do Tratado CE, bem como dos artigos 2._ e 12._, n._ 1 e 2, da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, por

    - não ter adoptado, dentro do prazo fixado, as medidas necessárias para dar cumprimento à directiva;

    - não ter notificado à Comissão o texto de todas as disposições de direito interno adoptadas no domínio regulado pela directiva;

    - não ter sujeitado à avaliação do impacto ambiental todos os projectos em relação aos quais a directiva impõe essa avaliação e cujos processos de autorização tiveram início posteriormente a 3 de Julho de 1988;

    - não ter determinado, em relação a todas as categorias de projectos enumeradas no anexo II da directiva, que é necessário examinar se podem produzir um impacto ambiental significativo;

    2) quanto ao restante, julgue a acção improcedente;

    3) condene a República Federal da Alemanha nas despesas.

    (1) - JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9.

    (2) - V., por exemplo, acórdãos de 9 de Agosto de 1994, Bund Naturschutz in Bayern e o. (C-396/92, Colect., p. I-3717); de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha (C-431/92, Colect., p. I-2189); de 2 de Maio de 1996, Comissão/Bélgica (C-133/94, Colect., p. I-2323), e de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C-72/95, Colect., p. I-5403).

    (3) - BGBl. I, 1990, n._ 6, p. 205.

    (4) - V., por exemplo, acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n._ 56.

    (5) - Sublinhado por mim.

    (6) - Sublinhado por mim.

    (7) - Acórdão já referido, n._ 41.

    (8) - Acórdão já referido, n.os 50 e 51.

    (9) - Acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n._ 42.

    (10) - Sublinhado por mim.

    (11) - V. acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n._ 49.

    (12) - JO L 73, p. 5.

    (13) - Sublinhado por mim.

    (14) - Sublinhado por mim.

    (15) - Acórdão de 14 de Dezembro de 1971, Comissão/França (7/71, Colect., p. 391, n._ 49).

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