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Document 61995CC0191

Conclusões do advogado-geral Cosmas apresentadas em 5 de Junho de 1997.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Parecer fundamentado - Princípio da colegialidade - Direito das sociedades - Directivas 68/151/CEE e 78/660/CEE - Contas anuais - Sanções no caso de falta de publicação.
Processo C-191/95.

Colectânea de Jurisprudência 1998 I-05449

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1997:279

61995C0191

Conclusões do advogado-geral Cosmas apresentadas em 5 de Junho de 1997. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha. - Incumprimento de Estado - Parecer fundamentado - Princípio da colegialidade - Direito das sociedades - Directivas 68/151/CEE e 78/660/CEE - Contas anuais - Sanções no caso de falta de publicação. - Processo C-191/95.

Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-05449


Conclusões do Advogado-Geral


I - Observações prévias

No âmbito das Comunidades Europeias, a expressão directa do poder político e estatal foi confiada em larga medida à Comissão, que é obrigada a agir em conformidade com as regras da legalidade, da transparência e da boa administração. No quadro do presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a declarar se, ao decidir intentar contra a República Federal da Alemanha a acção por incumprimento nos termos do artigo 169._ do Tratado CE, a Comissão agiu em conformidade com as obrigações que lhe incumbem.

II - Matéria de facto

1 Na sua petição de 16 de Junho de 1995, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não prever as sanções adequadas no caso de as sociedades de capitais se absterem de dar às suas contas anuais a publicidade obrigatória, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, por um lado, e da Primeira e Quarta Directivas em matéria de direito das sociedades (1), por outro; as disposições destas directivas impõem a publicidade das contas anuais. Em primeiro lugar, por carta de 26 de Junho de 1990, a Comissão comunicou ao Governo alemão que, segundo os elementos de que dispunha, 93% das sociedades alemãs de capitais não tinham cumprido a obrigação de publicidade das contas anuais; na mesma ocasião, convidou a Alemanha a apresentar observações no prazo de dois meses, nos termos do artigo 169._ do Tratado. Seguidamente, por ter considerado que as respostas do Governo alemão não eram satisfatórias, a Comissão enviou à República Federal da Alemanha um parecer fundamentado, nos termos do artigo 169._, primeiro parágrafo, do Tratado, assinado pelo vice-presidente da Comissão, M. Bangemann, e datado de 2 de Junho de 1992. Depois de uma longa série de contactos e conversações que se revelaram infrutíferos, mas que se mantiveram mesmo depois de 30 de Setembro de 1992, data em que terminou o prazo concedido à Alemanha para dar cumprimento ao conteúdo do parecer fundamentado, a Comissão intentou, em 16 de Junho de 1995, a presente acção no Tribunal de Justiça.

III - Quanto à admissibilidade da acção

2 Antes de nos debruçarmos sobre o mérito das acusações formuladas pela Comissão contra a República Federal da Alemanha, convém analisar as questões prévias de inadmissibilidade suscitadas pela demandada, que defende que as decisões da Comissão na origem da presente acção apresentam vícios de forma essenciais. O Governo alemão manifestou, em especial, dúvidas quanto à questão de saber se o parecer fundamentado, por um lado, e a decisão de propor a presente acção no Tribunal de Justiça, por outro, tinham sido adoptados pela Comissão em conformidade com o princípio da colegialidade, que regula, em geral, o funcionamento da Comissão, e de acordo com as formalidades impostas pelo regulamento interno da Comissão. Por esta razão, o Governo alemão, por carta de 4 de Setembro de 1995, pediu que fosse esclarecida a questão de saber se o parecer fundamentado e a decisão relativa à propositura da acção no Tribunal de Justiça tinham sido tomados pela própria Comissão ou pelo seu vice-presidente ao abrigo de uma habilitação, tendo pedido igualmente uma cópia dessas decisões. Uma vez que a Comissão não respondeu aos pedidos do Governo alemão, este requereu ao Tribunal de Justiça que convidasse a demandante a apresentar os elementos pertinentes que tinham sido pedidos.

3 Por despacho de 23 de Outubro de 1996, o Tribunal de Justiça convidou a Comissão a apresentar ao Tribunal de Justiça, no prazo de três semanas a contar da notificação do despacho, as decisões adoptadas colegialmente e autenticadas nas condições definidas no regulamento interno e com base nas quais a Comissão formulou o parecer fundamentado contra a República Federal da Alemanha e decidiu propor a presente acção.

4 A fim de dar cumprimento ao referido despacho, a Comissão apresentou ao Tribunal de Justiça uma série de documentos que, todavia, não correspondiam ao pedido do Tribunal de Justiça. Tratava-se, concretamente, de extractos das actas de algumas das suas reuniões, bem como de documentos que faziam referência a essas actas. Desses documentos resulta que na sua 1071.a reunião, que teve lugar em 31 de Julho de 1991, a Comissão aprovou as propostas dos seus serviços responsáveis, reproduzidas no documento SEC(91) 1387. Este documento contém uma lista sumária, elaborada com base em dados informáticos, mencionando-se num dos pontos a directiva em questão no caso vertente e uma proposta (em duas palavras) no sentido de se dirigir um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha. Paralelamente, na acta da reunião da Comissão que teve lugar em 18 de Dezembro de 1991 [COM(91) PV 1087)] refere-se que a Comissão aprova a proposta reproduzida no documento SEC(91) 2213; este documento propõe a execução imediata da referida decisão da Comissão, de 31 de Julho de 1991, relativa à notificação de um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha. Por último e de forma igualmente sucinta, conforme se refere na acta da reunião da Comissão de 13 de Dezembro de 1994 [(COM(95) PV 1227)], esta aprovou a proposta no sentido de intentar no Tribunal de Justiça uma acção contra a República Federal da Alemanha, nos termos do artigo 169._ do Tratado; esta proposta figurava no documento SEC(94) 1808.

5 Os documentos apresentados ao Tribunal de Justiça não provam que a Comissão, no momento em que, colectivamente, decidiu enviar um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha e, seguidamente, intentar no Tribunal de Justiça uma acção contra aquele Estado-Membro, tinha em seu poder o próprio texto dos actos em causa (isto é, do parecer fundamentado e da acção), ainda que sob a forma de um projecto completo redigido pelos serviços da Comissão. Daqui resulta logicamente que os documentos apresentados ao Tribunal de Justiça não permitem que nos pronunciemos quanto ao respeito das formas previstas no artigo 12._ do regulamento interno da Comissão (2), na versão em vigor no momento em que ocorreram os factos relevantes. Este artigo previa que «os actos adoptados pela Comissão, em reunião ou através de procedimento escrito, serão autenticados, na ou nas línguas em que façam fé, pelas assinaturas do presidente e do secretário executivo» e obrigava a anexar o texto desses actos à acta da reunião da Comissão onde se faz menção da sua adopção.

6 Face a estes elementos, o Governo alemão continuou a defender que a acção era inadmissível, desenvolvendo a adequada argumentação na audiência no Tribunal de Justiça. Em contrapartida, a Comissão, por seu turno, considera que os referidos documentos permitem concluir que as regras processuais aplicáveis, e entre as quais figura em primeiro lugar o princípio da colegialidade da Comissão, foram respeitadas.

7 Começarei por analisar a questão de saber se o parecer fundamentado dirigido à República Federal da Alemanha respeitou as formalidades legais. Perguntarei, em primeiro lugar, se o princípio da colegialidade foi respeitado e, seguidamente, em caso de resposta negativa à primeira questão, debruçar-me-ei sobre a questão de saber se o parecer fundamentado podia ser emitido ao abrigo de uma habilitação ou, em todo o caso, sem se ter necessariamente em conta a obrigação relativa ao funcionamento colegial da Comissão.

A - Alcance e limites do princípio da colegialidade da Comissão

8 Segundo a jurisprudência, o princípio da colegialidade ocupa uma posição primordial na ordem jurídica comunitária; inscreve-se, enquanto princípio de organização, na economia institucional da Comunidade (e da União). Este princípio encontra-se enunciado no artigo 17._ do Tratado de Fusão, bem como no artigo 163._ do Tratado CE: este último determina formalmente que: «As deliberações da Comissão são tomadas por maioria do número de membros...» Da mesma forma, o artigo 1._ do regulamento interno da Comissão determina que «a Comissão age colegialmente, em conformidade com as disposições do presente regulamento».

9 Os dois acórdãos mais importantes do Tribunal de Justiça que definem e traçam o campo de aplicação e os limites do princípio da colegialidade são os seguintes:

10 Em primeiro lugar, trata-se do acórdão AKZO/Comissão (3): resulta dos n.os 36 e segs. dos fundamentos deste acórdão que a colegialidade rege o funcionamento da Comissão e que, apesar de determinadas decisões poderem ser tomadas no uso de uma habilitação (4), esse procedimento continua, no entanto, a ser a excepção. Para que o princípio da colegialidade seja respeitado, importa, por um lado, evitar transferir um poder autónomo para o beneficiário da habilitação e, por outro, excluir sistematicamente a habilitação para as decisões de princípio. Nos termos do disposto no artigo 27._ do regulamento interno da Comissão, a que o acórdão do Tribunal de Justiça se refere, a habilitação apenas pode ter por objecto determinadas categorias de actos de gestão ou de administração. Em todo o caso e no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, no quadro dos poderes conferidos à Comissão para a salvaguarda da livre concorrência, uma decisão que ordena a uma empresa que se submeta a uma verificação em aplicação do artigo 14._, n._ 3, do Regulamento n._ 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), devia ser considerada uma simples decisão de gestão e podia, consequentemente, ser objecto de uma habilitação (5). Em todo o caso, o princípio da segurança jurídica e a necessária transparência das decisões administrativas impõem que a Comissão dê publicidade às decisões de habilitação. Todavia, quem impugnar as decisões da Comissão não pode invocar a falta de publicidade da decisão de habilitação quando esta «não determinou que os recorrentes ficassem privados da possibilidade de contestar a regularidade, quer dessa decisão, quer da decisão tomada no exercício dos poderes delegados» (6).

11 O segundo é o acórdão Comissão/BASF e o. (7), que recorda, em primeiro lugar, a regra geral (8) segundo a qual «... o funcionamento da Comissão se rege pelo princípio da colegialidade...» (9). O Tribunal de Justiça afirma ainda que «O respeito por este princípio, e particularmente a necessidade de as decisões serem deliberadas em comum pelos membros da Comissão, interessa necessariamente os sujeitos de direito afectados pelos efeitos jurídicos por aquelas produzidos, na medida em que devem poder estar seguros de que as decisões foram efectivamente aprovadas pelo colégio e correspondem exactamente à vontade deste» (10). No que se refere às decisões que devem obrigatoriamente ser fundamentadas, o Tribunal de Justiça reconhece que «A parte decisória e o alcance de decisões deste tipo só podem ser compreendidos à luz dos respectivos fundamentos. Assim, a parte decisória e a fundamentação das decisões constituem um todo indissociável, pelo que compete unicamente ao colégio, por força do princípio da colegialidade, aprovar uma e outra» (11). Por último, o acórdão PVC menciona expressamente que o processo de autenticação dos actos da Comissão previsto no artigo 12._, primeiro parágrafo, do seu regulamento interno, «tem por finalidade garantir a segurança jurídica ao cristalizar o texto aprovado pelo colégio» (12); assim, todos os titulares de um interesse legítimo podem invocar a falta de respeito da referida forma a fim de impedir que o acto adoptado pela Comissão em violação das formalidades prescritas produza efeitos jurídicos.

12 Esta jurisprudência mostra que o princípio da adopção colegial das decisões constitui a regra geral por que se rege o funcionamento da Comissão. No que respeita especialmente aos actos que exigem fundamentação, quer por força de determinada disposição, quer em razão da sua natureza, o princípio da colegialidade impõe a adopção simultânea pela Comissão, enquanto órgão colegial, da parte decisória e dos fundamentos do acto. A autenticação das decisões tomadas pela Comissão, prevista no regulamento interno, garante o respeito do referido princípio. A Comissão pode, no entanto, excepcionalmente, habilitar os seus membros a agirem em seu nome; obviamente, o respeito da formalidade da autenticação, previsto no regulamento interno, não se impõe em relação aos actos adoptados no uso de uma habilitação; no entanto, a habilitação está excluída no que respeita às decisões de princípio e só pode ter por objecto actos de gestão ou de administração; além disso, a habilitação deve ser formal, manifesta e ter sido publicada (13).

B - O respeito do princípio da colegialidade no caso vertente

13 Coloca-se, seguidamente, a questão de saber se, no quadro do litígio que estamos a analisar, a Comissão emitiu o parecer fundamentado em causa em conformidade com as exigências do princípio da colegialidade. Numa primeira fase, analisarei se o referido acto foi adoptado colegialmente pela Comissão. Examinarei, seguidamente, se o parecer fundamentado podia ser objecto de uma habilitação e a regularidade da habilitação eventualmente concedida.

a) A questão de saber se o parecer fundamentado em causa foi adoptado nos termos de uma decisão colegial da Comissão

14 O parecer fundamentado, como foi notificado à República Federal da Alemanha, tem a data de 2 de Junho de 1992 e a assinatura do então vice-presidente da Comissão, M. Bangemann. No entanto, como anteriormente expus, este texto não foi redigido nem adoptado pela Comissão e nem sequer lhe foi apresentado para aprovação. A Comissão limitou-se a aprovar a proposta, proveniente dos serviços competentes, no sentido de se enviar um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha, como resulta das actas das suas reuniões dos dias 31 de Julho de 1991 e 18 de Dezembro de 1991. As actas destas reuniões também não incluem em anexo o texto do parecer fundamentado autenticado nos termos do artigo 12._ do regulamento interno da Comissão, na sua redacção em vigor no momento em que foi tomada a decisão de notificação do parecer fundamentado (14). Portanto, a Comissão não respeitou a formalidade essencial prevista neste artigo. Ora, independentemente das exigências decorrentes do regulamento interno da Comissão, esta não apresentou ao Tribunal de Justiça suficientes elementos comprovativos dos quais se possa deduzir o seu respeito do princípio da colegialidade (15). Para que o referido princípio tivesse sido respeitado, teria sido necessário, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (16), que, no dia em que a decisão foi adoptada, isto é, em 31 de Julho de 1991 ou, o mais tardar, em 18 de Dezembro de 1991, a Comissão tivesse decidido não só notificar o parecer fundamentado, mas ainda que tivesse adoptado os vários fundamentos nos quais se baseia essa decisão. Por conseguinte, não basta que a Comissão manifeste a vontade política de emitir um parecer fundamentado para que o princípio da colegialidade seja respeitado. Este acto, adoptado em aplicação do artigo 169._ do Tratado, deve, por natureza, ser fundamentado (17); daqui resulta que o princípio da colegialidade impõe que quer a parte decisória, quer os fundamentos da decisão sejam adoptados simultaneamente pela Comissão, agindo em cada momento colegialmente (18).

15 Finalmente, o princípio da colegialidade exigia que o próprio corpo do acto, como foi notificado ao Governo alemão, tivesse sido comunicado aos comissários, sob a forma de um projecto, no próprio dia da adopção da decisão. Esse texto só poderia, posteriormente, ser objecto de rectificações de natureza ortográfica ou gramatical, em conformidade com as considerações feitas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Reino Unido/Conselho (19).

16 Concluo, pois, que, no caso sub judice, não se provou que o parecer fundamentado tenha sido adoptado colegialmente pela Comissão. Resta, no entanto, examinar a questão de saber se o comissário responsável podia, em virtude de uma habilitação, adoptar o referido acto. É desta condição que depende a regularidade formal do parecer fundamentado notificado à República Federal da Alemanha em 2 de Junho de 1992.

b) A questão de saber se o parecer fundamentado podia ser adoptado nos termos de uma habilitação

17 Esta questão podia ser formulada da maneira seguinte: o parecer fundamentado previsto no artigo 169._ do Tratado constitui um «acto de administração ou de gestão?» (20).

18 Em primeiro lugar, pode defender-se que, como subentende a escolha do termo em questão pelo legislador comunitário, o parecer fundamentado não é um «acto» e que, nesse caso e por maioria de razão, pode ser emitido nos termos de uma habilitação. De resto, em conformidade com o último parágrafo do artigo 189._ do Tratado CE, «as recomendações e os pareceres não são vinculativos»; portanto, se se admitisse que o «parecer fundamentado» emitido nos termos do artigo 169._ constitui um «parecer» na acepção do artigo 189._, seria possível, sendo caso disso, argumentar que um texto destituído de carácter vinculativo não poderia, por definição, incluir-se nos que são objecto de competência exclusiva, atribuída à Comissão na sua qualidade de órgão colegial.

19 Observo, no entanto, que o juiz comunitário não pode satisfazer-se com este critério literal nem atribuir-lhe um papel decisivo. Este aspecto pode ser especialmente esclarecido pela jurisprudência desenvolvida nesta matéria pelo Tribunal de Justiça com o objectivo de determinar quais são os actos das instituições comunitárias que podem ser objecto de um recurso de anulação nos termos do artigo 173._: o Tribunal de Justiça concentra a sua análise não tanto sobre a forma externa que o acto impugnado reveste, mas antes sobre o seu conteúdo e os seus efeitos jurídicos (21).

20 Quanto a este último critério, impõe-se, em primeiro lugar, sublinhar que, segundo os ensinamentos da jurisprudência, o parecer fundamentado emitido nos termos do artigo 169._ do Tratado não constitui um acto administrativo causador de prejuízo e que o recurso previsto no artigo 173._ do Tratado não pode constituir uma via jurídica susceptível de ser utilizada para a sua impugnação (22). Isto não significa, no entanto, que o parecer fundamentado não tenha consequências jurídicas ou que essas consequências não tenham importância ou revistam apenas uma importância secundária.

21 Esta questão pode ser esclarecida de forma útil pelo acórdão Essevi e Salengo (23). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «os pareceres emitidos pela Comissão nos termos do artigo 169._ do Tratado só têm eficácia jurídica em conjunção com a acção por incumprimento proposta no Tribunal contra o Estado em causa e que a Comissão não pode, através das tomadas de posição que adopte no âmbito do respectivo processo, exonerar o Estado-Membro das obrigações que lhe incumbem ou prejudicar os direitos que são atribuídos aos particulares por força do Tratado» (24). Paralelamente, o Tribunal de Justiça qualificou o parecer fundamentado de «procedimento preliminar», que, no caso de o Estado-Membro em causa não se conformar com ele, «... serve para definir o objecto do litígio» (25). Em todo o caso, o Tribunal de Justiça evitou qualificar formalmente o parecer fundamentado como uma medida interna não vinculativa ou considerar que este acto fazia parte dos «pareceres» e das «recomendações» previstos no artigo 189._ do Tratado, apesar de as partes terem apresentado argumentação nesse sentido (26). A meu ver, é preferível não equiparar o parecer fundamentado emitido nos termos do artigo 169._ às recomendações ou aos pareceres não vinculativos mencionados no artigo 189._ do Tratado; mais vale considerar que se trata, no caso vertente, de um acto sui generis, que ocupa uma posição especial e que tem um modo de funcionamento específico na ordem jurídica comunitária.

22 Seja como for, é certo que o facto de o parecer fundamentado não constituir um acto administrativo executório não implica que seja automaticamente um acto que se inscreva na categoria dos actos de administração ou de gestão que admitem habilitação. Em minha opinião, a equiparação destas duas categorias jurídicas não é oportuna. Como, de resto, o regulamento interno prevê e a jurisprudência actual reconhece, deve distinguir-se entre simples actos de administração ou de gestão e «decisões de princípio», que a Comissão está obrigada a adoptar em colégio. Estamos perante uma decisão dessa natureza quando a Comissão formule uma apreciação final sobre uma questão de direito sensível e essa apreciação produza efeitos jurídicos. Em todo o caso e na dúvida, existe uma presunção que milita contra a possibilidade de conceder uma habilitação.

23 Nesta perspectiva, deve admitir-se que, quando é proposta no Tribunal de Justiça uma acção nos termos do artigo 169._, o parecer fundamentado constitui uma «decisão de princípio», no sentido de que, pelo menos no que toca a determinadas questões, contém a apreciação final da Comissão e produz efeitos jurídicos definitivos no quadro desse processo. Mais particularmente, o parecer fundamentado define as matérias às quais se refere o incumprimento das obrigações que incumbem ao Estado-Membro destinatário, bem como os fundamentos em que assentam as acusações da Comissão e, desta forma, circunscreve o objecto da acção intentada no Tribunal. A Comissão não pode modificar esse objecto: a única possibilidade que lhe resta é a de se abster de recorrer ao Tribunal de Justiça ou desistir da acção judicial já proposta, assim como pode revogar um acto administrativo causador de prejuízo.

24 Por outras palavras, a importância jurídica do parecer fundamentado, que faz dele uma «decisão de princípio» e que o afasta da categoria dos actos que podem ser adoptados através de uma habilitação, não resulta dos efeitos directos que a sua notificação acarreta em detrimento do seu destinatário (27), mas das consequências jurídicas que produz no quadro da acção prevista no artigo 169._, na medida em que vincula a Comissão quanto ao conteúdo e ao alcance das acusações que pode suscitar em juízo e, paralelamente, limita o alcance da fiscalização judicial (28). Sublinho, de resto, a importância e a posição especial que a acção prevista no artigo 169._ ocupa na ordem jurídica comunitária, quer do ponto de vista jurídico quer do ponto de vista político. Seria, em minha opinião, contrário à economia do Tratado subestimar o papel desempenhado pela Comissão no quadro deste processo, qualificando o parecer fundamentado como um acto de administração ou de gestão.

25 Penso que a tese que acabo de defender é reforçada pelos ensinamentos da jurisprudência quanto aos efeitos do parecer fundamentado. Como já antes referi, o parecer fundamentado circunscreve o objecto do litígio submetido ao Tribunal, na medida em que a acção e o parecer fundamentado devem assentar nos mesmos fundamentos e argumentos (29). A formulação de novas acusações pela Comissão ou mesmo o alargamento da sua argumentação recorrendo a novos elementos no quadro das mesmas acusações são inadmissíveis (30). Paralelamente, o Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre uma acção nos termos do artigo 169._, vê os seus poderes claramente circunscritos; limitam-se à fiscalização da legalidade dos elementos contidos no parecer fundamentado e reiterados na petição (31). Para compreender o papel desempenhado pelo parecer fundamentado no quadro do processo previsto no artigo 169._, importa remeter para a jurisprudência segundo a qual, mesmo que o Estado-Membro tenha tomado depois do prazo fixado pelo parecer fundamentado medidas destinadas a com este se conformar, o incumprimento já se produziu e, portanto, a acção intentada mantém o seu objecto (32). Por último, a distinção operada pelo Tribunal entre a carta de interpelação e o parecer fundamentado é significativa: ao passo que a primeira não se caracteriza por um formalismo estrito, o segundo deve ser perfeito do ponto de vista formal e processual, porque o parecer fundamentado «conclui a fase pré-contenciosa prevista no artigo 169._» do Tratado (33). De resto, é por esta razão que o Tribunal exerce uma fiscalização mais severa no que toca ao parecer fundamentado do que à carta de interpelação (34).

26 Para concluir, a formulação do parecer fundamentado constitui o contributo mais importante da Comissão, do ponto de vista do seu peso político e dos seus efeitos jurídicos, no quadro do processo previsto no artigo 169._ Não é possível conceber, em minha opinião, que este acto, cujo conteúdo é notificado ao Estado-Membro interessado, não seja adoptado directamente pela Comissão, actuando como órgão colegial. A especial natureza que a jurisprudência do Tribunal de Justiça lhe reconhece não se ajusta à equiparação do parecer fundamentado a um simples acto de administração ou de gestão susceptível de ser adoptado no uso de uma habilitação. Portanto e no presente litígio, o parecer fundamentado no qual a acção se funda não foi emitido pela Comissão com respeito das formalidades legais e actuando colegialmente, pelo que colhe a questão de inadmissibilidade suscitada pela República Federal da Alemanha.

IV - Quanto à procedência da acção

Ainda que não seja indispensável, exponho a minha posição quanto à procedência da acção proposta pela Comissão, que é a seguinte:

27 Há que salientar, em primeiro lugar, que, segundo o direito comunitário, a necessidade de proteger «... [os] interesses dos sócios e de terceiros» (35) exige a publicação dos estatutos e das contas anuais de determinadas categorias de sociedades; a adopção das medidas destinadas a assegurar essa garantia incumbe aos Estados-Membros. Mais especificamente, o artigo 3._ da Primeira Directiva exige a transcrição de todos os actos e de todas as indicações das sociedades que estão sujeitos a publicidade no registo nacional designado pelo Estado-Membro. Além disso, nos termos do artigo 6._ da Primeira Directiva, «Os Estados-Membros devem prever sanções apropriadas para a falta de publicidade do balanço e da conta de ganhos e perdas, nos termos prescritos no n._ 1, alínea f), do artigo 2._» Nos termos do artigo 2._, n._ 1, alínea f), «Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que a publicidade obrigatória relativa às sociedades abranja, pelo menos, os seguintes actos e indicações... O balanço e a conta de ganhos e perdas de cada exercício. O documento que contém o balanço deve indicar a identidade das pessoas que, por força da lei, o devem certificar. Todavia, quanto às sociedades... [de direito] alemão... mencionadas no artigo 1._... a aplicação obrigatória desta disposição é diferida até à data da entrada em vigor de uma directiva sobre a coordenação do conteúdo dos balanços e contas de ganhos e perdas... O Conselho adoptará essa directiva nos dois anos seguintes à adopção da presente directiva.» Finalmente, nos termos do artigo 47._ da Quarta Directiva, «As contas anuais regularmente aprovadas e o relatório de gestão, assim como o relatório elaborado pela pessoa encarregada do controlo das contas, devem ser objecto de publicidade efectuada de acordo com as modalidades previstas pela legislação de cada Estado-Membro em conformidade com o artigo 3._ da Directiva 68/151/CEE.»

28 A Comissão considera que a República Federal da Alemanha não cumpriu a obrigação antes descrita, imposta pelas referidas disposições, uma vez que não previu sanções adequadas para o caso do não cumprimento da obrigação de publicidade. Mais precisamente, as disposições relativas à publicidade das contas anuais das sociedades de capitais na República Federal da Alemanha figuram nos §§ 335 e segs. do Handelsgesetzbuch (Código do Comércio alemão, a seguir «HGB»). O § 335 do HGB prevê uma sanção pecuniária compulsória que pode atingir 10 000 DM em caso da não publicação da conta anual de ganhos e perdas; todavia, esta sanção não é imposta oficiosamente pelo Registergericht, mas apenas com base em pedido apresentado para esse efeito por um sócio, por um credor ou pela comissão de trabalhadores comum da empresa ou, na falta desta, pela comissão de trabalhadores da sociedade de capitais. Para a Comissão, esta sanção é completamente ineficaz e não pode considerar-se que preencha as exigências da legislação comunitária; a esmagadora maioria das sociedades sujeitas à obrigação de publicar as suas contas anuais não respeita essa obrigação.

29 Considero que este raciocínio da Comissão é fundado e que nenhum dos argumentos apresentados pela República Federal da Alemanha em resposta às acusações da Comissão pode ser acolhido.

30 Em primeiro lugar, a alegação do Governo alemão segundo a qual o artigo 6._ da Primeira Directiva não obriga os Estados-Membros, no quadro da transposição da Quarta Directiva, a prever sanções adequadas em caso da não publicação das contas anuais é errada. A Quarta Directiva é aquela a que se refere o artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva, ou seja, aquela cuja entrada em vigor condiciona o cumprimento da obrigação de publicar o balanço e as contas de ganhos e perdas das empresas. Assim, a partir do momento em que a Quarta Directiva introduziu na ordem jurídica comunitária o texto legal «... sobre a coordenação do conteúdo dos balanços e contas de ganhos e perdas...» (36), o artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva tornou-se perfeitamente vinculativo. Daqui resulta logicamente que incumbe aos Estados-Membros a obrigação de fixar sanções adequadas para a falta de publicação das contas de ganhos e perdas, imposta pelo artigo 6._ da Primeira Directiva.

31 O Governo alemão sustenta ainda que a sanção prevista no § 335 do HGB, antes referido, cumpre a obrigação imposta pelas disposições comunitárias e, em particular, pelo artigo 6._ da Primeira Directiva. Em apoio desta alegação, o Governo alemão defende que as disposições comunitárias em causa se destinam, não a proteger todos os terceiros à sociedade de capitais, quer sejam pessoas singulares ou colectivas, mas apenas os seus credores, incluindo nestes os trabalhadores. É por esta razão, justificada no entender da demandada, que a sanção prevista no § 335 do HGB não é aplicada oficiosamente, mas apenas a pedido de um sócio, de um credor, da comissão de trabalhadores comum da empresa ou da comissão de trabalhadores da sociedade.

32 Penso que este tipo de interpretação é errado. Por um lado, o artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado, com base no qual a Primeira e a Quarta Directivas foram adoptadas, evoca a protecção dos «... interesses dos sócios e de terceiros» em geral, sem distinguir entre terceiros credores ou não credores. Assim, nos terceiros incluem-se igualmente os futuros credores, os parceiros comerciais, bem como aqueles a quem interessa a aquisição de partes no capital. Por outro lado, o preâmbulo da Primeira Directiva refere que «a publicidade deve permitir que os terceiros conheçam os actos essenciais da sociedade e certas indicações a ela respeitantes...». Desta formulação resulta que a obrigação de publicação em questão tem por objectivo informar as pessoas que não conhecem suficientemente a situação da sociedade nem o que nela se planeia, a fim de, precisamente, poderem apreciar a oportunidade de com ela tecer qualquer espécie de vínculo jurídico. De uma maneira mais geral, tanto a Primeira como a Quarta Directivas destinam-se a assegurar a maior transparência possível no funcionamento das sociedades e instituem, para esse efeito, a publicidade erga omnes de uma série de indicações que permitirão a todas as pessoas tirar as suas conclusões quanto à sua situação, quer jurídica quer financeira. Portanto, seria contrário à letra e ao espírito destas disposições limitar o círculo das pessoas que podem beneficiar dessa transparência; é precisamente devido à impossibilidade de estabelecer uma enumeração exaustiva das pessoas em questão - a actividade contratual e comercial ultrapassa a imaginação do legislador - que a directiva preferiu impor uma obrigação erga omnes, a única que pode garantir uma protecção jurídica completa. Daqui deve concluir-se que a restrição, prevista no direito alemão, do círculo de pessoas com legitimidade para reclamar a aplicação de uma sanção no caso da não publicação das contas anuais não é conforme às disposições comunitárias pertinentes.

33 À luz das considerações precedentes, entendo que a legislação alemã actualmente em vigor não preenche as exigências do artigo 6._ da Primeira Directiva; portanto, este preceito não foi correctamente aplicado na ordem jurídica interna. Não é possível considerar como «sanção apropriada», na acepção do disposto no artigo 6._ da Primeira Directiva, correspondente à imposição de uma obrigação erga omnes, aquela cuja aplicação exige, como condição necessária, a apresentação de um pedido para o efeito, o que só é possível no que toca a um número restrito de sujeitos jurídicos, especialmente quando estes últimos nem sempre estarão interessados na abertura desse processo. Por conseguinte, não é possível considerar que esse processo, que, na prática e na maioria dos casos de não cumprimento da obrigação de publicação, não pode ser aplicado, preencha a exigência da sanção adequada imposta pelo artigo 6._ da Primeira Directiva. À luz destas considerações, creio que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta disposição comunitária. Finalmente, este incumprimento não pode ser justificado ou aceite pelo facto de a aplicação de sanções à totalidade das sociedades que não publicam as suas contas criar, devido ao seu grande número, grandes dificuldades para a administração alemã, desproporcionadas, segundo o Governo alemão, face ao objectivo prosseguido pelo legislador comunitário. Segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «um Estado-Membro não pode invocar situações da sua ordem jurídica interna para justificar o não cumprimento das obrigações e prazos decorrentes das normas do direito comunitário...» (37).

34 Donde concluo que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força quer do direito comunitário primário quer do direito comunitário derivado; a não existir o obstáculo da inadmissibilidade, a acção da Comissão seria, sem dúvida, procedente.

V - Conclusão

35 À luz das precedentes considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1) Julgue inadmissível a acção proposta pela Comissão.

2) Condene a Comissão nas despesas.

(1) - Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3, a seguir «Primeira Directiva»), e Quarta Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55, a seguir «Quarta Directiva»).

(2) - Trata-se do regulamento interno da Comissão, na versão provisória do Regulamento 63/41/CEE, de 9 de Janeiro de 1963 (JO 1963, L 181, p. 63).

(3) - Acórdão de 23 de Setembro de 1986 (5/85, Colect., p. 2585).

(4) - V. igualmente o acórdão de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Recueil, p. 19).

(5) - V., neste sentido, o acórdão de 17 de Outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão (97/87, 98/87 e 99/87, Colect., p. 3165).

(6) - V. acórdão AKZO/Comissão (já referido na nota 3, n._ 39).

(7) - Acórdão de 15 de Junho de 1994, dito «PVC» (C-137/92 P, Colect., p. I-2555, n._ 62).

(8) - Uma vez que a colegialidade da acção da Comissão é a regra, o Tribunal de Justiça evita circunscrever de forma precisa o campo de aplicação deste princípio. Aliás, é por essa razão que, ao referir-se ao princípio da colegialidade, o Tribunal de Justiça esclarece que se aplica «particularmente» aos actos administrativos lesivos da Comissão, como os que têm por objecto a verificação de infracções às regras da concorrência, pronunciar injunções em relação às empresas em causa e aplicar-lhes sanções pecuniárias nos termos do Regulamento n._ 17 (n._ 65). Por conseguinte, seria errado sustentar que, quando a Comissão não adopta actos administrativos com carácter executório, não é necessariamente obrigatório o respeito do princípio da colegialidade.

(9) - Acórdão PVC (já referido na nota 7, n._ 62).

(10) - Acórdão PVC (já referido na nota 7, n._ 64).

(11) - Acórdão PVC (já referido na nota 7, n._ 67).

(12) - Acórdão PVC (já referido na nota 7, n._ 75).

(13) - Sobre este aspecto, parece-me que basta recordar a jurisprudência recente do Tribunal de Primeira Instância para mostrar de que forma se aplicam os princípios atrás descritos, enunciados pelo Tribunal de Justiça a propósito do alcance do princípio da colegialidade. O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, AAC e o./Comissão (T-442/93, Colect., p. II-1329, n.os 78 e segs.), referia-se, no quadro da aplicação do artigo 92._ do Tratado, a uma decisão de aprovação de auxílios de Estado que se inscreviam no quadro de um regime geral de auxílios aprovado anteriormente pela Comissão através de uma decisão adequada, adoptada colegialmente. O Tribunal considerou que «o facto de, no caso em apreço, a decisão impugnada ter, acertadamente, sido adoptada apenas com base num exame limitado à fiscalização do respeito das condições fixadas na decisão de aprovação do regime geral, não basta, em si mesmo, para permitir qualificar a mesma de medida de gestão ou de administração»(n._ 87). Consequentemente, a decisão em causa não podia ser tomada no uso de uma habilitação. (V. igualmente o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T-435/93, Colect., p. II-1281). No acórdão de 6 de Abril de 1995, BASF e o./Comissão, dito «PEBD» (T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89, T-88/89, T-90/89, T-93/89, T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89, T-105/89, T-107/89 e T-112/89, Colect., p. II-729, n.os 99 e segs), o Tribunal considerou que, mesmo quando um acto tenha sido adoptado pelo colégio dos comissários, mas unicamente em algumas das línguas que fazem fé, a concessão de uma habilitação para a adopção desse texto nas restantes línguas que fazem fé não era possível, uma vez que a sua redacção numa dessas línguas não pode considerar-se como um acto de administração ou de gestão. O critério decisivo para a análise da questão de saber se um acto faz ou não parte da categoria de actos que podem ser objecto de habilitação reside na análise dos seus efeitos jurídicos. Observo que se a questão da habilitação é abordada de forma especialmente estrita é, obviamente, porque a habilitação constitui a excepção, ao passo que a colegialidade continua a ser a regra por que se rege o funcionamento da Comissão. Esta regra não pode ser posta em causa pelos argumentos da Comissão que se referem à necessidade de recorrer a processos mais flexíveis e de evitar a paralisia institucional que, em sua opinião, o respeito estrito do princípio da colegialidade acarretaria. É igualmente manifesto que a existência de uma vontade política formal dos membros da Comissão (que, como antes vimos, estava patente nos processos já referidos) não era, segundo o Tribunal de Primeira Instância, suficiente para garantir a legalidade dos actos adoptados no uso de uma habilitação.

(14) - Remeto para a nota 2.

(15) - Aplica-se neste caso a excepção ao princípio segundo o qual incumbe a cada parte o ónus da prova dos factos que alega. Como a jurisprudência admitiu, inverte-se este ónus sempre que os elementos probatórios se encontrem na posse exclusiva da parte contrária (v. acórdão de 1 de Dezembro de 1965, Comissão/Itália, 45/64, Colect. 1965-1968, p. 223) ou sempre que, pelo seu comportamento, esta última impossibilite o acesso a estes elementos (v. acórdão de 28 de Abril de 1966, Ferriere e Acciaierie Napoletane/Haute Autorité de la CECA, 49/65, Recueil, p. 103). Por esta razão, incumbe à Comissão provar que respeitou o princípio da colegialidade, bem como as formalidades processuais que com ele se prendem.

(16) - V. acórdão PVC (já referido na nota 7).

(17) - Sobre a natureza e alcance da fundamentação que este acto deve conter, v., a título indicativo, os acórdãos de 19 de Dezembro de 1961, Comissão/Itália (7/61, Colect. 1954-1961, p. 643) de 14 de Fevereiro de 1984, Comissão/Alemanha (325/82, Recueil, p. 777); de 13 de Outubro de 1990, Comissão/Grécia (Colect., p.I-4747), e de 17 de Setembro de 1996, Comissão/Itália (C-282/94, Colect., p. I-4405).

(18) - De resto, resulta de jurisprudência assente que a exigência de uma fundamentação completa está directamente ligada ao respeito dos direitos da defesa do Estado-Membro em causa. Com efeito, a notificação do parecer fundamentado destina-se a possibilitar que o Estado-Membro apresente os seus argumentos a fim de permitir, eventualmente, que o litígio entre esse Estado-Membro e a Comissão possa ser resolvido sem a intervenção do Tribunal de Justiça (acórdãos de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, 124/81, Recueil, p. 203, e de 25 de Abril de 1996, Comissão/Luxemburgo, C-274/93, Colect., p. I-2019).

(19) - Acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, dito das «galinhas poedeiras» (131/86, Colect., p. 905).

(20) - Poderia, evidentemente, sustentar-se que não resulta, de qualquer forma, dos elementos dos autos que a Comissão tenha habilitado, através de uma decisão, o comissário que assinou o parecer fundamentado. Como anteriormente referi, a habilitação deve ser expressa e responder às exigências de clareza e publicidade, contrariamente à situação que parece ser a do caso vertente. Em todo o caso, há que assinalar que o Tribunal de Justiça considerou que imperfeições deste tipo não determinam a caducidade da habilitação, desde que não afectem a protecção jurídica dos destinatários do acto adoptado em virtude de uma habilitação (v. acórdão AKZO/Comissão, já referido na nota 3). Consequentemente, é oportuno responder, em primeiro lugar, à questão de saber se determinada competência faz ou não parte das competências que admitem habilitação.

(21) - Foi com base neste fundamento que o Tribunal de Justiça, repetidas vezes julgou inadmissíveis recursos dirigidos contra «instruções internas» ou contra «comunicações». V., por exemplo, os acórdãos de 9 de Outubro de 1990, França/Comissão (C-366/88, Colect., p. I-3571); de 13 de Novembro de 1991, França/Comissão (C-303/90, Colect., p. I-5315); de 16 de Junho de 1993, França/Comissão (C-325/91, Colect., p. I-3283), bem como as conclusões apresentadas em 16 de Janeiro de 1997 pelo advogado-geral G. Tesauro no processo C-57/95 (acórdão de 20 de Março de 1997, França/Comissão, Colect., p. I-1627, n.os 8 a 11 das conclusões).

(22) - Acórdão de 27 de Maio de 1981, Essevi e Salengo (142/80 e 143/80, Recueil, p. 1413). De resto, é pela mesma razão que o Tribunal de Justiça declarou inadmissível uma acção que tinha por objecto a recusa, por parte da Comissão, de intentar contra um Estado-Membro a acção prevista no artigo 169._ do Tratado (acórdão de 1 de Março de 1966, Lütticke e o/Comissão, 48/65, Colect., p. 305) e, de facto mais recente, despacho do Tribunal de 12 de Novembro de 1996, SDDDA/Comissão (T-47/96, Colect., p. II-1559): a Comissão não está obrigada a adoptar um acto que não constitua um acto que formule acusações.

(23) - Acórdão já referido na nota 22.

(24) - Ibidem, n._ 18.

(25) - Ibidem, n._ 15.

(26) - Ibidem, p. 1420.

(27) - Como antes referi, isto não significa que se verifique um incumprimento das obrigações que incumbem a um Estado-Membro devido à simples notificação, pela Comissão, de um parecer fundamentado com esse conteúdo. Todavia, este elemento não é isento de consequências porque, na prática, o Estado-Membro não pode ignorá-lo. De resto, é por esta razão que o Tribunal de Justiça se mostra particularmente exigente quando suscita a questão do respeito dos direitos da defesa do Estado-Membro face às acusações que a Comissão lhe dirigiu através do parecer fundamentado. V. nota 18, supra.

(28) - V. n._ 25, directamente, infra.

(29) - V., por exemplo, os acórdãos de 7 de Fevereiro de 1984, Comissão/Itália (166/82, Recueil, p. 459, n._ 16); de 1 de Dezembro de 1993, Comissão/Dinamarca (C-234/91, Colect., p. I-6273, n._ 16), e de 12 de Janeiro de 1994, Comissão/Itália (C-296/92, Colect., p. I-1, n._ 11).

(30) - V. o acórdão de 7 de Fevereiro de 1984, Comissão/Itália (já referido na nota 29).

(31) - Assim, o juiz comunitário não pode substituir por um prazo diferente o prazo fixado no parecer fundamentado. V. os acórdãos de 10 de Novembro de 1981, Comissão/Itália (28/81 e 29/81, Recueil, pp. 2577 e 2585).

(32) - V. os acórdãos de 7 de Fevereiro de 1973, Comissão/Itália (39/72, Colect., p. 39); de 5 de Junho de 1986, Comissão/Itália (103/84, Colect., p. 1759); de 21 de Junho de 1988, Comissão/Bélgica (283/86, Colect., p. 3271), e de 12 de Dezembro de 1990, Comissão/França (C-263/88, Colect., p. I-4611).

(33) - V. o acórdão de 31 de Janeiro de 1984, Comissão/Itália (74/82, Recueil, p. 317, n._ 13).

(34) - V., por exemplo, o acórdão de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália (274/83, Recueil, p. 1077, n.os 20 e 21): «Como o Tribunal declarou no seu acórdão de 11 de Julho de 1984 (Comissão/Itália, 51/83, Recueil 1984, p. 2793), a possibilidade de o Estado-Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo se ele pensa não a dever utilizar, uma garantia essencial querida pelo Tratado, e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo que verifica um incumprimento de um Estado-Membro. Embora daí resulte que o parecer fundamentado, previsto no artigo 169._ do Tratado CEE, deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, o Tribunal não pode impor exigências de precisão tão rigorosas à interpelação, uma vez que esta necessariamente apenas pode consistir num primeiro resumo sucinto das acusações...» V. também o acórdão de 17 de Setembro de 1996, Comissão/Itália (já referido na nota 17).

(35) - Necessidade formalmente reconhecida no artigo 54._, n._ 3, alínea f), do Tratado.

(36) - Artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva.

(37) - Acórdãos de 19 de Fevereiro de 1991, Comissão/Bélgica (C-374/89, Colect., p. I-367, n._ 10); de 7 de Abril de 1992, Comissão/Grécia (C-45/91, Colect., p. I-2509, n._ 21), e de 29 de Junho de 1995, Comissão/Grécia (C-109/94, C-207/94 e C-225/94, Colect., p. I-1791, n._ 11).

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