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Document 61995CC0296
Opinion of Mr Advocate General Ruiz-Jarabo Colomer delivered on 17 April 1997. # The Queen v Commissioners of Customs and Excise, ex parte EMU Tabac SARL, The Man in Black Ltd, John Cunningham. # Reference for a preliminary ruling: Court of Appeal, London - United Kingdom. # Council Directive 92/12/EEC on the general arrangements for products subject to excise duty and on the holding, movement and monitoring of such products - Member State in which duty is payable - Purchase through an agent. # Case C-296/95.
Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 17 de Abril de 1997.
The Queen contra Commissioners of Customs and Excise, ex parte EMU Tabac SARL, The Man in Black Ltd, John Cunningham.
Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal, London - Reino Unido.
Directiva 92/12/CEE do Conselho, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo - Estado-Membro no qual o imposto especial de consumo é devido - Compra por intermédio de um agente.
Processo C-296/95.
Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 17 de Abril de 1997.
The Queen contra Commissioners of Customs and Excise, ex parte EMU Tabac SARL, The Man in Black Ltd, John Cunningham.
Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal, London - Reino Unido.
Directiva 92/12/CEE do Conselho, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo - Estado-Membro no qual o imposto especial de consumo é devido - Compra por intermédio de um agente.
Processo C-296/95.
Colectânea de Jurisprudência 1998 I-01605
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1997:203
Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 17 de Abril de 1997. - The Queen contra Commissioners of Customs and Excise, ex parte EMU Tabac SARL, The Man in Black Ltd, John Cunningham. - Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal, London - Reino Unido. - Directiva 92/12/CEE do Conselho, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo - Estado-Membro no qual o imposto especial de consumo é devido - Compra por intermédio de um agente. - Processo C-296/95.
Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-01605
1 A Court of Appeal submete ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (1) (a seguir «directiva»).
2 A Court of Appeal pretende saber em que país é exigível o imposto especial de consumo quando um particular adquire, para uso pessoal, produtos sujeitos a imposto especial de consumo (no caso em apreço, tabaco) num Estado B do qual são depois transportados para o Estado A, em que o particular reside, sendo a operação de aquisição e a operação de transporte efectuadas por um agente mandatado por esse particular.
3 Foi assim que as coisas se passaram no presente processo visto que, segundo a expressão figurada do juiz de reenvio, os «recorrentes organizaram e participaram num esquema que permite a um residente do Reino Unido, sem abandonar o conforto da sua poltrona, obter neste país tabaco que comprou numa loja no Luxemburgo». Procedendo assim, evitam os impostos especiais de consumo aplicáveis no Reino Unido, que são mais elevados do que os vigentes no Luxemburgo.
Os factos
4 Os recorrentes no processo principal são duas sociedades e um particular. A primeira sociedade, denominada EMU Tabac SARL (a seguir «vendedor» ou «retalhista»), é uma empresa que vende produtos de tabaco a retalho no Luxemburgo. A segunda, The Man in Black Limited (a seguir «agente»), intervém na qualidade de agente dos eventuais compradores, que residem no Reino Unido. M. Cunnigham é administrador desta última sociedade.
5 Estas duas sociedades, por sua vez, são filiais de uma outra sociedade (The Enlightened Tobacco Company). A ligação entre as duas filiais é de natureza puramente comercial, tendo cada uma os seus próprios directores. Praticamente todas as vendas realizadas pela EMU Tabac SARL correspondem a encomendas de quantidades específicas de cigarros ou de tabaco, que lhe são feitas por particulares residentes no Reino Unido, embora também venda a particulares residentes no Luxemburgo.
6 O sistema imaginado e posto em prática pelas duas sociedades é o seguinte:
a) O vendedor adquire, sob licença, cigarros de uma marca determinada.
b) O vendedor e o agente celebraram um acordo comercial que prevê que o primeiro abre e mantém uma conta corrente em nome do segundo para todas as compras feitas por clientes através do agente, o qual actua como mandatário destes. O agente comprometeu-se a depositar directamente as quantias recebidas dos clientes em contas bancárias em Londres ou no Luxemburgo e constituiu uma garantia para esse efeito.
c) A compra dos produtos de tabaco pelos clientes efectua-se segundo um processo que as duas partes descrevem nos seguintes termos:
«1. A proposta de compra de produtos ao retalhista é feita pelo cliente.
2. O agente receberá e comunicará no Luxemburgo essa proposta ao retalhista, actuando como mandatário do cliente.
3. À sua discrição, o retalhista aceitará essa proposta de compra e comunicará a sua aceitação ao agente (como mandatário do cliente) através do envio dos produtos acompanhados de uma cópia assinada do documento recebido do agente contendo um resumo da proposta.
4. O contrato de compra e venda dos produtos será realizado no Luxemburgo e a propriedade dos produtos será transferida no Luxemburgo. O contrato ficará submetido ao direito inglês.»
d) O agente encarrega-se do transporte das mercadorias por conta do cliente: é o agente que assina o contrato de transporte na sua qualidade de agente do cliente.
e) Visto que se trata de vendas a particulares, nenhum cliente pode comprar mais de 800 cigarros por encomenda. Quando uma encomenda excede este número ou quando um cliente encomenda um número de cigarros demasiado elevado durante o mesmo mês, o agente envia-lhe um formulário recusando o fornecimento com o fundamento de que a venda deve ser destinada a uso pessoal.
7 Resulta do despacho de reenvio que, na prática, as operações decorrem da seguinte maneira:
a) O cliente individual recebe um formulário de encomenda de cigarros, preenche-o e envia-o ao agente com um cheque de um montante correspondente à sua encomenda.
b) Após o agente ter recebido o cheque na conta-cliente que possui em Londres, comunica esse facto ao seu escritório no Luxemburgo, indicando o nome e a morada do cliente.
c) Um empregado do agente desloca-se então aos escritórios do retalhista (situados no mesmo edifício), o qual, após aceitar as encomendas, lhe entrega as mercadorias.
d) O agente procede então à embalagem das mercadorias, que são depois recolhidas nas suas instalações pela empresa de transporte e entregues ao cliente no Reino Unido.
e) Finalmente, o agente paga ao retalhista e à empresa de transporte através de uma conta corrente para a qual foi previamente transferida através da conta que o agente possui em Londres uma quantia correspondente ao preço das mercadorias e ao custo do transporte. O resto da quantia paga pelo comprador ao agente representa a comissão deste.
O processo principal e as questões prejudiciais
8 A administração britânica (The British Customs and Excise) apreendeu, em Dover, uma certa quantia de tabaco que tinha sido importado segundo o sistema descrito e exigiu o pagamento dos impostos especiais de consumo britânicos que incidem sobre estas mercadorias.
9 Os recorrentes interpuseram recurso na High Court of Justice (Queen's Bench Division), requerendo que declarasse que os impostos especiais de consumo britânicos não eram devidos e que a apreensão do tabaco era ilegal e que impusesse à administração britânica a proibição de proceder à apreensão do tabaco importado segundo o esquema que criaram.
10 Não tendo a High Court of Justice dado provimento aos seus pedidos, os recorrentes interpuseram recurso na Court of Appeal, a qual decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes:
«1) A Directiva 92/12/CEE, e, especificamente, o seu artigo 8._, tem por efeito impedir a cobrança de impostos especiais de consumo sobre mercadorias no Estado-Membro A nas seguintes circunstâncias:
i) os produtos foram adquiridos para uso de um particular no Estado-Membro A;
ii) os produtos foram adquiridos no Estado-Membro B por um agente que actuou sob mandato desse particular;
iii) o transporte dos produtos do Estado-Membro B para o Estado-Membro A foi organizado pelo agente e
iv) o particular não viajou ele próprio com os produtos do Estado-Membro B para o Estado-Membro A?
2) Quando tenha sido organizado e publicitado um esquema comercial nos termos do qual as compras no Estado-Membro B de produtos para uso pessoal de um particular no Estado-Membro A são efectuadas por um agente mandatado por esse particular e esses produtos assim comprados são transportados do Estado-Membro B para o Estado-Membro A na sequência do que tenha sido organizado por esse agente, a Directiva 92/12/CEE tem por efeito impedir no Estado-Membro A a cobrança de impostos especiais de consumo sobre os produtos assim comprados?»
A regulamentação comunitária aplicável
11 Os impostos especiais de consumo são impostos indirectos que incidem sobre certos produtos, como os produtos do tabaco, as bebidas alcoólicas e os óleos minerais. As taxas de imposto aplicadas variam segundo os Estados-Membros, não se tendo conseguido até ao momento qualquer harmonização.
12 Tanto os produtos fabricados na Comunidade como os produtos importados estão sujeitos a impostos especiais de consumo. O pagamento destes é normalmente diferido até que os bens sejam introduzidos no consumo. A sequência lógica do que antecede é que os direitos especiais de consumo são, em princípio, cobrados pelo Estado-Membro em que os produtos são consumidos.
13 Antes da criação do mercado interno, as mercadorias sujeitas a imposto especial de consumo podiam ser mantidas em entreposto, ou transitar pelos entrepostos de vários Estados-Membros, mediante certos controlos fronteiriços, quando tivessem sido admitidas em regime suspensivo (2). Estes controlos deixaram de ser possíveis a partir da instauração do mercado interno.
14 A directiva estabelece o regime geral aplicável aos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e, concretamente, enuncia as regras que regem a sua detenção e a sua circulação, bem como os controlos necessários para garantir a cobrança da dívida fiscal.
15 O artigo 6._ da directiva dispõe, a título de regra geral, que o imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução dos produtos no consumo (3). As taxas de imposto aplicáveis são as que estiverem em vigor na data da exigibilidade no Estado-Membro em que se efectuar a introdução no consumo.
16 O artigo 7._ da directiva enuncia as regras aplicáveis aos produtos sujeitos a imposto especial de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado-Membro e que são «detidos» (4) para fins comerciais noutro Estado-Membro: nesse caso, os direitos especiais de consumo são cobrados nesse outro Estado-Membro, sendo os direitos já pagos reembolsados pelo Estado-Membro de saída. O texto desta disposição (5) é o seguinte:
«1. No caso de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado-Membro serem detidos para fins comerciais noutro Estado-Membro, o imposto será cobrado no Estado-Membro em que os produtos são detidos.
2. Para tal, e sem prejuízo do disposto no artigo 6._, sempre que os produtos já introduzidos no consumo num Estado-Membro, tal como definido no artigo 6._, sejam entregues ou se destinem a ser entregues ou afectos, noutro Estado-Membro, às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente ou às necessidades de um organismo de direito público, o imposto torna-se exigível nesse outro Estado-Membro.
3. O imposto especial de consumo é devido pela pessoa que efectua a entrega, que detém os produtos destinados a ser entregues ou pela pessoa junto da qual se efectua a afectação dos produtos num Estado-Membro diferente daquele em que foram introduzidos no consumo ou ainda pelo operador profissional ou organismo de direito público.
4. Os produtos referidos no n._ 1 circularão entre os territórios dos diferentes Estados-Membros a coberto de um documento de acompanhamento que mencione os principais elementos do documento referido no n._ 1 do artigo 18._ A forma e o conteúdo desse documento serão definidos segundo o processo previsto no artigo 24._ da presente directiva.
5. A pessoa, o operador ou o organismo referidos no n._ 3 deverão cumprir as seguintes obrigações:
a) antes da expedição das mercadorias, fazer uma declaração junto das autoridades fiscais do Estado-Membro de destino e garantir o pagamento do imposto especial de consumo;
b) pagar o imposto especial de consumo do Estado-Membro de destino de acordo com as modalidades previstas por esse Estado-Membro;
c) prestar-se a todos os controlos que permitam à administração do Estado-Membro de destino certificar-se da recepção efectiva das mercadorias, bem como do pagamento do imposto especial de consumo a que estão sujeitas.
6. O imposto especial de consumo pago no primeiro Estado-Membro referido no n._ 1 será reembolsado em conformidade com o n._ 3 do artigo 22._
...»
17 O artigo 8._ da directiva estabelece que: «No que se refere aos produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios, o princípio que rege o mercado interno prevê que os impostos especiais de consumo sejam cobrados no Estado-Membro onde os produtos foram adquiridos.»
18 O artigo 9._ da directiva enuncia as regras aplicáveis aos produtos sujeitos a imposto especial do consumo destinados a fins comerciais:
«1. Sem prejuízo dos artigos 6._, 7._ e 8._, o imposto especial de consumo torna-se exigível quando os produtos introduzidos no consumo num determinado Estado-Membro forem detidos para fins comerciais noutro Estado-Membro.
Neste caso, o imposto especial de consumo é devido no Estado-Membro em cujo território se encontram os produtos e torna-se exigível ao detentor dos produtos.
2. Para estabelecer que os produtos referidos no artigo 8._ se destinam a fins comerciais, os Estados-Membros devem ter em conta, nomeadamente, os seguintes pontos:
- o estatuto comercial e os motivos do detentor dos produtos,
- o local em que se encontram os produtos ou, eventualmente, a forma de transporte utilizada,
- qualquer documento relativo aos produtos,
- a natureza dos produtos,
- a quantidade dos produtos.
Para a aplicação do quinto travessão do primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem, apenas como elemento de prova, estabelecer níveis indicativos. Esses níveis indicativos não podem ser inferiores a:
...»
19 O artigo 10._ da directiva enuncia as regras específicas aplicáveis a certos tipos de transacção em que há uma expedição ou um transporte dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:
«1. Os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo comprados por pessoas que não possuam a qualidade de depositário, de operador registado ou não registado e que sejam expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta ficam sujeitos ao imposto especial de consumo no Estado-Membro de destino. Para efeitos do presente artigo, entende-se por Estado-Membro de destino o Estado-Membro de chegada da remessa ou do transporte.
2. Para o efeito, o fornecimento de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo que já tenham sido introduzidos no consumo em determinado Estado-Membro e que impliquem a expedição ou o transporte desses produtos para os destinatários referidos no n._ 1 estabelecidos em outro Estado-Membro e que sejam expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta dá origem à exigibilidade do imposto especial de consumo sobre esses produtos no Estado-Membro de destino.
3. O imposto especial de consumo do Estado-Membro de destino é exigível ao vendedor no momento em que a entrega é efectuada. No entanto, os Estados-Membros podem adoptar medidas que prevejam que o imposto especial de consumo é devido por um representante fiscal diferente do destinatário dos produtos. Esse representante fiscal deverá estar estabelecido no Estado-Membro de destino e possuir autorização das autoridades fiscais desse mesmo Estado-Membro.
O Estado-Membro em que se encontra estabelecido o vendedor deve garantir que este cumpra os seguintes requisitos:
- garantir o pagamento do imposto especial de consumo, nas condições estabelecidas pelo Estado-Membro de destino, antes da expedição dos produtos e garantir o pagamento do mesmo imposto após a chegada dos produtos,
- manter a contabilidade dos fornecimentos dos produtos.
4. Nos casos referidos no n._ 2, os impostos especiais de consumo pagos no primeiro Estado-Membro são reembolsados em conformidade com o disposto no n._ 4 do artigo 22._
...»
A primeira questão prejudicial
20 A primeira questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio é relativa ao artigo 8._ da directiva, disposição nos termos da qual devem estar reunidas três condições cumulativas para que os produtos possam ser sujeitos aos impostos especiais de consumo em vigor no país de aquisição:
a) os produtos devem ter sido adquiridos por particulares;
b) estes particulares devem tê-los adquirido para satisfação das suas necessidades e
c) os produtos devem ter sido transportados pelos próprios particulares.
21 A segunda condição não coloca qualquer problema no caso em apreço. Com efeito, tanto as partes no litígio como o órgão jurisdicional de reenvio reconhecem que os particulares, residentes no Reino Unido, que adquiriram os produtos de tabaco os adquiriram para seu uso pessoal e não para fins comerciais. Não parece que a aplicação dos critérios que o artigo 9._ da directiva enuncia a este propósito suscite quaisquer dúvidas.
22 O mesmo não se passa com as outras duas condições. A discussão entre as partes incidiu especialmente sobre a condição relativa ao transporte dos produtos, condição que apresenta dificuldades de interpretação consideráveis, mas, em meu entender, também a primeira condição deve ser analisada e perspectivada no âmbito do sistema que o órgão jurisdicional britânico descreve no seu despacho de reenvio.
i) A noção de «aquisição por um particular» na acepção do artigo 8._ da directiva
23 Começarei por recordar algo que, à luz das observações que algumas partes apresentaram, parece não ter sido suficientemente considerado: a directiva cuja interpretação é pedida ao Tribunal de Justiça é um diploma de carácter fiscal, que tem por objectivo regular certas questões fiscais e que, para este efeito, utiliza conceitos de direito fiscal. O que eu quero dizer com isto é que os termos que figuram na directiva e que correspondem a noções de direito civil ou comercial podem ter um significado relativamente autónomo, que não coincidirá, em todos os seus elementos, com a noção homóloga de direito civil ou comercial.
24 Partindo desta perspectiva, é possível que a noção de comprador particular, que é própria do direito civil ou comercial, não coincida perfeitamente com a noção a que se refere o artigo 8._ da directiva. É esse, designadamente, o caso do aspecto específico da intervenção do particular no contrato de compra a que se refere a directiva, quando prevê a possibilidade de celebrar ou de executar este contrato através de um terceiro.
25 O direito civil abre geralmente esta possibilidade para todos os tipos de negócios jurídicos por força do princípio segundo o qual quem faz algo por sua própria conta pode fazê-lo igualmente por conta de outrem. De um ponto de vista fiscal, contudo, pode revelar-se útil distinguir as aquisições que o comprador realiza pessoalmente das efectuadas através de um agente ou de um mandatário.
26 Concretamente, considero que a noção de particular, a cujas aquisições se refere o artigo 8._ da directiva (com o objectivo exclusivo, repito-o insistentemente, de regulamentar a exigibilidade territorial dos impostos especiais de consumo), reveste um alcance mais limitado, que exclui a participação de terceiros como instrumentos da actuação. As principais razões que me levam a assim considerá-lo são duas.
27 A primeira é que se trata de um particular que deve realizar uma série de operações pessoais encadeadas para poder beneficiar da regra da tributação no Estado-Membro de aquisição: como explicarei mais pormenorizadamente adiante, deve deslocar-se a esse Estado-Membro e assegurar depois, ele próprio, o transporte das mercadorias que adquiriu para as trazer para o seu país. Em consonância com estas exigências, parece-me lógico que a aquisição, enquanto tal, deva também entender-se como estando limitada àquela por ele próprio efectuada e não através de um agente ou de um intermediário.
28 A segunda razão é que a directiva regula cuidadosamente a presença de pessoas alheias ao comprador no âmbito da circulação intracomunitária dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo. Para além da actuação dos depositários autorizados, dos operadores registados ou não registados, a directiva contempla a figura do «representante fiscal diferente do destinatário dos produtos» (artigo 10._, n._ 3). Se a figura do comprador pudesse ser substituída, sem mais, por qualquer pessoa singular ou colectiva por este mandatada, para beneficiar da norma enunciada no artigo 8._ quando os produtos cruzam as fronteiras de um Estado-Membro, este artigo o teria assim estabelecido de maneira expressa.
29 Daqui decorre que o artigo 8._ da directiva apenas contempla a própria actuação do particular enquanto sujeito activo de várias operações sucessivas (a viagem a um outro Estado-Membro, a compra de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, e o seu transporte para o seu próprio país) que deve ele mesmo realizar. As operações de compra e venda que não reúnam estas características - como acontece no caso em apreço - não poderão beneficiar da regra enunciada neste artigo.
30 Esta conclusão torna-se ainda mais clara ao analisar, como passo a fazer, a terceira das condições de aplicação do artigo 8._ da directiva.
ii) A noção de «produtos transportados», segundo o critério da interpretação literal do artigo 8._ da directiva:
31 A primeira frase do artigo 8._ da directiva coloca dois relevantes problemas de interpretação. Em primeiro lugar, as diversas versões linguísticas apresentam diferenças significativas entre si. Em segundo lugar, a interpretação do próprio conceito de «transporte», utilizado nesta disposição, não é isenta de dificuldades.
32 A expressão utilizada no artigo 8._ («produtos adquiridos por particulares... e transportados pelos próprios») foi traduzida de diversas maneiras nas diferentes línguas dos Estados-Membros que compunham a Comunidade no momento da adopção da directiva.
33 Certas versões linguísticas são coincidentes na utilização da expressão «transportados por ellos», sem qualquer acrescento: é o caso das versões espanhola e inglesa (6). Outras, pelo contrário, reforçam o pronome «ellos» com uma outra palavra (como fazem a versão francesa (7), a versão portuguesa (8), a versão italiana (9), a versão neerlandesa (10) ou a versão alemã (11). As versões grega (12) e dinamarquesa (13) acentuam ainda mais o carácter pessoal visto que utilizam termos equivalentes a «transportar em pessoa».
34 Em minha opinião, resulta de uma interpretação literal desta disposição que o sujeito da acção de transportar deve, precisamente, ser o comprador particular, com exclusão de qualquer outra pessoa. Mesmo na ausência das versões linguísticas mais «radicais», o sentido próprio das expressões «transportados por eles» ou «transportados por eles próprios», que são empregues nas outras versões linguísticas, faz referência a um transporte efectuado - e não simplesmente mandatado - pelo sujeito.
35 É evidente que um comprador pode encarregar uma outra pessoa de assegurar o transporte das mercadorias ou utilizar os serviços de um agente que dele se encarregará. Essas operações excedem, no entanto, os limites do artigo 8._ da directiva, visto que o particular já não «transporta» as mercadorias, como exige este artigo, mas «mandata», «contrata» ou «encarrega» outro para a realização do transporte.
36 O artigo 8._ da directiva não utiliza a expressão «produtos transportados a cargo de, ou por conta de, particulares». Também não é referida a acção de «enviar», que implica a utilização dos serviços de um terceiro. Ambas as fórmulas figuram, no entanto, noutras disposições da directiva:
a) Assim, o artigo 10._, n._ 1, da directiva refere-se aos «produtos... expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta» (14). O n._ 2 do mesmo artigo utiliza os mesmos termos. Ambos estes parágrafos utilizam, pois, fórmulas jurídicas mais vastas e mais flexíveis que a constante do artigo 8._
b) O artigo 9._, n._ 3, por sua vez, tem por objectivo os produtos «... transportados por formas de transporte atípicas efectuadas por particulares ou por sua conta» (15). Esta última possibilidade não está, contudo, prevista no artigo 8._
37 É particularmente significativo que o artigo 8._ tenha prescindido, diferentemente do artigo 10._, da possibilidade - prevista e regulada neste último - de os bens a que se refere serem enviados, ou seja, remetidos ou despachados, para o seu próprio país pelos particulares: pelo contrário, exige de modo imperativo que sejam transportados por aqueles que os adquiriram.
38 O teor literal da norma alude, pois, às operações de transporte efectuadas pelo particular, e não por outra pessoa. Em meu entender, isso pressupõe que o particular que adquiriu produtos sujeitos a imposto especial de consumo se deslocou a outro país e transporta-os consigo.
39 Embora não surja na letra do artigo 8._ a qualidade de viajante que o particular deve possuir, há que ser logicamente subentendida. Com efeito, quando o artigo 26._ da directiva instituiu um regime especial para a Dinamarca (regime que posteriormente foi alargado à Suécia e à Finlândia pelos respectivos actos de adesão), colocou o artigo 8._ em relação directa com certas restrições quantitativas que podem ser impostas aos «viajantes» que se desloquem a esse país ou que, quando aí residam, abandonem o seu território.
40 Enquanto derrogação temporária do regime previsto pelo artigo 8._, o artigo 26._ (16) permite, com efeito, que os Estados-Membros destinatários da directiva apliquem medidas restritivas aos viajantes que introduzam no seu território produtos sujeitos a imposto especial de consumo que adquiriram pessoalmente num outro Estado-Membro (17). Isso supõe, logicamente, que se interprete o artigo 8._ da maneira que preconizo, isto é, no sentido de que o viajante que atravessa a fronteira tenha adquirido os produtos em causa pessoalmente e os tenha transportado ele próprio.
41 É certo que no artigo 8._ também não surgem referências expressas às «bagagens pessoais» do viajante, de que os produtos comprados deveriam fazer parte. Não creio, no entanto, que se possa interpretar esta omissão no sentido de que o transporte pode ser efectuado por conta do comprador particular. A referida expressão surge no artigo 28._ da directiva só em relação aos viajantes que se desloquem a um outro Estado-Membro através de um voo ou de uma travessia marítima intracomunitária, os quais podem beneficiar da isenção dos direitos especiais de consumo (18). Nada disso tem, no entanto, algo a ver com o artigo 8._, nos termos do qual os compradores devem obrigatoriamente pagar os direitos especiais de consumo fixados pelo país de aquisição dos produtos.
42 Em todo o caso, importa não esquecer que, ao referir-se a todos os produtos sujeitos a imposto especial de consumo, o artigo 8._ da directiva permite que o próprio comprador transporte alguns deles sem os colocar necessariamente na sua «bagagem pessoal»: assim, por exemplo, a gasolina que comprou no seu país de destino e que se encontra no depósito do seu veículo não faz parte da sua «bagagem pessoal» em sentido próprio, mas está, no entanto, sujeita à regra enunciada no artigo 8._ Isto explica, pois, que o legislador comunitário não tenha incluído neste artigo a exigência de que todos os produtos a que se refere se encontrem na bagagem pessoal dos viajantes.
43 É por isto que partilho do ponto de vista defendido por todos os Estados-Membros que intervieram nos autos, com excepção da França, e discordo do defendido pelos recorrentes, que só quanto a este aspecto coincide parcialmente com o da Comissão e do Governo francês (19).
iii) A noção de «produtos transportados» do artigo 8._, segundo o contexto normativo da directiva
44 Pode-se chegar à mesma interpretação da expressão «transportados pelos próprios» partindo de outras considerações relativas ao sentido interno do artigo 8._ no conjunto normativo que constitui a directiva.
45 Tal como se pode ler na sua exposição de motivos, a directiva deve combinar duas exigências imperativas: por um lado, «... a passagem do território de um Estado-Membro para outro não pode originar controlos susceptíveis de criar obstáculos à livre circulação intracomunitária»; por outro, importa garantir que cada Estado-Membro cobrará o imposto à taxa que fixou e de acordo com as regras de exigibilidade comuns: é por isso que estas «... impõem... o conhecimento dos movimentos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo».
46 O regime dos impostos especiais de consumo que foi instituído à escala comunitária desde 1993 supõe, além das taxas mínimas, estruturas fiscais harmonizadas, bem como normas comuns sobre a detenção e a circulação intracomunitária dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo. Concretamente, a circulação comunitária pode efectuar-se de três modos:
a) A circulação comercial dos produtos em regime suspensivo: desde a supressão dos controlos nas fronteiras, o princípio da tributação no país de destino foi mantido; baseia-se num sistema rigoroso de informação e de controlo, em que os operadores económicos, registados ou não, e os documentos de acompanhamento desempenham um papel fundamental.
b) As transacções comerciais de produtos já tributados: estas transacções representam apenas uma pequena parte do comércio intracomunitário dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo (20), para as quais os mecanismos de informação, a cargo dos respectivos operadores económicos, e de controlo por parte dos Estados-Membros, estão também pormenorizadamente previstos.
c) As aquisições transfronteiriças efectuadas por particulares para as quais remete o artigo 8._ da directiva. Diferentemente dos dois outros sistemas, este não prevê qualquer obrigação de informação, visto que exclui a intervenção de operadores económicos como intermediários.
47 Para compreender o modo como o artigo 8._ se inscreve neste contexto normativo, é preciso analisá-lo em relação com as outras disposições da directiva, para evitar que a sua interpretação as prive do seu efeito útil.
48 Em primeiro lugar, o artigo 9._ da directiva, relativo aos produtos detidos para fins comerciais, perderia uma grande parte do seu efeito útil caso se generalizasse um sistema de compra e venda e de transporte como o que está no centro do litígio na causa principal. Num tal sistema, e uma vez abolidas as fronteiras internas, os Estados-Membros dificilmente poderiam, na prática, determinar se os factores que, de acordo com o n._ 2 do artigo 9._, devem permitir decidir se os produtos transportados o são para fins comerciais ou para fins privados estão reunidos. Por exemplo, ser-lhes-ia difícil controlar se um mesmo particular, que utilizasse simultânea ou sucessivamente os serviços de diferentes agentes, teria ultrapassado, ou não, os níveis indicativos que criam, em princípio, a presunção de que adquiriu os produtos transportados para fins privados.
49 O facto de, no sistema que está no centro do litígio na causa principal, as empresas recorrentes recusarem as encomendas de particulares quando são superiores a estes níveis indicativos demonstra a sua vontade de evitar qualquer fraude. Não é, no entanto, um argumento suficiente para demonstrar que a generalização do sistema não constituiria, objectivamente, um convite à fraude.
50 Em segundo lugar, o regime de venda à distância instaurado pelo artigo 10._, que consagra o princípio da tributação no país de destino e não no país de aquisição, seria, segundo todas as probabilidades, sistematicamente eludido quando se tratasse de vendas efectuadas entre países cujas taxas de imposto são muito diferentes, diferença que, logicamente, convida o consumidor a adquirir os produtos no país que as onera com a taxa de imposto menos elevada.
51 Com efeito, o regime instaurado pelo artigo 10._ tem expressamente por único objectivo a venda à distância dos produtos «... expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta». Segundo os recorrentes, esta disposição exclui do seu âmbito de aplicação um mecanismo como o que é objecto do processo principal visto que, neste sistema, são os compradores, e não os vendedores, que fazem transportar as mercadorias através de um agente.
52 Se se admitir esta interpretação, a directiva teria uma lacuna em matéria de aquisições à distância visto que, apesar de o sistema utilizado pela EMU Tabac não estar abrangido pelo artigo 10._, literalmente interpretado, as vendas organizadas dessa maneira não deixam, por isso, de ser, económica e juridicamente, aquisições à distância. A técnica jurídica mais adequada para colmatar esta lacuna é a interpretação por analogia, que consiste em aplicar a uma dada hipótese a regra jurídica que regula uma situação muito semelhante.
53 A noção jurídica que, em meu entender, mais se assemelha à «compra à distância» que um particular residente no Reino Unido pode efectuar «sem ter de abandonar o conforto da sua poltrona» é precisamente a «venda à distância» regulada no artigo 10._ da directiva, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista jurídico.
54 É a razão pela qual considero que, tendo o legislador comunitário pretendido manter o princípio da tributação no Estado de destino para as vendas à distância previstas no artigo 10._, há que entender o mesmo no que toca às compras à distância que são objecto do processo na causa principal, de modo que os compradores à distância deverão pagar os impostos especiais de consumo do Estado no qual recebem os produtos de tabaco e não no Estado a partir do qual lhes são expedidos.
55 O princípio da tributação no país de origem (ou, rigorosamente falando, no país de aquisição) do artigo 8._ da directiva não regula, portanto, a situação aqui em análise. O seu âmbito de aplicação restringe-se às aquisições feitas por particulares que transportem pessoalmente os produtos que adquiriram, aquisições, de qualquer modo, realizadas para as necessidades pessoais do comprador.
56 A analogia entre as vendas à distância e as compras à distância não é afectada pelo facto de o artigo 10._ colocar como condição que o transporte seja efectuado directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua conta. Para evitar todas as obrigações complexas que o artigo 10._ impõe ao vendedor (21), basta que este celebre com os seus clientes (ou com o agente destes, como acontece no caso em apreço) certas convenções referentes ao transporte, inclusive com as garantias ou os seguros por si oferecidos.
57 Finalmente, como já assinalei, a directiva contém um certo número de regras relativas à intervenção de pessoas diferentes do comprador quando os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo lhe são expedidos. Pode tratar-se de um depositário autorizado, de um operador registado ou não, ou do representante fiscal do destinatário dos produtos. A intervenção deste último, cuja função característica corresponde à do agente, não impede a aplicação da regra da tributação no Estado de destino em caso de vendas à distância. Pelas razões que anteriormente expus, esta mesma conclusão é aplicável às compras à distância que são objecto do processo principal.
iv) Os argumentos contra a noção proposta de «produtos transportados»
58 Os recorrentes expuseram toda uma série de argumentos favoráveis à tese contrária à que acabo de expor. Por um lado, baseiam-se na regra geral que resulta do artigo 6._ da directiva e no «princípio que rege o mercado interno» mencionado no seu artigo 8._ Por outro, afirmam que interpretar este último artigo no sentido que eu preconizo provocaria fenómenos de dupla tributação e tornaria supérfluo o artigo 10._ da directiva.
59 Embora ninguém conteste que o artigo 6._ da directiva prevê o pagamento do imposto no momento da introdução dos produtos no consumo, o valor jurídico deste artigo não é nem maior nem menor que o dos outros artigos da directiva. Concretamente, nada permite inferir desta disposição que a regra da tributação no Estado de aquisição prevalece sobre a regra da tributação no país de destino quando se trate da circulação intracomunitária desses produtos. Pelo contrário, a análise da directiva revela o oposto.
60 Dos três modos de circulação intracomunitária dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo que invoquei (ou seja: a circulação comercial dos produtos em regime suspensivo, as transacções comerciais que têm por objecto produtos já tributados e as aquisições que os particulares fazem para as suas próprias necessidades), os dois primeiros estão sujeitos à regra da tributação no Estado de destino.
61 Com efeito, tanto os produtos que circulam em regime suspensivo como os que circulam fora deste regime, no âmbito de outras transacções comerciais intracomunitárias, como, por exemplo, as vendas à distância, são tributados no Estado de destino.
62 A regra da tributação no Estado de origem tem, pois, um alcance muito mais limitado do que defendem os recorrentes. É aplicável à aquisição de produtos que, em seguida, deixarão de circular entre os Estados-Membros e é igualmente aplicável, de acordo com o artigo 8._ da directiva, aos produtos adquiridos por particulares e transportados por eles sem fins comerciais.
63 Na directiva, o legislador comunitário tentou, pois, criar um equilíbrio entre as duas regras (ou seja, a regra da tributação no Estado de origem e no de destino), a que não se pode obstar, afirmando, sem mais, a aplicação geral da primeira, fora dos pressupostos a que o legislador comunitário a pretendeu confinar.
64 No que diz respeito ao «princípio que rege o mercado interno», que o artigo 8._ da directiva invoca como motivo da exigibilidade dos impostos especiais de consumo no país de aquisição, a sua eficácia enquanto elemento de interpretação é, ela também, muito mais limitada do que pretendem os recorrentes.
65 O mercado interno caracteriza-se pela supressão, entre os Estados-Membros, dos entraves à livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais. Compreende um espaço sem fronteiras internas no qual esta livre circulação é assegurada de acordo com as disposições do Tratado (artigo 7._-A do Tratado CE).
66 Considero, no entanto, que o princípio em questão é compatível com um regime fiscal que exige, em determinados casos, o pagamento dos impostos especiais de consumo - ou, inclusivamente, de outros, como o IVA - no Estado de destino, quando se trate de operações comerciais intracomunitárias. Evidentemente, o sistema inverso (no qual os produtos são tributados no Estado de origem), que, de resto, apresenta as vantagens da simplicidade e da segurança, é, também ele, perfeitamente compatível com o mercado interno.
67 Na realidade, a livre circulação de mercadorias e, portanto, a realização do mercado interno só seriam dificultadas se os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo fossem sujeitos a tributações internas discriminatórias ou a encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros na importação (o que não acontece no caso em apreço) ou se fossem objecto de uma dupla tributação. É precisamente para evitar esta última que a directiva enuncia pormenorizadamente as condições em que os impostos especiais de consumo podem ser exigidos e, em certos casos, prevê o reembolso dos impostos já pagos (artigo 22._).
68 No que respeita ao artigo 8._, a dupla tributação é evitada - e as exigências do «princípio que rege o mercado interno» respeitadas, de maneira a facilitar a circulação intracomunitária sem controlos nas fronteiras - simplesmente através da aplicação da regra da tributação no Estado de origem, apesar de esta aplicação estar sujeita a certas condições, que anteriormente invoquei. Não creio que, ainda que seja pertinente, a utilização deste princípio, como critério de interpretação do artigo 8._, permita alargar os seus limites no sentido que propõem os recorrentes.
69 Os recorrentes afirmam, no entanto, que a interpretação do artigo 8._ que eu preconizo poderia eventualmente provocar um exemplo claro de dupla tributação visto que os compradores devem pagar os impostos especiais de consumo para os mesmos produtos uma primeira vez no Luxemburgo, no momento da sua aquisição, e uma segunda vez quando os recebem no Reino Unido.
70 Não estou de acordo com este argumento. O regime estabelecido pela directiva assenta no princípio do pagamento único do imposto, a tal ponto que um dos seus títulos, o título IV, trata precisamente do «Reembolso» dos direitos já pagos por produtos que circulam na Comunidade, para evitar a dupla tributação destes.
71 Com efeito, o artigo 22._, n._ 1, da directiva dispõe que «os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo introduzidos no consumo podem, em casos adequados e a pedido de um operador no exercício da sua profissão, ser objecto de reembolso desse imposto pelas autoridades fiscais do Estado-Membro onde se efectuar a introdução no consumo sempre que não se destinem a ser consumidos nesse Estado». Os n.os 3 e 4 deste artigo contemplam, de modo mais específico, o regime do reembolso nos casos regulados pelos artigos 7._ e 10._
72 Em meu entender, estas disposições são suficientes para evitar a dupla tributação, visto que o mecanismo de reembolso será aplicável no caso dos recorrentes, que só deverão pagar o imposto devido no Reino Unido.
73 Mesmo supondo que a directiva contém uma lacuna jurídica quanto ao regime aplicável às «compras à distância» tais como as que estão em causa no processo principal, a respeito das quais, em teoria, o vendedor não se encarrega nem directa nem indirectamente do transporte, o princípio do reembolso dos impostos especiais de consumo já pagos no país de origem poderia ser aplicado a esta hipótese graças ao método analógico, utilizado como instrumento de integração da ordem jurídica, visto que só deveriam ser pagos os impostos especiais de consumo aplicáveis no Estado de destino.
74 Finalmente, caso se interprete o artigo 8._ da maneira que tenho vindo a defender, parece-me que os recorrentes também não têm fundamento para argumentar que o artigo 10._ da directiva é inútil.
75 Em minha opinião, o artigo 10._ é útil não só para confirmar a regra segundo a qual é no Estado de destino que os produtos adquiridos por venda à distância devem ser tributados, mas também para fixar as obrigações do vendedor e permitir, assim, o controlo da cobrança dos impostos no correspondente Estado-Membro.
76 Os recorrentes têm, em parte, razão quando afirmam que, se se interpretar o artigo 8._ da maneira que eu preconizo, o artigo 10._ não acrescenta nada de substancial que permita determinar o país que deve cobrar os impostos especiais de consumo. Com efeito, se a regra enunciada no artigo 8._ (que prevê a tributação no Estado de origem) diz unicamente respeito às mercadorias compradas pelos particulares e transportadas por eles, as vendas à distância, a sensu contrario, não seguem a mesma regra. E é precisamente o que dispõe o artigo 10._
77 Esta verificação não significa, contudo, que o artigo 10._ seja supérfluo ou redundante. Com efeito, o legislador comunitário tinha motivos suficientes para incluir este artigo na directiva, visto que as vendas à distância são um fenómeno económico particularmente bem adaptado a alguns dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo, sendo, portanto, necessário traçar as características do seu regime jurídico.
78 Em resumo, considero que se deve responder à primeira questão prejudicial que os impostos especiais de consumo são devidos no Estado-Membro de destino quando estão reunidas as circunstâncias que o órgão jurisdicional de reenvio enunciou na sua questão.
Quanto à segunda questão prejudicial
79 Tanto os recorrentes como a parte interveniente no processo principal, em apoio da administração britânica, sustentam que é inútil responder à segunda questão prejudicial caso o artigo 8._ da directiva venha ser interpretado da maneira que acabo de expor.
80 Embora partilhe substancialmente deste ponto de vista, também considero que não há qualquer inconveniente em responder de maneira expressa ao órgão jurisdicional de reenvio para lhe confirmar que a hipótese que enunciou na segunda questão não impede em nada, antes pelo contrário, que os impostos especiais de consumo sejam cobrados no Estado com destino ao qual os produtos são expedidos.
81 Na realidade, os termos da segunda questão prejudicial são muito semelhantes aos da primeira. Com efeito, a Court of Appeal suscita a mesma questão relativamente à mesma situação de facto (visto que se trata de uma compra realizada no Estado-Membro B para satisfazer as necessidades de um particular residente no Estado-Membro A, sendo a operação realizada através de um agente que intervém por conta do particular e que organiza o transporte dos produtos comprados). A única diferença é que, na segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio especifica expressamente que foi «organizado e publicitado um esquema comercial».
82 Considero que a resposta que proponho para a primeira questão inclui, a fortiori, igualmente a hipótese reproduzida na segunda. A existência de um sistema como o que o órgão jurisdicional de reenvio descreveu não pode impedir que os impostos especiais de consumo sejam cobrados no Estado-Membro de destino quando os produtos não foram adquiridos pessoalmente pelos particulares nem transportados por eles próprios para este Estado, mas sim expedidos através de um complexo mecanismo comercial.
83 Com efeito, a directiva distingue claramente as operações em que intervêm unicamente particulares das que têm um carácter comercial porque implicam a intervenção de operadores comerciais. Só o artigo 8._ da directiva (e, indirectamente, o n._ 3 do artigo 9._) se refere expressamente aos «particulares» e sublinha o carácter estritamente privado das suas operações, distinguindo-as assim das operações realizadas a título comercial ou profissional.
84 Pelo contrário, os casos em que um operador comercial, agindo no exercício das suas funções, intervém, seja de que maneira for, na circulação intracomunitária dos bens sujeitos ao imposto especial de consumo não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 8._ da directiva.
85 Feita esta distinção, um sistema de distribuição de produtos de tabaco nas diferentes fases do qual intervêm um ou vários operadores comerciais de maneira decisiva, ou seja, recebendo as propostas de encomenda, aceitando-as ou recusando-as, dando-lhes seguimento, recebendo fisicamente os produtos e organizando o seu transporte até ao domicílio, num outro Estado-Membro, do cliente que previamente lhes pagou uma provisão, é, em meu entender, um exemplo claro de uma organização comercial que não tem nada a ver com as aquisições feitas por particulares previstas pelo artigo 8._ da directiva.
86 Nesta organização, de resto, a intervenção de uma empresa comercial de serviços, que se apresenta como sendo agente do comprador, conserva as suas características próprias, ou seja, concretamente, esta empresa intervém a título comercial nas operações de aquisição, de transporte e de entrega dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo que transitam de um Estado-Membro para outro. O facto de estas operações serem precedidas pela celebração de um contrato com o cliente (que é o consumidor final) não lhes retira a natureza comercial, a qual, por exemplo, poderia servir de fundamento à propositura de acções contra a empresa em caso de incumprimento do contrato.
87 Finalmente, as características particulares do caso em apreço permitiriam que qualquer órgão jurisdicional rejeitasse a pretensão da parte recorrente, interpretando as disposições fiscais por meio do critério de interpretação menos susceptível de favorecer a evasão fiscal.
88 A este respeito, é mesmo possível que, tendo em conta os laços existentes entre a sociedade vendedora e a que intervém na qualidade de agente, visto que uma e outra são filiais de uma terceira, um juiz nacional, cuja ordem jurídica permita «levantar o véu» sobre a personalidade jurídica para evitar eventuais abusos de direito, opte por aplicar o artigo 10._ da directiva, considerando que, na realidade, é a própria sociedade vendedora que, através de um artifício que o direito das sociedades lhe permite, transporta «indirectamente» as mercadorias até ao seu destino. A expressão «indirectamente» aplicada ao transporte, tal como é utilizada no artigo 10._ da directiva, é extremamente flexível e permite tal conclusão.
89 Da mesma maneira, se, em última instância, isso se revelasse necessário, o juiz nacional poderia rejeitar a aplicação da disposição que as recorrentes invocam para abranger a operação (isto é, a regra da tributação no Estado de origem) com o fundamento de que o resultado de tal aplicação ao caso em apreço seria manifestamente contrário ao espírito e à finalidade da própria directiva e privaria do seu efeito útil outras disposições da mesma directiva. Pronunciando-se assim, o juiz apenas aplicaria o princípio geral de direito que proíbe toda a fraude à lei.
Conclusão
90 Em conformidade com os argumentos que acabo de expor, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda da maneira seguinte às questões submetidas pela Court of Appeal:
«1) A Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, e, em especial, o seu artigo 8._, não se opõem a que os impostos especiais de consumo sejam cobrados num Estado-Membro A quando:
a) as mercadorias foram adquiridas para as necessidades de um particular residente no Estado-Membro A;
b) estas mercadorias foram adquiridas no Estado-Membro B de onde foram transportadas para o Estado-Membro A;
c) a operação de compra e a operação de transporte foram efectuadas através de um agente agindo em nome e por conta do particular, organizando o agente o transporte dos produtos;
d) o próprio particular não viajou com as mercadorias do Estado-Membro B para o Estado-Membro A.
2) Esta mesma conclusão é igualmente aplicável quando as aquisições que apresentam estas características se inscrevem num sistema concebido e gerido de maneira comercial por um ou vários operadores comerciais.»
(1) - JO L 76, p. 1.
(2) - O regime suspensivo é o regime fiscal aplicável à produção, à transformação, à detenção e à circulação dos produtos em que os direitos não são ainda exigíveis apesar de o facto tributável se ter já realizado.
(3) - Este mesmo artigo 6._ dispõe ainda que o imposto especial de consumo se torna também exigível no momento da constatação das faltas que devem ser sujeitas ao imposto especial de consumo em conformidade com o n._ 3 do artigo 14._ Em quaisquer circunstâncias, é considerada como introdução no consumo de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:a) toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão; b) todo e qualquer fabrico, mesmo irregular, desses produtos fora de um regime de suspensão; c) toda e qualquer importação, mesmo irregular, desses produtos quando estes não se encontrem em regime de suspensão.
(4) - Esta nota só diz respeito à versão espanhola.
(5) - Após a modificação introduzida no n._ 2 pela Directiva 92/108/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, que altera a Directiva 92/12 (JO L 390, p. 124).
(6) - «Transported by them».
(7) - «Transportés par eux-mêmes».
(8) - «Transportados pelos próprios».
(9) - «Trasportati dai medesimi».
(10) - «Door hen zelf vervoerde produkten».
(11) - «Waren, die Privatpersonen... sie selbst beförden».
(12) - «ôá ïðïßá ìåôáöÝñïõí áõôïðñïóþðùò».
(13) - «Og som de selv medforer».
(14) - Sublinhado nosso.
(15) - Sublinhado nosso.
(16) - O texto original do artigo 26._ era o seguinte: «1. Sem prejuízo do artigo 8._ e até 31 de Dezembro de 1996, e por meio de um mecanismo de revisão análogo ao previsto no artigo 28._-L da Directiva 77/388/CEE [JO L 145, p. 6], a Dinamarca está autorizada a aplicar, no âmbito geral da aproximação das taxas dos impostos especiais de consumo, as disposições especiais dos n.os 2 e 3 relativas às bebidas espirituosas e aos tabacos manufacturados. 2. A Dinamarca está autorizada a aplicar os seguintes limites quantitativos: - os passageiros que visitarem a Dinamarca com carácter particular beneficiarão das franquias em vigor em 31 de Dezembro de 1992 relativamente a cigarros, cigarrilhas ou tabaco para fumar e às bebidas espirituosas, - os passageiros residentes na Dinamarca e que se tenham ausentado da Dinamarca por um período inferior ao que estiver em vigor em 31 de Dezembro de 1992 beneficiarão das franquias aplicáveis à Dinamarca, nessa data, no que se refere aos cigarros e às bebidas espirituosas. 3. A Dinamarca está autorizada a cobrar os impostos especiais de consumo e a proceder às verificações necessárias respeitantes às bebidas espirituosas, aos cigarros, às cigarrilhas e ao tabaco para fumar...». O texto deste artigo foi modificado recentemente e substituído, a partir de 1 de Janeiro de 1997, pelo texto correspondente da Directiva 96/99/CE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1996, que altera a Directiva 92/12 (JO 1997, L 8, p. 12).
(17) - O novo texto do artigo 26._ da directiva, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997, autoriza a Dinamarca e a Finlândia a limitarem a admissão sem pagamento de impostos especiais de consumo às «pessoas que se tenham ausentado dos respectivos territórios por um período superior a 24 horas».
(18) - Até 30 de Junho de 1999, os Estados-Membros podem conceder a estes viajantes uma isenção dos direitos especiais de consumo sobre os produtos que estes tenham comprado em certos pontos de venda situados nos portos e aeroportos, ou a bordo do avião ou do navio que os transportam. As quantidades dos produtos que podem beneficiar desta isenção estão, no entanto, submetidas, por pessoa e por viagem, aos limites enunciados nas disposições comunitárias aplicáveis ao tráfego de viajantes que circulam entre países terceiros e a Comunidade.
(19) - A Comissão considera que o artigo 8._ pode ser aplicado mesmo que as mercadorias que o comprador adquiriu não sejam transportadas por ele pessoalmente mas por um serviço de transporte por ele indicado. Quanto ao Governo francês, considera que o artigo 8._ é aplicável tanto quando o transporte das mercadorias sujeitas ao imposto especial de consumo é efectuado pelo próprio comprador como quando é efectuado por um terceiro agindo por conta deste (desde que não se trate de um transporte cuja responsabilidade é assumida pelo vendedor).
(20) - É o que se pode ler no relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 13 de Setembro de 1995, apresentado em conformidade com as disposições do artigo 4._ da Directiva 92/79/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à aproximação dos impostos sobre os cigarros e em conformidade com as disposições correspondentes das Directivas 92/80/CEE, 92/84/CEE e 92/82/CEE, relativas à aproximação dos impostos especiais de consumo dos outros produtos sujeitos a imposto especial de consumo [COM(95) 285 final].
(21) - Antes de expedir as mercadorias, o vendedor deve garantir o pagamento dos impostos especiais de consumo nas condições fixadas pelo Estado-Membro de destino; depois de as mercadorias chegarem ao destino, deve certificar-se que esses direitos foram pagos e manter uma contabilidade dos fornecimentos.